TELECOMUNICAÇÕES
FIDELIZAÇÃO
CRÉDITOS
PRESCRIÇÃO
Sumário


- O prestador do serviço de telecomunicações deve propor a ação no prazo de seis meses após a prestação do serviço, nela peticionando todos os créditos relativos ao contrato, incluindo a indemnização pela violação da denominada “cláusula de fidelização” e não só os respeitantes à falta de pagamento do serviço em sentido estrito, sob pena de prescrição dos mesmos, por aplicação do artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96 (na redação dada pela Lei n.º 12/2008).

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

M..., SA intentou ação declarativa de condenação contra ... – Trabalho Temporário, Lda, alegando que no exercício da sua atividade nas áreas da conceção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas bem como, na prestação de serviços de comunicações eletrónicas, serviços de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão, na atividade de televisão e, ainda, prestação de serviços nas áreas de tecnologias de informação, sociedade da informação, multimédia e comunicação, realização da atividade de comércio eletrónico, celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviços de telecomunicações em que forneceu àquela  equipamentos e serviços. Mais foi acordado entre os contraentes um período de fidelização de 36 meses (de 14/8/20 a 14/8/23), com renovação automática por iguais períodos. A Ré pediu que o serviço fosse desligado em 10/12, 21, ou seja, antes do termo do período de fidelização. A A. procedeu ao envio à Ré das faturas correspondentes aos valores em dívida, no valor de 8.020,83€.
Pede a condenação da Ré no pagamento do mencionado valor acrescido de juros de mora vencidos no valor de 434,83€ e nos vincendos até integral pagamento.
A Ré contestou invocando a prescrição e a caducidade da dívida reclamada e dizendo que em março de 2021 detetou por diversas vezes, falhas no serviço prestado pela Ré, o que comunicou a esta e que nunca foram resolvidas, razão por que procedeu à resolução contratual, a que a A. não se opôs.
Pede a improcedência da ação.
Deduziu reconvenção em que pede seja declarada a eficácia da resolução do contrato celebrado com a ré por comunicação datada de 5 de julho de 2021, por força do incumprimento definitivo do contrato imputável à Reconvinda
Em sede de despacho saneador o Tribunal recorrido proferiu decisão que julgou procedentes a exceção de prescrição e caducidade invocadas, absolvendo-se a Ré do pedido contra si formulado nesta ação.

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Inconformada veio a Ré recorrer formulando as seguintes Conclusões:
           
