CONTRATO DE SEGURO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
SINISTRADO
PARTICIPAÇÃO
Sumário


I - O Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04 estabelece um regime específico de prescrição, prevendo prazos especiais de prescrição de dois anos (direito ao prémio) e de cinco anos (restantes direitos emergentes do contrato de seguro), sem prejuízo da prescrição ordinária.
II - As causas interruptivas da prescrição podem ser de duas modalidades, consoante resultem de ato do credor ou de ato do devedor, devendo a interrupção da prescrição ser provada por quem a alega.
III - Relativamente à interrupção da prescrição por ato do devedor, a lei prevê o reconhecimento do direito efetuado perante o respetivo titular, o qual pode ser expresso ou tácito, sendo que este só releva quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.
IV - A ausência de qualquer comunicação relativa ao enquadramento/ou não enquadramento do sinistro não reveste, no caso, de natureza declarativa, uma vez que nada foi relevantemente alegado quanto a um eventual acordo prévio das partes sobre o sentido atribuído à omissão de comportamento por parte da ré.
V - Também a solicitação de peritagem pela seguradora, após receção da participação de sinistro, para apurar os prejuízos e as circunstâncias do evento, bem como a emissão do relatório preliminar, conforme alegado em 14.º da contestação com referência ao documento n.º ... junto com o mesmo articulado, ou a conclusão do respetivo relatório, conforme alegado em 19.º da contestação com referência ao documento n.º ... junto com o mesmo articulado, não configuram, no caso, factos suscetíveis de traduzir qualquer reconhecimento expresso ou tácito do direito, efetuado perante o respetivo titular, posto que a própria autora alega que a ré/seguradora nunca lhe comunicou o enquadramento/ou não enquadramento do sinistro, bem como o eventual apuramento de valor do sinistro, nada resultando em contrário dos documentos juntos aos autos.
VI - Como tal, não ocorre interrupção da prescrição por ato do devedor pois os factos alegados não permitem consubstanciar qualquer conduta da ré suscetível de ser classificada como comportamento concludente ou declaração inequívoca do reconhecimento do direito perante o respetivo titular.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Em 22-07-2022, A..., S.A., intentou ação declarativa, sob a forma comum, contra ..., Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar à autora o montante de 310.522,50€, a título de indemnização, e juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor,
Alega para o efeito, em síntese, que, em razão das diversas empreitadas que tem em curso, contratou com a ré a proteção de pessoas e bens, designadamente, pela subscrição da Apólice Seguro n.º ...93 - Responsabilidade Civil relativa a todos os riscos de construção - Condições Gerais/Condições Especiais/Condições Particulares/Ata Adicional - visando garantir indemnizações à autora na qualidade de empreiteiro geral, a todos os subempreiteiros, tarefeiros, montadores, a trabalhar por conta da autora nas obras objeto deste seguro e no local da sua execução e, ainda, do Dono de Obra, que fossem devidas por danos materiais e responsabilidade civil extracontratual. Sucede que, no âmbito do exercício da atividade da autora, ocorreram diversos sinistros, com vários abatimentos do pavimento em diversos pontos da empreitada, provocados por causas naturais, nos locais que descreve, os quais ocorreram devido a elevada quantidade de precipitação nos dias 23 de outubro de 2013 e 24 de dezembro de 2013 e que, com vista a reparar os pavimentos, a autora realizou vários trabalhos que se totalizam no montante de 310.522,50€. Em 26-05-2014, os incidentes provocados por causas naturais foram participados à ré. Porém, a ré não se pronunciou sobre o sinistro, não procedeu à avaliação dos prejuízos reclamados, nem deu resposta concreta e definitiva sobre a participação efetuada, como tudo melhor consta da petição inicial.
Citada em 09-09-2022, a ré contestou, excecionando, além do mais, a prescrição do direito invocado pela autora, por terem decorrido mais de cinco anos desde a data da participação de sinistro, a qual foi efetuada em 26-05-2014, e tendo a ré sido citada para os presentes autos em 09-09-2022, como tudo melhor consta do articulado junto aos autos.
Em resposta, a autora reiterou que os danos ocorridos se deveram a abatimentos do pavimento, por má compactação provocada por causas naturais (precipitação), encontrando-se a reparação integral dos danos abrangida pelo artigo 6.º, n.º 1, das Condições Gerais, e não apenas, os trabalhos de reparação do asfalto (ainda que no âmbito da cobertura “Danos Materiais - trabalhos defeituosos devido a imperícia ou negligencia do segurado” e condição. especial 06). Conclui que os danos aqui reclamados se encontram garantidos pela apólice contratada e respetivas cláusulas particulares, especiais e gerais.
Em 21-11-2022 foram ouvidas as partes sobre a possibilidade de dispensa de realização de audiência prévia, concordando a autora com tal dispensa e declarando a ré nada ter a opor à mesma.
Por despacho de 09-01-2023 foi dispensada a realização da audiência prévia, fixado o valor da causa e proferido saneador-sentença julgando procedente a exceção de prescrição invocada pela ré, com os seguintes fundamentos:
«(…)
Excepção de prescrição invocada pela ré seguradora e relativamente à qual foi dada oportunidade de resposta à autora no despacho proferido em 21.11.2023:
Procede a excepção de prescrição invocada pela ré, uma vez que de acordo com o nº 2 do art. 121º do RJCS os “restantes direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de 5 anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa”.
Considerando que a participação de sinistro foi efetuada em 26/05/2014, admitindo-se esta como a data em que a A. teve conhecimento do direito à indemnização e tendo a R. sido citada para os presentes autos em 09/09/2022, decorreram mais de 5 anos, encontrando-se prescrito o eventual direito da A..
Pelos fundamentos de facto e de direito “supra” expostos, julgo procedente a excepção de prescrição invocada e, em consequência, absolvo a ré dos pedidos, cfr. artsº 576, nº 3 e 579 do CPC.
Custas pela autora».

