DECLARAÇÕES DE PARTE
PROVA
DESPACHO DE INDEFERIMENTO
Sumário


I - As declarações de parte constituem um meio de prova dependente da iniciativa da própria parte, assumindo-se como um direito potestativo de natureza processual que lhe é conferido e, assim, esse meio de prova só pode ser liminarmente rejeitado pelo tribunal se não estiverem preenchidos os respetivos pressupostos legais, seja quanto ao seu objeto ou ao tempo para o mesmo ser oferecido, com a particularidade de poderem ser requeridas até ao início das alegações orais em 1.ª instância.
II - Verificando-se que o requerimento de declarações de parte dos réus obedece aos pressupostos legalmente previstos, seja quanto ao seu objeto quer relativamente ao limite temporal para o mesmo ser oferecido, o facto de os réus terem assistido a diversos atos de produção de prova que tiveram lugar no decurso da audiência final não afasta a admissibilidade das respetivas declarações de parte, importando contudo ao juiz ter em conta tal circunstância para efeitos de apreciação do seu valor probatório, no âmbito  da livre apreciação do depoimento não confessório.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

Na ação declarativa sob a forma de processo comum n.º 5220/20...., que AA instaurou contra BB e CC, proferido o despacho saneador e delimitado o objeto do litígio, foram selecionados como temas da prova, os seguintes:

«1. Existência de inundação da cozinha da fração id. em 1 da p.i.; data; origem - fuga de água proveniente da casa dos RR;
2. Danos:
– na cozinha: queda e destruição de móveis; avaria e inutilização de eletrodomésticos (placa de indução, um esquentador (...), um forno eléctrico e um exaustor todos da marca ...); tecto e iluminária estragados; custo de reparação/substituição;
- perda de possibilidade de arrendar o imóvel; perda de rendimento de € 500/mês;
- no estado anímico da AA;
3. Intempérie em outubro; infiltração de água, pelo telhado/estrutura do prédio e escorrência pela caixa de ar;
4. Abandono da fração pela A desde setembro de 2019.
5. Causa de 2».

Já no que concerne aos meios de prova a produzir e à delimitação dos atos processuais, em face do requerido pelas partes nos articulados, decidiu-se do seguinte modo:
«Meios de Prova a Produzir:

Pela Autora:
- documental - por tempestivos e legais, admitem-se os documentos oferecidos.
- declarativa - por tempestivo e legal, admite-se o depoimento de parte do Réu marido à matéria exarada em 13º, 15º, 16º, 17º, 21º, 22º, 26º, 27º, 30º, 32º, 33º, 34º e 36º da petição inicial.
- testemunhal - por legal e tempestivo, admite-se o rol de testemunhas oferecido (10!).
- perícia - já deferida.

Pelos RR:
- documental - por tempestivos e legais, admitem-se os documentos oferecidos.
- declarativa - por tempestivo e legal, admite-se o depoimento de parte da Autora à matéria exarada em 16º, 16º-A, 17º, 23º, 24º, 25º, 33º, 34º, 35º, 37º, 46º, 47º, 49º, 56º, 57º, 59º da contestação, não se admitindo ao mais, por não se tratar de factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento.
- testemunhal – por legal e tempestivo, admite-se o rol de testemunhas oferecido (4).
- perícia - já deferida.
Julgamento:
Para a realização de audiência final de julgamento, designa-se o dia 03.10.2022, pelas 09h50m, com a seguinte ordem de trabalhos:
- 09h50 - prova declarativa;
- 10h50 - 4 testemunhas admitidas à Autora;
- 12h00 - 2 testemunhas admitidas à Autora;
- 13h30 - 3 testemunhas admitidas à Autora;
- 14h40 - 4 testemunhas admitida aos RR;
- 16h00 - alegações finais».
A 1.ª sessão da audiência final teve lugar em 03-10-2022, pelas 09h50 (estando presentes, entre outros, os Ilustres advogados, a autora e os réus), com a prestação do depoimento de parte pelo réu BB, depoimento e declarações de parte da autora AA e inquirição das testemunhas arroladas pela autora, DD e EE, sendo interrompida pelas 13h19 para continuar pelas 14h00 do mesmo dia, com inquirição das testemunhas arroladas pela autora, FF, GG, HH e II (estando presentes, entre outros, os Ilustres advogados, a autora e os réus), após o que foi interrompida, para continuar no dia 18-11-2022, pelas 09h50 (para inquirição das testemunhas JJ, KK, LL, MM, NN, e alegações).
Por requerimento com a referência citius ...36 (de 15-11-2022) vieram os réus requerer, entre o mais, o seguinte: «(…) [m]ais requerem, nos termos do disposto no artigo 466º do CPC, a prestação de declarações de parte aos factos alegados nos artigos 3º a 39º, 46º a 54º, 55º, 57º, 58º, 59º da Contestação, por terem intervindo pessoalmente e por terem conhecimento direto dos mesmos».

