SIMULAÇÃO
NULIDADE
PROVA
MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
Sumário


I. É admissível a impugnação de factos em bloco, desde que interligados e respeitantes a uma mesma questão essencial ( Ac. STJ de 14/7/2021, Ac. STJ de 19/5/2021, P.4925/17.6T8OAZ.P1.S1 ).
II. A força probatória plena das declarações insertas em documento particular nos termos do nº1 do artº 376º do Código civil, não impede a prova de vícios de vontade da declaração, e, a prova decorrente do nº2 do citado artigo, não reveste força probatória plena, salvo nos casos em que se opere “confissão”.
III. A declaração de recebimento de tornas de fls., não obstante se traduza no reconhecimento de facto desfavorável para os Autores/apelantes favorecendo os Réus/apelados, não constitui, no caso concreto, confissão extrajudicial feita à parte contrária, nos termos dos artº 352º e 358º-nº2, do Código Civil, com força probatória plena, nos termos do citado artº 358º-nº2, parte final, em virtude de existirem outras partes processuais, para além dos outorgantes/signatários.
V. Proíbe o artº 394º- nº2 a produção de prova testemunhal, se esta tiver por objecto o acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores; não sendo tal proibição absoluta, cedendo quando exista um começo ou princípio de prova por escrito.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

AA, e mulher BB, propuseram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra CC, e mulher DD, EE, EE, e mulher FF, peticionando:

- a declaração da anulabilidade do negócio de divisão e cessão de quotas da sociedade F... – Comércio de Frutas, Ld.ª, titulado pela escritura pública outorgada no dia 29 de outubro de 1996, no âmbito do qual os autores prestaram o seu consentimento às cessões de quotas;
- a declaração da nulidade, por simulação parcial, da partilha em vida titulada pela escritura pública outorgada no dia 23 de abril de 2012, e a condenação dos réus a reconhecerem a validade do negócio dissimulado e, consequentemente, a condenação dos réus EE e EE a pagarem-lhes, respetivamente, as quantias de € 70.000,00 e 100.000,00, a título de tornas.

Alegaram, em síntese, que prestaram o seu consentimento à cessão de quotas titulada pela escritura pública outorgada no dia 29 de outubro de 1996, convencidos que o autor era titular de uma quota na sociedade F... – Comércio de Frutas, Ld.ª, o que vieram a descobrir posteriormente não corresponder à verdade. Invocaram que tal erro motivou a prestação do referido consentimento e que os demais outorgantes, ou seja, os réus conheciam a essencialidade do motivo daquele consentimento. No que diz respeito ao negócio da partilha em vida, os autores alegaram que os preços dos bens imóveis objeto dessa partilha foram simulados na escritura pública outorgada no dia 23 de abril de 2012, por questões fiscais, sendo que o valor global de tais bens acordado entre os autores e réus foi de € 500.000,00, tendo ficado estipulado que o autor receberia do réu EE a quantia de € 70.000,00 e do réu EE a quantia de € 100.000,00 a título de tornas, montantes que jamais foram pagos.
Os réus contestaram, invocando, desde logo, a caducidade do direito de peticionar a anulabilidade do negócio de divisão e cessão de quotas, atendendo à data em que este foi celebrado. Impugnaram a matéria referente ao alegado erro no motivo da prestação do consentimento à cedência de quotas da sociedade F... – Comércio de Frutas, Ld.ª, afirmando, em síntese e no essencial, que os autores sempre souberam que o autor jamais foi sócio daquela sociedade, acrescentando que ambos estiveram presentes na escritura pública que titulou o negócio da divisão e cessão de quotas a qual foi lida e explicada aos outorgantes e na qual consta expressamente que os réus eram os únicos sócios da referida sociedade. Alegaram que não houve qualquer simulação quanto ao preço dos bens objeto da partilha em vida, referindo que os valores atribuídos aos bens nesse negócio foram os acordados e aceites por todos e que o valor das tornas devidas aos autores foi pago. Concluíram pela improcedência da ação e a consequente absolvição dos pedidos.
Os autores responderam à matéria da caducidade do direito de peticionar a anulabilidade do negócio da divisão e cessão de quotas, alegando, em síntese, que apenas tomaram consciência do erro que motivou a prestação do consentimento em tal negócio quando outorgaram as procurações conferidas ao seu Ilustre mandatário.
Na audiência prévia, foi proferido o despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.*
Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença a julgar a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se os réus CC, DD, EE, EE e FF dos pedidos.
Inconformados vieram os Autores recorrer interpondo recurso de apelação.
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam os apelantes formulam as seguintes Conclusões:

1.Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido foi decidido o seguinte “Termos em que e face ao exposto julga-se a ação improcedente, por não provada, e, em consequência absolvem-se os réus CC, DD, EE, EE e FF dos pedidos.*Custas da ação a cargo dos autores, sem prejuízo do apoio judiciário concedido - art.527º,nº1,doC.P.C. Registe e Notifique”.
2. Com o devido respeito, que é muito, os Recorrentes não se podem conformar com a douta sentença proferida.
3. Ora vejamos, os Autores, ora Recorrentes, intentaram a ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra CC, e mulher DD, EE, divorciado e EE e mulher FF, peticionando: a declaração da anulabilidade do negócio de divisão e cessão de quotas da sociedade F... – Comércio de Frutas, Ld.ª, titulado pela escritura pública outorgada no dia 29 de outubro de 1996, no âmbito do qual os autores prestaram o seu consentimento às cessões de quotas, bem como a declaração da nulidade, por simulação parcial, da partilha em vida titulada pela escritura pública outorgada no dia 23 de abril de 2012, e a condenação dos réus a reconhecerem a validade do negócio dissimulado e, consequentemente, a condenação dos réus EE e EE a pagarem-lhes, respetivamente, as quantias de € 70.000,00 e 100.000,00, a título de tornas.
4. Alegaram, em síntese, que prestaram o seu consentimento à cessão de quotas titulada pela escritura pública outorgada no dia 29 de outubro de 1996, convencidos que o autor era titular de uma quota na sociedade F... – Comércio de Frutas, Ld.ª, o que vieram a descobrir posteriormente não corresponder à verdade.
5. Invocaram que tal erro motivou a prestação do referido consentimento e que os demais outorgantes, ou seja, os réus conheciam a essencialidade do motivo daquele consentimento.
6. No que diz respeito ao negócio da partilha em vida, os autores alegam que os preços dos bens imóveis objeto dessa partilha foram simulados na escritura pública outorgada no dia 23 de abril de 2012, por questões fiscais, sendo que o valor global de tais bens acordado entre os autores e réus foi de € 500.000,00, tendo ficado estipulado que o autor receberia do réu EE a quantia de € 70.000,00 e do réu EE a quantia de € 100.000,00 a título de tornas, montantes que jamais foram pagos.
7. Os réus apresentaram contestação, invocando, desde logo, a caducidade do direito de peticionar a anulabilidade do negócio de divisão e cessão de quotas, atendendo à data em que este foi celebrado. Impugnaram a matéria referente ao alegado erro no motivo da prestação do consentimento à cedência de quotas da sociedade F... – Comércio de Frutas, Ld.ª, afirmando, em síntese e no essencial, que os autores sempre souberam que o autor jamais foi sócio daquela sociedade, acrescentando que ambos estiveram presentes na escritura pública que titulou o negócio da divisão e cessão de quotas a qual foi lida e explicada aos outorgantes e na qual consta expressamente que os réus eram os únicos sócios da referida sociedade. Alegaram que não houve qualquer simulação quanto ao preço dos bens objecto da partilha em vida, referindo que os valores atribuídos aos bens nesse negócio foram os acordados e aceites por todos e que o valor das tornas devidas aos autores foi pago. Concluíram pela improcedência da ação e a consequente absolvição dos pedidos.
8. Com efeito, após a prova examinada e junta aos autos, como aquela que foi produzida em sede de audiência e discussão e julgamento, o Meritíssimo Juiz a quo considerou como provados e não provados os factos constantes da sentença e, que por uma questão de brevidade processual se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os devidos efeitos legais.
9. Ora, com o devido respeito, que é muito, Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação da prova.
10. Não obstante, em primeiro lugar, sempre se dirá que o presente recurso apenas versa sobre a matéria respeitante ao pedido de declaração da nulidade, por simulação parcial, da partilha em vida titulada pela escritura pública outorgada no dia 23 de abril de 2012, e a condenação dos réus a reconhecerem a validade do negócio dissimulado e, consequentemente, a condenação dos réus EE e EE a pagarem-lhes respetivamente, as quantias de € 70.000,00 e 100.000,00, a título de tornas.
11. Na verdade, os Recorrentes consideram que foram incorretamente julgados como provados os factos em 12, 13, 14, 15, 16 e 17 os quais deveriam ter sido dados como não provados, bem como os factos 25, 26, 27, 28, 29 e 30 no elenco dos factos não provados, deveriam ter sido julgados como provados, atento ao teor dos articulados, a prova documental e a prova testemunhal produzida em audiência e discussão e julgamento e depoimento de parte prestado pelos Recorrentes, ora Autores, impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnada uma decisão diversa da recorrida, concretamente, os factos supra mencionados e que foram dados como provados, deveriam ter sido dados como não provados, com infra iremos ver e analisar.
12. Na verdade, os factos considerados como provados em 12, 13, 14, 15, 16 e 17 em consequência da impugnação dos factos supra referidos e da possível alteração dos mesmos, em sede de recurso, passando a constar no elenco de factos dados como não provados, passarão aqueles a ser considerados como não provados, pois que dessa forma devem os Réus ser responsabilizados pelo pagamento das rendas em falta, bem como pelo pagamento de indemnização pela má utilização do locado.
13. Além disso, o Recorrente considera que foram incorretamente julgados os factos considerados como não provados em 25, 26, 27, 28, 29 e 30, atento ao teor dos articulados, a prova documental, prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento e depoimento de parte prestado pelos Recorrentes, ora Autores, impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnada uma decisão diversa da recorrida, concretamente, os factos supra mencionados e que foram dados como não provados, deveriam ter sido dados como provados, com infra iremos ver e analisar.
14. De facto, por uma questão de lógica, na medida em que os factos dados como provados e não provados que supra se indicaram e que se pretendem impugnar estão interligados entre si faremos uma impugnação conjunta dos mesmos:
15. Ora, o Autor, ora Recorrente refere que esteve presente na outorga da escritura pública de partilha em vida dos seus pais, afirmando expressamente que os valores aí atribuídos não foram os valores acordados.
16. O que é, por demais plausível pois que é prática comum as escrituras efetivamente se celebrarem por valores inferiores por motivos relacionados com a liquidação e pagamento dos impostos. E, foi o que aconteceu nesta situação em concreto.
17. Tendo o Autor acordado com o irmão EE que receberia a quantia total de €170.000,00, a título de tornas, o que nunca veio a suceder, nem tão pouco o recebimento de qualquer montante para pagamento das tornas, o que efetivamente não se pode aceitar.
