BANCO
INTEGRAÇÃO
RESOLUÇÃO
TRANSMISSÃO
Sumário


I - Na medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal (BdP) quanto ao Banco 1..., S.A. optou-se pela alienação parcial da sua atividade e da maior parte dos seus ativos ao Banco 2..., SA, assim como pela transferência de alguns ativos daquele para um veículo de gestão de ativos, constituído para esse efeito – a N..., S.A., atualmente denominada como O..., S.A. (deliberações do BdP de 20 de dezembro de 2015)
II - As responsabilidades e elementos extrapatrimoniais do Banco 1... que não foram objecto de transferência para o Banco 2..., SA, nem para a N..., S.A., permaneceram na esfera jurídica do Banco 1... (alínea d) do Anexo 3 à deliberação).
III - Não alegando a Autora que o crédito indemnizatório reclamado ou a eventual responsabilidade (civil) alegada na acção se encontrava registado na contabilidade do Banco 1... e considerando que a medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal prescreveu que as responsabilidades, contingências ou indemnizações emergentes da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais estavam excluídas da transferência para o adquirente Banco 2..., o que resulta dessas deliberações é não poder ser reclamado a este último eventual direito indemnizatório sobre o Banco 1... emergente de responsabilidades dum colaborador deste que, alegadamente, terá indevidamente pago um cheque, contra as expressas instruções de cancelamento em virtude de extravio.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA instaurou, no Juízo Central Cível ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Banco 2..., SA, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 100.000,00 €, a título de indemnização por todos os danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, contados desde a data da citação da Ré até efetivo e integral pagamento (ref.ª ...16).
Para tanto e em síntese alegou que é uma empresária em nome individual, exercendo a sua atividade na área da propriedade intelectual.
Para o exercício da sua atividade tinha uma conta aberta junto da instituição bancária Banco 1....
No final do ano de 2015, o Banco 1... foi integrado no Banco 2..., adquirindo este os seus ativos e passivos, ficando a autora titular da conta n.º  ...20.
No mês de julho de 2015, a autora emitiu dois cheques de 80 € cada um ao jornal “...”, um com a data de 30/06/2015 e outro com a data de 31/07/2015.
O aludido jornal comunicou à autora que o segundo cheque se tinha extraviado, tendo esta, por tal razão, se dirigido ao banco – na altura Banco 1... –, em ..., e entregou ao seu gestor de conta em mão um pedido de cancelamento do cheque de 31/07/2015.
O cheque em causa veio a ser apresentado a pagamento em setembro de 2015, tendo sido pago pelo banco.
A autora vem a tomar conhecimento do pagamento do cheque quando recebe, por via postal, o extrato bancário remetido pela ré referente ao período compreendido entre 30/11/2019 e 31/12/2019, exibindo um saldo negativo da autora no montante de 839,33 €.
Desconhecendo o que estava em causa, a autora diligenciou junto do banco, quer pessoalmente, quer através de cartas, ficando a saber que o saldo negativo em causa se deve ao pagamento do cheque do referido segundo cheque de 80,00 €.
Em consequência desse saldo negativo, e por força de comunicação operada pelo Banco 2..., o nome da autora foi incluído na Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal.
Tal comportamento da ré causou à autora inúmeros danos de natureza não patrimonial, que computa em 100.000,00 €.

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Citada, a ré apresentou contestação (ref.ª ...76), concluindo:

- Pela verificação da excepção de ilegitimidade passiva substantiva, com a consequente absolvição do R. pedido;
- Pela improcedência da acção, com a consequente absolvição do R. do pedido;
- Pela verificação da excepção de prescrição, com a consequente absolvição do R. do pedido;
Em abono da sua defesa e a título da exceção de ilegitimidade substantiva alegou para o efeito que a autora estriba a sua acção em factos alegadamente praticados pelo Banco 1..., ou e/ou por um seu colaborador, consubstanciados no pagamento indevido de um cheque, factualidade essa relativamente à qual o Banco R. é completamente alheio.
O Banco 2..., SA não assume a natureza de sucessor universal do Banco 1..., tendo adquirido uma parte determinada e determinável de ativos e passivos dessa instituição bancária como decorrência da aplicação da medida de resolução do Banco de Portugal.
Mercê da referida medida de resolução o património do Banco 1... foi dividido em três grupos de ativos/passivos:
- O que foi transferido para a O...;
- O que foi transferido para o Banco 2..., SA;
- O remanescente, que permaneceu no Banco 1... (que se encontra em processo de liquidação, no seguimento da deliberação de 22/05/2018, na qual o Banco Central Europeu lhe revogou a autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito).
Para o Banco 2..., SA, foram transferidos os “ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob a gestão do Banco 1..., registados na contabilidade”.
Segundo a ré, a eventual responsabilidade alegada nesta ação não se mostrava registada na contabilidade do Banco 1....