Inconformada com a decisão proferida, veio a autora interpor recurso, requerendo a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que julgue a exceção de prescrição improcedente.

Termina as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida que julgou procedente a exceção perentória de prescrição e que, por via disso, absolveu a recorrida dos pedidos formulados.
II. A procedência da exceção funda-se na alegação de que a participação do sinistro foi efetuada em 26 de maio de 2014, pelo que, tendo a Ré sido citada para os presentes autos apenas em 09 de setembro de 2022, o direito da Autora encontra-se prescrito porquanto já haviam decorrido mais de cinco anos a contar do conhecimento do direito - artigo 121.º, n.º 2 do RJCS.
II. Contudo, padece de erro essa interpretação, porquanto, o prazo se mostrou interrompido, por via do comportamento da Ré.
IV. Designadamente, resulta confessado da contestação - itens 13 a 19 - que a Recorrida informou a Recorrente que iria analisar a participação, elaborar um relatório e responder ao pedido formulado pela recorrente.
V. Sempre prometendo junto da recorrida assumir a responsabilidade, o que veio a ocorrer nesse relatório apenas em 10/08/2018 - doc. ..., donde resulta que reconheceu em 10/08/2018 o direito à recorrente de ser indemnizada.
 VI. Sendo, pois, confessado que até 2018 e a partir daí, o prazo se tinha interrompido e o direito da Recorrente reconhecido pela recorrida - artigos 325.º e 326.º do Código Civil.
VII. Ou seja, o conhecimento do direito é pelo menos em 10/08/2018, pelo que nunca estaria, como não está, prescrito o direito da Recorrente».
A apelada apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o recurso sido admitido nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto do presente recurso circunscreve-se a saber se o direito invocado pela apelante se encontra prescrito, o que no caso implica aferir se ocorreu a interrupção da prescrição, por via do alegado reconhecimento do direito efetuado pela ré, conforme alegado pela recorrente em sede de alegações de recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

A decisão recorrida entendeu - e bem - que o prazo de prescrição do eventual direito do autor à indemnização reclamada no âmbito do contrato de seguro em causa nos presentes autos é de cinco anos, nos termos do artigo 121.º, n.º 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008, de 16 de abril.
Como conteúdo típico do referido contrato temos que o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente (artigo 1.º do RJCS).
Na base de qualquer crédito indemnizatório emergente do contrato de seguro está o sinistro, enquanto realização do risco previsto no contrato de seguro, que desencadeia, pela sua própria natureza, a garantia subjacente ao seguro.

O referenciado artigo 121.º do RJCS, com a epígrafe «Prescrição», dispõe o seguinte:

1 - O direito do segurador ao prémio prescreve no prazo de dois anos a contar da data do seu vencimento.
2 - Os restantes direitos emergentes do contrato de seguro prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa.