1. O presente recurso foi interposto do Despacho Saneador - Sentença proferido pelo Tribunal a quo, o qual julgou verificadas as exceções da prescrição e caducidade na parte respeitante à fatura de penalização por incumprimento contratual – fatura nº ...41, absolvendo a Recorrida do pedido contra si formulado pela ora Recorrente.
2. A presente ação judicial foi interposta pela Recorrente em 27/07/2022, tendo a ora Recorrida sido citada em 29/07/2022, nela peticionando entre outras, a fatura nº ...41, emitida em 02.09.2021 e com data limite de pagamento em 02.10.2021, referente a “Penalização por incumprimento contratual”, no valor de € 7.009,46.
3. Na D. Sentença proferida, o Tribunal a quo entendeu o seguinte: “(…) entendemos que a caducidade do direito de ação abrange, quer o próprio direito de ação englobando quer o capital, quer os juros e ainda a cláusula penal invocada, já que se reporta ao direito, na sua globalidade. O mesmo quanto à prescrição.”.
4. Ora, e salvo D. entendimento em contrário é nesta parte da Sentença recorrida que a Recorrente mostra a sua total discordância.
5. De facto, a fatura nº ...41, emitida em 02.09.2021 e com data limite de pagamento em 02.10.2021, referente a “Penalização por incumprimento contratual”, no valor de € 7.009,46 não se refere a serviço de comunicações eletrónicas, mas sim a indemnização por incumprimento contratual!
6. Esta última subsume-se, conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/03/2019 – Proc. nº37975/08.3YIPRT.L1-8, a uma consequência contratualmente fixada para a não permanência na rede da Autora, independente da prestação do serviço de telecomunicações.
7. Com efeito, a fixação de uma cláusula de permanência mínima da Recorrida na rede de telecomunicações prestada pela Recorrente é justificada pelos custos incorridos com as infraestruturas para prestação do serviço e com os equipamentos que foram entregues à Recorrida, e por esta não devolvidos.
8. Não tendo esta cláusula contratualmente fixada sido cumprida pela Recorrida, a qual solicitou o desligamento do serviço na pendência do período mínimo de 36 meses contratualmente fixado, tal gerou a emissão pela Recorrente de uma fatura de indemnização por incumprimento contratual.
9. Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, não se tratando o referido crédito de “serviços prestados” enquadráveis no disposto do art.º10º, n.º1 da Lei 23/96, de 26 de julho e posteriores alterações, nem em qualquer outro prazo especialmente regulado no Código Civil, não poderá deixar de se considerar que lhe é aplicável o prazo ordinário de 20 anos estabelecido no art.º 309º do CC.
10. A eventual aplicação à cláusula penal do prazo de prescrição previsto na Lei 23/96, de 26 de julho e posteriores alterações constituiria um equívoco, desde logo, sobre a natureza da referida cláusula, que sanciona o inadimplemento da não manutenção do contrato e não a do não pagamento dos serviços.
11. Não existindo relação de acessoriedade entre o crédito do preço e a cláusula penal, inexiste fundamento para aplicação do mesmo prazo de prescrição.
12. A aplicação à cláusula penal do prazo ordinário de prescrição de 20 anos constitui jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa que o consagrou, entre outros, nos Acórdãos de 12/01/2010, proferido no processo n.º 39069/03.9YXLSB.L1-1, de 16/03/2010, proferido no processo n.º 1405/08.4TJLSB.L1-1, de 15/2/2011, proferido no processo n.º 3084/08.0YXLSB-A.L2-7, de 07/06/2011, proferido no processo n.º 2360/06.0YXLSB.L1-7, de 21/6/2011, proferido no processo n.º 264/06.6YXLSB.L1.7
13. Prazo este que não tinha decorrido na data de interposição da presente ação.
14. Ademais, a redação dos n.ºs 1 e 4, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, de 26 de julho e posteriores alterações, ao reportar-se ao direito ao recebimento do preço do serviço prestado e ao prazo para a propositura da ação contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, não permite neles incluir o direito ao recebimento da indemnização por violação da cláusula de fidelização.
15. A cláusula de fidelização, ao ter na sua génese os custos incorridos com as infraestruturas para prestação do serviço e com os equipamentos que foram entregues os quais, no caso sub judice, não foram devolvidos na sua totalidade pela Recorrida à Recorrente, tem natureza estritamente reparatória não valendo em relação a ela a justificação para o curto prazo de prescrição previsto na Lei nº 23/96, de 26 de julho e posteriores alterações.
16. De facto, conforme consta do Ac. TRLisboa de 07/06/2011 proferido no Proc.nº2360/06.0YXLSB.L1-7 (depois de se reportar ao Acórdão do STJ Ac.Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2010, de 3 de Dezembro de 2009, publicado in DR 1ª série, de 21 de Janeiro de 2010, página 224 e Calvão da Silva, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 132º, nºs 3901 e 3902, páginas 154 a 155), a ratio do art.º 10.º, n.º 1 do DL nº 23/96, de 26 de julho e posteriores alterações, e o curto prazo nele previsto visa, “… prevenir a acumulação de dívidas (de fácil contração), que o mesmo pode (deve) pagar periodicamente, mas encontrará dificuldades em solver se excessivamente agregadas; ao mesmo tempo, responsabilizando os prestadores de serviços em manter uma organização que lhes permita a cobrança em momento próximo do respetivo consumo; e sancionando-lhes a inércia e a negligência decorridos seis meses após a prestação do serviço”..
17. Bem diferente é a natureza de uma indemnização emergente do incumprimento do vínculo de fidelização já que esta cláusula de fidelização tem origem nos custos incorridos com as infraestruturas para prestação do serviço e com os equipamentos que foram entregues pela empresa prestadora do serviço e não devolvidos, devolução esta que muitas vezes, a suceder, ocorre muitos meses depois da emissão da fatura de indemnização por incumprimento do período de fidelização, o que não se coaduna com o curto prazo de seis meses!
18. Como também se refere, e bem, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a que agora se faz referência, “(…) uma coisa é o crédito do preço, próprio da execução do contrato; outra coisa, dessa diferente, o crédito de indemnização emergente do incumprimento do vínculo de fidelização; este com conteúdo estipulado em cláusula penal. A cláusula é acessória deste vínculo; não daquele crédito (do preço).”
19. A cláusula de fidelização é uma cláusula autónoma da prestação do serviço e do respetivo preço, não tendo como obrigação principal o crédito sobre o preço da prestação dos serviços de telecomunicações, mas sim a obrigação de subsistência do vínculo contratual, não se lhe aplicando, por isso, o prazo prescricional e de caducidade estabelecido no n.º1 nº 4 do art.º 10.ºda Lei nº 23/96, de 26 de julho e posteriores alterações.
20. Não se verificando, deste modo, a prescrição nem a caducidade da dívida respeitante à fatura de penalização por incumprimento contratual.