A resolução deixou de lado as responsabilidades emergentes de violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais ou responsabilidades ocultas e contingentes, sendo apenas incluídas na transmissão as responsabilidades constituídas pelo Banco 1... no exercício da sua atividade normal bancária e na medida que respeitem a ativos, direitos e responsabilidades que, efetivamente, se transmitirem em consequência da medida de resolução.
Pugna, por isso, pela sua absolvição do pedido.
*
A A. apresentou resposta às excepções – ilegitimidade passiva e prescrição – alegadas pela Ré em sede de contestação, concluindo pela sua improcedência (ref.ª ...85).
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De seguida, foi proferido despacho saneador, no qual a Mm.ª Juíza “a quo” julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva substantiva arguida pelo réu (ref.ª ...63).

Ali se refere quanto à apreciação da responsabilidade do R. Banco 2..., S.A.:
«(…)
Se bem se percebeu a alegação da ré Banco 2..., SA, a mesma exime a transferência da alegada responsabilidade aqui reclamada pela autora pelo facto de a mesma não se encontrar registada na contabilidade do Banco 1....
Porém, até ao momento, o crédito em causa apenas “existe” em sede de alegação da autora estando, dependente de reconhecimento judicial (que poderá existir ou não).
Assim, como se encontra dependente
De outra parte, e tal como resulta da peça processual apresentada pela ré reconhece a transferência da conta bancária de que a autora era titular no Banco 1... para o Banco 2..., SA.
Ora, não pode a ré reconhecer o crédito a seu favor e não reconhecer, em abstrato, a factualidade que ao mesmo deu origem.
Assim, e uma vez que a conta de depósitos à ordem titulada pela autora junto do Banco 1... transferiu para a aqui ré, sendo da existência de um saldo negativo da mesma que resultam os danos alegados pela autora, entende-se que a ré «Banco 2..., SA» se encontra dotada de legitimidade (substantiva) para os termos da presente ação.
(…)».
*
Inconformada com o despacho saneador na parte em que o mesmo julgou improcedente a excepção de ilegitimidade substantiva o réu dele interpôs recurso (ref.ª ...11) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. Tem o presente recurso por objecto o despacho saneador proferido nos autos em 29 de novembro de 2022 e ao qual foi atribuída a referência n.º ...63, na parte em que o mesmo decide que “Assim, e uma vez que a conta de depósitos à ordem titulada pela autora junto do Banco 1... transferiu para a aqui ré, sendo da existência de um saldo negativo da mesma que resultam os danos alegados pela autora, entende-se que a ré «Banco 2..., S.A.” se encontra dotada de legitimidade (substantiva) para os termos da presente acção”, julgando, assim, improcedente a excepção de ilegitimidade substantiva suscitada pelo Banco Réu.
II. Ora, pela presente acção, a Autora AA peticiona a condenação do Banco 2..., S.A. a pagar-lhe uma indemnização para ressarcimento de todos os danos não patrimoniais que diz ter sofrido, no montante de € 100.000,00 (cem mil euros), alegando que, em 2015, era Cliente do Banco 1..., S.A., no qual tinha, à data, uma conta de depósitos à ordem, e que, contra suas expressas instruções de cancelamento em virtude de extravio, veio a ser pago, sem que houvesse saldo na conta, um cheque de € 80,00, o que originou um saldo negativo na sua conta de depósitos que, de forma incorrecta e falsa, tem vindo a ser reportado à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal.
III. Situação essa que provocou sérias e graves consequências para a A., quer a nível pessoal, quer a nível profissional, causando-lhe os invocados danos, assim gerando para o R. a obrigação de a indemnizar.
IV. Alega ainda que “(…) no fim do ano de 2015, o Banco 1... foi integrado no Banco 2..., S.A., adquirindo este os activos e passivos daquele; o que confere legitimidade passiva à Ré para a presente acção” e que “54º Tratamos aqui de um caso de responsabilidade civil extracontratual da Ré, prevista nos artigos 483º e seguintes do Código Civil. 55º São estes os pressupostos: • O facto (…) • A ilicitude (…) • A culpa (…) • O dano (…); e • O nexo causal – entre o facto e o dano.
V. Não pode o Banco 2..., S.A. concordar com essa alegação da A. e com a fundamentação do despacho saneador sentença ora recorrido na parte em que, do mesmo resulta, que “De outra parte, e tal como resultada peça processual apresentada pela ré reconhece a transferência da conta bancária de que a autora era titular no Banco 1... para o Banco 2..., SA. Ora, não pode a ré reconhecer o crédito a seu favor e não reconhecer, em abstrato, a factualidade que ao mesmo deu origem”
VI. De facto, é verdade que o Réu Banco 2..., S.A. aceita que a conta de depósitos à ordem titulada pela A. foi transferida para a sua esfera jurídica no seguimento da medida de resolução.
VII. No entanto, nos autos, o que a A. pede não é que o Banco 2..., S.A. cumpra qualquer obrigação de assegurar a integralidade dos depósitos e de repor um qualquer valor na sua conta de depósitos à ordem, antes pede uma indemnização a título de danos morais pelo pagamento indevido de um cheque, pagamento esse feito ainda no tempo do Banco 1..., S.A.
VIII. Através das Deliberações do Banco de Portugal de 19 e 20 de Dezembro de 2015 e da submissão do Banco 1..., S.A. à medida de resolução prevista na alínea a) do n.º 1 artigo 145.º E do “RGICSF”, o Banco 2..., S.A. adquiriu uma parte determinada e determinável de ativos e passivos dessa instituição bancária.
IX. No entanto, não poderá existir qualquer confusão entre as duas instituições bancárias - Banco 2..., S.A. e o Banco 1... S.A. – os quais são pessoas coletivas total e verdadeiramente autónomas, não podendo também aquele primeiro ser considerado sucessor universal ou adquirente deste último.
X. A A. estriba a sua acção em factos alegadamente praticados pelo Banco 1... e/ou por um seu colaborador consubstanciados no pagamento indevido de um cheque, factualidade essa relativamente à qual o Banco R. é completamente alheio, e, se susceptivel de gerar obrigação de indemnizar nos termos do artigo 483.º do CPC, não se pode ter por transferida para o Banco 2..., S.A..
XI. Foram as crescentes dificuldades com que o Banco 1..., S.A. vinha a ser confrontado que conduziram à adoção, pelo Banco de Portugal, de medidas de resolução da instituição bancária, impondo-se à alienação da respetiva atividade no quadro da aplicação ao banco de uma medida de resolução dado que, sem a mesma, o destino imediato da instituição de crédito seria a liquidação.
XII. No dia 19 de Dezembro de 2015, não tendo sido possível concretizar o processo de alienação voluntária, tendo em considerações o supra exposto e em face das escassas alternativas disponíveis, o Banco de Portugal optou pela aplicação de uma medida de resolução na modalidade de alienação parcial ou total da atividade do Banco 1... S.A. e, na reunião extraordinária do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL, que teve lugar no dia 20 de Dezembro de 2015, pelas 23:30h, foi deliberado “b) Transferir para a N..., S.A. [actual O..., S.A. (“O...”)], os direitos e obrigações correspondentes a activos do Banco 1..., S.A., constantes do Anexo 2 à presente declaração (…); d) Alienar ao Banco 2..., S.A., os direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, do Banco 1..., S.A., constantes do Anexo 3 à presente deliberação (…)”.
XIII. Através das referidas deliberações, o património do Banco 1..., S.A. foi dividido em três grupos de ativos/passivos:
- O que foi transferido para a O... (Anexo 2);
- O que foi transferido para o Banco 2..., S.A. (Anexo 3); e
- O remanescente, que permaneceu no Banco 1..., S.A..
XIV. Por conseguinte, os ativos e passivos do Banco 1... S.A. que não foram vendidos ao Banco 2..., S.A. nem foram transferidos para a O..., S.A., permaneceram no Banco 1... S.A., o qual continuou a existir e, atualmente, em processo de liquidação no seguimento da deliberação de 22.05.2018, na qual o Banco Central Europeu (BCE) lhe revogou a autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito – tal como é salvaguardado pela própria deliberação do Banco de Portugal.
XV. Assim, concretamente pela medida de resolução aplicada pelo BANCO DE PORTUGAL, apenas foram transmitidos para o Banco 2..., S.A. os ativos e passivos que constam do Anexo 3 da declaração do Banco de Portugal, ou seja, para o Recorrente Banco 2..., S.A. apenas foram transferidos os “Ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1..., registados na contabilidade” (sublinhado e realçado nossos) – cfr. ponto 1 do referido Anexo 3, com a sua redação atual que foi clarificada pela deliberação tomada em reunião do Conselho de Administração do BANCO DE PORTUGAL de 04 de Janeiro de 2017, a qual visou a  “Clarificação, retificação e conformação dos perímetros de transferência dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 1..., S.A. para a O..., S.A. e para o Banco 2...,S.A.”
XVI. Ora, a eventual responsabilidade alegada nesta ação não se mostrava registada na contabilidade do Banco 1..., S.A. (motivo pelo qual, precisamente, a A. não fez qualquer prova quanto a esse registo), porque esse Banco não a considerou como tal. bem se compreendendo essa limitação, pois de outra forma o adquirente poderia ser surpreendido com passivos contingentes ou ocultos, isto é, passivos que não eram do seu conhecimento, e, nessas circunstâncias, muito dificilmente alguma entidade arriscaria comprar o Banco 1... S.A. e, dessa forma, evitar a sua imediata liquidação e todos os prejuízos à mesma inerentes.
XVII. Sendo certo que, para além dessa cláusula geral, a resolução também deixou absolutamente claro que as responsabilidades emergentes de violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais ou responsabilidades ocultas e contingentes, como é o caso, não transitaram para o adquirente Banco 2..., S.A.
XVIII. Com efeito, saliente-se que, de acordo com a medida de resolução, não foram transmitidas para o 1.º R. Banco 2..., S.A., as responsabilidades que a A. lhe pretende imputar, decorrendo tal, inequivocamente, das exclusões previstas nas subalíneas (vii) e (xii) da alínea (b) do ponto 1 do Anexo 3 da MEDIDA DE RESOLUÇÃO na redacção de deliberação “clarificadora” de 4 de Janeiro de 2017, nos termos das quais “As responsabilidades do Banco 1... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extra patrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente, com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):
- (vii) Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;”
- (xii) Todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades e as responsabilidades decorrentes de quaisquer outras actividades, com excepção das que hajam sido constituídas pelo Banco 1... no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do Banco 1... ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares) e na medida em que respeitem às áreas de negócio, activos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação.
XIX. Sendo que a exceção à exceção contida nesta subalínea (xii) da alínea (b) do parágrafo 1 do Anexo 3 à deliberação de resolução, com a redação que o Banco de Portugal lhe deu em 04.01.2017 deve ser interpretada no sentido de incluir apenas as responsabilidades constituídas pelo próprio Banco 1... S.A., no exercício da sua normal atividade bancária e na medida que respeitem a ativos, direitos e responsabilidades que, efetivamente, se transmitirem em resultado da medida de resolução, o que não é o caso, como se verifica.
XX. O Réu Banco 2..., S.A. é totalmente alheio a toda a factualidade invocada, a qual envolve apenas e tão só a A., o Banco 1..., S.A. e o Colaborador que, alegadamente (no que não se concede), terá pago o cheque.
XXI. Ou seja, para além de não estar registado na contabilidade, o alegado crédito da A. seria também, simultaneamente, uma responsabilidade decorrente da violação de  disposições ou determinações regulatórias e uma responsabilidade não conhecida, bem como uma responsabilidade contingente e litigiosa, decorrendo claramente das exclusões previstas nas subalíneas supra referidas - (vii) e (xii) da alínea (b) do ponto 1 do Anexo 3 da MEDIDA DE RESOLUÇÃO, que trata dos Passivos Excluídos, ou seja, dos que não transitaram para o Banco 2..., S.A.
XXII. Com efeito, a excepção à excepção, vinda de referir, não será de aplicar ao caso dos autos porquanto a responsabilidade que aqui está em discussão, contingente e litigiosa à data da resolução, em 20.12.2015, não se pode considerar como relacionada com a normal atividade bancária do Banco 1....
XXIII. De referir, por fim, que, nos termos da alínea b) do ponto 2 do Anexo 3 da medida de resolução se a transferência de um determinado passivo está excluída por força da medida de resolução por determinada subalínea, essa transferência não pode ter como ocorrida por outra via.
XXIV. Ora, é inegável que foi o Banco de Portugal a entidade que negociou com o Banco 2..., S.A. o contrato que esteve na base da Medida de Resolução aplicada ao Banco 1..., e, sempre que questionado, numa interpretação autentica da medida, tem vindo a esclarecer, de forma cabal, que os créditos litigiosos derivados de responsabilidade civil extracontratual não transitaram para o adquirente.
XXV. O Banco 2..., S.A. não é, pois, sucessor do Banco 1..., S.A. no que diz respeito à responsabilidade em causa nos presentes autos, pelo que o pedido apenas poderia ter sido dirigido ao Banco 1..., S.A. e não ao Banco 2..., por o “passivo” ou “responsabilidade” emergente dos ilícitos dados como provados não se transferiu de um banco para o outro.
XXVI.  Estes, de facto, os fundamentos que, no entendimento do Recorrente deveriam impor uma decisão diferente da recorrido, impondo-se uma decisão que julgasse improcedente a acção, por não provada, absolvendo-se, desde logo, o Réu/Recorrente Banco 2..., S.A. do pedido.
XXVII. Com efeito, relativamente ao Recorrente Banco 2..., S.A., não estão verificados os requisitos previstos no artigo 483.º para que, sobre si, recaia qualquer obrigação de indemnizar a A.
XXVIII. E tal não obsta, tal como já alegado em sede de contestação, ser aceite que a conta de depósitos à ordem titulada pela A. junto do Banco 1..., S.A., fazendo parte da actividade bancária desta instituição financeira, ter transitado para o R. Banco 2..., S.A..
XXIX. Dispõe o n.º 6 do art. 145.º N do RGICSF constante do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que “A decisão que determine a alienação prevista no n.º 1 do artigo anterior produz, por si só, o efeito de transmissão da titularidade dos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito objeto de resolução para o adquirente, sendo este considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações alienados”
XXX. Mais dispondo o n.º 8 do mesmo preceito que “A decisão que determine a alienação prevista no n.º 1 do artigo anterior produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a alienação”.
XXXI. Daí a legitimidade do R. Banco 2..., S.A. relativamente ao crédito que, actualmente, detém sobre a A. e que correspondem, precisamente, à responsabilidade emergente do saldo negativo que tem vindo a ser reportado à Central de Responsabilidades de Crédito junto do Banco de Portugal.