Tal diploma estabelece um regime específico de prescrição, prevendo prazos especiais de prescrição de dois anos (direito ao prémio) e de cinco anos (restantes direitos emergentes do contrato de seguro), sem prejuízo da prescrição ordinária, conforme resulta de forma clara do respetivo preâmbulo.
Por conseguinte, não subsistem dúvidas quanto à aplicabilidade do prazo de cinco anos previsto no artigo 121.º, n.º 2 do RJCS à prescrição invocada pela ré/recorrida, relativamente ao eventual direito do autor à indemnização reclamada no âmbito do contrato de seguro em causa nos presentes autos, o que, aliás, não vem questionado na presente apelação.
Como se viu, o artigo 121.º, n.º 2 do RJCS prevê para o caso o prazo de prescrição de cinco anos a contar da data em que o titular teve conhecimento do direito, sem prejuízo da prescrição ordinária a contar do facto que lhe deu causa.
No caso dos autos, ambas as partes aceitam que a participação do sinistro pela autora à ré foi, de facto, efetuada a 26-05-2014, e que, pelo menos desde essa data, a autora teve conhecimento do direito de que se arroga na presente ação.
É certo que o artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil (CC), estabelece como regra geral que o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, o que se justifica pela razão de ser do instituto da prescrição.
Refere Rita Canas da Silva[1], em anotação ao artigo 306.º do CC: «[o] n.º 1 acolhe regra consentânea com um dos fundamentos do instituto (…): se admitimos que a prescrição procura ainda sancionar a inércia injustificada do credor, só faz sentido que o prazo tenha início quando o direito puder ser exercido».
Contudo, tal como elucida o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-10-2019[2], «[a] aferição da impossibilidade de exercício de um dado direito para efeito de contagem de um prazo prescricional deve ser feita exigente e feita em termos objectivos; a mera existência de comunicações escritas entre as partes sobre as condições de um dado sinistro e definição das respectivas consequências não permite concluir dessa impossibilidade».
Também no caso em análise, entendemos que não existem objetivamente elementos que permitam concluir poder ser relegado o momento do exercício do direito pela autora para além do momento em que dele tomou conhecimento, face ao que decorre do alegado e dos documentos juntos aos autos, nem tal vem concretamente invocado pela apelante em sede recursiva.
No caso, o que releva para efeitos do início da contagem do prazo prescricional não são as alegadas diligências tendentes à assunção da responsabilidade por parte da ré, mas sim o conhecimento pela autora dos pressupostos do direito invocado. 
Daí que, em face do disposto no artigo 121.º, n.º 2 do RJCS, a decisão recorrida não mereça censura quando situou o termo inicial do prazo de prescrição na data da participação do sinistro efetuada pela autora a 26-05-2014.
A decisão recorrida julgou procedente a exceção perentória de prescrição do alegado direito da autora por resultar dos autos que a participação de sinistro foi efetuada em 26-05-2014, admitindo-se esta como a data em que a autora teve conhecimento do direito à indemnização e tendo a ré sido citada para os presentes autos em 09-09-2022, concluindo-se, assim, pelo decurso do prazo prescricional de cinco anos previsto no artigo 121.º, n.º 2 do RJCS em data anterior à propositura da presente ação.
Importa, porém, aferir da existência de causas interruptivas do prazo necessário para a verificação da exceção perentória de prescrição, que conduzam à improcedência da mesma, o que vem concretamente alegado pela recorrente, ainda que somente em sede de recurso[3].
 Tal como esclarece Luís A. Carvalho Fernandes[4], «uma vez iniciado o seu curso, a contagem do prazo prescricional segue as regras da contagem do tempo, como resulta, de resto, de forma inequívoca, do art. 296.º do C.Civ. Assim, nomeadamente, iniciado o curso do prazo prescricional, ele conta-se, em princípio, ininterruptamente. Há, porém, duas importantes excepções, decorrentes do regime de suspensão e interrupção da prescrição».
No que releva para o caso em análise, decorre do disposto no artigo 326.º do CC que, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte (n.º 1), sendo que a nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º (n.º 2).
Por outro lado, as causas interruptivas da prescrição podem ser de duas modalidades, consoante resultem de ato do credor ou de ato do devedor[5].