Reaberta a audiência final - 3.ª Sessão (de 18-11-2022 pelas 09h50) e estando presentes, entre outros, os Ilustres advogados, a autora e o réu, a Mm. ª Juiz a quo proferiu despacho, que se encontra gravado, indeferindo o requerido pelos réus, com o seguinte teor, na parte que agora releva:
«(…)
Relativamente às declarações de parte, é indeferido uma vez que essas mesmas partes já assistiram a toda a prova produzida anteriormente e, portanto, perde toda a pertinência as suas declarações.
Relativamente ao documento, como não se faz contraprova de uma prova, mas sim de factos, indefere-se a requerida junção.
Notifique.
Portanto, no essencial, vai tudo indeferido.
(…)».

Inconformados com este despacho de indeferimento, dele vêm apelar os réus, pugnando no sentido da sua revogação.

Terminam as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1º - Andou mal o tribunal a quo ao indeferir a requerida prestação do meio de prova de declarações de parte dos réus, violando, entre outros, o disposto nos artigos 341º do Código Civil; 466º do Código de Processo Civil, bem como desrespeitou o direito constitucional à prova previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
2º - De facto, o Código de Processo Civil de 2013 introduziu com o citado artigo 466.º, um novo e autónomo meio de prova, que tendo carácter inovador, ao lado da prova por confissão, com esta não se confunde.
3º - A figura da prova por declarações de parte, para além de incidir sobre factos em que a parte tenha intervenção pessoal ou de que tenha conhecimento direto, caracteriza-se por ser requerida pelo próprio depoente e não pela parte contrária ou por um comparte do depoente e tem como particularidade o poder ser requerida até um momento processual mais tardio do que aquele que vigora para a generalidade dos requerimentos probatórios – pode ser requerida até ao início das alegações orais em 1ª instância, como sucedeu no presente caso.
4º - Decorre ainda da conjugação da citada disposição legal que a parte ao requerer a prestação de declarações deverá indicar, discriminadamente, os factos sobre os quais tais declarações hão-de recair, que sempre terão que ser factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto, tal como também sucedeu no caso em análise.
5º - Portanto, no caso em apreço, a diligência de prova requerida pelos recorrentes/apelantes, subsumível ao art.º 466º, do CPC, foi requerida em tempo e o seu objeto foi indicado de forma correta.
6º - Cumpridos estes requisitos legais, os apelantes entendem que não era lícito ao julgador indeferir a requerida prestação de declarações de parte com fundamento, basicamente, em juízo de pretensa impertinência e/ou com base em julgamento prévio de estar em causa a produção de meio de prova de todo irrelevante para a boa decisão da causa.
7º - É certo que, para além de a instrução dever ter por objeto factos necessitados de prova (cfr. artº 410º, do CPC), acresce ainda que o juiz pode recusar o que for impertinente ou meramente dilatório (artº 6º, nº1, do CPC), o que não é manifestamente o caso.
8º - De facto, ao abrigo dos poderes que o legislador adjetivo confere ao juiz do processo em sede de direção e gestão processual (cfr. artº 6.º), reconhece-se ao titular dos autos o poder de, previamente à prolação de decisão sobre a requerida admissão da prestação de declarações de parte, indagar e aferir da possibilidade de se estar na presença de diligência instrutória de todo em todo inútil, logo, não admissível.
9º - Ponto é que, ao formular o referido juízo, e ad cautelam, deva o julgador não assumir e perfilhar um critério demasiado apertado, exigente e rígido (como sucedeu na presente situação), designadamente tendo em atenção as consequências que a procedência de um recurso interposto sobre despacho que rejeite um meio de prova sempre tem em sede de anulação de processado nos autos e à repetição de diligências processuais, razão porque, na dúvida, devia o meio de prova ser admitido, em obediência de resto do direito constitucional à prova previsto no artigo 20º da CRP.
10º - Aliás, face ao sistema probatório instituído, é fácil imaginar que a prova por declarações de parte tem uma natureza essencialmente supletiva, ou seja, será um meio ao qual as partes recorrerão nos casos em que, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, pressintam que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz.
11º - Nessa situações, é natural que a parte seja levada a supor que o seu próprio depoimento terá a virtualidade de contribuir para que a convicção do juiz se forme em sentido favorável à sua pretensão.
12º - Por isso, ao indeferir o pedido de declarações de parte, o despacho recorrido violou também o direito à prova dos réus.