XXXII. Ora, a transferência da conta de depósito à ordem para o Banco R. no seguimento das deliberações do Banco de Portugal e, in casu, uma conta com saldo negativo à data da medida de resolução, foi acompanhada da migração informática das operações bancárias subjacentes, bem como da obrigação que, por Lei, recai sobre os Bancos de enviar ao Banco de Portugal a informação referente aos saldos, que se registaram no final de cada mês, das operações de crédito realizadas com particulares, empresas ou outras entidades, residentes ou não residentes em Portugal, desde que o valor de cada saldo seja igual ou superior a 50 eurod«s.
XXXIII. No entanto, mais uma vez se refira que, tal como configura a acção, a A. pede é uma indemnização por um facto ocorrido no Banco 1... e que visa a responsabilidade civil extracontratual dessa Instituição Bancária, nos termos do artigo 483.º do Código Civil, devendo concluir-se, mais uma vez se reitera, que essa responsabilidade não se transferiu para o Banco 2..., S.A.
XXXIV. O saneador sentença recorrido violou, assim, o dispostos nos artigos 414.º, 579.º, ambos do CPC, 483.º do Código Civil e 145.º M e 145.º N do RGICSF
XXXV. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., Meritíssimos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o saneador sentença recorrido, julgando procedente a excepção invocada e improcedente a acção, absolvendo o Banco 2..., S.A. do pedido. .
Assim se fará JUSTIÇA».
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (ref.ª ...54).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso             

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso a questão a decidir consiste em saber se o Réu/recorrente goza (ou não) de legitimidade passiva substantiva.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra elaborado (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que acrescem os seguintes factos [que documentam as reuniões e deliberações do Banco de Portugal, disponíveis in https://www.bportugal.pt/page/deliberacoes-e-informacoes-do-banco-de-portugal]: 

1. A A. tinha aberto junto do “Banco 1..., S.A.” uma conta de depósitos à ordem com o n.º ...0, a qual, no Banco Recorrente, tomou o n.º ...20.
2. Como consequência da deliberação do Banco de Portugal de 20 de dezembro de 2015, que aplicou uma medida de resolução ao “Banco 1..., S.A.”, a conta bancária da Autora identificada no ponto 1. foi transferida para o “Banco 2..., S.A.”;
3. O Banco de Portugal, em Reunião Extraordinária do Conselho de Administração, realizada no dia 19 de dezembro de 2015, às 18h00m, ao abrigo do disposto nos números 1, 3, 5 e 9 do artigo 145º-M do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, entre o mais, deliberou:
a) Declarar que o Banco 1... encontra «em risco ou em situação de insolvência» («failing ou likely to fail»), nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 145º-E, n.º 2, alínea a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;
b) Iniciar o processo de aplicação da medida de resolução prevista na alínea a), do número 1 do artigo 145.º-E do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ao Banco 1..., S.A.;
c) Promover diligências tendentes à alienação da actividade do Banco 1..., S.A. junto do Banco 3..., S.A. e do Banco 2..., S.A.;
4. Na sequência da deliberação referida no ponto 3, o Banco de Portugal, em reunião extraordinária do Conselho de Administração ocorrida em 20 de Dezembro de 2015, às 23h30m, deliberou, entre o mais:
a) Constituir a sociedade “N..., S.A.”;
b) Transferir para esta entidade [actual O..., S.A. (“O...”)], os direitos e obrigações correspondentes a ativos do Banco 1..., S.A., constantes do anexo 2 à deliberação, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 145º-S e na alínea c) do n.º 2 do artigo 145º-T, em articulação com o n.º1 do artigo 145º-L, todos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;
d) Alienar ao Banco 2..., S.A. os direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco 1..., S.A., constantes do Anexo 3 à deliberação.
5. Na sequência da deliberação de constituição da “N..., S.A.” e da transferência de uma parte muito significativa e substancial dos direitos e obrigações que constituem activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco 1... para a N..., S.A. e para o Banco 2..., S.A., o Banco de Portugal, em reunião extraordinário do seu Conselho de Administração, realizada no dia 20 de dezembro de 2015, pelas 23h45m, deliberou aplicar ao Banco 1..., S.A. as seguintes medidas de intervenção correctiva:
i. Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que a aplicação de fundos se revele necessária para a preservação e valorização do seu activo;
ii. Proibição da recepção de depósitos.
6. No anexo 3., referido em 4., sob a epígrafe “Direitos e Obrigações que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco 1..., S.A. transferidos para o Banco 2..., S.A.”, estabelece-se serem objecto de transferência, de acordo com os critérios ali fixados, os “activos, passivos elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão do Banco 1..., registados na contabilidade” (ponto 1 do referido anexo 3).
7. O referido anexo 3. estabelece na sua alínea b) que “As responsabilidades do Banco 1... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente, com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):
- (vii) Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;”
- (xii) Todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades e as responsabilidades decorrentes de quaisquer outras actividades, com excepção das que hajam sido constituídas pelo Banco 1... no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do Banco 1... ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares) e na medida em que respeitem às áreas de negócio, activos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação (este na redacção de deliberação “clarificadora” de 4 de Janeiro de 2017).
8. Sob a alínea d) do aludido Anexo 3 foi estabelecido que as responsabilidades e elementos extrapatrimoniais do Banco 1... que não são objecto de transferência para o adquirente, nem para a N..., S.A., permanecem na esfera jurídica do Banco 1....
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V. Fundamentação de direito.

1. Da (i)legitimidade substantiva do R..

Através da presente acção a Autora/recorrida procura responsabilizar civilmente o R./recorrente por uma determinada conduta ilícita imputada num plano exclusivamente extracontratual.
Trata-se, sem dúvida, do exercício da responsabilidade extracontratual, cujos pressupostos se mostram enunciados no art. 483º do CC.
A Autora/recorrida alegou, para tanto e em síntese, que, em 2015, era cliente do Banco 1..., S.A., no qual tinha, à data, uma conta de depósitos à ordem, e que, contra suas expressas instruções de cancelamento de um cheque em virtude de extravio, veio a ser pago um cheque de € 80,00, cujo pagamento originou um saldo negativo na sua conta de depósitos à ordem, o que, na sequência da comunicação pelo R. ao Banco 2..., determinou a inclusão do nome da autora na Central de Responsabilidade de Crédito do Banco de Portugal, situação essa que provocou inúmeros danos de natureza não patrimonial para a A., que computa em 100.000,00 €.
Mais alegou que “(…) no fim do ano de 2015, o Banco 1... foi integrado no Banco 2..., S.A., adquirindo este os activos e passivos daquele; o que confere legitimidade passiva à Ré para a presente acção”.
Por sua vez, o Réu/recorrente aceita que a conta de depósitos à ordem titulada pela A. foi transferida para a sua esfera jurídica no seguimento da medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal.
Discorda, no entanto, do decidido no despacho saneador, porquanto o que a A. pede nos autos não é que o Réu/recorrente «cumpra qualquer obrigação de assegurar a integralidade dos depósitos e de repor um qualquer valor na sua conta de depósitos à ordem, antes pede uma indemnização a título de danos morais pelo pagamento indevido de um cheque, pagamento esse feito ainda no tempo do Banco 1..., S.A.».
Não se questionando a legitimidade processual, activa e passiva, das partes, o que está em causa é aferir a legitimidade substantiva do Réu.
A chamada legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa[1].
Traduz o poder de disposição atribuído pelo direito substantivo ao autor do acto jurídico.
A legitimidade substantiva não se confunde com a legitimidade processual, já que esta se reconduz a um pressuposto processual – cujo interesse em demandar ou em contradizer se afere, residualmente, por referência à relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (art. 30º, n.º 3, do CPC) –, ao passo que aquela se reporta já ao fundo da causa - estando em causa a qualidade de sujeito (activo ou passivo) da situação jurídica sobre o qual o acto em causa vai exercer o seu efeito.
Em suma, a legitimidade processual é um pressuposto de cuja verificação depende o conhecimento do mérito da causa (art. 278º, n.º 1, al. d) do CPC). A legitimidade substantiva é um requisito de procedência do pedido[2].
Vejamos, então, se o R. possui essa legitimidade substantiva.
A questão central a decidir no presente recurso prende-se com a situação de saber se faltam os pressupostos da obrigação de indemnizar que, por força do art. 483º do CC, poderia recair sobre o R., designadamente a ilicitude da conduta imputada; ou, ao invés, se o Banco R. pode ser, no caso, perspetivado como sucessor nas obrigações do Banco 1..., S.A., pressuposto da legitimidade substantiva daquele R..
Para a decisão desta questão temos forçosamente de nos socorrer das Deliberações do Banco de Portugal com repercussão nesta matéria.
Não oferece controvérsia que a A. tinha aberto junto do “Banco 1..., S.A.” uma conta de depósitos à ordem com o n.º ...0, a qual, no Banco Recorrente, tomou o n.º ...20.
A transferência dessa conta de depósitos à ordem titulada pela A. para a esfera jurídica do Banco 2..., S.A. deu-se no seguimento da Deliberação do Banco de Portugal, de 20/12/2015, que aplicou uma medida de resolução ao “Banco 1..., S.A.”.
Conforme é pacífico, além de ser do conhecimento público, em 19/12/2015 o Banco de Portugal deliberou aplicar ao Banco 1..., S.A. uma medida de resolução, tendo depois por deliberação de 20/12/2015 decidido ainda tomar algumas outras medidas em resultado daquela.
Tais deliberações do Banco de Portugal foram tomadas no âmbito dos seus poderes e ao abrigo do previsto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Dec. Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro[3].