Nestes termos e, nos melhores de Direito, e com o sempre douto suprimento de V.Exas, dever-se-á revogar a Sentença ora recorrida, com o que se fará a costumeira JUSTIÇA.

Foram apresentadas contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
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Questão a decidir:

- Verificar se prescreveu o direito da A. a peticionar o valor da indemnização relativa à violação da denominada “cláusula de fidelização”.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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Conhecendo:

A prescrição é a extinção de direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo e, completada esta, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor por qualquer modo ao exercício do direito prescrito (art. 304º do C. Civil).

Conforme decorre do disposto no art. 309º do C. Civil, o prazo ordinário de prescrição é de 20 anos (prescrição extintiva).
Na decisão recorrida entendeu-se que ao caso é aplicável o prazo prescricional mais curto previsto no nº 1 do art. 10º, da Lei nº 23/96 de 26 de julho             
Segundo este preceito, “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.
O nº 4 do mesmo artigo diz que “O prazo para a propositura da ação ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.”
A prescrição prevista neste preceito tem natureza extintiva e não simplesmente presuntiva (v. Ac. STJ de 5/06/03 in www.dgsi.pt ).
Cumpre no presente recurso analisar se o direito a indemnização por incumprimento contratual relativo à cláusula de “fidelização” tem autonomia relativamente ao direito ao recebimento do preço do serviço, em sentido estrito, não lhe sendo assim aplicável o prazo prescicional estabelecido pelo nº 1, do art. 10º, da Lei acima identificada.

A jurisprudência divide-se quanto a esta questão.

Na verdade, uma corrente entende que a prescrição do direito ao pagamento de serviços essenciais não tem aplicação ao direito ao valor da cláusula penal uma vez que não é acessória da obrigação de pagamento do preço, “mas antes da obrigação de manutenção do vínculo contratual em função do qual foram disponibilizados, em condições especiais e vantajosas para o cliente, diversos equipamentos de telefone móveis, não lhe sendo por isso aplicável o prazo de prescrição previsto no nº 1, do artº 10º, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, mas o prazo geral de prescrição de vinte anos previsto no artº 309º, do Código Civil, em virtude de estar em causa a indemnização por responsabilidade contratual.” (v. Ac. R.P. de 11/10/18 e Ac. R.L. de 21/06/11, ambos in www.dgsi.pt).
Outra corrente entende que a indemnização por incumprimento contratual relativa à cláusula penal não tem autonomia face ao direito ao recebimento do preço do serviço, não permitindo afastá-la do regime estabelecido pelo art. 10º, nº 1, da Lei nº 23/96. (v. Acs. da R. L de 7/4/22, de 29/4/21 e de 20/12/16, todos in www.dgsi.pt ).
Esta tese merece o nosso acolhimento, na verdade, como se refere no Acórdão de 29/4/21, acima mencionado, “o n.º 1, do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96 não permite distinguir entre quantias em dívida relativas ao serviço prestado, tout court, e quantias devidas a título de indemnização por qualquer outro incumprimento contratual.
O prazo de prescrição estabelecido em tal preceito, ao reportar-se a serviço prestado, abrange todas as dívidas no âmbito do contrato de prestação de serviço telefónico em causa, quer sejam o preço direto do serviço, quer sejam o preço indireto que, em substância, constitui a cláusula de fidelização.     
Não há contraprestação de pagamento, a qualquer título, que o não seja do serviço recebido, tendo este a constituição complexa que lhe é própria.
Não se trata apenas de aplicar aqui o brocardo latino “ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemos”, mas também de considerar e valorar interpretativamente a ratio legis do preceito e os valores da certeza e da segurança do direito, os quais tanto valem para o preço dos serviços como para a cláusula de fidelização, sendo os mesmos.”
O vínculo relativo à fidelização não existiria sem que exista a celebração do contrato de telecomunicações, razão pela qual no Acórdão da Relação de Lisboa de 20/12/16 se diz que “O núcleo do contrato de prestação do serviço de telecomunicações entre a Autora e a Ré, o seu objecto, é constituído pela prestação do serviço.
Esta é a prestação principal, prestação e contraprestação, incidindo sobre cada uma das partes no contrato.
A denominada “cláusula de fidelização”, a cujo incumprimento as partes associaram uma indemnização tabelar, por cláusula penal, em caso de incumprimento, é uma cláusula acessória daquele núcleo do contrato, que se pode classificar como um preço indirecto do serviço, ou, pelo menos, como um auxiliar do bom cumprimento da obrigação de pagamento do preço do serviço mas, em qualquer caso, como obrigação acessória da obrigação principal, porque fora do núcleo do contrato.
Na economia do contrato, a “cláusula de fidelização” em caso de incumprimento só existe em função da prestação do serviço e da entrega do respectivo preço, fazendo parte deste sinalagma.
Não tem autonomia por si própria, não lhe correspondendo uma contraprestação directa a ela dirigida.
O prazo de prescrição estabelecido para a obrigação principal não pode, pois, deixar de abranger também esta, que é obrigação acessória.
De outro modo, aportaríamos à situação bizarra de termos um prazo prescricional de seis meses para a obrigação principal e um prazo prescricional geral, de vinte anos (artigo 309.º do Código Civil) para a obrigação cuja existência só se justificava em face daquela.
Uma tal interpretação é, de todo, afastada pelo disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, nos termos do qual o intérprete deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.
Solução de todo desacertada seria aquela em que prescrito, decorridos seis meses, o direito ao recebimento do preço de um serviço de telecomunicações, o consumidor desses serviços continuasse adstrito ao cumprimento dos seus deveres acessórios daquela prestação e às consequências do seu incumprimento, durante vinte anos. (…)
Tal resulta aliás, relativamente à cláusula penal, do disposto no artigo 810.º, n.º 2 do Código Civil, pelo que também as quantias devidas por via do funcionamento de cláusulas penais prescrevem pelo decurso do prazo de seis meses, prazo estabelecido pelo artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96 (na redacção dada pela Lei n.º 12/2008).”

O prestador do serviço de telecomunicações deve, pois, propor a ação no prazo de seis meses após a prestação do serviço, nela peticionando todos os créditos relativos ao contrato, incluindo a indemnização pela violação da denominada “cláusula de fidelização” e não só os respeitantes à falta de pagamento do serviço em sentido estrito, sob pena de prescrição dos mesmos, por aplicação do artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96 (na redação dada pela Lei n.º 12/2008)

Improcede, pois, a apelação.
           
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante.
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Guimarães, 18 de maio de 2023

Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira
José Cravo