13º - De facto, o direito à prova é uma das vertentes da garantia constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva prevista no art. 20º, nº 1 da C.R.P..
14º - Resulta da garantia dada ao cidadão de participar no processo, de poder influenciar o conteúdo da decisão, do direito a um processo equitativo (nº 4 do mesmo preceito).
15º - O direito à prova significa que as partes conflituantes têm o direito a utilizar a prova em seu benefício e como fundamento das suas pretensões ou defesas. Têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal, bem como o direito à contraprova.
16º - O despacho recorrido impediu assim os réus de utilizar um meio de prova, que também tem como função a demonstração da realidade dos factos (art. 341º do C.C.),
17º - Impedindo-os de o utilizar na sua defesa perante os pedidos da autora (art. 410º do C.P.C).
18º - Consequentemente, requer-se a revogação da decisão apelada e a procedência da apelação, devendo portanto a Exmª Juiz a quo admitir a requerida prestação do meio de prova de declarações de parte dos réus,
29º - anulando-se, consequentemente, todos os atos posteriores ao despacho cuja revogação ora se pede».
A autora/recorrida apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido.
Por despacho proferido em 1.ª instância foi o presente recurso admitido com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se a aferir se devem ser admitidas as declarações de parte dos réus, aferindo da legalidade da decisão interlocutória de 18-11-2022 que indeferiu tal meio de prova requerido pelos réus.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências ou incidências processuais a considerar na decisão deste recurso são as que já constam do relatório enunciado em I supra, que se dão aqui por integralmente reproduzidas, por estarem devidamente documentadas nos autos.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
Está em causa na presente apelação a decisão que indeferiu a requerida prestação de declarações de parte pelos réus aos factos alegados nos artigos 3.º a 39.º, 46.º a 54.º, 55.º, 57.º, 58.º, 59.º da contestação.
Defendem os apelantes/réus que tal decisão os privou da utilização de um meio de prova que tem como função a demonstração da realidade dos factos, nos termos do artigo 341.º do CC, impedindo-os de o utilizar na sua defesa perante os pedidos da autora.
Mais alegam que a diligência de prova em causa foi requerida em tempo e o seu objeto foi indicado de forma correta, estando vedado ao julgador indeferi-la com fundamento em juízo de impertinência e/ou inutilidade.
Em resposta, sustenta a recorrida que as declarações dos réus não foram admitidas em face da assistência prévia a toda a prova produzida nos autos, entendendo o tribunal a quo que essa circunstância inquina a validade e credibilidade das declarações de parte requeridas pelos réus, já que as mesmas não poderiam ser valoradas. Mais alega que se os réus pretendiam prestar declarações de parte deveriam ter acautelado essa possibilidade, abstendo-se da assistência a todo o julgamento, já que as partes só podem produzir prova, quer por declarações de parte, quer por testemunhas, se essas pessoas não assistirem previamente à produção da demais prova. Conclui que o despacho recorrido fez correta aplicação do direito, pelo que se impõe a sua confirmação e a improcedência da apelação apresentada pelos réus.
Analisando a questão submetida à apreciação, importa ter presente que a decisão que rejeitou a prestação de declarações de parte pelos réus (requerida por estes), baseou-se exclusivamente num juízo prévio quanto à falta de pertinência de tal meio de prova, em virtude de os réus terem assistido a toda a prova produzida em audiência final, depreendendo-se da respetiva fundamentação que o tribunal a quo entendeu que tal circunstância inquinava a relevância das declarações a prestar[1].
A este propósito, importa considerar que o requerimento em referência foi apresentado pelos réus após a realização das duas primeiras sessões da audiência final que tiveram lugar em 03-10-2022 (pelas 09h50 e 14 h, respetivamente) mas antes da reabertura da audiência já agendada para continuar no dia 18-11-2022, pelas 09h50 (para inquirição das testemunhas JJ, KK, LL, MM, NN, e alegações).
Revelam-nos ainda os autos que os réus estiveram presentes nas sessões da audiência final que se realizaram em 03-10-2022 e, como tal, assistiram aos diversos atos de produção de prova que nelas tiveram lugar (no caso, o depoimento de parte do réu BB, o depoimento e declarações de parte da autora AA, e inquirição das testemunhas DD, EE, FF, GG, HH e II).