Relativamente à interrupção da prescrição por ato do credor (interrupção promovida pelo titular), dispõe o artigo 323.º do CC:

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Como se vê, a lei prevê a possibilidade de atos judiciais específicos interromperem a prescrição, como a citação e a notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente, tal como resulta do artigo 323.º, n.º1, do CC, ainda que equiparando à citação ou notificação qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido (n.º 4 do artigo 323.º do Código Civil).
No caso, não subsistem dúvidas de que a ação foi instaurada em 22-07-2022. Por outro lado, a ré foi citada para os presentes autos a 09-09-2022 e o início (dies a quo) do referido prazo de prescrição tido em conta na sentença recorrida, ocorreu a 26-05-2014, não suscitando controvérsia a aplicabilidade à prescrição invocada pela ré do prazo de cinco anos.
Deste modo, mostra-se efetivamente transcorrido o referido prazo prescricional já em 2019 e, como tal, à data da interposição da presente ação, com a consequente irrelevância da citação operada nos presentes autos.
Contudo, segundo a recorrente, o prazo de prescrição do direito de indemnização por si invocado deve considerar-se interrompido desde a data da participação do sinistro (26-05-2014) e até 10-08-2018 ou, pelo menos, à data de 10-08-2018 por via do comportamento da ré, na medida em que informou que recebeu a participação e diligenciou no sentido de apurar o valor da indemnização devida, mantendo sempre o processo de averiguações aberto e dando indicações de que o mesmo seria resolvido, a apurar em sede de relatório que se encontrava a realizar, o que, segundo alega a apelante, a própria ré/recorrida confessa na sua contestação, nos seus artigos 13.º a 19.º.
Contrapõe a recorrida que não existiu qualquer reconhecimento expresso do direito como causa interruptiva da prescrição, pois é a própria autora que alega, no seu articulado de resposta às exceções, que a ré nunca lhe comunicou o enquadramento/ou não enquadramento do sinistro, bem como o eventual apuramento de valor do sinistro (48.494,22€), mais alegando que do recebimento da participação de sinistro e da abertura de processo de averiguação não resulta qualquer reconhecimento tácito de qualquer direito da autora, pois não resulta destes comportamentos/factos da ré qualquer expressão inequívoca do mesmo, sendo irrelevante e desprovida de qualquer efeito jurídico a data da conclusão do relatório de peritagem por empresa prestadora de serviços à ré, que nem sequer foi comunicado à autora.
Nos termos do disposto no artigo 325.º do CC, a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido (n.º 1), dispondo ainda o n.º 2 do referido preceito que o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.
Tal como esclarece Luís A. Carvalho Fernandes[6], “a interrupção por acto do devedor verifica-se quando este reconheça, perante o credor, o direito que lhe assiste (art.º325.º). Esse reconhecimento pode ser expresso ou tácito, sendo de interesse ter aqui presente a distinção entre declaração expressa e tácita. Contudo, a lei é neste segundo caso mais exigente quanto à natureza dos factos concludentes, porquanto, nos termos do n.º 2 do art. 325.º, só há reconhecimento tácito quando «este resulta de factos que inequivocamente o exprimam». A razão de ser deste agravamento, em relação ao regime geral da declaração tácita (art. 217.º do C. Civ.), reside, in casu, numa necessidade de certeza, bem compreensível em matéria de tão marcada importância no regime das situações jurídicas.
Dois exemplos ajudam a esclarecer o sentido destas modalidades de interrupção. Há reconhecimento expresso, se o devedor escrever uma carta ao titular do direito, afirmando estar a dever-lhe a prestação em causa. Haverá reconhecimento tácito se o devedor pagar os juros do crédito, à medida do seu vencimento”.
A este propósito, explica Rita Canas da Silva [7]: «por ato do devedor, a prescrição pode ser interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular (n.º1). Neste caso, é dissipada a incerteza que a passagem do tempo pode suscitar quanto à existência do direito, por reconhecimento daquele que beneficiaria com a prescrição. E perde, assim, justificação a convocação de razões de segurança na definição do direito, de estabilização das relações jurídicas ou sequer de uma suposta dificuldade de prova do cumprimento - e que normalmente motivam a prescrição.
O reconhecimento tácito é admitido, mas apenas tem relevância interruptiva se for inequívoco, não oferecendo dúvidas (n.º 2) (…). Entre outros, são exemplos de reconhecimento tácito o pagamento de juros, a atribuição de garantia, o pedido de prorrogação do prazo».
Assim, «para a doutrina dominante o reconhecimento corresponde a uma declaração de ciência e não a uma declaração de vontade. Trata-se de um ato que não é necessariamente formal, podendo ser um reconhecimento expresso ou tácito, ainda que neste último caso seja necessário que “resulte de factos que inequivocamente o exprimam”, o que é mais exigente do que a regra geral sobre declarações tácitas. Assim, o pagamento, mas também atos como o pedido de uma dilação, a constituição de uma garantia, a promessa de cumprir terão esta eficácia interruptiva se contiverem um reconhecimento inequívoco, mesmo que tácito, da continuada existência da obrigação»[8].
Por outro lado, a nossa lei parece exigir que a declaração seja feita perante o titular, sendo que a interrupção da prescrição deve ser provada por quem a alega[9].
Em consonância com os ensinamentos da doutrina, também a jurisprudência que julgamos representativa vem decidindo que «[o] elemento literal da norma do nº 1 revela-se suficientemente claro no sentido de que o reconhecimento do direito, idóneo para interromper a prescrição, terá que ser efectuado perante o respectivo titular, não podendo sê-lo perante terceiros»[10], concluindo assim que «o reconhecimento do direito, para efeito de interrupção da prescrição, se traduz na confissão ou declaração da sua existência” (…), desde que “praticado pelo devedor perante o titular do crédito”»[11].
Deste modo, «o reconhecimento da dívida, considerado facto interruptivo da prescrição pelo artigo 325º do Código Civil pode ser expresso ou tácito, embora, quanto ao reconhecimento tácito, não tenha relevância aquele que não se baseie em facto que inequivocamente o exprima», não constituindo reconhecimento tácito «o mero silêncio da devedora perante as reclamações do credor e da carta registada (com indicação das facturas, seus números, datas de vencimento, datas de pagamento e montante dos juros) que aquele lhe remeteu». Como tal, «para haver reconhecimento com eficácia de interrupção da prescrição, é necessário que haja, ao menos, através de factos, afirmações pessoais, comportamentos ou atitudes, o propósito de reconhecer o direito da parte contrária»[12].
Tal como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2016[13], citando Fernando Augusto Cunha de Sá, “Modos de Extinção das Obrigações” (in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, I vol, Direito Privado e Vária, Estudos organizados pelos Professores Doutores António Menezes Cordeiro, Luís Menezes Leitão e Januário da Costa Gomes, Almedina, Coimbra)”, “…não é qualquer reconhecimento da dívida que tem efeito interruptivo. É necessário que seja o próprio devedor a reconhecer o crédito e, ainda, que este reconhecimento seja efectuado perante o credor. Claro está que não se exige que o devedor se reconheça como tal na presença física do credor; o que se pretende é afastar a eficácia interruptiva de qualquer reconhecimento que seja efectuado perante terceiro”.
Retomando ao caso em apreciação, verificamos que em lado algum vem alegado ou resulta dos documentos apresentados nos autos que a ré, ora recorrida, tenha afirmado ou declarado perante a autora que lhe assistia o direito que agora pretende exercitar através da presente ação, nem tal resulta da matéria alegada nos artigos 13.º a 19.º da contestação.
Por outro lado, a própria autora alega que a ré nunca lhe comunicou o enquadramento/ou não enquadramento do sinistro, bem como o eventual apuramento de valor do sinistro (48.494,22€) - cf. o alegado no artigo 6.º do articulado de resposta às exceções apresentado em 27-10-2022 - mais alegando que, por diversas vezes questionou a ré acerca da resolução do sinistro, sem que, no entanto, alguma informação lhe tenha sido transmitida (artigo 7.º do articulado apresentado em 27-10-2022), o que, aliás, se mostra em consonância com o alegado nos artigos 20.º a 23.º da petição inicial, nos seguintes termos:
«20. Em 26.05.2014, os incidentes provocados por causas naturais foram participados à Ré - cfr. documento n.º 9, que ora se junta e cujos dizeres se reproduzem integralmente para os devidos efeitos legais.
21. Sucede que, a Ré não se pronunciou sobre o sinistro,
22. Nem tampouco a Ré procedeu à avaliação dos prejuízos reclamados,
23. Nem deu resposta concreta e definitiva sobre a participação efetuada.
(…)».