18. Na verdade, o Autor sempre subscreveu os documentos que os Réus lhe iam apresentado, acreditando na boa-fé destes e, que nunca fariam nada para o enganar, mas não foi isso que efetivamente aconteceu.
19. Pois que aos Réus foram adjudicadas prédios urbanos, ao passo que o Autor, nem o pagamento das tornas recebeu, nem o valor declarado em confissão de dívida, nem o real valor que fora previamente acordado à celebração da escritura de partilha.
20. Pois que, de facto, ao longo de toda a produção de prova, em sede de julgamento, em algum momento é efetivamente provado que os Réus procederam ao pagamento de qualquer montante aos Autores, a título de tornas.
21. Tendo invocado que efetuaram compensação de valores que eram devidos pelo Autor, mas sem juntarem qualquer prova documental para o efeito.
22. Na verdade, o Autor havia solicitado ao Réu EE a compra de um prédio, que posteriormente foi vendido ao filho do autor, mas em que o valor foi efetivamente pago pelo Autor. Não existindo assim, qualquer compensação de créditos a ser realizada.
23. Referem de igual forma os Réus que ao longo dos anos foram efetuados empréstimos ao Autor, mas não especificam datas, nem tão pouco os montantes que o legitimassem a efetuar qualquer compensação, o que não se pode aceitar.
24. De facto, o Autor ficou extremamente prejudicado com a partilha efetuada, por valores inferiores aos valores de mercado, como decorre da avaliação junta aos autos, pois que não resultavam do acordo prédio que havia firmado com o Réu EE, e, nem tão pouco recebeu qualquer valor.
25. Limitando-se os Réus e testemunhas por si arroladas a afirmar, sem qualquer apoio que foram emprestadas quantias e, disso é suficiente para legitimar a compensação arbitrária que foi realizada pelos Réus.
26. Pois que, na verdade, o Réu EE nem tão pouco consegue precisar os valores das alegadas dívidas, pelo que como poderia tão pouco ter sido feita a alegada compensação?
27. Inexistindo documentos que comprovem as alegadas dívidas do Autor e, desconhecendo os Réus que valores é que serviram para operar a compensação.
28. Desta forma, é claro que a escritura de partilha foi simulada, temos uma peritagem que avalia os bens, os bens são de um valor que o Autor indica na petição inicial e não recebeu nada. Ou seja, se não recebeu nada, só demonstra o que o aqui Autor foi prejudicado nesta escritura, e as próprias partes o admitiram que não pagaram nada, o que quer que seja, e não pagaram nada e se não pagaram nada e houve uma simulação, pelo valor peticionado pelo autor, é um valor pedido porque esta de acordo com a peritagem.
29. Ao ouvir as partes, uma parte falou de qualquer valor, disse que tinham pago uma viagem, isto nem é aceitável, estamos a falar de duas casas, duas vivendas.
30. Quanto aos bens imoveis meritíssimo estamos a falar que os Autores receberem zero, é um direito que lhes assiste, mas isso nos sabemos que hoje em dia na base da confiança as coisas acontecem, efetivamente os réus não pagaram nada e esse dinheiro é devido aos autores.
31. Pelo que, o tribunal recorrido deveria ter dado como não provados os factos constantes nos PONTOS 12, 13, 14, 15, 16, 17 DA MATÉRIA DE FACTOS DADOS COMO PROVADOS, atento ao facto de a prova produzida, concretamente a prova documental junta com a petição inicial, e as declarações de parte dos Autores e a prova testemunhal, nomeadamente nas passagens de gravação de prova supra transcritas, que por uma questão de brevidade processual se dão aqui por integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais e o relatório de avaliação dos bens junto aos autos impor uma decisão final totalmente diversa considerando como não provados os factos mencionados e, assim, a ação teria sido julgada totalmente improcedente, por não provada.
32. Pelo que, o tribunal recorrido deveria ter dado como provados os factos constantes nos PONTOS 25, 26, 27, 28, 29 e 30 DA MATÉRIA DE FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS, atento ao facto de a prova produzida, concretamente a prova documental junta com a petição inicial, e as declarações de parte do Autor e a prova testemunhal, nomeadamente nas passagens de gravação de prova supra transcritas, que por uma questão de brevidade processual se dão aqui por integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais, impor uma decisão final totalmente diversa considerando como não provados os factos mencionados, e, assim, a acção teria sido julgada totalmente procedente, por provada.
33. Pelo exposto, o tribunal recorrido, ao ter dado como provados os factos constantes em PONTOS 12, 13, 14, 15, 16, 17 DA MATÉRIA DE FACTOS DADOS COMO PROVADOS e os pontos 25, 26, 27, 28, 29 e 30 DA MATÉRIA DE FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS, como não provados, com o devido respeito, incorreu num erro de julgamento sobre os aludidos concretos pontos de facto, os quais deverão ser alterados por este Tribunal Superior, (cfr. artigo 640.º, n.º 1 als. a) e b) e 662, n.º 1 do C.P.Civil).
34. Como é sabido, mesmo que as partes não reclamem em sede de 1.ª Instância contra decisão proferida acerca da matéria de facto, não se sana o vício da decisão, pois a Relação, em recurso, pode oficiosamente ou a requerimento da parte recorrente reapreciar, anular e alterar a decisão proferida.
35. O recurso que venha a ser interposto da sentença abrange, obviamente, a decisão sobre a matéria de facto, (cfr. artigo 662.º do C.P.Civil), quer haja ou não reclamação, não ficando precludido esse mesmo legítimo direito.
36. Pelo que, o Recorrente pretende a alteração da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do C.P.Civil, ou seja, "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa". Ora, tendo havido gravação da prova, o que é o caso, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (cfr. artigo 662.º, n.º 2, a) e b) do C.P.Civil).
37. Pelo que, resulta do supra exposto que os concretos factos acima mencionados foram incorrectamente julgados, impondo-se assim a sua respectiva alteração nos termos supra indicados.
38. Decorre do supra alegado que o Autor conversou com o Réu EE no sentido de os valores declarados em sede de escritura serem inferiores aos reais, por forma a pagarem menos de impostos, tendo este aproveitando-se da pouca instrução dos Autores afirmando o pagamento de um valor a título de tornas que na verdade nunca veio a suceder.
39. Desta forma, claramente que a escritura de partilha em causa padece de nulidade, por simulação parcial, quanto aos valores declarados e, bem assim as tornas não foram pagas pelos Réus aos ora Autores.
40. Assim, o Tribunal ao ter decidido como decidiu violou o disposto nos artigos 240.º todos do Código Civil.
41. Por tudo acima exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue a ação parcialmente procedente, com as legais consequências daí advenientes.

Foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras“ (artº 635º-nº3 e  608º-nº2 do Código de Processo Civil), atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões cuja verificação no caso em apreço cumpre apreciar:
- reapreciação da matéria de facto: os factos provados nº 12, 13, 14, 15, 16 e 17 deveriam ter sido dados como não provados, e, os factos não provados nº 25, 26, 27, 28, 29 e 30 deveriam ter sido julgados como provados ?
- do mérito da causa

FUNDAMENTAÇÂO

I) OS FACTOS  ( factos declarados provados, e não provados, na sentença recorrida):

1. O autor é filho dos réus CC e DD.
2. E é irmão dos réus EE e EE.
3. Os autores casaram entre si no dia ... de 1988.
4. Por escritura pública outorgada no dia 28 de janeiro de 1992, os réus declararam constituir entre si a sociedade comercial por quotas, denominada “F... – Comércio de Frutas, Ld.ª”, tendo como objeto social o comércio de frutas, com o capital social, integralmente realizado em dinheiro, de quatrocentos mil escudos, dividido em quatro quotas, sendo uma de cento e sessenta mil escudos pertencente ao sócio CC, e três iguais de oitenta mil escudos, pertencente uma a cada um dos sócios DD, EE e EE.
5. À data da constituição da sociedade F... – Comércio de Frutas, Ld.ª, os autores exploravam a sociedade “NF...” dedicada ao comércio de frutas.
6. Por escritura pública outorgada no dia 29 de outubro de 1996, os réus CC e DD, na qualidade de primeiros outorgantes, e GG, na qualidade de segundo outorgante e procurador dos réus EE e EE, declararam que “são os atuais e únicos sócios da sociedade comercial por quotas “F... – Comércio de Frutas, Limitada…com o capital social de dez milhões de escudos, integralmente realizado, no qual o sócio CC possui uma quota do valor nominal de quatro milhões de escudos e cada um dos restantes sócios possui uma quota do valor nominal de dois milhões de escudos.”.
7. E os réus CC e DD declararam que “dividem aquela quota do valor nominal de quatro milhões de escudos, que o marido possui na indicada sociedade, em duas novas quotas, sendo uma do valor nominal de três milhões de escudos, que cedem ao representado do segundo outorgante, seu filho, EE, e outra do valor nominal de um milhão de escudos, que cedem ao representado do segundo outorgante, seu filho EE, por iguais preços aos valores nominais que dos cessionários já receberam.”.
8. E declararam que “cedem aquela quota do valor nominal de dois milhões de escudos que a mulher possui na indicada sociedade, ao representado do segundo outorgante, seu filho EE, por igual preço ao valor nominal, que do cessionário já receberam.”.
9. E os autores, na qualidade de terceiros outorgantes, declararam que “na qualidade de restante filho e nora dos primeiros outorgantes dão o seu consentimento às indicadas cessões de quotas”.
10. A escritura foi lida aos outorgantes e feita a explicação do seu conteúdo em voz alta e na presença simultânea de todos, tendo sido assinada pelos outorgantes presentes.
11. O autor apenas desempenhou as funções de motorista assalariado na sociedade F... – Comércio de Fruta, Ld.ª durante cinco meses, há cerca de dez anos
12. Por escritura pública outorgada no dia 23 de abril de 2012, os réus CC e DD, na qualidade de primeiros outorgantes, declararam que eram proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18/..., com o valor patrimonial de € 37.155,66, atribuindo-lhe esse valor, e do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...06/..., com o valor patrimonial de € 192.050,00, atribuindo-lhe esse valor. E que por conta da legítima dos donatários, seus filhos e a fim de estes procederam seguidamente à partilha em vida com o restante filho, dos indicados bens, faziam as seguintes doações: ao terceiro outorgante, seu filho, EE, doam o prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...18/..., e ao quarto outorgante, seu filho, EE, doam o prédio descrito na CRP ..., sob o n.º ...06/.... E que faziam estas doações com reserva do usufruto para eles doadores, por inteiro e até à morte do último.
13. E os autores, na qualidade de segundos outorgantes, declararam que “Cada um deles presta o seu consentimento aos primeiros outorgantes, seus pais, às doações feitas aos restantes donatários”.
14. E nessa escritura foi declarado “Que em vida dos doadores, procedem à partilha dos bens doados pela presente escritura, atribuindo-lhes valores iguais aos das doações, que são iguais aos constantes da matriz, não obstante a pendência do usufruto reservado pelos doadores.”
15. E que “Assim a cada filho pertencem bens no valor de cinquenta e sete mil trezentos e um euros e quarenta e dois cêntimos”. “Que neste termos verifica-se que o quarto outorgante recebeu na doação a ele feita, um excesso sobre o valor da sua quota de cento e trinta e quatro mil setecentos e quarenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos, importância que é paga a título de tornas, sendo…cinquenta e sete mil trezentos e um euros e quarenta e dois cêntimos para o segundo outorgante…Que dão, assim, por concluída esta partilha, tendo já pago e recebido as respetivas tornas, e que dando-se por reciprocamente pagos, declararam mais nada terem a receber uns dos outros, em virtude dela”.
16. No dia 23 de abril de 2012, entre os autores e os réus EE, EE e FF, foi celebrado um contrato denominado “Confissão de dívida referente a tornas e Acordo de pagamento”, no qual todos os outorgantes reconheceram que apesar dos autores terem declarado nessa mesma data na escritura pública de partilha em vida terem recebido a quantia de € 57.301,42 a título de tornas, tal facto não se verificou, tendo os réus confessado serem devedores de tal montante, obrigando-se a pagar esta quantia aos autores no prazo máximo de dois anos, ou seja, até ao dia 23 de abril de 2014.
17. Os autores receberam dos réus EE, EE e FF as quantias a que tinham direito relativas a tornas e outros direitos resultantes da partilha em vida celebrada no dia 23 de abril de 2012.
Factos Não Provados:
18. Os réus sempre garantiram ao autor que este era titular de quota da sociedade F..., Comércio de Frutas Ld.ª.
19. O autor sempre esteve convencido que era titular de uma quota na sociedade F..., Comércio de Frutas Ld.ª
20. E por tal motivo colaborou e trabalhou sempre naquela sociedade, partilhando esforços para que a mesma mantivesse uma atividade lucrativa.
21. O autor prestou consentimento à cessão de quotas da sociedade F... – Comércio de Frutas, Ld.ª porque acreditava que era titular de uma quota nessa sociedade.
22. E os réus sabiam que os autores só prestaram o seu consentimento porque estava convencido que era titular de uma quota nessa sociedade.
23. O autor tentou negociar com os réus EE e EE a quota que acreditava ser titular na sociedade F..., Ld.ª, sendo informado por aqueles que as finanças da sociedade não permitiam que a quota fosse adquirida.
24. Os autores tomaram conhecimento que o autor não era titular de uma quota da sociedade F... – Comércio de Frutas, Ld.ª quando outorgaram as procurações ao seu Ilustre mandatário.
25. O autor foi informado que aos prédios objeto da partilha em vida titulada pela escritura pública datada de 23 de abril de 2012 seria atribuído o valor patrimonial dos mesmos por questões fiscais.
26. E foi acordado entre os autores e os réus que o prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...18/... valia € 200.000,00
27. E que por conta da doação daquele prédio ao réu EE, o autor receberia deste a título de tornas a quantia de € 70.000,00
28. E que o prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...06/... valia € 300.000,00.
29. E que por conta da doação daquele prédio ao réu EE, o autor receberia deste a título de tornas a quantia de € 100.000,00.
30. Os réus EE e EE não pagaram ao autor as quantias devidas a título de tornas.

II) O DIREITO APLICÁVEL

A) Reapreciação da matéria de facto

1. Impugnam os recorrentes a matéria de facto, nomeadamente, no que se refere aos factos provados nº 12, 13, 14, 15, 16 e 17 os quais, alegam, deveriam ter sido dados como não provados, e, aos factos não provados nº 25, 26, 27, 28, 29 e 30, os quais defendem deveriam ter sido julgados como provados.

Os indicados pontos de facto têm o seguinte teor:

Factos Provados

12. Por escritura pública outorgada no dia 23 de abril de 2012, os réus CC e DD, na qualidade de primeiros outorgantes, declararam que eram proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18/..., com o valor patrimonial de € 37.155,66, atribuindo-lhe esse valor, e do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...06/..., com o valor patrimonial de € 192.050,00, atribuindo-lhe esse valor. E que por conta da legítima dos donatários, seus filhos e a fim de estes procederam seguidamente à partilha em vida com o restante filho, dos indicados bens, faziam as seguintes doações: ao terceiro outorgante, seu filho, EE, doam o prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...18/..., e ao quarto outorgante, seu filho, EE, doam o prédio descrito na CRP ..., sob o n.º ...06/.... E que faziam estas doações com reserva do usufruto para eles doadores, por inteiro e até à morte do último.
13. E os autores, na qualidade de segundos outorgantes, declararam que “Cada um deles presta o seu consentimento aos primeiros outorgantes, seus pais, às doações feitas aos restantes donatários”.
14. E nessa escritura foi declarado “Que em vida dos doadores, procedem à partilha dos bens doados pela presente escritura, atribuindo-lhes valores iguais aos das doações, que são iguais aos constantes da matriz, não obstante a pendência do usufruto reservado pelos doadores.”
15. E que “Assim a cada filho pertencem bens no valor de cinquenta e sete mil trezentos e um euros e quarenta e dois cêntimos”. “Que neste termos verifica-se que o quarto outorgante recebeu na doação a ele feita, um excesso sobre o valor da sua quota de cento e trinta e quatro mil setecentos e quarenta e oito euros e cinquenta e oito cêntimos, importância que é paga a título de tornas, sendo…cinquenta e sete mil trezentos e um euros e quarenta e dois cêntimos para o segundo outorgante…Que dão, assim, por concluída esta partilha, tendo já pago e recebido as respetivas tornas, e que dando-se por reciprocamente pagos, declararam mais nada terem a receber uns dos outros, em virtude dela”.
16. No dia 23 de abril de 2012, entre os autores e os réus EE, EE e FF, foi celebrado um contrato denominado “Confissão de dívida referente a tornas e Acordo de pagamento”, no qual todos os outorgantes reconheceram que apesar dos autores terem declarado nessa mesma data na escritura pública de partilha em vida terem recebido a quantia de € 57.301,42 a título de tornas, tal facto não se verificou, tendo os réus confessado serem devedores de tal montante, obrigando-se a pagar esta quantia aos autores no prazo máximo de dois anos, ou seja, até ao dia 23 de abril de 2014.
17. Os autores receberam dos réus EE, EE e FF as quantias a que tinham direito relativas a tornas e outros direitos resultantes da partilha em vida celebrada no dia 23 de abril de 2012.

