APERFEIÇOAMENTO DAS CONCLUSÕES E DA MOTIVAÇÃO DO RECURSO
CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
AUTORIZAÇÃO PARA EXERCÍCIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL
DIREITO À NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO
PROVAS PARA A DETEÇÃO DO ESTADO DE INFLUÊNCIA PELO ÁLCOOL
Sumário


I- A lei admite o aperfeiçoamento das conclusões (n.º 3 do artigo 417.º) mas já não o aperfeiçoamento da motivação que fixa definitivamente o âmbito do recurso e é imodificável (n.º 4 do artigo 417.º).
II- Ao arguido condenado em pena de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação não é de conceder autorização para exercer a sua atividade de feirante, porque tal autorização é suscetível de por em causa as exigências de prevenção especial e geral que se se pretendem acautelar no caso concreto e que não ficariam asseguradas.
III- Com efeito, não obstante as condenações já sofridas pelo arguido, o contacto que já manteve com o estabelecimento prisional, cumprindo penas de prisão efetivas, uma delas de longa duração, e de se encontrar em liberdade condicional à data dos factos, tal não o inibiram de insistir na senda do crime, evidenciando, uma personalidade deformada.
IV- Acresce que não obstante a gravidade das suas atuações pelas quais responde nos presentes autos e que demandam fortes exigências de prevenção geral, o arguido não as interiorizou, nem evidenciou qualquer arrependimento.
V- E tanto basta para concluir que a autorização pretendida pelo arguido, ora recorrente iria implicar um quase desaparecimento total do efeito detentivo da pena.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1.
No âmbito dos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o número 83/20...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., realizado o julgamento foi proferida sentença, constando do respetivo dispositivo, para além do mais, o seguinte (transcrição):

“a) Absolvo o arguido AA da prática de um crime condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro;
b) Condeno o arguido AA, como autor material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1 al. a) do Código Penal, por referência ao disposto no artigo 152.º, n.º 1 al. a) e n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
c) Condeno o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, pelo período de 8 (oito) meses;
d) Condeno o arguido AA, como autor material e na forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1 al. b) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
e) Condeno o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 10 (dez) meses;
f) Pela prática dos crimes elencados em b) e d), condeno o arguido na única de 14 (catorze) meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância;
g) Autorizo o arguido a ausentar-se da residência pelo tempo estritamente necessário, para frequência de consultas e demais actos médicos que vieram a ser agendados – artigo 43.º, n.º 3 – mediante comunicação prévia ao processo dos respectivos locais e horários;
h) Efectuando o cúmulo jurídico das penas acessórias elencadas em c) e e) condeno o arguido na pena acessória única de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 13 (treze) meses;
(…)”.

2.
Não se conformando com o decidido, veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as conclusões que a seguir transcrevemos, as quais pese embora não se encontrem, na sua globalidade, em conformidade com o artigo 412º,nº1, do CPP, porquanto não objetivadas “por artigos”, não foram alvo de qualquer despacho de aperfeiçoamento da nossa parte por se entender que tal imperfeição não compromete a apreciação jurídica do presente recurso.

Conclusões:
1. O arguido foi sujeito a julgamento encontrando-se acusado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo de:
- um crime de condução sem habilitação legal, previsto e previsto pelo artigo 3.o, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 2/98, de 03 de Janeiro e pelos artigos 121.o, n.º 1 e 122.o, n.º 1 do Código da Estrada;
- um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.o, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, punível com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.o, n.o 1, alínea b) do Código Penal;
- um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, punível com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.o, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
2. Por não se concordar com a matéria de facto dada como provada,
Dando-se cumprimento ao disposto no artigo 412º nº3 indica-se os concretos pontos que se consideram incorretamente julgados:
1,2,3,4,5,6,7,8,9,10
Prova que merece entendimento diverso, Ficheiro Áudio 20220606141047_5925130_2870598.wma Entre o minuto 03:16 e o minuto 08:00
Declarações prestadas pela Testemunha BB constantes a ata referente ao dia 06-06-2022, cfr referência ...26 entre as 14:40 e as 15:00
O arguido prestou declarações explicou que no dia, hora e local dos factos indicados na acusação, encontrava-se dentro do veículo que veio a causar a querela cuja apreciação corre nos presentes autos
O arguido explicou de forma desprendida e espontânea que no dia relatado na Acusação Pública de facto efetuou o trajeto relatado, e que a viatura em que circulava de facto embateu em alguns veículos não conseguindo precisar ao Tribunal a Marca, Modelo ou veículo,
Explicou que não era o condutor e que foi a sua Nora quem conduziu o veículo, e que a mesma se encontrava bastante nervosa devido ao facto do arguido se sentir muito indisposto, sendo sua intenção ir ao hospital.
Explicou de forma espontânea que após o embate contra a árvore que imobilizou o veículo que circulava, teve de sair pela porta do condutor uma vez que a porta do “pendura” se encontrava inutilizável porque estava inoperacional e porque próxima da árvore não tinha ângulo nem espaço para abrir
Referiu ainda que antes de si, saiu disparada BB
Tais declarações foram posteriormente confirmadas pela
Testemunha BB, cfr decorre da motivação do Acórdão proferido que por razões de brevidade processual se dão como reproduzidas
Entende-se que o tribunal fez uma apreciação errada da prova, uma vez que à luz das regra da experiência comum e do normal acontecer, a versão trazida pelo arguido e confirmada pela Testemunha BB, encontra corroboração com as demais provas produzidas,
Nomeadamente com a documental que especifica os danos causados aos diversos veículos intervenientes nos autos,
E que a maioria das testemunhas não viu sequer ninguém a abandonar o veículo,
Denote-se que apenas uma testemunha relata que viu o Arguido sair do carro
Facto por si confirmado, mas conforme explicado em momento ulterior ao embate e após BB abandonar o veículo em busca de ajuda
Nenhuma testemunha precisou com rigor exigível se mais alguém saiu do veículo
É expectável e consentâneo com as mais elementares regras da experiencia comum e do normal acontecer que estando alguém nervoso com o estado de saúde de outrem, tendo um acidente se desloque o mais rapidamente possível em busca de ajuda, nem sempre tomando a decisão mais racional.
Termos em que deve o arguido ser absolvido da factualidade impugnada ao decidir conforme supra, violou o tribunal a quo o disposto nos artigos ( 32º da C.R.P. 127 e º 374º nº2 do C.P.P ) , pois salvo o devido e merecido respeito a sua convicção foi erradamente formulada e fundamentada, devendo operar o principio in dúbio pro reo, visto não se apurar com rigor e certeza que era o arguido o condutor do veículo em questão.
De igual modo deve revogar-se a sanção acessória de inibição de condução, quanto muito diminuir-se o período de interdição.
3. Deve-se absolver o arguido da prática de um crime de desobediência, uma vez que havendo a fundada suspeita que o arguido tinha cometido um crime, ao acatar a ordem do agente de autoridade em efetuar o teste de alcoolemia o arguido estaria a autoincriminar-se, sendo um direito constitucional não o fazer, ex vi artigo 32º da C.R.P. em conjugação com o disposto no artigo 58º do C.P.P.
4. O tribunal a quo não autorizou as saídas do arguido para exercício da sua atividade como feirante, socorrendo-se do seguinte fundamento,
No entanto, não se autorizam as saídas do arguido para exercício da sua catividade profissional, como feirante, uma vez que tal autorização implicará a interrupção da monotorização contínua da pena, o que quanto a nós configura um risco acrescido dada a patenteada personalidade do arguido, não assegurando, por conseguinte, as necessidades inerentes ao presente processo, salientando-se que mesmo assim o mesmo vê as suas necessidades de subsistência asseguradas, quer pelo apoio de RSI atribuído ao próprio e à companheira, contando, ainda, com o apoio do filho e do neto.
3- O arguido através do dispositivo de Vigilância Eletrónica é monitorizado (geograficamente através de dispositivo de localização), dispondo a DGRSP de meios para acompanhar ao minuto se o arguido se encontra no local onde é público que decorrem as feiras, entende-se que desse modo se salvaguarda a monotorização contínua da pena, entendendo a defesa com o devido respeito que padece o argumento levado a cabo pelo tribunal a quo neste segmento.
4- Sempre se diga, que os períodos em que o arguido permanecerá na habitação serão muito maiores do que aqueles em que terá autorização para se ausentar, autorização essa que se circunscreve ao exercício profissional
5- Ademais o arguido encontra-se advertido que caso incorra em violação do Regime em questão poderá alterar-se a forma de execução da pena, sujeitando-o ao sistema penitenciário.
A DGRSP terá facilidade de controlo, uma vez que é do conhecimento generalizado que em todas as feiras existe a presença de forças policiais, sendo uma articulação e controlo fácil de efetuar quer à presença quer à permanência do arguido no local/locais em questão.
6- Uma vez que o arguido e o seu agregado dependem dos proveitos económicos que o mesmo obtém no exercício da sua atividade como feirante, deve a sentença recorrida ser revogada nesta matéria, possibilitando ao arguido em RPHVE o desempenho de atividade profissional.
7- No sentido do ora pugnado vide Acórdão datado de 05-02-2020, relativo ao Processo nº 159/15.2PGGDM-B.P1 em que foi Relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador Francisco Mota Ribeiro
Denote-se que no caso supra citado, foi autorizada a ausência da habitação para o desempenho de uma atividade profissional que não é sequer circunscrita a um espaço concreto.
8- Entende-se que o tribunal a quo não valorou devidamente a favor do arguido o imperativo e vertido no disposto no artigo 70º do C.P, cuja relevância deve operar na concreta medida da pena a cominar.
Visto que o arguido:
É pessoa de idade considerável.
Reconheceu em abstrato a ilicitude dos crimes em apreço.
Inexistem sentimentos de rejeição no meio.
O arguido é pessoa inserida social e profissionalmente.
Já decorreu um período temporal considerável desde a prática dos crimes
Entende-se que é mais adequado e suficiente para acautelar os perigos subjacentes aos crimes em questão sujeitar o arguido a uma suspensão da pena com a condição de efetuar um curso de “condução agressiva” e/ou outros que se mostrem adequados para acautelar as exigências do caso em concreto.
9- Baseou-se o tribunal a quo, única e exclusivamente no passado criminal do arguido para decidir pela não aplicação da suspensão da pena de prisão.
10- S.M.O. se não pode decidir pela possibilidade de suspender ou não a execução da pena única e exclusivamente pelo facto do arguido ter antecedentes criminais,
Ocorrendo um vicio de fundamentação nos termos do disposto no artº. 374 nº 2 do C.P.P
11- S.M.O, sem prejuízo do que antecede entende-se que a pena cominada foi excessiva, e desproporcional face ao grau de culpa apurado, violando-se desta forma o disposto nos artigos 70º do C.P e 18º nº2 da C.R.P, devendo ser valorado o vertido em 8 das conclusões de recurso e diminuído o quantum da pena.
12- A pena cominada foi excessiva, e desproporcional face ao grau de culpa apurado, violando-se desta forma o disposto nos artigos 70º do C.P e 18º nº2 da C.R.P
13- Normas jurídicas violadas, a saber:127 e º 374º nº2 do C.P.P., 43º e 70º do C.P e 32º e 18º nº2 da C.R.P”.