O artigo 466.º do CPC, com a epígrafe Declarações de parte, dispõe o seguinte:

1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.

Tal como decorre do enunciado preceito legal, o regime atualmente em vigor veio consagrar de forma clara e inequívoca as declarações de parte enquanto meio de prova de prova autónomo, que se traduz na possibilidade de as próprias partes prestarem declarações em audiência «quando face à natureza pessoal dos factos a averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão»[2].
À consagração de tal meio de prova no nosso ordenamento jurídico-processual subjaz a ideia de que «são as partes que verdadeiramente conhecem os contornos do litígio e detêm a razão de ciência mais direta, não havendo qualquer obstáculo de ordem material a que possam comparecer espontaneamente perante o tribunal para, sem intermediários, exporem a sua versão dos factos, submetendo-se ao imediato contraditório da parte contrária e ao inquisitório do tribunal, competindo ao juiz apreciar o valor probatório das declarações»[3].
Trata-se de meio de prova consagrado na lei adjetiva «em homenagem ao direito à prova (porque ao depoente pode ser difícil ou mesmo impossível demonstrar certos factos - nomeadamente estados subjetivos - por via diversa da do próprio relato) e à finalidade da descoberta da verdade (porque as partes terão, muitas vezes, conhecimento privilegiado dos factos que alegam, já que os praticaram ou presenciaram) e submetido, como os meios de prova em geral, ao princípio da livre apreciação das provas (art. 607-5)»[4].
Neste domínio, importa salientar que o direito à prova constitui pressuposto necessário e privilegiado para concretizar e garantir o direito de ação e defesa, tal como consagrado no artigo 20.º, n.º 1 Constituição da República Portuguesa, ao prever que «[a] todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos».
Porém, ainda que o direito à prova represente uma componente essencial do princípio fundamental do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, tal não implica a «a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio, ou que não sejam possíveis limitações quantitativas na produção de certos meios de prova»[5].
Deste modo, o princípio do inquisitório, expressamente consagrado no artigo 411.º do CPC[6], coexiste com os princípios do dispositivo, da preclusão e da autoresponsabilidade das partes, funcionando de um modo geral o princípio do dispositivo no que concerne à alegação de factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente o dever de, tanto quanto possível, aferir da veracidade desses factos, «utilizando um critério objetivo para aferir da necessidade ou da conveniência das diligências probatórias suplementares com vista ao apuramento da verdade»[7].
Neste domínio, relevam ainda outros princípios ou regras, designadamente o princípio da relevância da prova, estreitamente ligado ao poder/dever de gestão processual que compete ao juiz, tal como consagrado no artigo 6.º, n.º1 do CPC, o qual estatui que «cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável».
Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-04-2015[8], «o direito à prova não é um direito absoluto e incondicionado, não implicando a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis ou a imposição de condições à sua utilização, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. A emissão de uma norma restritiva da utilização dos meios de prova, não implica necessariamente um desrespeito do direito acesso à justiça na sua vertente do direito do interessado produzir a demonstração de factos que, na sua ótica, suportam o seu direito ou a sua defesa. Tal desrespeito só se verificará quando se possa concluir que a norma em causa determina para o interessado, na generalidade das situações, a impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito.
Ao juiz, enquanto “gestor” ou responsável pela direção do processo incumbe autorizar a realização das diligências que se afigurem necessárias e adequadas e indeferir as que afigurem inúteis ou meramente dilatórias.
(…)
O facto de o juiz indeferir um requerimento de prova inútil ou com intenção de arrastar o andamento processo, não constituiu uma limitação ao direito de defesa. Podemos mesmo afirmar constituir para o juiz um dever, em nome da economia processual, a recusa de provas irrelevantes, inúteis ou meramente dilatórias».
Sucede que o artigo 466.º do CPC, ao invés de um mero poder/dever do tribunal, regula um verdadeiro direito potestativo de natureza processual conferido a qualquer das partes, permitindo-lhe oferecer-se para prestar declarações»[9].
Em consonância com os ensinamentos da doutrina, também a jurisprudência que julgamos representativa vem decidindo que “está em causa um meio de prova voluntário (que depende estritamente da iniciativa da própria parte) e de «um direito potestativo de natureza processual conferido à parte» e, assim, o mesmo só pode ser liminarmente afastado pelo Tribunal se não estiverem preenchidos os seus pressupostos legais, seja quanto ao seu objecto ou ao tempo para o mesmo ser oferecido, v.g., requerimento para declarações de parte deduzido já após a realização das alegações orais e encerrada a audiência de julgamento”[10].