Concretizando:

1) - O Banco de Portugal, em Reunião Extraordinária do Conselho de Administração, realizada no dia 19/12/2015, às 18h00m, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1, 3, 5 e 9 do art. 145º-M do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, deliberou:
a) Declarar que o Banco 1... encontra «em risco ou em situação de insolvência» («failing ou likely to fail»), nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 145º-E, n.º 2, alínea a), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;
b) Iniciar o processo de aplicação da medida de resolução prevista na alínea a), do número 1 do artigo 145.º-E do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras ao Banco 1..., S.A.;
c) Promover diligências tendentes à alienação da actividade do Banco 1..., S.A. junto do Banco 3..., S.A. e do Banco 2..., S.A.;
2) - Na sequência da deliberação referida no ponto 5, o Banco de Portugal, em reunião extraordinária do Conselho de Administração ocorrida em 20 de Dezembro de 2015, às 23h30m, deliberou:
a) Constituir a sociedade “N..., S.A.”;
b) Transferir para esta entidade [actual O..., S.A. (“O...”)], os direitos e obrigações correspondentes a ativos do Banco 1..., S.A., constantes do anexo 2 à deliberação, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 145º-S e na alínea c) do n.º 2 do artigo 145º-T, em articulação com o n.º1 do artigo 145º-L, todos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras;
d) Alienar ao Banco 2..., S.A. os direitos e obrigações, que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco 1..., S.A., constantes do Anexo 3 à deliberação;
3) - Na sequência da deliberação de constituição da “N..., S.A.” e da transferência de uma parte muito significativa e substancial dos direitos e obrigações que constituem activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco 1... para a N..., S.A. e para o Banco 2..., S.A., o Banco de Portugal, em reunião extraordinário do seu Conselho de Administração, realizada no dia 20 de dezembro de 2015, pelas 23h45m, deliberou aplicar ao Banco 1..., S.A. as seguintes medidas de intervenção correctiva:
i. Proibição de concessão de crédito e de aplicação de fundos em quaisquer espécies de activos, excepto na medida em que a aplicação de fundos se revele necessária para a preservação e valorização do seu activo;
ii. Proibição da recepção de depósitos;
4) - No supra referido anexo 3., sob a epígrafe “Direitos e Obrigações que constituam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco 1..., S.A. transferidos para o Banco 2..., S.A.”, estabelece-se serem objecto de transferência, de acordo com os critérios ali fixados, os “activos, passivos elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão do Banco 1..., registados na contabilidade” (ponto 1 do referido anexo 3);
5) - O referido anexo 3. da medida de resolução, na redacção de deliberação “clarificadora” de 4 de Janeiro de 2017, estabelece, na alínea b) do ponto 1, que “As responsabilidades do Banco 1... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente, com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):
- (vii) Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;”
- (xii) Todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades e as responsabilidades decorrentes de quaisquer outras actividades, com excepção das que hajam sido constituídas pelo Banco 1... no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do Banco 1... ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares) e na medida em que respeitem às áreas de negócio, activos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação”.
Sob a alínea d) do aludido Anexo 3 foi ainda estabelecido que “as responsabilidades e elementos extrapatrimoniais do Banco 1... que não são objecto de transferência para o adquirente nem para a N..., S.A. permanecem na esfera jurídica do Banco 1...”.
Constata-se que o Banco de Portugal (BdP) no âmbito da medida de resolução que tomou relativamente ao Banco 1..., S.A. procedeu a uma divisão dos seus ativos e do seu passivo, no que veio a verificar-se corresponder a uma separação dos ativos tóxicos/maus do Banco dos seus ativos bons, tendo sido estes que foram vendidos ao Banco 2..., S.A. e para ele transferidos[4].
Como se explicitou no Ac. do STJ de 2/06/2020 (relatora Maria João Vaz Tomé)[5], o Banco 1... representa o segundo caso de resolução ocorrido em Portugal. Em virtude das especificidades da sua situação, o BdP decidiu não lhe aplicar uma solução semelhante àquela adotada para o Banco 4...: a constituição de uma instituição de transição. Muito diferentemente, optou-se pela alienação parcial da atividade do Banco 1... e da maior parte dos seus ativos ao Banco 2..., SA, assim como pela transferência de alguns ativos daquele para um veículo de gestão de ativos, constituído para esse efeito – a N..., S.A., atualmente denominada como O..., S.A. –, porquanto o Banco 2... não se mostrou interessado na aquisição da totalidade dos ativos e passivos do Banco 1....
Por força da aplicação da medida de resolução traduzida na “alienação parcial da atividade” de que foi objeto, o Banco 1... deixou de exercer a atividade bancária, sendo que a parcela mais significativa da sua atividade foi vendida ao Banco 2... ou transferida para a O..., S.A..
Conforme consta da alínea b) do ponto 1 do mencionado anexo 3 (na redacção de deliberação “clarificadora” de 4 de Janeiro de 2017), tendo sido objeto de transferência os “activos, passivos elementos extrapatrimoniais e activos sob a gestão do Banco 1..., registados na contabilidade”, certo é que foram expressamente excluídas desse negócio com o Banco 2..., S.A. “(vii) Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais”, assim como “(xii) Todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades e as responsabilidades decorrentes de quaisquer outras actividades, com excepção das que hajam sido constituídas pelo Banco 1... no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do Banco 1... ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares) e na medida em que respeitem às áreas de negócio, activos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação”.
Ora, não só a Autora/recorrida não alegou que o crédito indemnizatório reclamado ou a eventual responsabilidade alegada nesta ação se encontrava registado na contabilidade do Banco 1..., S.A. – relembre-se que só os ativos e passivos registados na contabilidade do Banco 1... S.A. é que transitaram para o Banco recorrente –, como a resolução tomada foi inequívoca ao prescrever que as responsabilidades, contingências ou indemnizações emergentes da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais estavam excluídas (“Passivos Excluídos”) da transferência para o adquirente Banco 2..., S.A.
No caso em apreço, como bem refere o R./recorrente, este é alheio a toda a factualidade invocada, a qual envolve apenas e tão só a A., o Banco 1..., S.A. e o colaborador desta instituição bancária que, alegadamente, terá indevidamente pago um cheque, contra as expressas instruções de cancelamento em virtude de extravio, o que originou um saldo negativo, na conta de depósitos à ordem, o que foi reportado ao Banco de Portugal.
Nem mesmo a comunicação do saldo negativo feita pelo Banco Réu ao Banco de Portugal tem a virtualidade de gerar responsabilidade civil daquela entidade bancária, visto ter-se a mesma limitado a observar estritamente as regras legais a que está sujeita, sendo que, a haver ilicitude, ela emerge do acto praticado a montante pelo colaborador do Banco 1..., que não observou as aludidas expressas instruções de cancelamento do cheque, antes mesmo da efetivação da Medida de Resolução aplicada ao Banco 1....
O que significa que, para além de não estar registado na contabilidade, o alegado crédito da A. seria também, simultaneamente, uma responsabilidade decorrente da violação de disposições ou determinações regulatórias e uma responsabilidade não conhecida, bem como uma responsabilidade contingente e litigiosa, decorrendo das exclusões previstas nas subalíneas vii) e xii) da alínea b do ponto 1 do Anexo 3 da medida de resolução.
Sempre se dirá que competia à Autora o ónus de alegação e de prova de que o referido crédito indemnizatório ou a alegada responsabilidade constasse registado na contabilidade do Banco 1..., enquanto facto constitutivo do direito que invoca (art. 342º, n.º 1, do CC), pois que o referido parágrafo 1 da resolução do Banco de Portugal de 20/12/2015 exige, para se verificar a transferência de responsabilidade do Banco 1... para o recorrente, o referido registo na contabilidade do Banco 1....
A este respeito, como já vimos, esse ónus não foi cumprido pela Autora/recorrida.
Já quanto ao preenchimento de uma das causas de exclusão do crédito, esse ónus, enquanto facto extintivo ou impeditivo (n.º 2 do art. 342º do CC), impendia sobre o R./recorrente, o que este fez, nos termos supra explicitados.
Por fim, importa salientar que, nos termos da alínea b) do ponto 2 do Anexo 3 da medida de resolução, se a transferência de um determinado passivo está excluída por força da medida de resolução por determinada subalínea, essa transferência não pode ter como ocorrida por outra via.
Em face do que antecede somos levados a concluir que, ainda que a A. possa deter um crédito sobre o Banco 1..., S.A., tal obrigação não foi transferida para a esfera jurídica do Banco 2..., S.A..
No que concerne à responsabilidade em causa nos presentes autos, o Banco 2..., S.A. não é sucessor do Banco 1..., S.A., pelo que o pedido jamais poderia ter sido dirigido ao Banco 1..., S.A., posto o “passivo” ou “responsabilidade” emergente dos ilícitos alegados não se ter transferido de um banco para o outro.
E, relativamente ao R./Recorrente, não estão verificados os requisitos previstos no art. 483.º para que se mostre o mesmo constituído na obrigação de indemnizar a A./recorrida.
Em face do exposto, nunca o R. Banco 2..., S.A. pode vir a ser responsabilizado na sequência de obrigações ou de responsabilidades que não lhe foram transmitidas ou por si adquiridas.
Tal reconduz-nos à verificação da excepção de ilegitimidade substantiva do R./recorrente, determinante da improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
Como tal, o recurso interposto pelo réu será julgado procedente, com a consequente revogação da sentença recorrida.
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Das custas

De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1, do CPC, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito, acrescentando o n.º 2 que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Como a apelação foi julgada procedente, as custas ficam a cargo da autora/recorrida.
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VI. Decisão

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida, absolvendo o réu do pedido
Custas da acção e da apelação a cargo da autora/recorrida (art. 527.º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que a mesma goza.
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Guimarães, 18 de maio de 2023

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)
 


[1] Cfr. Ac. do STJ de 28/01/2021 (relator José Manuel Bernardo Domingos), in www.dgsi.pt.
[2] Cfr. J.P. Remédio Marques, Ação Declarativa À Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, p. 220.
[3] Relevam as nomas previstas nos arts. 139º, 140º, 144º, 145º-C, 145º-E, 145º-L, 145º-M e 145.º-N do RGICSF.
[4] Cfr. Ac. da RL de 21/05/2020 (relatora Inês Moura) e o Ac. da RP de 27/05/2021 (relator Amaral Ferreira), in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1199.15.7T8GMR.G2.S2/