3.
O Exmo Procurador da República na primeira instância veio responder ao recurso, concluindo pela sua improcedência.

4.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:
“a) Toda a matéria de facto especificamente impugnada pelo recorrente deverá ser declarada intangível por incumprimento insuperável do dever de especificação das provas que impõem decisão diversa da estabelecida, porquanto as que por ele foram indicadas não revestirem esse atributo, limitando-se aquele a contrapor a sua convicção à que foi concretizada pelo decisor;
b) A imodificabilidade daquela é ainda decorrente da injustificada convocação pelo arguido do princípio in dubio pro reo;
c) Consolidada a factualidade provada acha-se fora de censura a subsunção de parte daquela ao tipo de crime de desobediência p. e p. pelo art.º 348.al. a) do CPenal, com referência ao art.º 152, n.º1, al. a) do Código da Estrada, já que aquele tipo legal se apresenta conforme a Constituição da República, como reiteradas decisões do Tribunal Constitucional o certificam;
d) É plena a legalidade da sua condenação na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, sendo necessária e proporcional a pena única fixada que, aliás, margina o seu mínimo;
e) Não recolhe fundamento a pretendida autorização para que o recorrente possa exercer a sua actividade laboral no decurso do cumprimento da pena única fixada em regime de permanência na habitação porquanto a tal se opõem, frontalmente, as exigências da prevenção geral e especial, pois que aquele já cumpriu penas de prisão e os crimes aqui em causa foram por si praticados quando recentemente lhe fora concedida a liberdade condicional
(…)”

5.
Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta ao parecer.

6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.


II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objeto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Sem qualquer alusão à correspondente matéria na motivação apresentada, o recorrente veio fazer menção nas suas conclusões à sanção acessória de inibição de condução, com vista à sua revogação ou limitação.
Como resulta com clareza do artigo 412.º, n.º 1, os fundamentos do recurso são enunciados na motivação, servindo as conclusões, tão só, para resumir as razões do pedido.
Por isso a lei admite o aperfeiçoamento das conclusões (n.º 3 do artigo 417.º) mas já não o aperfeiçoamento da motivação que fixa definitivamente o âmbito do recurso e é imodificável (n.º 4 do artigo 417.º).
Conforme se salienta em aresto do Supremo Tribunal de Justiça “o objecto dos recursos é definido pelas conclusões com que o recorrente encerra a motivação, desde que não extravasem as questões abordadas no corpo da mesma motivação. Isto é, se, nas conclusões, o recorrente pode restringir expressa ou tacitamente o objecto do recurso tal como delineado ao longo da motivação, já as questões suscitadas nas conclusões sem correspondência na motivação se têm de considerar fora do objecto do mesmo (nas conclusões, o recorrente não pode ampliar o objecto do recurso) - arts. 412.º do CPP, 684.º, n.º 3, e 685.º-A, n.º 1, do CPC”( Acórdão do STJ de 29/4/2009, Proc. nº 607/09 da 3.ª Secção, in www.stj.pt/jurisprudência/sumários de acórdãos; No mesmo sentido, Acórdão do STJ de 17/2/2011, in www.dgsi.pt/jstj).
Não se considera, pois, integrar o objeto do recurso interposto pelo arguido a apreciação da pena acessória aplicada ao arguido, pelo que não cumpre conhecer desta questão.

Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:

- Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/violação do princípio “in dubio pro reo”.
- Da absolvição do crime de desobediência.
- Da excessividade da pena única e da possibilidade da sua suspensão na execução.
- Da possibilidade de autorização para desempenho da atividade profissional do arguido no âmbito do cumprimento da pena fixada em regime de permanência na habitação.

B) Da sentença recorrida

Com vista ao conhecimento das questões acabadas de elencar, importa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida:
“(…)

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 12 de Fevereiro de 2020, pelas 18h00, o arguido conduziu o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-..-FF, de cor ..., na via pública, sem que estivesse habilitado a conduzir aquela categoria de veículos.
2. O arguido passou a circular inicialmente na Avenida ..., em ..., em direcção à Avenida ..., na mesma ..., quando embateu no veículo automóvel de matrícula ..-PQ-.., pertencente a CC, que se lá encontrava devidamente estacionado.
3. Após o embate, o arguido efectuou uma manobra de marcha atrás e prosseguiu a sua marcha, subindo o passeio destinado aos peões.
4. De seguida, e na mesma Avenida ..., a qual é constituída por duas hemi-faixas de rodagem, em sentidos opostos, o arguido ziguezagueou entre as duas faixas de rodagem, invadindo a faixa de rodagem contrária ao seu sentido, acabando por embater no veículo automóvel, de marca ..., com a matrícula ..-..-GG, conduzido por DD, na respectiva parte lateral esquerda, em frente ao prédio com o n.º de polícia ...10.
5. Novamente, logo após o embate, o arguido retomou a sua marcha em direcção à Avenida ..., sendo esta também constituída por duas hemi-faixas de rodagem, em sentidos opostos.
6. O arguido, uma vez nesta Avenida, também circulou ocupando a faixa de rodagem contrária, ziguezagueando, seguindo em direcção à Rua ....
7. Ao adoptar tal condução, o arguido subiu, pelo menos por duas vezes, o passeio destinado aos peões, só não embatendo num peão que aí transitava por este ter logrado afastar-se.
8. Contudo, o arguido acabou por embater num poste de iluminação lá existente.
9. Ao chegar ao fim da referida Avenida, o arguido guinou o seu veículo, de forma abrupta, para a esquerda, entrando na Rua ..., acabando por embater numa árvore ali existente.
10. Em consequência de tal embate, o veículo ficou imobilizado, tendo o arguido saído do interior do mesmo, colocando-se em fuga.
11. O arguido acabou por ser interceptado pelos militares da GNR, que se deslocaram ao local, devidamente uniformizados e identificados, os quais, o informaram que teria de se submeter a um teste de despistagem de teor de álcool no sangue através de ar expirado, o que o arguido recusou.
12. Perante tal recusa, os referidos militares advertiram-no, por mais do que uma vez, que caso o mesmo persistisse na sua recusa, incorreria na prática de um crime de desobediência, o que não demoveu o arguido, persistindo o mesmo na sua recusa, não tendo realizado o referido teste.
13. O arguido conduzia o referido veículo a motor na via pública, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra mencionadas, sem, para tanto, estar habilitado com carta de condução.
14. Ao longo do seu percurso, o arguido violou de forma manifesta as regras da circulação rodoviária, já que passou a circular quer em cima dos passeios destinados aos peões, quer invadindo as hemi-faixas contrárias das vias por onde passou.
15. O arguido sabia que, ao circular nas hemi-faixas de rodagem contrárias ao seu sentido de marcha e em cima dos passeios destinados aos peões, estava a violar as regras estradais mais elementares e que assim punha em perigo a vida e a integridade física dos demais utentes da via pública por onde circulava e dos peões, como efectivamente pôs.
16. Ao actuar da forma descrita, o arguido quis conduzir aquele veículo da forma acima descrita, sabendo que o fazia de forma descuidada e desatenta, agindo com falta de cuidado que o dever geral de prudência aconselha, omitindo as mais elementares precauções de segurança exigidas no exercício da condução, e que era capaz de adoptar e que devia ter adoptado para evitar um resultado que podia e devia prever, mas que não previu, dando, assim, causa aos referidos embates/acidentes.
17. O arguido sabia que estava obrigado a submeter-se a teste de pesquisa de álcool no sangue e que, não o fazendo, como não fez porque não quis, desobedecia a uma ordem legítima que lhe fora regularmente comunicada pela autoridade para a mesma competente.
18. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
Mais se provou que:
19. Não denotou qualquer arrependimento quanto à prática dos factos objecto destes autos.
20. O arguido já sofreu as seguintes condenações:
- no âmbito do processo comum colectivo n.º 504/01...., que correu termos no extinto Tribunal Judicial ..., por acórdão transitado em julgado em 15.11.2005, pela prática, em 19.06.2002, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão;
- no âmbito do processo sumário n.º 550/09...., que correu termos no extinto ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..., por sentença transitada em julgado em 14.10.2009, pela prática, em 23.08.2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 55 dias de multa, à razão diária de € 8,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, já extintas pelo cumprimento;
- no âmbito do processo sumário n.º 808/12...., que correu termos no extinto ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..., por sentença transitada em julgado em 15.11.2012, pela prática, em 28.05.2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de € 6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 10 meses, já extintas pelo cumprimento;
- no âmbito do processo comum singular n.º 118/13...., que correu termos no Juízo Criminal ..., Juiz ..., por sentença transitada em julgado em 09.11.2015, pela prática, em Julho de 2017, de um crime de desobediência, na pena de 80 dias de multa, à razão diária de € 5,00, já declarada extinta pelo cumprimento;
- no âmbito do processo comum singular n.º 174/13...., que correu termos no Juízo Criminal ..., Juiz ..., por sentença transitada em julgado em 30.09.2016, pela prática, em 22.03.2013 e 05.06.2013, respectivamente, de um crime de falsificação de documento e falsas declarações, na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva.
21. Encontra-se desde 20 de março de 2019 em Liberdade Condicional, por decisão proferida no âmbito do processo n.º 299/13.....
22. O arguido foi titular da carta de condução BG - ..., que o habilitava a conduzir veículos da categoria B e B1 desde 29.05.2009.
23. Em consequência condenação sofrida no âmbito do processo comum n.º 808/12...., a carta de condução do arguido caducou em 10.06.2012, ao abrigo do regime probatório, nos termos do disposto no artigo 122º conjugado a al. a) do nº 3 do artigo 130.º do Código de Estrada.
24. O IMT não proferiu decisão de cancelamento.
25. O desenvolvimento psico-social e afectivo do arguido decorreu no seio de um agregado familiar numeroso, sendo o sustento do agregado garantido pela manufactura de cestos a que se dedicavam os seus progenitores. A vivência familiar estruturou-se em torno do quadro de valores específico da comunidade e das suas regras de convivência e relacionamento, das quais se destacam a valorização dos elementos mais velhos e a presença da família alargada.
26. O núcleo familiar residiu em ..., vindo a mudar-se posteriormente para a cidade ..., onde residiam outros familiares dos progenitores. Contudo na sequência do falecimento do seu pai, contava o arguido cerca de nove anos de idade, passaram a dividir a residência entre ..., aproximando-se dos familiares maternos. Nesse período a situação económica vivenciada pelo agregado foi descrita como muito precária.
27. O arguido frequentou o ensino obrigatório, mas nem a família o incentivou nem nunca se sentiu motivado para encarar seriamente o seu processo educativo, tendo concluído apenas o 2º ano de escolaridade. Os seus tempos livres eram passados no local onde viveu grande parte da sua vida, sem actividades estruturadas, com poucas regras ou limites num quotidiano rotineiro e com deficits de socialização, face ao isolamento do local e do próprio grupo de pertença, relativamente à comunidade envolvente.
28. Começou a trabalhar em idade precoce, por volta dos 10/11 anos de idade na venda ambulante nas feiras e aos 15 anos de idade, começou a viver em união de facto com a actual companheira, tendo desta relação três filhos, presentemente, maiores de idade.
29. Em ..., viveu inicialmente no acampamento localizado no ... e mais tarde no Bairro .... Posteriormente, passou a viver em ..., ..., entre 2007-2011, numa residência adquirida pelo arguido, em estado de conservação quase novo dispondo de boas condições de habitabilidade.
30. Dedicava-se à venda de vestuário e calçado quando foi detido em 2013, no processo nº 504/01.... do ... Juízo do Tribunal de ... no qual viria a ser condenado na pena de prisão efetiva de sete anos e seis meses por crime de tráfico de estupefacientes agravado.
31. Quando saiu em liberdade Condicional foi viver para a morada jurisdicional, na rua ..., ..., ..., em casa de um irmão. Posteriormente, como os rendimentos eram escassos na fase da pandemia motivada pela Covid 19, para não sobrecarregar economicamente o irmão, viria a alterar a residência para casa do filho, na Rua ..., ..., ..., onde presentemente ainda reside com a mulher, EE de 60 anos de idade, com o filho FF, com a nora e com três filhos destes.
32. Ao nível profissional apoia a companheira nas feiras, como vendedor ambulante, mas os rendimentos provenientes desta actividade são escassos.
33. Beneficia presentemente de uma inserção socio-familiar satisfatória e mantém um conjunto de recursos familiares disponíveis a apoiá-lo.
34. No entanto, mantém um discurso de desculpabilização e minimização das suas tomadas de decisão aparentemente desajustadas, factor que poderá indiciar um incipiente processo de mudança, designadamente ao nível das crenças cognitivo-comportamentais, intrínsecas à sua conduta.
35. Quando convidado a analisar o seu percurso de vida após a saída em liberdade condicional, evidencia fragilidades de avaliação normativa, retratadas num discurso de minimização e anti convencionalidade e de atribuição da responsabilidade às forças de segurança, desvalorizando as suas tomadas de decisão e revelando insuficiente capacidade de reconhecimento dos potenciais danos.
36. A habitação onde o arguido propõe residir permite a implementação de mecanismos de fiscalização electrónica e foram prestados os consentimentos na sua implementação por si e por todos os elementos do agregado familiar.
37. A autorização ao arguido para exercer actividade profissional implica a interrupção da monotorização contínua da pena, ficando as suas necessidades de subsistência asseguradas com o apoio RSI atribuído ao próprio e à companheira, contando, ainda, com o apoio do filho e neto.
38. O arguido tem problemas de saúde diagnosticados no âmbito de endocrinologia, gastrenterologia e cardiologia, com acompanhamento regular.

B. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa. Designadamente não se provou que:
a) O arguido conduziu o veículo mencionado em 1) sob efeito de álcool.
b) O arguido sabia ainda que, ao conduzir aquele veículo motorizado sob a influência do álcool e devido aos efeitos deste, não estava em condições objectivas para exercer o acto da condução em segurança.

*
C. Motivação da matéria de facto

Estriba a decisão do Tribunal quanto aos Factos Provados e Não Provados, acima enunciada, a articulação de todos os meios de prova apresentados em Audiência de Discussão e Julgamento de que resultou valor probatório, devidamente articulados com as regras de experiência comum e que permitiram, no seu conjunto, ao Tribunal alcançar as conclusões que infra melhor se fundamentam (artigos 125.º, 127.º e 355.º, a contrario, do Código de Processo Penal).
A testemunha CC, afirmou que em dia que não conseguiu precisar, mas quando tinha o seu veículo automóvel estacionado em frente à sua residência – sita na Avenida ... – ouviu um barulho, tendo-se apercebido que “o condutor de uma carrinha branca” embateu na sua viatura, tendo ido no seu encalce. No percurso percorrido, afirmou ter visualizado o sobredito veículo a embater num poste de electricidade (junto aos Correios...), a circular “por cima dos passeiros” e “em ziguezague”, invadindo, por diversas vezes, a faixa de rodagem em sentido contrário. O condutor do veículo acabou por findar a sua viagem na altura em que embateu contra uma árvore perto dos Correios.... Viu o arguido a sair do carro “agarrando-o pelo braço”, o qual se encontrava sozinho, acabando por o largar, altura em que este abandonou o local. Chamou a GNR, salientando que quando a patrulha chegou lhe contou o sucedido, informando onde o mesmo se havia escondido e descrevendo-o fisicamente.
Corroborou o teor da participação junta a fls. 37 a 39, donde decorre, para além do mais, o dia em que os factos ocorreram.
Por seu turno, a testemunha GG afirmou que, em dia que não conseguiu precisar, junto à rotunda da escola, circulava imediatamente atrás do veículo conduzido pelo arguido, tendo visualizado que o mesmo, em frente à loja da ..., bateu num poste de electricidade. Mais afirmou que constatou que aquele subiu pelo menos, por duas vezes, o passeio, circulando “em contra-mão”, acabando por imobilizar o veículo quando embateu numa árvore.
Já a testemunha DD relatou que, em dia que não conseguiu precisar, mas durante o inverno do ano de 2020, quando se encontrava na “estrada quem vai da escola para o ...”, o arguido invadiu a sua faixa de rodagem, obrigando-o a desviar com vista a evitar o embate, acabando, no entanto, o arguido por atingir o seu veículo, do lado esquerdo.
Corroborou o teor da participação de acidente junta a fls. 30 a 34 e a declaração/informação de fls. 35.
A testemunha HH, relatou que, em dia que também não conseguiu precisar, e quando se encontrava a circular no passeio a caminho da sua residência, visualizou uma carrinha branca, a qual “subiu o passeiro e foi na sua direcção”, o que a obrigou a desviar-se sob pena de ser atropelada. Após o sucedido constatou que a carrinha virou “para outra rua à esquerda”, altura em que “bateu contra uma árvore”.
A testemunha II, militar da GNR, que nas circunstâncias de tempo constantes do libelo acusatório foi chamado para tomar conta de um acidente ocorrido na Rua ..., sendo que quando aí chegou constatou uma “... ...” acidentada “contra uma árvore”. Se é certo que já não se encontrava ninguém no interior do veículo, salientou que foi informado por uma senhora aí presente – a qual tinha perseguido a viatura - que condutor havia abandonado o local e se encontrava numa rua mais abaixo, altura em que também o descreveu fisicamente. Seguindo as indicações que lhe foram fornecidas, acabou por encontrar o arguido, e uma vez que o mesmo tinha acabo de conduzir um veículo automóvel na via pública, tendo sido inclusivamente interveniente em acidente de viação, atura em que lhe disse que tinha de efectuar o teste de alcoolemia, tendo aquele recusado, não obstante ter sido expressamente advertido que incorria na prática de um crime de desobediência. Por fim, corroborou o teor do auto de notícia junto a fls. 3 a 6 e, bem assim a participação de acidente juntas a fls. 37 a 39, por si elaborados.
Por fim, a testemunha JJ, militar da GNR que acompanhava a testemunha II, mencionou, igualmente, que quando chegaram ao local, o arguido já não se encontrava junto ao veículo automóvel descrito em 1., mas foi descrito fisicamente por uma senhora que se encontrava no local, e que o havia perseguido. Quando encontraram o arguido, a cerca de 100 metros do local de embate, “o mesmo mal se segurava em pé”, tendo sido instado, pelo menos por três vezes, para realizar o teste de alcoolemia, o que recusou.
Por fim, corroborou o teor do auto de notícia junto a fls. 3 a 6 e, bem assim a participação de acidente juntas a fls. 30 a 34 e a declaração/informação de fls. 35, esta última por si elaborada.
Aqui chegados, importa igualmente salientar que já após encerrada a produção de prova, e em virtude de se ter determinado a sua reabertura para solicitar à DGRSP informação quanto à viabilidade de o arguido cumprir pena em regime de permanência na habitação, o arguido, que havia faltado, sem qualquer justificação, às anteriores sessões de julgamento, requereu que lhe fossem tomadas declarações. Nessa sede não negou que estivesse no local onde foi abordado pela GNR, nem tão pouco afirmou que tivesse ingerido bebidas alcoólicas entre a altura do embate e a abordagem efectuada pela GNR. No entanto, afirmou que quem conduziu o veículo, no dia em questão, foi a testemunha BB, o que acaba por justificar a sua recusa quanto à realização do teste de alcoolemia e, ainda, a sua ausência de responsabilidade quanto aos factos pelos quais vem acusado.
Inquirida a testemunha BB, companheira do filho do arguido, acabou por confirmar a versão trazida pelo arguido, sendo certo que não conseguiu precisar, como se impunha, o exacto trajecto percorrido. Na verdade, para além do teor do seu depoimento se mostrar pouco esclarecedor e totalmente parcial, numa clara tentativa de ludibriar este Tribunal e de proteger o arguido, acabou por ser contrariado pela demais prova produzida, conforme supra descrevemos. No mais, e contrariamente ao afirmado pela testemunha CC – que mencionou ter perseguido o arguido, abordando-o logo após o embate e sendo peremptória ao afirmar que o mesmo se encontrava sozinho e que era aquele quem efectivamente havia conduzido o veículo automóvel – afirmou que, logo após o embate e porque o arguido se encontrava “aflito” (com falta de ar, inclusivamente), por força da toma de uma medicação, saiu do veículo, procurando auxilio, tendo encontrado, de imediato, um vizinho, cuja identificação não soube concretizar, que lhe “deu boleia” para ..., para onde seguiu com vista a ir buscar o companheiro para os auxiliar. Ora, contraria as mais basilares das regras da experiência e da vida que a testemunha, que alegadamente vê o arguido até com falta de ar, decida abandoná-lo à sua sorte, para procurar auxílio em ..., quando tinha uma série de estabelecimentos perto do local do embate e por coincidência, que se tem por não verificada, tenha encontrado um vizinho que lhe dá boleia, salientando-se que nenhuma das testemunhas que visualizou o embate na árvore, in loco, salientou a existência de qualquer outro ocupante do veículo automóvel, para além do aqui arguido.
Pelo exposto, não mereceu qualquer credibilidade a versão trazida pela defesa. Pelo contrário, da concatenação do teor do depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela acusação, com o mapa e respectiva informação de fls. 129, registo fotográfico junto a fls. 129 verso a 132, verso incluído e mais basilares regras da experiência e da vida, não existem dúvidas quanto ao trajecto percorrido pelo arguido, as suas concretas actuações e a sua identificação.
Os factos relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente às condutas do arguido foram considerados assentes a partir do conjunto das circunstâncias de facto dadas como provadas supra, já que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.
A prova dos antecedentes criminais por parte do arguido e do ínsito no ponto 21. resulta do teor do certificado de registo criminal junto a fls. 289 a 295.
Para a prova dos factos atinentes às condições sócio-económicas, profissionais e familiares do arguido atentamos ao teor do relatório social junto a fls. 210 a 212 e, bem assim ao teor da informação e respectivos consentimentos remetidos pela DGRSP junta a fls. 277 a 282, verso incluído.
A informação do IMT junta a fls. 221 a 224 mostrou-se crucial para a tomada de posição quanto aos factos insertos nos pontos 22. a 24.
*
A não prova dos factos mencionados em a) e b) resulta do facto de não ter sido efectuado qualquer teste de alcoolemia ao arguido, pelo que se mostra por deveras manifesta a impossibilidade de concluir que o mesmo conduzia o veículo identificado em 1. sob a influência de álcool.
(…)

V – ESCOLHA E MEDIDA DA PENA

Feita, pela forma descrita, o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da pena a aplicar, salientando-se que quer o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, quer o crime de desobediência são punidos, em alternativa, com pena de multa ou pena de prisão.
De acordo com o artigo 70.º do Código Penal, o nosso sistema jurídico-penal dá preferência às reacções criminais não detentivas sobre as penas privativas da liberdade, desde que aquelas satisfaçam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, as quais se encontram plasmadas no artigo 40.º do mesmo diploma legal. A preferência pela pena não privativa da liberdade é imposta e justificada por finalidades exclusivamente preventivas. Havendo um juízo favorável de prognose social - em atenção a considerações de prevenção especial de socialização -, só deve negar-se a aplicação da medida não detentiva quando a execução da pena de prisão se revele necessária ou mais conveniente do ponto de vista da defesa do ordenamento jurídico, ou seja, da tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada -prevenção geral de integração.
Na situação presente considerando a existência de antecedentes criminais ligados à prática dos crimes de tráfico de estupefacientes agravado, condução de veículo em estado de embriaguez, desobediência, falsificação de documento e falsas declarações e, bem assim, a circunstância dos factos objecto destes autos terem sido praticados no decurso da liberdade condicional que lhe foi concedida no âmbito do processo 299/13...., entende-se ser de aplicar ao arguido, em concreto, pena privativa da liberdade.
Resta, assim, determinar o quantum concreto de pena, em obediência aos critérios legalmente fixados no artigo 71º, n.º 1 e 2 do Código Penal.
Assim, no que tange à medida concreta da pena, é o artigo 71º do Código Penal que determina que a mesma é encontrada dentro da moldura legal abstractamente prevista
e fixada pelo legislador naquele normativo - a moldura de “prevenção geral de integração” -tendo por limite máximo a culpa e por limite mínimo as exigências de prevenção geral.
O limite mínimo é determinado pelas exigências de prevenção geral positiva ou de reintegração, isto é, enquanto finalidade da pena, visa o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma jurídico-penal, ou no mesmo sentido, enquanto realização contrafáctica da norma e estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma violada, o que contribuirá como factor de reintegração do agente na comunidade-
Por seu turno, o limite máximo da pena concretamente aplicável é determinado em função da culpa, assumindo-se, esta como fundamentadora e limitadora da pena, decorrente do principio basilar do ordenamento jurídico-penal “nulla poena sine culpa”– princípio da culpa, em respeito e preservação dos valores constitucionalmente consagrados da dignidade da pessoa humana.
Em seguida, e dentro da moldura penal encontrada, são considerações de prevenção especial, que, a final, vão determinar o quantum efectivo da pena.
Podendo, assim, concluir-se que a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, sem ultrapassar a medida da culpa, actuando os pontos de vista de prevenção especial de socialização entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela de tais bens.
E, na realização deste juízo, impõe o artigo 71º, n.º 2 que se atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, elencando o legislador indiciariamente, factores relativos ao grau da ilicitude, ao modo de execução do facto, comportamento anterior e posterior ao facto e à personalidade do agente, apreciados casuisticamente.
No caso em apreço, cumpre considerar os factos que depõem a favor e contra o arguido, em concreto:
As necessidades de prevenção especial são muito elevadas na medida em que o arguido tem antecedentes criminais, não assumiu a prática dos factos em análise, não denotou qualquer arrependimento, cometeu os factos em análise no período da liberdade condicional que lhe foi concedida no âmbito do processo n.º 299/13...., mantém um discurso de desculpabilização e minimização das suas tomadas de decisão, evidencia fragilidades de avaliação normativa, desvalorizando as suas tomadas de decisão e revelando insuficiente capacidade para reconhecimento dos potenciais danos.
A ilicitude é elevada, considerando o concreto comportamento do arguido, que conduziu por diversas artérias de ..., com completa indiferença às regras estradais e que, para além de ter embatido em dois veículos automóveis e direcionado a sua condução em sentido contrário, acabou por circular num passeio, local restrito à circulação de peões, obrigando um deles a desviar-se sob pena de ser atingido, não descurando, ainda, que desobedeceu a uma ordem legítima por parte das autoridades policiais.
A culpa é elevada, atenta a modalidade de dolo directo que revestiram todas as condutas adoptadas, com excepção do perigo resultante da sua condução perigosa de veículo que foi cometido a título de negligência.
As necessidades de prevenção geral são prementes face ao elevado e crescente número de ilícitos desta natureza que colocam em causa a segurança rodoviária, não sendo de descurar as nefastas consequências que, na maioria das vezes, surgem associadas a este tipo de condutas. Em idêntico diapasão, e quanto à prática do crime de desobediência, temos igualmente por elevadas as necessidades de prevenção geral, em virtude da reacção, hoje prementemente reclamada, contra os comportamentos denunciadores de uma certa degradação da autoridade pública, instituída na vida comunitária, que exige uma punição severa por parte dos Tribunais, sob pena de se banalizarem este tipo de condutas.
As consequências decorrentes das condutas perpetradas pelo arguido revelam-se medianas.
Em face do exposto decide-se aplicar ao arguido:
- a pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática do crime de desobediência;
- a pena de 12 (doze) meses, pela prática do crime de condução perigosa de veículo.
Face ao disposto pelo artigo 30º, n.º 1 do Código Penal estamos na presença de concurso de infracções, relativamente a todos os crimes (nomeadamente, atenta a natureza dos bens jurídicos que foram violados e as resoluções criminosas que presidiram à conduta do arguido).
Assim, nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, importa condenar o arguido numa pena única – em respeito ao princípio da pena única e do cúmulo jurídico-, sendo considerados na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
E, nos termos do n.º 2 da norma em análise, a pena agora a aplicar deve ter como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos (tratando-se de pena de prisão) ou 900 dias (tratando-se de pena de multa) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Porque o arguido cometeu dois crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, deve ser condenado numa única pena de multa que, no caso em apreço, terá os seguintes limites mínimo e máximo: 12 a 20 meses de prisão.
Importa, ainda, consignar que nos termos daquele normativo legal, na medida da pena única – cuja moldura abstracta se localiza nos indicados limites – são considerados, conjuntamente, os factos e a personalidade do arguido.
A pena única do concurso, formada do sistema de pena conjunta e que parte das várias parcelas aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve, pois ser fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos – atendendo ao conjunto dos factos que integram os crimes do concurso, com a ínsita avaliação da gravidade da ilicitude global -, a personalidade do agente – com a ínsita avaliação da projecção da personalidade nos factos e por estes revelada, isto é, se traduzem uma tendência desvaliosa ou antes se reconduzem a uma pluriocasionalidade que não tem suporte na personalidade do agente – e, ainda, as exigências de prevenção.
Ora, ponderando o supra exposto, a gravidade dos factos praticados (atentos os bens jurídicos protegidos, culpa manifestada na prática de tais factos, as consequências daí decorrentes e penas parcelares que, em concreto, foram aplicadas ao arguido), entende-se como suficiente e adequada a aplicação ao arguido de uma pena única de 14 (catorze) meses de prisão.

VI – DAS PENAS SUBSTITUITIVAS E DA SUSPENSÃO

Tendo o Tribunal aplicado ao arguido uma pena de prisão, urge, de imediato, aferir da verificação dos pressupostos da suspensão ou substituição da pena de prisão.
Considerando a personalidade do arguido, que evidencia um claro e reiterado desrespeito pelos apelos do direito, mantendo um discurso de desculpabilização e minimização das suas tomadas de decisões aparentemente desajustadas, evidenciando fragilidades de avalização normativa, retratadas num discurso de minimização e anti-convencionalidade, desvalorizando as suas tomadas de decisãi e relevando insuficiente capacidade de reconhecimento de potenciais danos, a atitude que manteve em sede de audiência de julgamento ao não denotar qualquer arrependimento pela prática dos factos que lhe são imputados, as suas precárias condições de vida, com fraca inserção profissional e social, e a reiteração deste tipo de comportamentos, inclusivamente no período de duração da liberdade condicional que lhe foi concedida no âmbito de um outro processo, concluimos pela impossibilidade de efectuar o juízo de prognose favorável exigido pela lei.
Desta forma, perante as elevadas exigências de prevenção especial do caso e também de prevenção geral, dada a incompreensão que se geraria na comunidade se inexistisse uma reacção penal visível, entende-se não se suspender a pena de prisão.
Não se afigura, perante este quadro, viável a ressocialização do arguido em liberdade, decidindo o mesmo manter uma postura desconforme ao direito, não obstante as inúmeras condenações de que já alvo, afastando-se, igualmente, a possibilidade de substituição da referida pena por prestação de trabalho a favor de comunidade.
Não obstante o exposto, entendemos, também, que retirar o arguido de forma absoluta do meio social em que vive se mostra excessivo, tanto mais que o mesmo se encontra familiarmente integrado, pelo que afastamos o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional.
Desta feita, justifica-se sujeitar o arguido ao regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, já que por este meio e só por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, tendo nisso o arguido consentido – artigo 43.º, n.º 1, alínea a).
Como assim e por se afigurar justo e conforme às finalidades de punição, determino que o arguido cumpra a pena de prisão aplicada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
No entanto, não se autorizam as saídas do arguido para exercício da sua actividade profissional, como feirante, uma vez que tal autorização implicará a interrupção da monotorização contínua da pena, o que quanto a nós configura um risco acrescido dada a patenteada personalidade do arguido, não assegurando, por conseguinte, as necessidades inerentes ao presente processo, salientando-se que mesmo assim o mesmo vê as suas necessidades de subsistência asseguradas, quer pelo apoio de RSI atribuído ao próprio e à companheira, contando, ainda, com o apoio do filho e do neto.
No mais, considerando as patologias sofridas pelo arguido, desde já, se concede ao mesmo a autorização para o mesmo se ausentar pelo tempo estritamente necessário para frequência de consultas/tratamentos mediante comunicação prévia ao processo dos respectivos horários.

VII – DAS PENAS ACESSÓRIAS

Nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código Penal, é condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto no artigo 291.º do Código Penal e, bem assim, quem for punido por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
A determinação da medida da pena acessória de proibição de conduzir deverá obedecer aos critérios supra expostos, salientando-se que para a graduação desta pena acessória são particularmente relevantes as exigências de prevenção especial. Como se retira do aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 3 de Dezembro de 2008, disponível em www.dgsi.pt, “a determinação da medida da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP, com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral.”
Deste modo e atendendo ao facto de a culpa e a ilicitude serem elevadas, assim como, as exigências de prevenção geral e especial, sendo mister realçar que as penas, ainda mais no que concerne à prática do crime de desobediência, têm que se apresentar suficientemente dissuasoras, sob pena de compensar a recusa em efectuar o teste de alcoolemia em detrimento da sua efectiva realização (e eventual punição pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez), pelo que decido fixar em
- 10 (dez) meses, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 69.º; - 8 (oito) meses, ao abrigo do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 69.º, o período em que o arguido fica proibido de conduzir veículos motorizados de todas as categorias, sendo certo que com esta pena acessória o tribunal entende mostrarem-se satisfeitas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso requer.
No mais, uma vez que o Código Penal prevê as penas acessórias no Livro I, Título III, Capítulo III, mas não estabelece um regime especifico para a sua determinação, sendo-lhe, por isso, aplicáveis os critérios legais de determinação das penas principais, dentro dos quais destacamos a punição em caso de concurso tal como prevista no artigo 77.º do diploma legal em apreço, até porque aquele se refere à condenação numa “única pena”, sem distinguir se estamos perante uma pena (principal) ou uma pena acessória.
Aqui chegados, considerando os limites mínimo e máximo da pena acessória (fixada entre 10 a 18 meses), e fazendo apelo aos critérios supra elencados, entende-se como suficiente e adequada a aplicação ao arguido da pena acessória (única) de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 13 (treze) meses.
(…)”.

C) Apreciação do recurso   

- Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento e violação do princípio in dubio pro reo.

Nos termos do disposto no artigo 428.º os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
No caso em apreço, houve documentação da prova produzida em audiência, com a respetiva gravação, razão pela qual pode este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º 3 e 431.º, b), ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação da recorrente.

Ora, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias:

- no âmbito restrito, no que se convencionou chamar de “revista alargada”, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento;
- ou na impugnação ampla a que se reporta o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência.
No caso vertente, está em causa esta última forma de sindicância da matéria de facto.
Como resulta das conclusões do recurso, invocando o disposto no artigo 412, nº3, veio o recorrente defender que os pontos 1 a 10 da matéria de facto provada encontram-se incorretamente julgados.
Ora, o erro de julgamento, ínsito no art.412º, nº3, do C.P.P, pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
Como já salientámos no acórdão proferido em 24/1/2022, no âmbito do processo 639/18...., para que ocorra um erro de julgamento da matéria de facto sindicável em sede de recurso é preciso que se demonstre que a convicção a que o tribunal de primeira instância chegou sobre a veracidade de determinado facto é implausível face às provas, ou então existem outras hipóteses de verdade também plausíveis que desmentem o facto provado ou o tornam duvidoso.
A título de exemplo, ocorre erro de julgamento se o tribunal a quo tiver dado como provado que A bateu em B com base no depoimento da testemunha Y, mas da audição do depoimento de tal testemunha não constar que ela afirmou esse facto. Também haverá erro de julgamento se o tribunal dá como provado um facto com base na confissão do arguido e da audição das suas declarações nada dai resulta ou até resulta o contrário. Erro de julgamento ocorrerá também quando o tribunal a quo valora indevidamente um meio de prova proibido.
Poderá ainda afirmar-se erro de julgamento quando a decisão estiver apoiada num depoimento cujo respetivo conteúdo objetivamente considerado à luz das regras da experiência comum deva ser considerado fruto de uma pura fantasia de quem o prestou.
Todavia, conforme jurisprudência constante, o recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente (neste sentido, acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1), de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 (processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt..).
Como escreveu Germano Marques da Silva, in Forum Justitiae, Maio/1999, “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância”.
Por conseguinte, de modo algum o recurso da matéria de facto pode destinar-se a postergar o princípio da livre apreciação da prova. A decisão do Tribunal há de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais” – Prof. Figueiredo Dias, «Direito Processual Penal», Vol. I, 1974, pág. 204.
E é por isso que as alíneas a) e b), do nº3 do artigo 412, do CPP dispõem que a impugnação da matéria de facto implica a especificação dos “concretos” pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados e das “concretas” provas que impõem decisão diversa.
Este ónus tem de ser observado para cada um dos factos impugnados.
Em relação a cada um têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa (o verbo utilizado pelo legislador é “impor”) e em que sentido devia ter sido a decisão, pois há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.
Em suma, estando em causa uma sindicância da matéria de facto por via da impugnação ampla, o recorrente, para além de ter de indicar concretamente os factos que considera incorretamente julgados, tem de concretizar o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
Ainda quanto às concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, resulta do nº 4 do dispositivo legal em análise que havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar as passagens (das gravações) ou os concretos segmentos de tais depoimentos em que se funda a impugnação e que no seu entender invertem a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412º).
No caso vertente, o recorrente indicou os concretos pontos da factualidade que considera incorretamente julgados.
Porém, não procedeu à indicação de quaisquer provas que imponham decisão diversa, centrando a sua discordância numa diferente valoração da prova, insurgindo-se com o facto de o tribunal não ter dado credibilidade às suas próprias declarações e ao depoimento da testemunha KK, companheira do seu filho.
Na verdade, em momento algum, o recorrente fez constar que o tribunal recorrido retirou dos meios probatórios algo que deles não resulta, desde logo porque a testemunha e ele próprio declararam algo diverso ou contraditório daquilo que o tribunal apreendeu e com base nisso veio a formar a sua convicção.
Ou seja, o recorrente em momento algum veio alegar que foi declarado algo diferente daquilo que o tribunal percecionou, o que defende é, sem mais, que o tribunal recorrido devia ter dado credibilidade à sua versão dos factos, sustentada, aliás, pelo depoimento da testemunha KK.
Ainda que lhe assista o direito de discordar da convicção em matéria de facto alcançada pelo julgador, não lhe basta, porém, demonstrar que outra convicção era também possível.
Com efeito, no sentido de obter ganho de causa, o recorrente tem o ónus de demonstrar que ocorreu erro de julgamento, o qual apenas se verifica se as provas que indicar impuserem decisão diversa da recorrida (neste sentido, Acórdãos do STJ de 15/5/2009, 10/3/2010 e 25/3/2010 in www.dgsi.pt/stj).
Como facilmente se depreende da motivação e respetivas conclusões, não foi este o sentido da alegação do recorrente quanto sustentou o invocado erro de julgamento, optando por avançar a sua ponderação da prova produzida e pretendendo que o tribunal a adote, como se não tivesse existido um julgamento anterior.
Mas tal não consubstancia a indicação de provas que imponham decisão diversa, ou seja, a indicação de provas impositivas e decisivas que justifiquem a pretendida alteração do sentido dos factos.
E dai que a pretendida alteração da matéria de facto esteja votada ao fracasso.
O recorrente tem o direito a discordar da convicção em matéria de facto alcançada pelo julgador, mas as observações feitas pelo recorrente quanto à prova com base na qual o tribunal recorrido formou a sua convicção, não têm o efeito de impor decisão diversa da decisão recorrida.
Com efeito, ao sustentar a sua discordância limitou-se a alegar que “a maioria das testemunhas  não viu sequer ninguém a abandonar o veículo; “apenas uma testemunha relata que viu o arguido a sair do carro”; “facto que foi por si confirmado, mas conforme explicado em momento ulterior ao embate e após a BB abandonar o veículo em busca de ajuda”; “nenhuma testemunha precisou com rigor exigível se mais alguém saiu do veículo”; “é expectável e consentâneo com as mais elementares regras da experiência comum e do normal acontecer que estando alguém nervoso com o estado de saúde de outrem, tendo um acidente se desloque o mais rapidamente possível em busca de ajuda, nem sempre tomando a decisão mais racional”.
Ora, o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente.
No caso vertente, a análise dialética e crítica a que o tribunal recorrido foi procedendo dos meios probatórios e o modo como foi explicado o seu procedimento de convencimento no sentido apontado não merece reparo.
E assim sendo, a livre convicção do juiz é insindicável.
Ademais, a documentação dos atos de audiência não se destina a substituir, nem substitui a oralidade e imediação da prova.
Como resulta da fundamentação aduzida, o tribunal recorrido explicou porque razão assentou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas CC, GG, DD, HH, II e JJ, cuja respetiva razão de ciência indicou, depoimentos estes que valorou conjugadamente com o teor dos elementos documentais juntos aos autos (auto de notícia, participações de acidente, de fls. 30 a 34, 37 a 39 declaração/informação de fls.35, mapa e respetiva informação de fls.129º, registo fotográfico de fls. 129 verso a 132) e analisou criticamente à luz das regras da experiência comum, meios probatórios esses que lhe permitiram, fora de qualquer dúvida, concluir no sentido apontado na factualidade provada.
Não deixou também o tribunal recorrido de explicar porque razão em face de tais meios probatórios, não lhe mereceu credibilidade a versão trazida pelo arguido, ainda que corroborada pela testemunha BB, sua nora, o qual não negando que estivesse no local onde foi abordado pela GNR, nem que tivesse ingerido bebidas alcoólicas entre a altura do embate e a abordagem efetuada pela GNR, “afirmou que quem conduziu o veículo, no dia em questão, foi a testemunha BB, o que acaba por justificar a sua recusa quanto à realização do teste de alcoolemia e, ainda, a sua ausência de responsabilidade quanto aos factos pelos quais vem acusado”.
A respeito da falta de credibilidade que lhe mereceu o depoimento da sobredita LL, aduziu-se na  decisão recorrida o seguinte:
 “Inquirida a testemunha BB, companheira do filho do arguido, acabou por confirmar a versão trazida pelo arguido, sendo certo que não conseguiu precisar, como se impunha, o exacto trajecto percorrido. Na verdade, para além do teor do seu depoimento se mostrar pouco esclarecedor e totalmente parcial, numa clara tentativa de ludibriar este Tribunal e de proteger o arguido, acabou por ser contrariado pela demais prova produzida, conforme supra descrevemos. No mais, e contrariamente ao afirmado pela testemunha CC – que mencionou ter perseguido o arguido, abordando-o logo após o embate e sendo peremptória ao afirmar que o mesmo se encontrava sozinho e que era aquele quem efectivamente havia conduzido o veículo automóvel – afirmou que, logo após o embate e porque o arguido se encontrava “aflito” (com falta de ar, inclusivamente), por força da toma de uma medicação, saiu do veículo, procurando auxilio, tendo encontrado, de imediato, um vizinho, cuja identificação não soube concretizar, que lhe “deu boleia” para ..., para onde seguiu com vista a ir buscar o companheiro para os auxiliar. Ora, contraria as mais basilares das regras da experiência e da vida que a testemunha, que alegadamente vê o arguido até com falta de ar, decida abandoná-lo à sua sorte, para procurar auxílio em ..., quando tinha uma série de estabelecimentos perto do local do embate e por coincidência, que se tem por não verificada, tenha encontrado um vizinho que lhe dá boleia, salientando-se que nenhuma das testemunhas que visualizou o embate na árvore, in loco, salientou a existência de qualquer outro ocupante do veículo automóvel, para além do aqui arguido.
Pelo exposto, não mereceu qualquer credibilidade a versão trazida pela defesa. Pelo contrário, da concatenação do teor do depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela acusação, com o mapa e respectiva informação de fls. 129, registo fotográfico junto a fls. 129 verso a 132, verso incluído e mais basilares regras da experiência e da vida, não existem dúvidas quanto ao trajecto percorrido pelo arguido, as suas concretas actuações e a sua identificação”.
  Por tudo o exposto, sem necessidade de outras considerações, inexistindo razões para pôr em causa a convicção alcançada pelo tribunal “a quo”, nos termos em que concluiu, julga-se improcedente o invocado erro de julgamento.
Também no que se refere à pretendida alteração da matéria de facto vertida nos mencionados pontos da factualidade provada com fundamento na invocação da violação do princípio “in dubio pro reo”, deverá a mesma improceder.
A violação deste princípio exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.
Nesta fase do recurso, a demonstração da sua violação passa pela respetiva notoriedade, aferida pelo texto da decisão, isto é, em termos idênticos aos que vigoram para os vícios da sentença, ou seja, têm que resultar da fundamentação desta, de forma clara, que o juiz, pese embora tenha permanecido na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente o considerou não provado.
Porém, a dúvida relevante para este efeito, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que o julgador não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.
Como resulta, entre outros, do acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996, in C.J., ASTJ, ano IV, 1º, pág. 177, o Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido.
Assim, se na fundamentação aduzida na sentença o Tribunal não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.
No caso vertente, resultando de forma clara da sentença recorrida que o tribunal recorrido não obstante a existência de duas versões contraditórias, não balanceou, antes tendo chegado a uma certeza jurídica sobre o modo como os factos ocorreram e sobre a sua autoria, improcede também neste segmento, a pretensão do recorrente.

-  Absolvição do crime de desobediência;

Como evola da sentença, o arguido foi condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. nos termos das disposições legais conjugadas dos artigos 348º,nº1, al.a) do CPenal, 152º,nº1,al.a) e nº3 do Código da Estrada.
A este propósito escreveu-se na sentença recorrida, o seguinte:
“Do elenco dos crimes contra a autoridade pública, na secção com a epígrafe “da resistência e desobediência à autoridade pública”, a alínea a) do artigo 348.º do Código Penal tipifica o crime de desobediência, nos termos que se transcreve de seguida:
“Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples”.
Resulta do normativo citado que, quem, por acção ou por omissão, não cumprir uma ordem ou mandado legítimos, que lhe sejam regularmente comunicados e que provenham de autoridade ou funcionário competente, comete o crime de desobediência se existir uma norma penal que, no caso, comine a punição da desobediência simples.
A ordem ou mandado devem consubstanciar uma norma de conduta imposta a alguém, no sentido de agir ou não agir de determinada forma, e devem, simultaneamente, provir de autoridade ou funcionário com competência legal para as proferir e, ainda, no caso
previsto na alínea a), pela imposição feita por lei geral e abstracta, anterior à prática do facto.
No ilícito criminal em análise apenas se exige que a ordem seja legal, regularmente comunicada, emanada de autoridade competente, e «uma disposição legal a cominar, no caso, a punição da desobediência simples».

In casu, essa disposição está ínsita no artigo 152.º do Código da Estrada o qual preceitua que:

1. Devem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:
a)Os condutores;
b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de transito;
c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução.
(…)
3. As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que se recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substancias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.”
Aqui chegados é mister, ainda, fazer referência à Lei n.º 18/2007 de 17 de Maio, que regulamenta a fiscalização da condução sob influência do álcool ou substâncias psicotrópicas.
Ora, dispõe o seu artigo 1.º que:
1. A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.
2. A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.”
Já o seu artigo 2.º, n.º 1 preceitua que “quando o teste realizado em analisador qualitativo indicie a presença de álcool no sangue, o examinando é submetido a novo teste, a realizar em analisador quantitativo, devendo, sempre que possível, o intervalo entre os dois testes não ser superior a trinta minutos”.
É, pois, inequívoco que “o condutor que recusa submeter-se ao exame de pesquisa do álcool [quantitativo] pelo método de ar expirado, comete o crime de desobediência.” – vide, neste sentido, entre outros, aresto do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 13.09.2011 e disponível no sítio da internet www.dgsi.pt.
Vejamos, agora, o caso dos presentes autos.
No dia 12.02.2020, pelas 18h00 o arguido circulava na via pública, percorrendo a Avenida ..., a Avenida ... e a Rua ..., ..., ao volante do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-FF.
Após ter ficado com o veículo imobilizado esse ter colocado em fuga, o arguido foi intercetado pelos Guardas da GNR, os quais ao abrigo do disposto no citado artigo 152.º, n.º 1 alínea a) do Código da Estrada, lhe solicitaram que efetuasse o exame de pesquisa de ar expirado, através de alcoolímetro qualitativo, o que o arguido recusou.
Nessa altura, foi igualmente informado que a recusa de submissão aos referidos testes o faziam incorrer na prática de um crime de desobediência, e não obstante o arguido saber que estava obrigado a sujeitar-se à realização do teste de alcoolemia, persistiu na sua recusa, não tendo realizado o referido teste.
Daqui resulta que o arguido não acatou uma ordem formal e substancialmente legal, emanada por uma autoridade competente e regularmente comunicada. No demais, verifica-se ainda que o próprio artigo 152.º, n.º 3 do Código da Estrada pune, com a prática do crime de desobediência, os condutores que se recusem submeter às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substancias psicotrópicas.
Resultou, ainda, que o arguido agiu o arguido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Face ao exposto, e inexistindo causas de exclusão da culpa ou da ilicitude, impõe-se a condenação do arguido pela prática do crime de desobediência ora analisado”.

Reclama o recorrente pela sua absolvição do crime de desobediência, porquanto,  “ao acatar a ordem do agente de autoridade em efetuar o teste de alcoolemia o arguido estaria a autoincriminar-se, sendo um direito constitucional não o fazer, ex vi artigo 32º da CRP, em conjugação com o disposto no artigo 58º do CPP”.
Ora, o direito à não autoincriminação prende-se com o respeito pela vontade do arguido em não prestar declarações, não abrangendo o uso, em processo penal, de elementos que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito, como é o caso, por exemplo, da recolha de material biológico no ar expirado e no sangue para efeitos de análise do grau de alcoolemia.
Com efeito, tal colheita não constitui nenhuma declaração, pelo que não viola o direito a não declarar contra si mesmo e a não se confessar culpado.
Constitui, ao invés, a base para uma mera perícia de resultado incerto que, independentemente de não requerer apenas um comportamento passivo, não se pode catalogar como obrigação de autoincriminação.
Por conseguinte, não pode sustentar-se, ao contrário do que parece pretender o recorrente, que o n.º 3 do art.º 152.º do CE é inconstitucional por alegadamente obrigar o arguido a produzir prova contra si próprio.
O Tribunal Constitucional que já em várias decisões se pronunciou sobre a legalidade desta exigência legal, ou seja, da realização do teste de alcoolemia bem como da análise ao sangue para os mesmos efeitos, inexistindo, pois, qualquer inconstitucionalidade na obrigatoriedade da realização do respetivo teste.
Assim, decidiu-se no ac. do TC nº 397/2014, de 07/05/2014, já trazido à liça pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto, onde se faz referência a outra jurisprudência anterior do mesmo Tribunal sobre esta questão e que foi no mesmo sentido.
“ 6.2. Novamente, o Tribunal foi já chamado a apreciar a conformidade constitucional do regime que preside à realização de exame para fiscalização de condução sob o efeito de álcool e da incriminação da conduta (…) que obste à sua execução perante tais parâmetros (a par de outros, como o respeito pelo princípio Nemo tenetur se ipsum accusare e a reserva da vida privada). Em todas as pronúncias, o Tribunal afastou que seja colidente com a Constituição a imposição da realização de exames intrusivos no âmbito da fiscalização e deteção da influência na condução de veículos do consumo de álcool, como aparentemente considera o Tribunal a quo.

Assim, diz-se no Acórdão n.º 628/2006, na senda de decisões anteriores:
«5. A questão da obrigatoriedade da sujeição ao teste de alcoolemia já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional. Com efeito, no Acórdão nº 319/95 (www.tribunalconstitucional.pt) o Tribunal Constitucional, apreciando a conformidade à Constituição da norma do artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 124/90, de 14 de abril, que determinava a competência do agente da autoridade para a realização do teste, considerou o seguinte:
A submissão do condutor ao teste de deteção de álcool (e, assim, a norma do artigo 6º, nº 1, que a permite) também não viola o dever de respeito pela dignidade da pessoa do condutor, nem o seu direito ao bom nome e à reputação, nem o direito que ele tem à reserva da intimidade da vida privada.
Desde logo, tais direitos não proíbem a atividade indagatória do Estado, seja ela judicial, seja policial. O que o princípio do Estado de Direito impõe é que o processo (maxime, o processo criminal) se reja 'por regras que, respeitando a pessoa em si mesma (na sua dignidade ontológica), sejam adequadas ao apuramento da verdade' (cf. acórdão nº 128/92, publicado no Diário da República, II série, de 24 de julho de 1992).
Ora, o exame para pesquisa de álcool, com o recorte que, nos seus traços essenciais, dele se deixou feito, destinando-se, não apenas a recolher uma prova perecível, como também a impedir que um condutor, que está sob a influência do álcool, conduza pondo em perigo, entre outros bens jurídicos, a vida e a integridade física próprias e as dos outros, mostra-se necessário e adequado à salvaguarda destes bens jurídicos e ao fim da descoberta da verdade, visado pelo processo penal. Ao que acresce que o quadro legal que rege a matéria, na parte em que permite que os agentes de autoridade policial submetam, por sua iniciativa, os condutores ao teste de deteção de álcool, é de molde a garantir que a atividade policial, essencialmente preventiva, se desenvolva 'com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos' (cf. artigo 272º da Constituição).
Concretamente no que concerne ao dever de respeito pela dignidade da pessoa do condutor, não é a submissão deste a exame para deteção de álcool que pode violá-lo. O que atentaria contra essa dignidade seria o facto de se sujeitar o condutor a exame de pesquisa de álcool, fazendo-se no local alarde público do resultado, no caso de ele ser positivo.
Relativamente ao direito ao bom nome e à reputação, é quem conduzir sob a influência do álcool, e não a sua submissão ao teste para a pesquisa de álcool, que estará a denegrir o seu bom nome e a abalar a sua boa fama, pois que - como se sublinhou no já citado acórdão nº 128/92 - um tal direito só é violado por atos que se traduzam em imputar falsamente a alguém a prática da ações ilícitas ou ilegais, ou que consistam em tornar públicas desnecessariamente (isto é, sem motivo legítimo) faltas ou defeitos de outrem que, sendo embora verdadeiros, não são publicamente conhecidos.
O direito à reserva da intimidade da vida privada - que é o direito de cada um a ver protegido o espaço interior da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias; o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respetivo titular (cf., sobre isto, o citado acórdão nº 128/92) - acaba, naturalmente, por ser atingido pelo exame em causa. No entanto, a norma sub iudicio não viola o artigo 26º, nº 1, da Constituição, que o consagra.
De facto, não se trata, com o teste de pesquisa de álcool, de devassar os hábitos da pessoa do condutor no tocante à ingestão de bebidas alcoólicas, sim e tão-só (recorda-se) de recolher prova perecível e de prevenir a eventual violação de bens jurídicos valiosos (entre outros, a vida e a integridade física), que uma condução sob a influência do álcool pode causar - o que, há de convir-se, tem relevo bastante para justificar, constitucionalmente, esta constrição do direito à intimidade do condutor.
Quanto ao direito à imagem, que, nas conclusões da alegação, o recorrente tem por violado, assinala-se que o seu objeto é o retrato físico da pessoa, em pintura, fotografia, desenho, slide, ou outra qualquer forma de representação gráfica, e não a imagem que os outros fazem de cada um de nós. Ele não consiste, por isso, num direito de cada pessoa a ser representada publicamente de acordo com aquilo que ela realmente é ou pensa ser. Consiste, antes, no direito de cada um a não ser fotografado, nem a ver o seu retrato exposto publicamente, sem o seu consentimento, e no direito, bem assim, a não ser 'apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida' (cf. J.J GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, página 181. Cf. também o já citado acórdão nº 128/82 e o acórdão nº 6/84, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 2º, páginas 198 e seguintes).
Sendo este o conteúdo do direito à imagem, não pode ele ser violado pela norma aqui em apreciação.
Em consequência, o Tribunal Constitucional proferiu um juízo de não inconstitucionalidade.
(…)”.
Sem necessidade de outras considerações porquanto despiciendas, improcede também neste segmento, bem tendo andado o tribunal recorrido ao condenar o arguido pelo crime de desobediência que lhe foi imputado.

- Da Excessividade da pena única e da possibilidade da sua suspensão na execução. 

Defende ainda o recorrente que “a pena cominada” é excessiva e desproporcional face ao grau de culpa apurado”.
Não pondo em causa as concretas penas parcelares que lhe foram aplicadas, vejamos então se a pena única fixada (única que foi objeto de recurso) deve ser reduzida, bem como suspensa na sua execução.
Invoca o arguido em abono da pretendida redução da pena de prisão que lhe foi aplicada e da sua suspensão na execução que “é pessoa de idade considerável”, que “reconheceu em abstrato a ilicitude dos crimes em apreço”, que “inexistem sentimentos de rejeição no meio”, que “é pessoa inserida social e profissionalmente” e que “decorreu um período temporal considerável desde a prática dos crimes”.
Em conformidade, considera “mais adequado e suficiente para acautelar os perigos subjacentes aos crimes em questão sujeitar o arguido a uma suspensão da pena com a condição de efetuar um curso de “condução agressiva” e/ou outros que se mostrem adequados para acautelar as exigências do caso em concreto”.
Adiantando a nossa conclusão, cremos que não assiste qualquer razão ao recorrente, quer quanto à pretendida redução da pena única, quer quanto à pretendida suspensão da sua execução, tendo o tribunal recorrido fundamentado de modo mais do que suficiente e de uma forma perfeitamente clara e objetiva, em clara observância do que a respeito dos fundamentos da sentença dispõe o artigo 374º,nº2, do CPP, em conjugação ainda com o preceituado nos artigos 71º,nº3, 77º, 78º, e 50,nº1,todos do CPenal,  porque razão decidiu nos termos em que veio a concluir, não assistindo qualquer razão ao recorrente quando invoca que tal decisão assentou exclusivamente nos seus antecedentes criminais.  
Ponderou o tribunal recorrido em sede de determinação das concretas penas parcelares e da pena única a que chegou que:
 -“as necessidades de prevenção especial são muito elevadas na medida em que o arguido tem antecedentes criminais, não assumiu a prática dos factos em análise, não denotou qualquer arrependimento, cometeu os factos em análise no período da liberdade condicional que lhe foi concedida no âmbito do processo n.º 299/13...., mantém um discurso de desculpabilização e minimização das suas tomadas de decisão, evidencia fragilidades de avaliação normativa, desvalorizando as suas tomadas de decisão e revelando insuficiente capacidade para reconhecimento dos potenciais danos”.
- “a ilicitude é elevada, considerando o concreto comportamento do arguido, que conduziu por diversas artérias de ..., com completa indiferença às regras estradais e que, para além de ter embatido em dois veículos automóveis e direcionado a sua condução em sentido contrário, acabou por circular num passeio, local restrito à circulação de peões, obrigando um deles a desviar-se sob pena de ser atingido, não descurando, ainda, que desobedeceu a uma ordem legítima por parte das autoridades policiais”.
-“a culpa é elevada, atenta a modalidade de dolo directo que revestiram todas as condutas adoptadas, com excepção do perigo resultante da sua condução perigosa de veículo que foi cometido a título de negligência.
- “as necessidades de prevenção geral são prementes face ao elevado e crescente número de ilícitos desta natureza que colocam em causa a segurança rodoviária, não sendo de descurar as nefastas consequências que, na maioria das vezes, surgem associadas a este tipo de condutas. Em idêntico diapasão, e quanto à prática do crime de desobediência, temos igualmente por elevadas as necessidades de prevenção geral, em virtude da reacção, hoje prementemente reclamada, contra os comportamentos denunciadores de uma certa degradação da autoridade pública, instituída na vida comunitária, que exige uma punição severa por parte dos Tribunais, sob pena de se banalizarem este tipo de condutas”.
- “as consequências decorrentes das condutas perpetradas pelo arguido revelam-se medianas”.
Em conformidade, decidiu o tribunal recorrido aplicar ao arguido a pena de 8 (oito) meses de prisão, pela prática do crime de desobediência e 12 (doze) meses de prisão pela prática do crime de condução perigosa de veículo e, em cúmulo jurídico das penas parcelares, fixar a pena única em 14 (catorze) meses de prisão, considerando, conjuntamente, os factos e a personalidade do arguido, em conformidade os critérios previstos no artigo 77º do CPenal.
Fundamental na determinação da pena única é, na verdade, a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse pedaço global de vida criminosa com a personalidade do agente.
Assim, com vista à determinação da pena única, decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos – a relação dos diversos factos entre si, a sua frequência, a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados, a forma de execução, a determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido – assumindo, claro está, um significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, e ao núcleo de bens essenciais, em relação à ofensa de bens patrimoniais.
 “O conjunto dos factos fornecerá assim gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique (Figueiredo Dias, in obra citada, § 420 e segs).
Uma vez estabelecidas as conexões entre todos os factos abrangidos pelo concurso e relacionados os mesmos, apurar-se-à “a personalidade do agente, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade” (Tiago Caiado Milheiro, Cúmulo Jurídico Superveniente, Noções Fundamentações, pág.59). 
De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Relativamente à prevenção geral o significado do conjunto de atos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente, para o que será preponderante e decisivo, o resultado da ponderação dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos.
Serão, pois, esses fatores que deverão ser tomados em consideração na determinação da medida da pena única.
Volvendo-nos no caso vertente, não pode deixar de reconhecer-se que o ilícito global é elevado, desde logo, pelo tipo de condutas em que se corporizou e respetivos bens jurídicos protegidos, tendo a sua origem num episódio ocorrido no mesmo dia, quando o arguido conduzia um veículo automóvel na via pública, condutas essas que demandam fortes exigências de prevenção geral.
A respeito da personalidade do arguido, não podemos deixar de referir que estamos perante um individuo com uma personalidade deformada.
Sobressai a ausência de qualquer interiorização da desconformidade e gravidade da sua atuação, pois negou a prática dos factos, não assumindo que conduziu o veículo no circunstancialismo descrito na acusação.
Por outro lado, ainda a respeito da personalidade do arguido, há que trazer também à liça o seu passado criminal, o qual passou pelo cumprimento efetivo de penas de prisão, não tendo a condenações sofridas sido bastantes para o fazer arrepiar caminho e levar uma vida conforme ao direito, não podendo também ignorar-se que os factos em apreço foram cometidos no período em que se encontrava em liberdade condicional.
Deste modo, não vislumbramos, perante o que vimos de referir, em que medida é que as circunstâncias invocadas pelo arguido são suscetíveis de levar a qualquer atenuação da pena, sendo certo que nem a idade com que contava a data dos factos (60 anos), nem a circunstância de já ter estado privado da sua liberdade, nem tampouco a sua inserção socio-familiar o inibiram de prosseguir na sua atividade criminosa. 
 É assim manifesto que a pena única aplicada, fixada junto do mínimo legal (acrescido de dois meses), nada tem de excessivo, nem desproporcional, padecendo até, quanto a nós, de alguma brandura.
Também quanto a não opção pela suspensão da execução da pena, a decisão recorrida não merece qualquer reparo.
Com efeito, cremos também que se mostra completamente inviável formular qualquer juízo de prognose favorável a respeito do arguido.
Como se aduziu na decisão recorrida, “Considerando a personalidade do arguido, que evidencia um claro e reiterado desrespeito pelos apelos do direito, mantendo um discurso de desculpabilização e minimização das suas tomadas de decisões aparentemente desajustadas, evidenciando fragilidades de avalização normativa, retratadas num discurso de minimização e anti-convencionalidade, desvalorizando as suas tomadas de decisão e relevando insuficiente capacidade de reconhecimento de potenciais danos, a atitude que manteve em sede de audiência de julgamento ao não denotar qualquer arrependimento pela prática dos factos que lhe são imputados, as suas precárias condições de vida, com fraca inserção profissional e social, e a reiteração deste tipo de comportamentos, inclusivamente no período de duração da liberdade condicional que lhe foi concedida no âmbito de um outro processo, concluimos pela impossibilidade de efectuar o juízo de prognose favorável exigido pela lei.
Desta forma, perante as elevadas exigências de prevenção especial do caso e também de prevenção geral, dada a incompreensão que se geraria na comunidade se inexistisse uma reacção penal visível, entende-se não se suspender a pena de prisão”.
Por tudo o exposto, improcede também neste segmento o recurso interposto pelo arguido.

- Da possibilidade de autorização para desempenho da atividade profissional do arguido no âmbito do cumprimento da pena fixada em regime de permanência na habitação.

Por último, pretende o recorrente modificar a decisão recorrida de molde a que no âmbito do regime de cumprimento da pena fixada, o regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, seja incluída a específica autorização para poder desempenhar a sua atividade profissional de feirante.
Em abono da sua pretensão traz à liça o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 5/2/2020, proferido no âmbito do processo 159/15.2PGGDM-B.P1.
Entendemos também, na senda da posição assumida pelo Exmo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, que a situação retratada no citado acórdão é totalmente diversa da que envolve o arguido nos presentes autos.

Como referiu o Exmo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer:

“Naquele acórdão concedeu-se autorização ao recorrente para sair da sua habitação “pelo tempo necessário ao exercício da sua atividade de vendedor ambulante”, em concreto “na Feira C…, à segunda feira, todo o dia, e na Feira D…, ao domingo, período da manhã”. E assim se ordenou porquanto:
a) Se apelou à casuística, à “gravidade dos factos ilícitos praticados, do comportamento do condenado anterior e posterior a tais factos, mas também da personalidade neles revelada”;
b) Se levou em conta que “pese embora a pluralidade de condenações anteriormente sofridas pelo recorrente, a verdade é que todas elas se registaram no domínio da pequena criminalidade”;
c) Se considerou que “nenhuma dessas condenações sido alguma vez experimentada qualquer medida de coerção da sua liberdade, tendo-se sempre optado pela aplicação da pena de multa ou por uma pena de substituição de caráter não detentivo.” ; e
d) Se atentou “a prática dos factos em causa nos presentes autos, que ocorreram há mais de 4 anos, não regista o recorrente qualquer outra condenação”.
Ora, no presente caso, e como decorre da factualidade dada como provada, o arguido recorrente:
a) Já cumpriu pena de prisão e de longa duração – foi condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão no âmbito do proc. 504/01....;
b) Já cumpriu uma outra pena de prisão com a duração de 1 no e 6 meses no âmbito do proc. 174/13....; e
c) À data dos factos, 12/02/2020, encontrava-se em liberdade condicional.
Diante destas circunstâncias, completamente díspares das versadas no acórdão convocado pelo arguido e atrás mencionado, facilmente se retira que as finalidades da punição seriam distorcidas e desprezadas se fosse permitido ao arguido ausentar-se da habitação onde deve cumprir a pena de permanência para exercer a sua actividade profissional de vendedor ambulante. O efeito detentivo da pena desapareceria ante a possibilidade daquela ser exercida sem quaisquer limites temporais.
(…)”.
Como resulta da decisão recorrida, o tribunal a quo, após afastar a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, entendeu, no entanto, ser excessivo retirar o arguido de forma absoluta do meio social em que vive, tanto mais que o mesmo encontra-se familiarmente integrado, e dai ter afastado o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional, optando por sujeitar o arguido ao regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, na medida em que por este meio ficariam asseguradas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da execução da pena de prisão, tendo nisso o arguido consentido – artigo 43.º, n.º 1, alínea a).
Porém, entendeu não autorizar as saídas do arguido para exercício da sua atividade profissional, como feirante, porquanto, “(…) tal autorização implicará a interrupção da monotorização contínua da pena, o que quanto a nós configura um risco acrescido dada a patenteada personalidade do arguido, não assegurando, por conseguinte, as necessidades inerentes ao presente processo, salientando-se que mesmo assim o mesmo vê as suas necessidades de subsistência asseguradas, quer pelo apoio de RSI atribuído ao próprio e à companheira, contando, ainda, com o apoio do filho e do neto.
No mais, considerando as patologias sofridas pelo arguido, desde já, se concede ao mesmo a autorização para o mesmo se ausentar pelo tempo estritamente necessário para frequência de consultas/tratamentos mediante comunicação prévia ao processo dos respectivos horários.
De acordo com o disposto no artigo 43.º do CP, na redação introduzida pela Lei 94/2017, de 23.08.2017:
“1. Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
(…)
2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.
3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.
Ainda que se reconheça que a autorização para o exercício da atividade profissional possa ter plena justificação na perspetiva da finalidade de reinserção social do condenado (ou da sua não desinserção social), finalidade que está na base da opção pela execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, evitando-se, desse modo, os inconvenientes maléficos da execução dessa pena no estabelecimento prisional e que levam à quebra dos laços familiares e também laborais, temos para nós que a eventual autorização para o arguido exercer a sua atividade de feirante é suscetível de por em causa as exigências de prevenção especial e geral que se se pretendem acautelar no caso concreto e que não ficariam asseguradas.
Com efeito, não obstante as condenações já sofridas pelo arguido, o contacto que já manteve com o estabelecimento prisional, cumprindo penas de prisão efetivas, uma delas de longa duração, e de se encontrar em liberdade condicional à data dos factos, tal não o inibiram de insistir na senda do crime, evidenciando, como já referimos, uma personalidade deformada.
Acresce que não obstante a gravidade das suas atuações pelas quais responde nos presentes autos e que demandam fortes exigências de prevenção geral, o arguido não as interiorizou, nem evidenciou qualquer arrependimento.
E tanto basta para concluir que a autorização pretendida pelo arguido, ora recorrente, para além daquelas que lhe foram concedidas, iria implicar um quase desaparecimento total do efeito detentivo da pena e não acautelaria de modo algum as exigências de prevenção que se fazem sentir e já assinaladas.
Em face do exposto, improcede também por aqui a pretensão do arguido.

III. Dispositivo
           
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a quatro unidades de conta (arts. 513º, nº1 do C.P.P. e 8º, nº9, do Regulamento das custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 15 de maio de 2023
                                                                                      Juiz Desembargadora Relatora
Cândida Martinho
Juiz Desembargador Adjunto
António Teixeira
Juiz Desembargadora Adjunta
Florbela Sebastião e Silva