Nesta perspetiva, refere-se ainda no aresto antes citado, «se as declarações de parte, como qualquer outro meio de prova que está submetido à livre apreciação do juiz (artigo 607º, n.º 5, do CPC), está sempre, em concreto, isto é, após a sua produção perante o juiz do processo, sujeito à sua livre e crítica apreciação em termos de valor probatório (salvo se constituírem confissão - 2ª parte, do n.º 3 do citado artigo 466º), isso também significa, logicamente, que o juiz não pode, previamente à produção daquele meio de prova, fazer qualquer juízo sobre a utilidade ou credibilidade de tal meio de prova oferecido pela parte (ao abrigo dos princípios do dispositivo, da iniciativa processual e da auto-responsabilidade das partes), só a podendo recusar se a mesma não obedecer ao condicionalismo legal que subjaz ao seu oferecimento nos autos».
Tal como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 11-02-2021[11]: «[e]stamos, por conseguinte, no âmbito mais amplo do direito que assiste à parte de provar os factos por si alegados e que sustentam a sua pretensão, ou mesmo até de fazer a contra prova dos factos contra si invocados, no quadro do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva (art. 20º da CRP), pelo que, nessa medida, é a cada uma das partes que incumbe eleger os meios de prova adequados à demonstração com que está onerada ou que, de algum modo, convém à prossecução dos seus interesses. Tal não significando que não devam impor-se certas limitações aos meios de prova utilizáveis em cada caso, mas essas limitações devem mostrar-se materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade.
Assim sendo, e a menos que seja evidente a redundância em sentido favorável à parte requerente, será sempre temerário justificar a recusa de um meio de prova com a invocação de o tribunal já estar convencido de uma certa versão dos factos (…)».
O artigo 466.º, n.º 1 do CPC prevê como pressupostos legais da admissibilidade da prestação de declarações de parte que o requerimento seja formulado pela própria parte que irá prestar as declarações (e não pela parte contrária ou por um comparte do depoente), até ao início da fase das alegações orais na audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância, bem como que as declarações se reportem a factos em que a parte tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto[12].
Acresce que, por força da remissão do artigo 466.º, n.º 2 do CPC para o estabelecido na secção anterior relativamente ao procedimento previsto para o depoimento de parte, com as necessárias adaptações, exige-se ainda a discriminação dos factos sobre que versarão as declarações de parte, tal como previsto no artigo 452.º, n.º 2 do CPC[13].
Revertendo ao caso em apreciação, verifica-se que o requerimento de declarações de parte foi requerido pelos próprios réus, mais se observando que o mesmo foi tempestivamente apresentado, uma vez que foi deduzido ainda no decurso da audiência final e antes das alegações orais.
Acresce que os réus indicaram discriminadamente os factos sobre os quais devem recair as requeridas declarações de parte, tendo por referência factos alegados na contestação, mais justificando tais declarações na circunstância de neles terem intervindo pessoalmente e por terem conhecimento direto dos mesmos.
Por outro lado, e conforme se esclarece no citado acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 11-02-2021: «[a] parte pode no mesmo processo prestar declarações de parte e depoimento de parte, isto é, ser ouvida em qualidades distintas - na qualidade de declarante de depoente -, para prova de factos distintos e em momentos distintos.
Sendo ouvida a requerimento da parte contrária, o procedimento a empregar é o do depoimento de parte; mas sendo ouvida por sua própria iniciativa, o procedimento é o das declarações de parte.
Por outro lado, se a parte for ouvida na primeira qualidade, sê-lo-á para prova de factos que lhe são desfavoráveis; se for ouvida na segunda qualidade, sê-lo-á para prova de factos que lhe são favoráveis, embora o n.º 3 do art. 466º do CPC não exclua que das declarações de parte emerja confissão.
Com efeito, o legislador dá relevo confessório às declarações que essa mesma parte vier a fazer durante a prestação destas declarações relativamente a factos que lhe sejam desfavoráveis.
Quer isto dizer que o mesmo meio de prova é, ao mesmo tempo, tarifado e livre, tudo variando segundo o sentido das declarações que a parte vier a fazer sobre os mesmos factos. Se as declarações forem confessórias, será tarifado ou legal; não sendo confessórias, será de apreciação livre».
Deste modo, importa concluir que o requerimento de declarações de parte dos réus, apresentado em 15-11-2022 obedece aos pressupostos legalmente previstos, seja quanto ao seu objeto quer relativamente ao momento limite para o mesmo ser oferecido.
Tal como esclarecem José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[14], «[a]s declarações de parte têm também como particularidade o poderem ser requeridas até um momento processual mais tardio do que aquele que vigora para a generalidade dos requerimentos probatórios: podem ser requeridas até ao início das alegações orais em 1.ª instância (n.º 1 e art. 604-3-e), enquanto os outros requerimentos probatórios, sem prejuízo de poderem ser depois alterados, devem ser feitos nos articulados (…)».
Contudo, no caso coloca-se a questão de saber se o tribunal deve rejeitar a prestação de declarações de parte sempre que a parte tiver assistido à produção de prova, tal como entendeu o tribunal a quo na decisão recorrida.
A este respeito, refere Rui Pinto[15]: «bem pode suceder que o requerimento seja apresentado depois de todos demais eventos programados - maxime, depoimentos das testemunhas - e imediatamente antes das alegações orais. A parte pode muito bem ter assistido aos atos prévios, acompanhada pelo seu mandatário, e pretender, após estes, apresentar a sua versão dos factos. Ora esta possibilidade está no claro espírito da norma: o fito do instituto não é permitir à parte esclarecer-se por estar em estado de ignorância do prévio desenrolar da audiência final».
Em idêntico sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[16] entendem que o facto de a parte ter assistido, total ou parcialmente, à produção de prova não afasta a admissibilidade das declarações, cabendo ao juiz ter em conta tal circunstância para efeitos de apreciação do seu valor probatório.
Aderindo a este entendimento, refere-se no recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-06-2022[17]: «[n]ão ignoramos o disposto no art. 458, nº 2, do C.P.C., sobre a ordem dos depoimentos das partes, e no art. 512, nº 1, do C.P.C., sobre a ordem do depoimento das testemunhas, ambos assentes na regra de que não assiste ao julgamento quem no mesmo deva depor e enquanto não prestar depoimento. E percebemos, naturalmente, o seu significado, pois o que se pretende com tal regra é preservar a espontaneidade dos depoimentos, evitando, tanto quanto possível, que depoimentos anteriores influenciem e contaminem os depoimentos subsequentes, retirando-lhes credibilidade e, com isso, força probatória.
Porém, não podemos ignorar a natureza muito particular das declarações de parte, a circunstância da parte já ter exposto no processo, por definição, a sua própria versão dos factos, o seu direito a assistir à audiência e a possibilidade de poder requerer a prestação de declarações até ao início das alegações orais em 1ª instância. Para além de, como referimos, poder o próprio tribunal determinar oficiosamente a prestação de tais declarações, ordenar, em qualquer estado do processo, a comparência pessoal das partes para a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa, e poder ainda o juiz, nos termos da parte final do nº 1 do art. 607 do C.P.C., se não se julgar suficientemente esclarecido, ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias.
 De resto, o momento temporal limite do requerimento da prestação de declarações de parte aponta, a nosso ver, para o interesse que poderá justamente advir dos depoimentos já prestados e por causa deles.
(…)
Seguimos, pois, o entendimento de que nada impede que as partes assistam ao julgamento e, querendo prestar declarações, possam requerê-lo em qualquer momento até ao início das alegações orais de 1ª instância, depondo, então, após as testemunhas e antes dessas mesmas alegações.
Como é evidente, e dentro da livre apreciação do depoimento de parte não confessório que lhe caberá fazer, o tribunal não deixará de ter em conta as condições em que foi prestado e se a parte assistiu ou não ao julgamento, no sentido de lhe conferir, também em função disso, menor ou maior credibilidade.
Conforme resume Mariana Fidalgo (…): “(…) Cremos que o único meio de harmonizar os valores e princípios em oposição, bem como a problemática a eles subjacente, residirá na valoração que se faça das declarações de parte prestadas - o juiz sempre terá de atender a esta realidade, aquando da análise crítica que fizer da prova produzida em audiência para a consequente formação da sua convicção. De facto, é nosso entender que a circunstância de as declarações de parte ocorrerem no início do julgamento ou, de outra banda, somente em momento anterior às alegações orais - e neste último caso, tendo ou não assistido à produção de toda a prova - poderá modificar a justa apreciação que das mesmas se faça, consoante seja de considerar, ou não, que tal circunstancialismo influenciou, e em que medida, as declarações da parte.”
Deste entendimento não decorrerá a nosso ver, como defende o recorrente, que o tribunal não tem forma de avaliar em que medida a audição e o conhecimento presencial de outros depoimentos influenciaram as declarações prestadas pela parte, pois o que releva serão, neste tocante, as circunstâncias em que as mesmas são prestadas (nomeadamente, com ou sem assistência prévia ao julgamento).
Não se tratará necessariamente de uma efetiva e detalhada análise da influência que a prévia audição das testemunhas poderá ter tido nesse depoimento, nem sempre detetável. Trata-se de valorizar tais declarações na perspetiva de quem esteve presente em audiência ou não a presenciou e na própria suscetibilidade, abstrata, do comprometimento da espontaneidade ou autenticidade desse mesmo depoimento.
(…)».
Seguindo de perto o entendimento enunciado no citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-06-2022 e a doutrina aí citada, cujos fundamentos entendemos de sufragar integralmente, concluímos que o requerimento apresentado pelos réus em 15-11-2022 não devia ter sido indeferido, na parte atinente à requerida prestação de declarações de parte.
Procede, assim, a apelação, impondo-se a revogação da decisão recorrida para que seja proferido novo despacho que, considerando a tempestividade do requerimento probatório apresentado pelos réus, e não se vislumbrando motivo válido para a respetiva rejeição, admita a requerida prestação de declarações de parte pelos réus aos factos indicados no referido requerimento, determinando a reabertura da audiência final com vista à produção das referidas declarações de parte e subsequentes alegações orais, seguida de prolação de nova sentença.

Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for. 
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada procedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da autora/recorrida, atento o seu decaimento.

IV. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, devendo ser proferido novo despacho que admita a requerida prestação de declarações de parte pelos réus, aos factos indicados no referido requerimento, e determine a reabertura da audiência final, com a tramitação subsequente que se revele necessária, nos termos antes explicitados.
Custas da apelação pela recorrida.
Comunique, de imediato, o teor da presente decisão ao processo principal em referência, atento o recurso também interposto da sentença final, entretanto admitido naqueles autos.

Guimarães, 18 de maio de 2023
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos
(Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida
(Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)





[1] E não por entender que já estava devidamente esclarecido e/ou com base em julgamento prévio de estar em causa a produção de meio de prova de todo irrelevante para a boa decisão da causa, como alegam os réus em sede de alegações da presente apelação.
[2] Cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, que deu origem à Lei n.º 41/2013 de 26-06.
[3] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pg. 530.
[4] Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Volume, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 307.
[5] Cf. Ac. do TC n.º 209/95 (relator: Armindo Ribeiro Mendes) p. n.º 133/93, 1.ª Secção, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
[6] Segundo o qual, «incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».
[7] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 484.
[8] Relatora: Maria João Areias, p. 124/14.1TBFND-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, p. 529.
[10] Cf., o Ac. TRP de 28-11-2022 (relator: Jorge Seabra), p. 3791/18.9T8VNG.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Relator Alcides Rodrigues, p. 171/15.1T8PRG-A. G1, disponível em www.dgsi.pt.
[12] A este propósito, cf. o citado Ac. TRG de 11-02-2021.
[13] Cf. o citado Ac. TRP de 28-11-2022.
[14] Obra citada, p. 308.
[15] Cf. Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Coimbra Editora, novembro 2015, p. 380.
[16] Obra citada, pgs. 531-532.
[17] Relatora Maria da Conceição Saavedra, p. 20294/17.1T8LSB-B. L1-7, disponível em www.dgsi.pt.