Ora, no contexto antes enunciado, resulta evidente que a ausência de manifestação ou de qualquer comunicação relativa ao enquadramento/ou não enquadramento do sinistro não reveste, no caso, de natureza declarativa, atento o disposto no artigo 218.º do CC[14] e uma vez que nada foi relevantemente alegado quanto a um eventual acordo prévio das partes sobre o sentido atribuído à omissão de comportamento por parte da ré.
Também a alegada designação de gabinete de peritagem, após receção da participação de sinistro, para apurar os prejuízos e as circunstâncias do evento, bem como a emissão do relatório preliminar, conforme alegado em 14.º da contestação com referência ao documento n.º ... junto com o mesmo articulado, ou a conclusão do respetivo relatório, conforme alegado em 19.º da contestação com referência ao documento n.º ... junto com o mesmo articulado, não configuram factos suscetíveis de traduzir qualquer reconhecimento expresso ou tácito do direito da autora, no contexto dos autos, posto que a própria autora alega que a ré nunca lhe comunicou o enquadramento/ou não enquadramento do sinistro, bem como o eventual apuramento de valor do sinistro, e da parte final do teor do aludido documento n.º ... consta de forma expressa que «Dado o caráter condicional da presente regularização, o Segurado não foi informado das conclusões do processo».
Por conseguinte, resta concluir que os factos alegados não permitem consubstanciar qualquer conduta da ré suscetível de ser classificada como comportamento concludente ou declaração inequívoca do reconhecimento da existência do direito, efetuado perante a autora.
Deste modo, as circunstâncias dos autos não permitem julgar verificada qualquer causa ou facto interruptivo com relevância para afastar a prescrição do direito.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for. 
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento.