Factos Não Provados:

25. O autor foi informado que aos prédios objeto da partilha em vida titulada pela escritura pública datada de 23 de abril de 2012 seria atribuído o valor patrimonial dos mesmos por questões fiscais.
26. E foi acordado entre os autores e os réus que o prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...18/... valia € 200.000,00
27. E que por conta da doação daquele prédio ao réu EE, o autor receberia deste a título de tornas a quantia de € 70.000,00
28. E que o prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...06/... valia € 300.000,00.
29. E que por conta da doação daquele prédio ao réu EE, o autor receberia deste a título de tornas a quantia de € 100.000,00.
30. Os réus EE e EE não pagaram ao autor as quantias devidas a título de tornas.

Nos termos do artº 662º-nº1 do CPC “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, dispondo o artº 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”:

Nº1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Impugnam os apelantes a matéria de facto fixada, no tocante aos pontos de facto supra indicados, alegando e concluindo, nos termos supra expostos, dever proceder a requerida alteração da matéria de facto, atento ao teor dos articulados, a prova documental e a prova testemunhal produzida em audiência e discussão e julgamento e depoimento de parte prestado pelos Recorrentes, ora Autores, ainda, remetendo para as passagens de gravação de prova transcritas nas alegações
Atento o comando do art.º 640º do Código de Processo Civil e os ónus que por via do indicado preceito legal são impostos aos recorrentes que pretendam impugnar a matéria de facto, conclui-se que no caso sub judice, não cumpriram as apelantes o ónus imposto pelo n.º 2-b) do citado artigo, impondo-se aos impugnantes a indicação especificada do concreto meio probatório constante das indicadas gravações de que resultava e se impunha decisão diversa, nas alegações e conclusões do recurso de apelação, e relativamente a cada ponto de facto impugnado, tal como expressamente estatuí o artº 640º- nº 1-al.b), sendo seu Ónus exclusivo.
- Neste preciso sentido decidindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, Ac. STJ de 6/11/2019, P. 1092/08.0TTBRG.G1.S1; Ac. STJ de 20/2/2019, P. 1338/15.8T8.PNF.P1.S1; Ac. STJ de 20/12/2017, P.299/13.2TTVRL.G1.S2, Ac. STJ de 14/7/2021, Ac. STJ de 19/5/2021, P.4925/17.6T8OAZ.P1.S1, e, no mesmo sentido Ac. TRG de 15/12/2022, P. 1478/21.4T8VCT.G1, de 15/9/2022, P. 3424/20.3T8BRG.G1, todos in www.dgsi.pt, bem como, igualmente, assim vem decidindo este colectivo.
Nas alegações e conclusões de recurso não se mostrando realizado tal exercício crítico, Ónus de impugnação especificada relativamente a cada ponto de facto impugnado.
No caso sub judice, porém, não obstante tal omissão de especificação, demonstra-se que a impugnação factual se reporta a uma mesma questão essencial.
Nestes termos, e seguindo a recente jurisprudência do STJ, designadamente Ac. STJ de 14/7/2021, Ac. STJ de 19/5/2021, P.4925/17.6T8OAZ.P1.S1 e cfr. citação e orientação in A.Geraldes, P.Pimenta; Pires de Sousa, in CPC, anotado, Vol I, 3ª edição, 2022, pg.831, e respeitantes à admissibilidade da impugnação de factos em bloco, desde que interligados, admite-se a impugnação, que se irá conhecer.
“I. A exigência, imposta pelo art.º 640.º, n.º1, al. b), do Código de Processo Civil, de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados, com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II. Quando o conjunto de factos impugnados se refere à mesma realidade e os concretos meios de prova indicados pelo recorrente sejam comuns a esses factos, a impugnação dos mesmos em bloco não obstaculiza a perceção da matéria que se pretende impugnar, pelo que deve ser admitida a impugnação” – Ac. STJ de 19/5/2021, supra citado.
2. Impugnam os recorrentes a matéria de facto, nomeadamente, no que se refere aos factos provados nº 12, 13, 14, 15, 16 e 17 os quais, alegam, deveriam ter sido dados como não provados, e, aos factos não provados nº 25, 26, 27, 28, 29 e 30, os quais defendem deveriam ter sido julgados como provado, tendo os indicados pontos de facto o seguinte teor supra indicado.
 Atentos os autos e a matéria de facto em referência e documentos juntos, designadamente, no que se refere aos factos provados nº 12 a 15, a cópia da escritura pública de partilha em vida outorgada no dia 23 de Abril de 2012, fls.93/5, verifica-se que os indicados pontos de facto impugnados, se encontram plenamente provados nos termos dos artº 371º do código Civil, sobre os mesmos não sendo admissível prova testemunhal cfr. determina o nº2 do artº 393º, do citado diploma legal, e, tratando-se de documento autêntico só com base na invocação e prova da sua falsidade podendo ser ilidida a sua força probatória (artº 372º-nº1 do Código Civil), tal ilisão se não verificando.
Sendo, ainda, que no tocante aos factos provados nº 12 a 15 está em causa, tão só, materialidade respeitante ao acto notarial, reportando-se à descrição de actos praticados perante a entidade documentadora, não se reportando a factualidade descrita nos indicados pontos de facto ao conteúdo e veracidade das declarações exaradas no acto notarial.
Consequentemente, improcedendo a impugnação no tocante aos indicados pontos de facto, mantendo-se no elenco factual dos factos provados.
 No tocante ao ponto de facto nº 16, impugnado, há que atender à norma do artº 376º-nº1 do Código Civil, e, cópia do contrato de confissão de dívida referente a tornas e acordo de pagamento, fls.91, dispondo o indicado preceito legal que, estando reconhecida a autoria da declaração, o documento faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, consequentemente, encontrando-se plenamente provada a factualidade inserta no indicado ponto de facto, de teor meramente descritivo da “Confissão de dívida” em referência, estando provado que os subscritores fizeram as declarações exaradas no documento (independentemente da prova da veracidade de conteúdo, matéria que não está em causa no ponto de facto em referência), consequentemente, também nesta parte improcedendo a impugnação, igualmente quanto a este facto não sendo admissível prova testemunhal nos termos do nº2 do artº 393º do Código Civil. 
 No tocante ao ponto de facto nº 17, e, factos não provados nº 25, 26, 27, 28, 29 e 30, foi declarado provado: “17. Os autores receberam dos réus EE, EE e FF as quantias a que tinham direito relativas a tornas e outros direitos resultantes da partilha em vida celebrada no dia 23 de abril de 2012”, estando junta aos autos, a fls. 75, declaração/recibo referente às tornas decorrentes da partilha em vida celebrada no dia 23 de abril de 2012, documento no qual os ora Autores, AA, e mulher BB, assinam e declaram, e com referência à partilha em vida celebrada no dia 23 de abril de 2012, exarada na escritura pública de fls.93/5, supra referida, que “se mostram pagas todas as tornas a que havia lugar em consequência daquela mesma partilha que, assim, de forma definitiva, se mostra concluída nada mais havendo a partilhar entre todos os declarantes/signatários no que aos bens dos seus pais e sogros diz respeito”. 
Nos termos do artº 376º-nº1 do Código Civil, estando reconhecida a autoria da declaração, o documento faz prova plena quanto às declarações atribuídas aos seus autores/signatários.
Relativamente ao conteúdo da declaração, nos termos do nº2, do citado artigo, o qual dispõe que “Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante”, in casu, deverão considerar-se por provados os factos contrários aos interesses dos signatários ora Autores.
Não impedindo a força probatória do documento a prova de vícios de vontade da declaração ( v. P.Lima e A.Varela, in C.Civil, anotado, Vol I, pg.330 ), e, já não revestindo a prova decorrente do nº2 do artº 376º, citado, força probatória plena, salvo nos casos em que se opere “confissão”.
Ac. STJ de 1776/2014, P.8034/10.0TBMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt:  “(...) Prof. Lebre de Freitas[2 - In “A Falsidade no Direito Probatório” - 1984 -, pags. 55/56] que “A força probatória do documento particular circunscreve-se…,no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nele constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém duma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa. O âmbito da sua força probatória é, pois, bem mais restrito”.
No caso sub judice, a declaração em referência, não obstante se traduza no reconhecimento de facto desfavorável para os Autores/apelantes favorecendo os Réus/apelados, não constitui, no caso concreto, confissão extrajudicial feita à parte contrária, nos termos dos artº 352º e 358º-nº2, do Código Civil, com força probatória plena, nos termos do citado artº 358º-nº2, parte final, em virtude de existirem outras partes processuais, para além dos outorgantes, designadamente, os Réus CC, e mulher DD.
“O artigo 358.º n.º2 do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que a confissão extrajudicial só conduz à prova plena se esta resultar do documento em que se insere e (ainda) for feita à parte contrária ou a quem a represente “  – cfr. Ac. STJ de 2/3/2011, P. 888/07.4TBPTL.G1.
Assim, a prova dos factos constantes da declaração ter-se-á por presumida nos termos do citado artº 376º-nº2 do Código Civil.
Fundamentando os apelantes a impugnação na verificação de “Simulação” relativamente à realização da partilha em vida exarada na escritura pública de 23 de Abril de 2012, atender-se-á ao disposto no artigo 394º, do citado código, resultando do nº2 que é inadmissível a prova por testemunhas, se esta tiver por objecto o acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
Como vem sendo entendimento na jurisprudência do STJ, tal proibição não é absoluta, cedendo quando exista um começo ou princípio de prova por escrito- designadamente, no Ac. STJ de 17/6/2003, P. 03A1565, in www.dgsi.pt – “Havendo documento que indicie uma aparência de prova acerca do intuito simulatório, é admissível a prova testemunhal, uma vez que o facto a provar já se tornou verosímil”, (...) a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que, nestes casos, é admissível prova testemunhal, se os factos probandos "aparecem" com alguma verosimilhança, em provas escritas. Então, complementarmente, é admissível tal tipo de prova.  Neste sentido na doutrina Luís Carvalho Fernandes, in "A Prova da Simulação pelos Simuladores", em "O Direito", 124. (1992), Págs. 593 e SS.(...)Também Mota Pinto, in CJ, 1985, III, 9, escreve: - "Constitui excepção à regra do art. 394° e, por isso, deve ser permitida a prova por testemunhas no caso de o facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito. Também deve ser admitida tal prova testemunhal existindo já prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos ou completar a prova documental". Na Jurisprudência, entre vários: Ac. do STJ, de 4.3.1997, in CJSTJ, 1997, I, 121; Ac. da Relação de Évora de 16.6.1994, in CJ, 1994, II, 459; da Relação do Porto de 27.9.1984, in BMJ 439-655 e da Relação de Coimbra de 9.12.1997, BMJ 472-576. “
No mesmo sentindo se reportando o Ac. STJ de 9/7/2014, P. 5944/07.6TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt: - “Como tem sido reconhecido, a norma do art. 394º nº 2 do CC deve ser interpretada restritivamente, no sentido de que, existindo um princípio de prova por escrito, é lícito aos simuladores recorrer à prova testemunhal para completar a prova documental existente, desde que esta "constitua, por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação"; e, Ac. STJ de 22/5/2012, P. 82/04-6TCFUN-A.L1.S2, todos in www.dgsi.pt.
Ainda, como referem P.Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, pg.342: “ Não obstante a formulação irrestrita dos nº 1 e 2, Vaz Serra propugna a admissibilidade de prova testemunhal em determinadas situações excepcionais: quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita; e ainda em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova”.
Atentos os autos e as provas produzidas não se demonstra a existência de começo de prova documental escrita susceptível de fazer deduzir a simulação dos actos praticados, antes indiciando, em contrário, os documentos de fls.75 e 91, citados, e, como se refere já na sentença recorrida: “é certo que o relatório pericial de fls. 140/1181 avaliou os prédios objeto da partilha à data deste negócio, concluindo que os mesmos teriam um valor superior àquele que foi declarado na escritura outorgada no dia 23 de abril de 2012. Sucede, porém, que nesse relatório os valores foram calculados a partir do valor atual dos prédios tal como se encontram presentemente, descontando, no caso do prédio sito em ..., o custo de obras entretanto realizadas, e mediante a aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda fixados pela Portaria 220/2020, de 21.09, tendo o perito responsável ressalvado que desconhecia o concreto estado de conservação dos prédios à data da partilha. Assim sendo, e considerando designadamente a atribuição do direito de usufruto dos prédios em causa, aos réus CC e mulher, afigura-se que a divergência dos valores apurados na perícia em causa e os atribuídos no negócio da partilha não é por si só reveladora de um acordo simulatório quanto ao valor dos bens partilhados. Acresce que os réus não negaram a subscrição do documento de fls. 91 designado de “Confissão de dívida referente a tornas e Acordo de Pagamento”, no qual o valor das tornas que lhe seriam devidas corresponde exatamente àquele que ficou consignado na escritura pública da partilha em vida. Ora, se tivesse havido uma simulação quanto ao valor dos bens partilhados, não se compreende que os réus não tivessem feito consignar no documento de fls. 91, subscrito na mesma data da partilha, o real valor desses bens e nomeadamente o das tornas a que teriam direito, ou seja, os alegados € 170.000,00 que sustentaram terem sido objeto de acordo com os réus”.
 Sendo, consequentemente, inadmissível a produção de prova testemunhal, nos termos do artº 394º-nº2 do Código Civil.
E, mesmo que assim se não entendesse, da prova testemunhal produzida não resulta a verificação de erro do julgador na valoração e apreciação da matéria de facto, designadamente, salientando-se que as testemunhas não revelaram qualquer conhecimento relativamente á matéria em apreciação, e, o depoimento da testemunha HH, filho dos Autores, não demonstra efectivo conhecimento dos factos em análise, para além, de, tal como o que resulta dos depoimentos de parte dos Autores, ser tal prova, por si só, totalmente insuficiente à impugnação deduzida, tratando-se de partes e testemunha com interesse directo na causa, não podendo relevar juridicamente os seus depoimentos, e, resultando provado da avaliação conjugada dos documentos de fls. 75, 91 e 93/95, designadamente, por via da declaração de fls.75, afirmarem os Autores, ora apelantes, e com referência à partilha em vida celebrada no dia 23 de abril de 2012, exarada na escritura pública de fls.93/5, supra referida, que “se mostram pagas todas as tornas a que havia lugar em consequência daquela mesma partilha que, assim, de forma definitiva, se mostra concluída nada mais havendo a partilhar entre todos os declarantes/signatários no que aos bens dos seus pais e sogros diz respeito”. 
Reiterando-se, por correctos, os fundamentos de valoração exarados na decisão recorrida.
Mais se salientando, que os apelantes referem, tão só, alegadas conversas com o Réu EE, não invocando, sequer, a verificação de acordo simulatório entre todos os intervenientes, nos termos do artº 240º e 241º do Código Civil.
Mantendo-se as respostas negativas aos factos não provados nº 25, 26, 27, 28, 29 e 30 impugnados.
Nos termos expostos, improcedendo a impugnação deduzida e mantendo-se inalterado o elenco factual da acção.

B)– do mérito da causa

Relativamente ao mérito da causa, reportando-se a requerida alteração do objecto factual da acção que improcedeu, consequentemente, improcede a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência do recurso de apelação.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.

Guimarães, 18 de maio de 2023

( Luísa D. Ramos )
( Eva Almeida )
( Ana Cristina Duarte )