I - O Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04 estabelece um regime específico de prescrição, prevendo prazos especiais de prescrição de dois anos (direito ao prémio) e de cinco anos (restantes direitos emergentes do contrato de seguro), sem prejuízo da prescrição ordinária.
II - As causas interruptivas da prescrição podem ser de duas modalidades, consoante resultem de ato do credor ou de ato do devedor, devendo a interrupção da prescrição ser provada por quem a alega.
III - Relativamente à interrupção da prescrição por ato do devedor, a lei prevê o reconhecimento do direito efetuado perante o respetivo titular, o qual pode ser expresso ou tácito, sendo que este só releva quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.
IV - A ausência de qualquer comunicação relativa ao enquadramento/ou não enquadramento do sinistro não reveste, no caso, de natureza declarativa, uma vez que nada foi relevantemente alegado quanto a um eventual acordo prévio das partes sobre o sentido atribuído à omissão de comportamento por parte da ré.
V - Também a solicitação de peritagem pela seguradora, após receção da participação de sinistro, para apurar os prejuízos e as circunstâncias do evento, bem como a emissão do relatório preliminar, conforme alegado em 14.º da contestação com referência ao documento n.º ... junto com o mesmo articulado, ou a conclusão do respetivo relatório, conforme alegado em 19.º da contestação com referência ao documento n.º ... junto com o mesmo articulado, não configuram, no caso, factos suscetíveis de traduzir qualquer reconhecimento expresso ou tácito do direito, efetuado perante o respetivo titular, posto que a própria autora alega que a ré/seguradora nunca lhe comunicou o enquadramento/ou não enquadramento do sinistro, bem como o eventual apuramento de valor do sinistro, nada resultando em contrário dos documentos juntos aos autos.
VI - Como tal, não ocorre interrupção da prescrição por ato do devedor pois os factos alegados não permitem consubstanciar qualquer conduta da ré suscetível de ser classificada como comportamento concludente ou declaração inequívoca do reconhecimento do direito perante o respetivo titular.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando integralmente a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 18 de maio de 2023
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos
(Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida
(Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Cf. Rita Canas da Silva, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pgs. 379-380.
[2] Relator José Igreja Matos, p. n.º 42/19.2T8ARC.P1; disponível em www.dgsi.pt.
[3] Resulta dos autos que a autora apresentou articulado de resposta às exceções (requerimento de 27-10-2022) no qual não se pronunciou quanto à invocada exceção de prescrição.
[4] Cf. Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 5.ª edição - revista e actualizada, Lisboa, 2017, Universidade Católica Editora, p. 700.
[5] Cf. Luís A. Carvalho Fernandes - obra citada - p. 701.
[6] Cf. Luís A. Carvalho Fernandes - obra citada -, p. 702.
[7] Obra citada, p.397.
[8] Cf. Júlio Gomes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral - Coord. de Luís Carvalho Fernandes, José Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, pgs. 774-775.
[9] Cf. Júlio Gomes - obra citada -, p. 775.
[10] Cf., o Ac. do STJ de 23-09-1999 (relator: Garcia Marques), p. 99A575, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Cf. Ac. do STJ de 18-11-2004 (relator: Araújo de Barros), p 04B3459, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Cf., o citado Ac. do STJ de 18-11-2004.
[13] Relator Paulo Sá, p. 307/04.8TBVPA.G1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[14] O qual dispõe o seguinte: «O silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção».