VEÍCULO
PRIVAÇÃO DE USO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I – Existe oposição entre os fundamentos - de facto e de direito - e a decisão, «quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)», quando «a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto».
II – O preceituado no art. 640º do CPC em conjugação com o que se dispõe no art. 662º do mesmo diploma legal permite ao Tribunal da Relação julgar a matéria de facto.
III – Assentando o entendimento da apelante numa factualidade que não logrou ver provada e cuja reapreciação igualmente não logrou ver alterada, revela-se inquinado o desfecho do recurso.
IV – A simples privação do uso, por si só, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação, ou seja, que basta a própria privação para haver indemnização, pois o facto de não ter o veículo à disposição já é por si um dano.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1 RELATÓRIO

AA intentou a presente acção[1] declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra E... – Comércio de Veículos Automóveis Unipessoal, Lda., alegando, em síntese, que a R. lhe vendeu um veículo automóvel sem que tivesse entregado ao A. a respetiva documentação, sendo que, para além disso, tal veículo padecia de defeitos que causaram ao A. diversos danos.
Face ao por si alegado, o A. conclui pedindo que a R. seja condenada nos seguintes termos: a entregar ao A. a documentação em falta do veículo; a pagar ao A. o transporte da viatura para reparação, bem como a consequente reparação, sendo tais valores a liquidar em incidente próprio; a pagar ao A. a quantia de € 360,00 (trezentos e sessenta euros), referente às deslocações que teve de realizar para ...; a pagar ao A. a quantia de € 380,00 (trezentos e oitenta euros), referente à parte que o A. teve de pagar na primeira reparação; a pagar ao A. a quantia de € 2.304,00 (dois mil e trezentos e quatro euros), a título de dano de privação de uso, devendo esse montante ser liquidado em ulterior momento; a pagar ao A. o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais; e a pagar os juros contados desde a data da citação até integral pagamento dos montantes acima aludidos.

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A R. contestou, tendo impugnado a factualidade invocada pelo A. e tendo alegado que o veículo foi por si vendido em perfeitas condições de funcionamento, tendo em conta as suas características, designadamente a marca, o modelo, o ano e a quilometragem.
Concluiu, assim, a R. pela improcedência da acção.
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais.
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No final, foi proferida sentença, que decidiu nos seguintes termos:

Pelo exposto, julgo a presente ação intentada por AA contra E... – COMÉRCIO DE VEÍCULOS AUTOMÓVEIS UNIPESSOAL, LDA., parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
- condeno a R. a reparar o veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-0S-.., por forma a expurgá-lo dos problemas aludidos em 20. a 22., que afetam o normal funcionamento do seu motor, devendo a R. suportar o custo do transporte de tal viatura para a oficina por si escolhida para efetivar tal reparação;
- condeno a R. a pagar ao A. a quantia de € 380,00 (trezentos e oitenta euros), respeitante ao custo da reparação da supramencionada fuga de água;
- condeno a R. a pagar ao A. as quantias de € 360,00 (trezentos e sessenta euros) e de € 408,00 (quatrocentos e oito euros), a título de danos patrimoniais, acrescidas da quantia diária de € 2,00 (dois euros), devida desde a data da interposição da ação até à data em que ao A. for entregue tal viatura devidamente reparada, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação para contestar;
- condeno a R. a pagar ao A. a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação para contestar;
- condeno a R. a entregar ao A. a fatura/recibo relativa ao contrato de compra e venda celebrado entre as partes, o livro com o histórico das revisões da viatura vendida e o manual dessa viatura;
- absolvo a R. dos demais pedidos contra si formulados pelo A.
Custas por A. e R. na proporção do respetivo decaimento, a qual se fixa em 1/4 para o A. e 3/4 para a R.
Registe e notifique.
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Inconformada com essa sentença, apresentou a R. E... – Comércio de Veículos Automóveis Unipessoal, Lda. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou, com a apresentação das seguintes conclusões:

1ª. O recurso interposto pela recorrente visa impugnar todos os segmentos decisórios contidos na Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente procedente a ação interposta pelo recorrido e condenou a ré, aqui recorrente, na reparação do veículo automóvel da marca ..., com a matrícula ..-OS-..; no pagamento ao Autor, aqui Recorrido da quantia de €380,00 (trezentos e oitenta euros) respeitante ao custo da reparação de uma fuga de água; no pagamento ao Autor de €360,00 (trezentos e sessenta euros) e €408,00 (quatrocentos e oito euros) a título de danos patrimoniais e ainda na quantia diária de €2,00 (dois euros), desde a data de interposição da ação até à data em que ao Autor for entregue a viatura reparada, na quantia de €500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais e ainda condenou a Ré a entregar ao Autor a fatura/ recibo relativa ao contrato de compra e venda celebrado entre as partes, o livro com o histórico das revisões da viatura vendida e o manual dessa viatura;
2ª. Não foi produzida prova bastante que, ainda que conjugada com as regras da experiência comum, consubstanciasse a fixação dos factos provados e dos factos não provados constantes da sentença, assim não foi feita uma correta apreciação da matéria de direito, nomeadamente, no que se refere à consideração da existência dos defeitos do veículo automóvel e no que respeita aos pedidos de indemnização fixados e à entrega pelo recorrente ao recorrido dos documentos relativos ao veículo automóvel;
3ª. A sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, nos termos e para o efeito do disposto da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil por se verificar a existência de oposição entre os fundamentos e a decisão.
4ª. A alínea a) dos Factos Não Provados não encontra correspondência com a motivação da sentença em crise, já que desta consta que “No que respeita às restantes avarias, importa considerar que a R. assumiu, perante o A., a responsabilidade pelo pagamento da sua reparação, sendo que o A., efetivamente, diligenciou no sentido da reparação das mesmas. Assim, enquanto o custo da reparação da dita fuga de óleo ascendeu à quantia de €883,37, o custo da reparação da sobredita fuga de água ascendeu à quantia de €390,00;
5ª. Não se alcança o iter decisório do tribunal a quo, pois que não é compatível que o mesmo tenha considerado que o Autor ora Recorrido não solicitou o pagamento da quantia respeitante à reparação da fuga de água e que consequentemente a Ré ora Recorrente não tenha anuído no pagamento da mesma, para imediatamente de seguida concluir que a Ré, ora Recorrente, assumiu o pagamento daquela fatura;
6ª. Resultando como não provado que “(...) o A. solicitou à R. o pagamento da quantia referida em 16 (...)” e “(…) mas a R. recusou-se a pagar a mesma”, verifica-se uma ambiguidade da sentença ora recorrida quanto à decisão de facto porquanto é incompreensível, a partir da leitura deste trecho, entender se aqueles dois factos em particular foram considerados como não provados ou, ao contrário, foram considerados como provados, tendo em consideração a decisão da causa;
7ª. Quanto aos pontos 6 a 8 dos Factos Provados entende o recorrente que errou o tribunal na apreciação da prova, já que suportou a sua convicção em documentos particulares, que foram devidamente e tempestivamente impugnados e porque os depoimentos das testemunhas que serviram de base à sua convicção, não o poderiam conduzir a considerar provados tais factos;
8ª. Do depoimento da testemunha BB, prestado no dia 26-09-2022 entre as 16h01m23s e as 16h09m09s gravado no CD áudio 20220926160121_5874424_2870585 (Minuto 06m45s a 07m26s) resulta somente que o mesmo se limitou a reportar o que lhe foi transmitido pelo recorrido, ou seja, trata-se de um depoimento indireto, advindo de uma testemunha com relação de especial proximidade com o Autor, aqui recorrido, uma vez que o mesmo é seu padrasto, pelo que o seu depoimento foi impreciso, revelador da falta de conhecimento dos factos e claramente condicionado pela relação familiar existente com o recorrido;
9ª. Não foram tidas em consideração pelo tribunal a quo as declarações do único interveniente no ato de compra e venda do veículo automóvel de matrícula ..-OS-.., ou seja, do legal representante da Ré (Gravação no CD áudio 20220926151100_5874424_2870585: Minuto 03m41s a 04m32s; minuto 08m55s a 09m38s), sendo estas as únicas porquanto não foram requeridas as declarações do requerido;
10ª. A fatura da compra do veículo pelo recorrido à recorrente foi emitida e entregue àquele assim como deduzida em sede de IRS pelo contribuinte, ora recorrido.
11ª. Não é crível que Autor tenha anuído circular com aquele veículo automóvel, recém-comprado, desde ..., até ..., pois que, qualquer condutor cuidadoso e diligente sempre se certificaria que tinha toda a documentação necessária, não tendo o recorrido provado nem através de prova documental nem testemunhal que a fatura, o histórico de revisões e o manual da viatura não lhe tenha sido entregue em suporte de papel, sendo que, como resultou do depoimento do legal representante da recorrente todos os referidos documentos existiam em suporte digital;
12ª. Errou o tribunal em considerar os factos 6. a 8. como provados, pelos que a factualidade deve ser alterada, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de modo que passe a mesma a constar dos factos não provados, considerando-se assim como não provados: e) A R. não entregou ao A. a fatura/recibo relativa ao dito acordo; g) A R. não entregou ao A. o livro com o histórico das revisões da viatura vendida e h) A R. não entregou ao A. o manual dessa viatura.
13ª. Errou o tribunal na apreciação da prova ao considerar os factos 9 a 13 e 16 como provados, por errada apreciação da prova;
14ª. O depoimento da testemunha CC prestado no dia 26-09-2022 entre as 16h09m44s e as 16h43m33s, gravado no CD áudio 20220926160942_5874424_2870585: Minuto 01m57s a 03m20s, Minuto 04m40s a 05m49s, Minuto 06m24s a 07m13s, Minuto 14m22s a 17m15s é elucidativo por dois motivos, o primeiro por se revelar como uma testemunha isenta, apresentada pelo recorrido e por outro porque desconstrói o raciocínio em que assenta a motivação da sentença;
15ª. A testemunha esclareceu que foi quem interveio no carro, em primeiro, a pedido e por responsabilidade única do Autor, trabalhou no veículo automóvel, mudou peças, por ordem do Autor, tendo mais dito que o Autor lhe disse claramente que não ia solicitar, nem comunicar qualquer anomalia ao stand e porque também esclareceu que foi ele, a pedido do recorrido, autor, que contactou o stand, em momento posterior à intervenção devido à reparação da fuga da água porquanto apercebeu-se da existência de uma fuga de óleo;
16ª. A corroborar tais declarações, temos as declarações do legal representante da recorrida prestadas no dia 26-09-2022 entre as 15h11m01s e as 15h26m35s gravadas no Cd áudio 20220926151100_5874424_2870585 - Min. 00:05:50 a min. 00:06:05, Min. 00:10:00 a min. 00:11:04, Min. 00:12:08 a min. 00:13:00, das quais resultou de forma clara, segura e credível que pagou a fatura de reparação que lhe foi apresentada, isto é, a fatura no valor de €883,37 (oitocentos e oitenta e três euros e trinta e sete cêntimos) não obstante o recorrido nada lhe ter dito
em momento prévio e, por sua iniciativa ter procedido à reparação do veículo;
17ª. Não provou o recorrido, como lhe competia, o motivo pelo qual apenas a fatura paga pelo recorrente se encontrava emitida em nome deste, sendo que o Autor, ora recorrido, não alegou tampouco que foi emitida, quiçá, uma primeira fatura que foi posteriormente anulada por recusa de pagamento da recorrente;
18ª. Nem a testemunha BB, nem a testemunha DD demonstraram ter qualquer conhecimento direto dos factos, não viram a fuga de água, nem de óleo no veículo nem acompanharam o recorrido quando este foi à oficina mecânica conforme decorre das declarações de DD gravadas no CD áudio 20220926153000_5874424_2870585 no Min. 00:09:00 a Min. 00:10:27 e de BB, gravadas CD áudio 20220926160121_5874424_2870585, Min. 00:00:20 a min. 00:02.00;
19ª. Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a decisão de facto, referente aos artigos 9., 10., 11., 12., 13. e 16. da materialidade assente, deverá ser alterada, de forma que, desta materialidade, passe a constar uma reprodução fiel da prova produzida, nos seguintes termos: Considerados como não provados os factos descritos nos pontos 9 e 10. O ponto 11 deve ser alterado para: O A. não comunicou qualquer fuga de água e/ou de óleo à Ré. O facto 12 deve ser considerado como não provado – Não provado que o legal representante da Ré tenha dito ao Autor para levar o carro a uma oficina para reparar qualquer avaria. O facto 13 deve ser considerado como não provado – Não provado que o legal representante da Ré tenha dito ao Autor para lhe enviar a conta da reparação para que a Ré a pudesse pagar;
20ª. Ocorre igualmente erro de julgamento ao considerar-se como provados os pontos 17 e 18 desde logo porque se entende que se valorou erradamente os depoimentos das testemunhas DD e BB;
21ª. Não foi produzida qualquer prova quanto às alegadas deslocações realizadas pelo recorrido à cidade ...;
22ª. Nenhuma prova foi feita no sentido de se perceber se os 680 km que distam entre ... e ... foram efectuados num só dia ou em dias distintos, em que veículo foram realizadas e se se destinaram a solicitar a reparação mecânica no valor de €390,00 (trezentos e noventa euros);
23ª. Nem a testemunha DD, CD áudio 20220926153000_5874424_2870585 (Min. 00:04:23 a min. 00:04:48, Min. 00:09:02 a min. 00:09:35) soube dizer quantas vezes o recorrido se deslocou a ..., nem a testemunha BB conseguiu confirmar tal facto, conforme se constata da gravação no CD áudio 20220926154452_5874424_2870585 (Min. 00.02:00 a min. 00:02:45 e da gravação CD áudio 20220926160121_5874424_2870585, Min. 00:01:50 a min. 00:02.09;
24ª. Entre março e maio de 2020 todas as deslocações de pessoas foram restritas ao indispensável, nomeadamente, deslocações laborais, em consequência da pandemia COVID-19, pelo que nenhuma prova fez o recorrido das datas em que se terá deslocado a ..., pois que, para além de tal informação não se encontrar concretizada na petição inicial, nenhuma das testemunhas foi capaz de indicar uma única data concreta;
25ª. Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, entende a ora recorrente que a decisão de facto, referente aos artigos 17 e 18 da materialidade assente foi erradamente valorada, devendo ser alterada, de forma a constar, sem mais, dos factos não provados;
26ª. Novamente, verifica-se que o tribunal a quo considerou erradamente como provados os factos 20 a 24 dos factos provados, pois que da prova produzida, por um lado não resulta a data em que se verificou ou que se iniciaram os alegados barulhos e chocalhados no motor do veículo automóvel de matrícula ..-OS-.. e por outro lado não se considerou que a perícia foi somente realizada quase dois anos após a data indicada como verificação dos defeitos;
27ª. Não foi considerada substituição de um injetor, conforme decorre da perícia, nem foi tido em consideração que que medida tal intervenção nos injetores poderia prejudicar o motor do veículo;
28ª. Não considerou a sentença recorrida que do relatório pericial resultou que o veículo se encontrava ao abandono, sem manutenção pelo proprietário o que claramente agravou o estado do veículo e, consequentemente, agravou o que podia apenas ser um pequeno problema que seria ab initio facilmente resolvido;
29ª. Não atendeu o tribunal a quo no depoimento da testemunha EE, gravado no CD áudio 20221013140659_5874424_2870585, Min. 00:02:06 a min. 00:03:16, Min. 00:04:10 a min. 00:06:25, e devia tê-lo feito, já que esta testemunha revelou-se coesa e bastante clara ao afirmar que verificou um erro nos códigos de injetor, do qual constava os códigos dos injetores que estavam àquela data, início de 2022, no veículo automóvel a ser reparado não coincidiam com os códigos que estavam na unidade do carro;
30ª. Ademais, a testemunha esclareceu ainda ao tribunal que foi impedido, pelo recorrido, de verificar e encontrar a origem dos alegados barulhos conforme decorre da gravação em CD áudio 20221013140659_5874424_2870585, Min. 00:06:45 a min. 00:07:55. E Min. 00:14:15 a min. 00:16:00;
31ª. O depoimento da testemunha EE mostrou-se credível, uma vez que utiliza no seu quotidiano, aquando das revisões mecânicas aos vários veículos automóveis que presta assistência idêntico equipamento eletrónico ao do utilizado pelo perito para realização da perícia junta aos autos, ao invés a testemunha CC, conforme gravação no CD áudio 20220926160942_5874424_2870585, min. 00:07:17 a min. 00:08:48;
32ª. O veículo automóvel ..-OS-.. foi mal intervencionado, ao nível dos injetores e não teve manutenção adequada, tendo sido deixado ao abandono mais de dois anos, o que contribuiu para a degradação e desvalorização do veículo automóvel, o que é da exclusiva responsabilidade do recorrido e foi olvidado pelo tribunal a quo;
33ª. Não resultou provado, nem através de prova pericial, nem documental ou testemunhal que os problemas do veículo se reportavam a um defeito existente à data da venda, tendo resultado provado claramente o descuido e mau uso na manutenção do veículo pelo autor, ora recorrido;
34ª. Neste sentido resulta do douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/01/2019, no processo n.º 201/15.7T8BAO.G1, disponível em www.dgsi: “V – Apurando-se que a causa da avaria se deveu a falta de cuidado do comprador/consumidor na manutenção do veículo, é de considerar afastada a presunção da falta de conformidade à data da entrega ou que se revelou posteriormente, pelo que não lhe assiste qualquer direito, nomeadamente reparatório e/ou indemnizatório.” (negrito nosso);
35ª. Resulta expressamente da prova pericial que se verificou uma alteração do código dos injetores, o que deixa, no mínimo, a dúvida quanto à utilização adequada do veículo pelo condutor, ora recorrido, no que aos injectores diz respeito;
36ª. Resultou também da prova pericial que o veículo automóvel de matrícula ..-OS-.., à data em que a perícia foi realizada, encontrava-se, há 465 dias sem manutenção, com sinais de abandono, sem óleo, sem água e apresentava sinais de intervenção nos injetores, e com mais de 350.000,00 Km, circunstancialismos estes que concorreram para o possível defeito do veículo e/ou agravamento do mesmo;
37ª. Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, entende a ora recorrente que a decisão de facto, referente aos artigos 20 a 24 da materialidade assente foi erradamente valorada, devendo ser alterada, de forma a constar, sem mais, dos factos não provados. Mais se devendo indicar nos factos provados o seguinte: “O veículo automóvel de matrícula ..-OS-.. foi objeto de intervenção ao nível dos injetores após a sua aquisição à Ré” e “O veículo automóvel de matrícula ..-OS-.. encontra-se com sinais de abandono há pelo menos dois anos.”
38ª. Peca a sentença aqui recorrida por ter considerado sem mais que a Ré, ora Recorrente, nunca procedeu como lhe solicitado à reparação da avaria aludida nos factos 21 e 22;
39ª. A Recorrente nunca se escusou ao cumprimento da sua responsabilidade enquanto vendedora do veículo automóvel;
40ª. O recorrido não permitiu que a recorrente procedesse à verificação das supostas anomalias, conforme decorre do depoimento da testemunha EE, gravado em CD áudio 20221013140659_5874424_2870585, Min. 00:04:30 a min. 00:06:55;
41ª. Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a decisão de facto referente aos artigos 30 e 31 da materialidade assente foi erradamente valorada, devendo ser alterada, de forma a constar, sem mais, dos factos não provados, mais devendo ser dado como provado que A. impediu que a R. verificasse o estado do veículo automóvel;
42ª. Incorreu novamente em erro de julgamento a sentença ao considerar como provados os factos 34 e 35 da materialidade assente;
43ª. Não foi produzida prova, por um lado, quanto ao motivo de aquisição do veículo automóvel e, por outro, que a alegada avaria do veículo e a alegada imobilização do veículo e recusa da recorrente em proceder à sua reparação tenham causado desgosto tristeza e preocupação ao recorrido e que tais sejam dignos de tutela legal;
44ª. Do depoimento da testemunha DD, gravado no CD áudio 20220926153000_5874424_2870585, min. 00:05:49 a min. 00:06:02 e Min. 00:07:10 a min. 00:08:42 resulta um discurso tendencioso, sendo que de concreto a testemunha disse que nunca ouviu qualquer barulho no motor e que o recorrido ficou “chateado” com a situação, nada acrescentando quanto à tristeza e incómodos sofridos pelo recorrido;
45ª. A testemunha DD faltou ainda à verdade quando disse que o recorrido não era proprietário de demais veículos automóveis, quando o mesmo tem averbados três veículos, tal como consta do facto provado sob o ponto 38;
46ª. O depoimento da testemunha BB foi erradamente valorado, porquanto o mesmo limitou-se a relatar que o recorrido ficou incomodado com os comentários das pessoas da zona onde vive, por ter o carro parado, mas não identificou minimamente quais pessoas – família, vizinhos, amigos, colegas de trabalho, sendo o seu depoimento vazio nos seus esclarecimentos já que quando questionado quando o recorrido comprou o veículo ..., não soube sequer precisar nem o ano, nem o mês, conforme decorre da gravação no CD áudio 20220926154452_5874424_2870585, Min. 00:07:40 a min. 00:09:06 e da gravação no CD áudio 20220926160121_5874424_2870585, ao min. 00:04:35 a min. 00:06.43;
47ª. Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a decisão de facto referente aos artigos 34 e 35 da materialidade assente foi erradamente valorada, devendo ser alterada, de forma a constar, sem mais, dos factos não provados;
48ª. O tribunal a quo com base no depoimento da testemunha EE devia ter considerado que a revisão mecânica efetuada ao veículo automóvel previamente à sua venda demonstrou que o mesmo não tinha qualquer defeito e que se encontrava em perfeitas condições de circulação;
49ª. A testemunha EE foi bastante segura quando afirmou, mais do que uma vez, que o veículo automóvel de matrícula ..-OS-.. saiu das suas instalações em perfeitas condições de funcionamento, conforme se pode constatar do seu depoimento, gravado no CD áudio com a identificação 20221013140659_5874424_2870585, nos min. 00:02:10 a min. 00:03:45, min. 00:10:53 a min. 00:11:42 e min. 00:12:20 a min. 00:14:39;
50ª. Foi realizada ao veículo automóvel em causa uma inspeção com equipamento de diagnóstico, nada tendo resultado dessa inspeção como avaria;
51ª. O comprador, ora recorrido, adquiriu um veículo automóvel, com mais de 350000km, pelo que se trata de um veículo, em face da quilometragem, com um maior desgaste de componentes do que um veículo como novo ou semi-novo, sendo que o preço pago pelo recorrido ao recorrente foi o compatível com tal quilometragem;
52ª. O recorrido pagou um preço justo pelo bem que adquiriu, bem sabendo as condições em que o adquiria, nomeadamente, a quilometragem, facto essencial num negócio como o em discussão nos autos e quis comprar e assumiu os riscos decorrentes de comprar um bem usado;
53ª. Também não foram tidas em consideração as declarações do legal representante da recorrente, as quais se mostraram credíveis, conforme decorre da gravação no CD áudio com a identificação 20220926151100_5874424_2870585, min. 00:02:35 a min. 00:03:43, das quais resultou que todos os veículos vendidos pela recorrente são efetivamente inspecionados antes da sua colocação no mercado, tal como aconteceu com o veículo adquirido pelo recorrido;
54ª. Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, daquele diploma legal, pugna a ora recorrente que a decisão do Tribunal a quo, quanto a este concreto ponto de facto, deverá ser alterada, passando a considerar-se sem mais, como um facto provado;
55ª. Não foi concretizada qualquer prova no sentido de atestar a existência do defeito e que esse defeito existisse à data da venda do veículo automóvel de matrícula ..-OS-..;
56ª. A perícia, ordenada pelo tribunal a quo, ocorreu já após decorrido o prazo legal de garantia do veículo, ou seja, apenas a 10 de fevereiro de 2022 e, portanto, durante tal período nunca à ora Recorrente foi denunciado o defeito de que o veículo padecia a não ser que este apresentava um ruído nomeadamente um chocalhar provindo do motor;
57ª. A acompanhar este entendimento o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 13-05-2021, processo n.º 2927/18.4T8VCT.G1, disponível em www.dgsi.pt: “(…) IV- No âmbito do DL 67/2003 de 8/4 é ao comprador/consumidor que cabe o ónus de alegar e provar o defeito de funcionamento da coisa, isto é, a sua desconformidade com o contrato, e que esse defeito existia à data da entrega da coisa, embora disponha de presunções legais de não conformidade que facilitam tal prova (art. 2º, n.º 2). Ou seja, bastará ao consumidor alegar e provar os factos-índice da presunção de desconformidade com o contrato e que eles se manifestaram dentro do prazo da garantia legal imposta por aquele diploma legal (2 ou 5 anos a contar da entrega), para se presumir que o defeito já existia à data da entrega (art. 3º, n.º 2). V- Uma vez provada a existência do defeito, recai sobre o vendedor, para afastar a sua responsabilidade, o ónus de ilidir a presunção de não conformidade, mediante a alegação e prova de que a falta de conformidade resulta de facto imputável ao comprador (nomeadamente do mau uso ou da incorreta utilização do bem por parte do consumidor), a terceiro ou devida a caso fortuito, ou que, atentas as circunstâncias, o defeito não existia na data da entrega.” (negrito nosso)
58ª. A recorrente fez prova que para a alegada falta de conformidade daquele veículo automóvel contribuiu o comportamento do recorrido, o qual procedeu a intervenções no veículo e substituição dos injetores sem prévio conhecimento e autorização da recorrente, deixou o veículo desabrigado, descuidado e sem manutenção durante mais de dois anos, ainda se mantendo tal situação aos dias de hoje;
59ª. O Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, aplicável atenta a data em que ocorreu o contrato de compra e venda do veículo, determina que o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda (artigo 2.º, n.º 1), respondendo o primeiro perante o segundo por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue (artigo 3.º, n.º 1), ou seja, o profissional é responsável por assegurar que a sua prestação contratual, tal como estipulada no vínculo negocial celebrado com o consumidor, coincide com a prestação efetuada, constituindo o momento relevante para esta operação de avaliação da conformidade com o conteúdo do contrato o da entrega do bem;
60ª. No n.º 2 do artigo 2.º daquele Decreto-Lei estabelece-se um conjunto de critérios-índice, formulados pela negativa, que, se preenchidos por um facto alegado e provado pelo consumidor, são reveladores de uma falta de conformidade do bem entregue pelo profissional, não se consagrando ali uma genuína presunção legal de desconformidade, na medida em que “a verificação da desconformidade por referência aos critérios definidos afasta a possibilidade lógica de prova em contrário, não sendo possível [ao vendedor] provar a conformidade de um bem desconforme” ou, por outras palavras, se o profissional não conseguir demonstrar a inexistência do facto a que corresponde a alegada desconformidade, não dispõe da faculdade de, ainda assim, provar que o bem é conforme com o contrato;
61ª. Mediante alegação e prova da ocorrência, no momento da entrega do bem pelo vendedor, de facto(s) que preencha(m) um ou mais dos critérios previstos no artigo 2º n.º 2, o consumidor pode prevalecer-se de qualquer um dos direitos previstos no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, não sujeitos a qualquer hierarquia no seu exercício (artigo 4.º, n.º 5, a não ser que tal se revele impossível ou constitua abuso de direito), e, cumulativamente, o direito de indemnização por perdas e danos resultantes de falta culposa do cumprimento da obrigação de conformidade (artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de julho e artigo 798.º do Código Civil) –, quando a falta de conformidade se manifestar dentro do prazo da garantia legal de conformidade de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel (artigo 5.º, n.º 1);
62ª. Não provou o recorrido, por um lado qual o defeito que o veículo padecia, sendo que a desconformidade indicada no relatório pericial ocorre mais de 400 dias após a comunicação feita pelo Recorrido à ora recorrente nada se dizendo quanto ao estado em que o veículo estaria em julho de 2020, data em que o recorrido alega não mais ter circulado com o veículo automóvel;
63ª. No que se refere à intervenção para reparação de fuga de água, não foi dado prévio conhecimento à recorrente, não foi denunciado qualquer defeito e não foi solicitado qualquer pagamento daquela reparação;
64ª. O recorrido quis e decidiu mandar reparar e quis e assumiu o custo dessa reparação, pelo que é apodítica dessa verdade a emissão da fatura em nome do recorrido e não à recorrente;
65ª. Nos termos do n.º 2 do artigo 5.º-A do DL n.º 67/2003 aplicável atenta a data da celebração do contrato de compra e venda, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado, porém não ocorreu qualquer denúncia nem contacto quanto àquela fuga de água, tendo a recorrente somente conhecimento da fatura e reparação aquando da citação para os presentes autos, ou seja, mais de dois meses após a alegada verificação da desconformidade;
66ª. Simplesmente não existe qualquer prova de que por um lado, o recorrido efetivamente se deslocou a ... três vezes, propositadamente ou não, para resolver a querela, e por outro que tenha pago quaisquer montantes a este título, o que seria facilmente comprovável através de documentos;
67ª. Não são indemnizáveis deslocações inexistentes ou cuja prova não se logrou alcançar;
68ª. Quanto ao alegado dano da privação do uso, não poderá deixar de se considerar que foi uma decisão do recorrido deixar de utilizar o veículo automóvel (e não uma imposição decorrente de a anomalia detetada que não permitiu a circulação com o automóvel) e de ter comprado outro veículo automóvel para se deslocar alegadamente aos fins de semana;
69ª. O recorrido não logrou provar que ficou privado da utilização do veículo e da prova produzida apenas se retirou que o veículo já não se encontrava àquela data em condições de circulação, por desmazelo e falta de manutenção pelo recorrido;
70ª. O recorrido não ficou privado do uso do seu veículo automóvel por motivos alheios à sua vontade, antes, ao invés, tendo sido decisão sua não mais utilizar a viatura;
71ª. Não existe qualquer dano da privação do uso passível de ressarcimento;
72ª. O recorrido é proprietário de mais dois veículos automóveis que se encontram disponíveis para as suas deslocações;
73ª. O recorrido não logrou provar os danos pelos quais a sentença o pretende ressarcir, nomeadamente, qualquer desgosto, tristeza e preocupação;
74ª. O Recorrido não provou que não lhe foi entregue toda a documentação relativa ao veículo automóvel, conforme ónus que lhe incumbia;
75ª. A decisão recorrida violou os artigos 4º, 5º e 12 da Lei de Defesa do Consumidor, 483.º, 798º e 799º e 913º do Código Civil e artigo 4.º, n.º 1 e 5º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003.
Termos em que, na procedência do presente recurso, deve revogar-se a sentença recorrida, absolvendo-se, em consequência, a recorrente
Isto para que uma vez mais se faça JUSTIÇA!
*

Não se vislumbra dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
*

O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida. Pronunciou-se sobre a arguida nulidade nos seguintes termos:
«Invocou a A. a nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Importará, assim, nos termos do disposto no artigo 617º, n.ºs 1 e 5, do CPC, proferir despacho que aprecie tal questão.
Nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, “É nula a sentença quando: (…) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
In casu, atento o teor da sentença em causa, sou da opinião de que os seus fundamentos não estão em oposição com a decisão nem ocorre qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Vejamos.
No que respeita à factualidade invocada pela recorrente, o tribunal deu como provado que o veículo do A. apresentava as avarias aludidas em 9. e 10. dos factos provados, que o A. comunicou à R. tais avarias, que a R. se responsabilizou pelo custo da sua reparação e que o A., posteriormente, diligenciou no sentido da reparação das mesmas.
Não considerou, porém, o tribunal provado que o A. tenha solicitado à R. o pagamento da quantia de € 390,00, respeitante ao custo da reparação da fuga de água em causa, e que a R. se tenha recusado a pagar a mesma.
Como decorre da motivação da decisão de facto, o tribunal, pelos motivos aí melhor expostos, considerou demonstrado que o A. comunicou à R. as avarias em questão e que a R., perante o A., assumiu a sua responsabilidade pela reparação das mesmas, tendo o A. diligenciado no sentido de as reparar. Não resultou, porém, demonstrado que o A., depois de efetivada a reparação da avaria respeitante à fuga de água, tenha solicitado à R. o pagamento da concreta quantia respeitante ao seu custo e que esta se tenha recusado a pagar a mesma.
Ou seja, a factualidade dada como provada, na parte posta em causa pela recorrente, ocorreu antes de efetivada a reparação das mencionadas avarias, apenas tendo sido dado como não provado que, depois de efetivada tal reparação, o A. tenha solicitado à R. o pagamento da concreta quantia respeitante ao custo da reparação da mencionada fuga de água e que a R. se tenha recusado a pagar tal quantia.
Deste modo, parece evidente que os fundamentos da decisão estão em total conformidade com a mesma, não ocorrendo igualmente qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Pelo exposto, entendo que a sentença não padece de qualquer nulidade.
Notifique.».
*

Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
*

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*

2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende que:

- se declare nula a decisão recorrida, por se verificar a existência de oposição entre os fundamentos e a decisão (conclusão 3ª a 6ª);
- por terem sido incorrectamente julgados os factos dados como provados em 6. a 8., estes passem a ser considerados como não provados (conclusões a 12ª);
- por terem sido incorrectamente julgados os factos dados como provados em 9. a 13. e 16., os 9. e 10., assim como os 12. e 13., passem a ser considerados como não provados, devendo ser dada nova redação ao 11. (conclusões 13ª a 19ª);
- por terem sido incorrectamente julgados os factos dados como provados em 17. e 18., estes passem a ser considerados como não provados (conclusões 20ª a 25ª);
- por terem sido incorrectamente julgados os factos dados como provados em 20. a 24., estes passem a ser considerados como não provados, devendo, porém, ser aditados aos factos provados, dois outros (conclusões 26ª a 37ª);
- por terem sido incorrectamente julgados os factos dados como provados em 30. e 31., estes passem a ser considerados como não provados, devendo, porém, ser aditado aos factos provados, um outro (conclusões 38ª a 41ª);
- por terem sido incorrectamente julgados os factos dados como provados em 34. e 35., estes passem a ser considerados como não provados (conclusões 42ª a 47ª);
- por ter sido incorrectamente julgado o facto dado como não provado em e), este passe a ser considerado como provado (conclusões 48ª a 54ª);
- se reaprecie a decisão de mérito da acção (conclusões 55ª e ss.).
*

3 – OS FACTOS

A - FACTOS PROVADOS:

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
1. A R. é uma sociedade comercial que tem como objeto o comércio de veículos automóveis ligeiros e outros veículos automóveis, bem como o comércio de peças e acessórios para veículos automóveis.
2. No dia 09 de novembro de 2019, o A. e a R. acordaram no sentido da venda, por esta àquele, do veículo automóvel marca ..., com a matrícula ..-0S-.., no estado de usado,
3. cujo preço deveria ser pago mediante a entrega à R. da quantia de € 9.500,00 (nove mil e quinhentos euros) e, bem assim, do anterior veículo automóvel do A., de marca ..., modelo ....
4. O A., em cumprimento do referido acordo, entregou à R. a quantia e o veículo automóvel aludidos em 3.,
5. tendo a R. entregado ao A. o veículo automóvel aludido em 2.
6. Porém, a R. não chegou a entregar ao A. a fatura/recibo relativa ao dito acordo
7. nem o livro com o histórico das revisões da viatura vendida
8. nem o manual dessa viatura.
9. Em fevereiro de 2020, a viatura aludida em 2. começou a perder água
10. e a perder óleo.
11. O A. comunicou os factos aludidos em 9. e 10. à R.
12. Depois de efetivada a comunicação aludida em 11., o legal representante da R. disse ao A. para levar o carro a uma oficina para reparar as avarias surgidas
13. e para, posteriormente, lhe enviar a conta da reparação, para que a R. a pudesse pagar.
14. O A. diligenciou no sentido da reparação dos problemas aludidos em 9. e 10.,
15. sendo que o custo da reparação da dita fuga de óleo ascendeu à quantia de € 883,37,
16. tendo o custo da reparação da sobredita fuga de água ascendido à quantia de € 390,00.
17. Para tentar resolver a questão relativa à assunção, pela R., do custo da reparação das avarias acima aludidas, o A. deslocou-se por três vezes de ..., onde reside, a ...,
18. despendendo, em cada uma das viagens, a quantia de € 120,00, designadamente, em combustível, taxas de portagens e refeições.
19. A R. pagou ao A. o custo da reparação da avaria aludida em 15.
20. Em julho de 2020, o veículo aludido em 2. começou a apresentar um ruído, nomeadamente, um chocalhar, provindo do motor,
21. sendo que tal ruído foi, ao longo do tempo, progressivamente aumentando.
22. O mencionado ruído foi provocado por um problema que o referido veículo apresenta na zona da cambota, em concreto, nos bronzes de biela e bielas.
23. Porque a utilização do dito veículo poderia agravar a avaria por este apresentada, o A. imobilizou esse veículo junto à porta de sua casa,
24. não mais o tendo conduzido desde o dia .../.../2020.
25. O A. contactou o legal representante da R. a comunicar-lhe o problema aludido em 20. e 21., dizendo-lhe que pretendia acionar a garantia do veículo e que a R. reparasse tal avaria e questionando-o acerca da data em que o reboque iria buscar o carro para o reparar.
26. A R. propôs ao A. que este enviasse o veículo para uma oficina da confiança da R.,
27. mais lhe tendo transmitindo que no caso de se verificar a existência de alguma avaria e caso esta estivesse protegida no âmbito da garantia, a R. responsabilizar-se-ia pela reparação.
28. Como o A. se recusou a assumir o custo do transporte da viatura aludida em 2. para a oficina aludida em 26., a R. solicitou-lhe o pagamento da quantia de € 1.000,00 (mil euros), a título de caução pelo transporte do veículo desde o local em que se encontrava imobilizado até ao local da oficina definida pela R., dizendo ao A. que tal quantia lhe seria devolvida caso a R. entendesse que a avaria estava abrangida no âmbito da garantia.
29. O A. recusou-se a pagar à R. o montante aludido em 28.
30. sendo que a R. se recusou a liquidar o custo do transporte da viatura aludida em 2. até ...,
31. pelo que a R. nunca procedeu, como lhe foi solicitado pelo A., à reparação da avaria aludida em 20. a 22.
32. O A. tem uma empresa de construção civil,
33. deslocando-se para as suas obras numa carrinha de caixa aberta.
34. O A. adquiriu o veículo aludido em 2. para poder deslocar-se em todos os outros momentos da sua vida corrente, nomeadamente, para dar passeios.
35. A descrita situação, respeitante à avaria apresentada pelo veículo aludido em 2., à sua imobilização e à recusa da R. em proceder à sua reparação, causou desgosto, tristeza e preocupações ao A.
36. À data aludida em 2., o veículo adquirido pelo A. tinha 10 (dez) anos
37. e mais de 320.000 quilómetros percorridos.
38. Para além dos veículos automóveis aludidos em 2. e 33., o A. é ainda proprietário, pelo menos desde 31 de dezembro de 2020, de um outro veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca ..., com a matrícula ..-DQ-...

B - FACTOS NÃO PROVADOS

Discutida a causa, não resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
a. O A. solicitou à R. o pagamento da quantia referida em 16.,
b. mas a R. recusou-se a pagar a mesma.
c. A aquisição do veículo aludido em 2. ia permitir ao A. gastar menos dinheiro em deslocações, em portagens e nas despesas de manutenção.
d. Por cada dia em que não pôde utilizar a viatura aludida em 2., o A. teve um prejuízo de cerca de € 12,00.
e. Na data em que o veículo aludido em 2. foi vendido pela R. ao A., o mesmo não apresentava qualquer problema mecânico, estando em perfeitas condições de funcionamento.

C - MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial, testemunhal e documental realizada, tendo ainda em consideração as declarações de parte prestadas.
Assim, quanto aos pontos 1. a 5. dos factos provados, as partes estão de acordo quanto à veracidade de tal factualidade, a qual vem confirmada pelo teor dos documentos n.ºs ... a ... juntos pelo A.
A factualidade inserida nos pontos 6. a 8. foi confirmada pela testemunha BB (enteado do A.), sendo que os documentos n.ºs ..., ...2 e ...3 juntos pelo A. acabam por corroborar o declarado pela dita testemunha no que àquela factualidade respeita. Assim, devidamente concatenados os aludidos elementos de prova, testemunhal e documental, o tribunal não ficou com dúvidas acerca da veracidade da factualidade constante dos pontos 6. a 8.
Quanto à factualidade introduzida nos pontos 9. a 16. e 19., a convicção do tribunal fundou-se, além do mais, no declarado pelas testemunhas BB, DD (nora do A.) e CC (mecânico que efetuou as reparações em causa no veículo do A.), os quais, de forma objetiva, confirmaram a veracidade daquela factualidade, designadamente, no que respeita às fugas de água e de óleo apresentadas por tal viatura, ao custo de cada uma das referidas reparações e a quem suportou esses montantes.
Esta factualidade mostra-se, ainda, demonstrada pelo teor dos documentos n.ºs ... e ... juntos pelo A., demonstrativos da existência daquelas fugas, de que tais problemas foram reparados e do custo de cada uma dessas reparações.
Diga-se que o legal representante da R., no decurso das declarações de parte que prestou, confirmou que o A. lhe reportou a existência dos problemas em causa, tendo-lhe o A. apresentado a fatura junta aos autos como documento n.º ..., por forma a que a R. pagasse o seu valor, o que esta fez. Mais referiu o legal representante da R. não se recordar da fatura junta aos autos como documento n.º ..., relativa à reparação da aludida fuga de água, a qual não lhe teria sido apresentada pelo A. A testemunha CC esclareceu que o A., na altura, não chegou a solicitar à R. o pagamento da quantia relativa à reparação da mencionada fuga de água.
Importa ainda considerar que a R., na contestação por si apresentada, reconheceu que após a venda do veículo automóvel foi contactada pelo A., tendo-lhe este comunicado que o veículo perdia água. Mais confirmou a R. que o A. lhe apresentou a fatura junta com a petição inicial como documento n.º ... (relativa à reparação da mencionada fuga de óleo) e que “uma vez que as reparações descritas se encontravam no âmbito das coberturas da garantia, a R. prontamente se dispôs a assumir tal pagamento, o que efetivamente sucedeu.”. Mais referiu a R. que “(…) pagou somente o valor faturado no documento FT 2020V1/..., uma vez que só esse valor lhe foi apresentado.”.
Perante os mencionados elementos de prova, dúvidas não podem restar, pois, que o mencionado veículo automóvel apresentou as sobreditas fugas de óleo e de água, que foram comunicadas pelo A. à R., que esta assumiu a responsabilidade pelo pagamento ao A. do custo da reparação dessas avarias e que a reparação de tais avarias foi realizada, tendo o custo desses serviços ascendido aos montantes acima referidos, sendo certo que a R. liquidou somente o custo da reparação respeitante à fuga de óleo, tendo o A. suportado o custo da reparação da fuga de água. Não resultou, no entanto, demonstrado que o A., depois de efetivada a reparação da avaria respeitante à fuga de água, tenha solicitado à R. o pagamento da quantia referida em 16. e que esta se tenha recusado a pagar a mesma. Deste modo, sempre haveria que a factualidade constante dos pontos 9. a 16. e 19. ser considerada provada e a factualidade inserida nas alíneas a. e b. ser considerada não provada.
No que respeita aos factos introduzidos nos pontos 17. e 18., a decisão baseou-se no declarado pelas testemunhas DD e BB, que confirmaram que o A., no sentido da resolução do problema em causa, teve de se deslocar de ... a ..., tendo a testemunha BB esclarecido que tais deslocações foram três ou quatro. Recorrendo às mais elementares regras da experiência comum, facilmente se conclui no sentido da veracidade da factualidade introduzida no ponto 18., pois que uma deslocação de ida e volta de ... a ... sempre importará num custo global de, pelo menos, € 120,00, respeitante ao custo do combustível, ao custo das taxas de portagens e, bem assim, ao custo da alimentação.
A decisão, quanto à factualidade introduzida nos pontos 20. a 24., baseou-se, além do mais, no relatório pericial junto aos autos, que corrobora a veracidade da factualidade respeitante à avaria em causa e à sua proveniência.
A dita factualidade foi, ainda, confirmada pela testemunha CC, sendo que a testemunha BB referiu ter ouvido o barulho em questão, proveniente do motor do mencionado veículo automóvel.
As aludidas testemunhas arroladas pelo A. confirmaram também que este, desde a data aludida em 24., não mais utilizou a dita viatura, a qual se encontra imobilizada à porta da sua casa. Diga-se que, como resulta do relatório pericial junto aos autos, a viatura do A., por força da avaria que apresenta, encontra-se impedida de circular.
A testemunha EE (mecânico automóvel que presta serviços à R.) referiu que, depois de comunicada a avaria à R., foi a ... ver o veículo automóvel, tendo aí confirmado que o mesmo, efetivamente, apresentava um ruído quando estava em funcionamento, não sabendo, contudo, esclarecer a proveniência de tal ruído e a causa do mesmo.
Deste modo, considerando os supramencionados elementos de prova, dúvidas não restaram acerca da correspondência com a verdade dos factos constantes dos pontos 20. a 24.
Os factos introduzidos nos pontos 25. a 31. mostram-se demonstrados pelo teor dos documentos n.ºs ... e ... a ...3 que acompanham a petição inicial, sendo que a testemunha BB igualmente corroborou a veracidade de tal factualidade.
O legal representante da R., no âmbito das suas declarações de parte, confirmou que o A. lhe comunicou a avaria em causa, tendo a R. sugerido ao A. que enviasse a viatura para uma oficina da confiança da R., por forma a aferir se a mesma apresentava a avaria relatada. Mais confirmou o legal representante da R. que solicitou ao A. o pagamento de uma caução no valor de € 1.000,00.
Deste modo, tendo em consideração os mencionados elementos de prova, dúvidas não restaram acerca da correspondência com a realidade da factualidade constante dos pontos 25. a 31.
Os factos introduzidos nos pontos 32. a 35. foram confirmados pelas testemunhas DD e BB, tendo o tribunal ficado convencido no que concerne à sua veracidade.
Quanto aos factos constantes dos pontos 36. e 37., a decisão baseou-se no teor do relatório pericial, onde vem demonstrada a correspondência de tal factualidade com a verdade.
O facto inserido no ponto 38., que se mostra demonstrado pelo teor do documento n.º ... junto pela R., foi confirmado pela testemunha BB, pelo que dúvidas não restaram acerca da sua veracidade.
A decisão, quanto à factualidade constante das alíneas c. e d., baseou-se na absoluta falta de produção da respetiva prova.
No que respeita à factualidade constante da alínea e., diga-se que a testemunha EE referiu que, quando a viatura em questão foi vendida ao A., foi feita uma revisão à mesma, não tendo sido, no âmbito dessa revisão, descoberto qualquer problema no seu funcionamento, designadamente, as avarias acima referidas. O documento n.º ... junto aos autos pela R. é demonstrativo de que a mencionada revisão foi, de facto, efetuada.
Sucede, porém, que, como resulta do teor daquele documento n.º ... junto pela R., a revisão em causa terá sido tudo menos meticulosa, tendo a mesma consistido numa mera substituição de filtros, de óleo e de calços dos travões daquele veículo automóvel.
Mais, como é evidente, o facto de não se ter descortinado qualquer problema no decurso da mencionada revisão não significa que os problemas acima referidos não existissem à data em que a mesma foi feita, podendo significar apenas que os mesmos não foram descobertos por quem a fez.
Note-se, aliás, que a mencionada revisão foi feita uns dias antes da concretização do negócio que se discute, pelo que até se poderia colocar a hipótese de as avarias em questão terem surgido entre a data em que a revisão foi feita e a data em que a viatura foi entregue ao A.
Importa ainda considerar que, apesar da realização da referida revisão, a R. aceitou a responsabilidade pelo pagamento ao A. do custo da reparação das sobreditas fugas de óleo e de água, as quais foram conhecidas apenas depois da concretização do negócio celebrado entre as partes. Tal é demonstrativo de que quando a viatura foi vendida ao A., a mesma não estava em perfeitas condições de funcionamento, como alega a R. Para além disso, se, como reconhece a R., depois da concretização da venda foram revelados os aludidos problemas relacionados com as fugas de óleo e de água, os quais não terão sido detetados no âmbito da revisão atrás referida, não se vislumbra como poderia considerar-se esta revisão como sendo definitivamente demonstrativa, ou sequer fortemente indiciadora, de que a viatura em causa foi vendida sem apresentar qualquer problema no funcionamento do seu motor, designadamente, na zona da cambota (bronzes de bielas e bielas).
Considerando o supra exposto, outra alternativa não restaria que não fosse a de considerar não provada a factualidade introduzida na alínea e., pois que nenhum elemento de prova foi produzido apto a demonstrar a sua correspondência com a verdade.

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Comecemos pela questão relativa à nulidade: oposição entre os fundamentos e a decisão.

I - Da nulidade da decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão – art. 615º/1, c) do Código de Processo Civil

Entende a recorrente que a decisão em causa no recurso é nula, dada a existência de oposição entre os fundamentos e a decisão. O que dispõe o artigo 615º/1, c), 1ª parte, do CPC. 
Para Alberto dos Reis, esta nulidade verifica-se «quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)», quando «a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto»[2].
Alega a recorrente que a alínea a) dos Factos Não Provados não encontra correspondência com a motivação da sentença em crise, já que desta consta que “No que respeita às restantes avarias, importa considerar que a R. assumiu, perante o A., a responsabilidade pelo pagamento da sua reparação, sendo que o A., efetivamente, diligenciou no sentido da reparação das mesmas. Assim, enquanto o custo da reparação da dita fuga de óleo ascendeu à quantia de €883,37, o custo da reparação da sobredita fuga de água ascendeu à quantia de €390,00;”.
Ora, diga-se, desde já, que inexiste qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão. Isto sem prejuízo de existir desacordo da recorrente relativamente a esta.

Mas rememoremos, in casu, os factos provados, não provados e a respectiva fundamentação, bem como a parte da decisão em que se faz a aplicação dos factos ao direito:

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A - Factos provados:
(…)
9. Em fevereiro de 2020, a viatura aludida em 2. começou a perder água
10. e a perder óleo.
11. O A. comunicou os factos aludidos em 9. e 10. à R.
12. Depois de efetivada a comunicação aludida em 11., o legal representante da R. disse ao A. para levar o carro a uma oficina para reparar as avarias surgidas
13. e para, posteriormente, lhe enviar a conta da reparação, para que a R. a pudesse pagar.
14. O A. diligenciou no sentido da reparação dos problemas aludidos em 9. e 10.,
15. sendo que o custo da reparação da dita fuga de óleo ascendeu à quantia de € 883,37,
16. tendo o custo da reparação da sobredita fuga de água ascendido à quantia de € 390,00.
17. Para tentar resolver a questão relativa à assunção, pela R., do custo da reparação das avarias acima aludidas, o A. deslocou-se por três vezes de ..., onde reside, a ...,
18. despendendo, em cada uma das viagens, a quantia de € 120,00, designadamente, em combustível, taxas de portagens e refeições.
19. A R. pagou ao A. o custo da reparação da avaria aludida em 15.
(…)

B - FACTOS NÃO PROVADOS

Discutida a causa, não resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
a. O A. solicitou à R. o pagamento da quantia referida em 16.,
b. mas a R. recusou-se a pagar a mesma.
(…)

C - MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial, testemunhal e documental realizada, tendo ainda em consideração as declarações de parte prestadas.
Assim, quanto aos pontos 1. a 5. dos factos provados, as partes estão de acordo quanto à veracidade de tal factualidade, a qual vem confirmada pelo teor dos documentos n.ºs ... a ... juntos pelo A.
A factualidade inserida nos pontos 6. a 8. foi confirmada pela testemunha BB (enteado do A.), sendo que os documentos n.ºs ..., ...2 e ...3 juntos pelo A. acabam por corroborar o declarado pela dita testemunha no que àquela factualidade respeita. Assim, devidamente concatenados os aludidos elementos de prova, testemunhal e documental, o tribunal não ficou com dúvidas acerca da veracidade da factualidade constante dos pontos 6. a 8.
Quanto à factualidade introduzida nos pontos 9. a 16. e 19., a convicção do tribunal fundou-se, além do mais, no declarado pelas testemunhas BB, DD (nora do A.) e CC (mecânico que efetuou as reparações em causa no veículo do A.), os quais, de forma objetiva, confirmaram a veracidade daquela factualidade, designadamente, no que respeita às fugas de água e de óleo apresentadas por tal viatura, ao custo de cada uma das referidas reparações e a quem suportou esses montantes.
Esta factualidade mostra-se, ainda, demonstrada pelo teor dos documentos n.ºs ... e ... juntos pelo A., demonstrativos da existência daquelas fugas, de que tais problemas foram reparados e do custo de cada uma dessas reparações.
Diga-se que o legal representante da R., no decurso das declarações de parte que prestou, confirmou que o A. lhe reportou a existência dos problemas em causa, tendo-lhe o A. apresentado a fatura junta aos autos como documento n.º ..., por forma a que a R. pagasse o seu valor, o que esta fez. Mais referiu o legal representante da R. não se recordar da fatura junta aos autos como documento n.º ..., relativa à reparação da aludida fuga de água, a qual não lhe teria sido apresentada pelo A. A testemunha CC esclareceu que o A., na altura, não chegou a solicitar à R. o pagamento da quantia relativa à reparação da mencionada fuga de água.
Importa ainda considerar que a R., na contestação por si apresentada, reconheceu que após a venda do veículo automóvel foi contactada pelo A., tendo-lhe este comunicado que o veículo perdia água. Mais confirmou a R. que o A. lhe apresentou a fatura junta com a petição inicial como documento n.º ... (relativa à reparação da mencionada fuga de óleo) e que “uma vez que as reparações descritas se encontravam no âmbito das coberturas da garantia, a R. prontamente se dispôs a assumir tal pagamento, o que efetivamente sucedeu.”. Mais referiu a R. que “(…) pagou somente o valor faturado no documento FT 2020V1/..., uma vez que só esse valor lhe foi apresentado.”.
Perante os mencionados elementos de prova, dúvidas não podem restar, pois, que o mencionado veículo automóvel apresentou as sobreditas fugas de óleo e de água, que foram comunicadas pelo A. à R., que esta assumiu a responsabilidade pelo pagamento ao A. do custo da reparação dessas avarias e que a reparação de tais avarias foi realizada, tendo o custo desses serviços ascendido aos montantes acima referidos, sendo certo que a R. liquidou somente o custo da reparação respeitante à fuga de óleo, tendo o A. suportado o custo da reparação da fuga de água. Não resultou, no entanto, demonstrado que o A., depois de efetivada a reparação da avaria respeitante à fuga de água, tenha solicitado à R. o pagamento da quantia referida em 16. e que esta se tenha recusado a pagar a mesma. Deste modo, sempre haveria que a factualidade constante dos pontos 9. a 16. e 19. ser considerada provada e a factualidade inserida nas alíneas a. e b. ser considerada não provada.
(…)

IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

(…)
In casu, resultou provado que, em fevereiro de 2020, a mencionada viatura começou a perder água e a perder óleo.
Para além disso, resultou demonstrado que, em julho de 2020, o mesmo veículo automóvel começou a apresentar um ruído, nomeadamente, um chocalhar, provindo do motor, sendo que tal ruído foi, ao longo do tempo, progressivamente aumentando.
O mencionado ruído foi provocado por um problema que o referido veículo apresenta na zona da cambota, em concreto nos bronzes de biela e bielas.
Estamos, pois, perante defeitos da coisa vendida ou desconformidades do veículo vendido que afetam de forma importante a realização do fim a que se destina e o desvalorizam, defeitos esses subsumíveis nas previsões legais das alíneas c) e d) do nº 2 do artigo 2º do DL 67/2003.
Nos termos do citado artigo 3º, nº 1, do DL 67/2003, o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, sendo que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de 2 anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
Face à factualidade apurada, temos que o A. provou a existência dos defeitos apontados, presumindo-se que eles já existiam na data da entrega do bem, não tendo a R. vendedora provado, para se libertar da sua responsabilidade, que a causa concreta do mau funcionamento era posterior à entrega do bem e que tivesse sido provocada pela atuação negligente do próprio A.
Consequentemente, no que se refere aos defeitos relacionados com o ruído proveniente do motor do veículo em causa, o A. tem direito à peticionada reparação (art. 4º, nº 1, do DL 67/2003), pelo que deverá, nesta parte, a ação proceder.
No que respeita às restantes avarias, importa considerar que a R. assumiu, perante o A., a responsabilidade pelo pagamento do custo da sua reparação, sendo que o A., efetivamente, diligenciou no sentido da reparação das mesmas. Assim, enquanto o custo da reparação da dita fuga de óleo ascendeu à quantia de € 883,37, o custo da reparação da sobredita fuga de água ascendeu à quantia de € 390,00.
Sucede que a R. apenas pagou o custo da reparação da avaria aludida referente à fuga de óleo, tendo, em consequência, liquidado ao A. somente a quantia de € 883,37.
Deste modo, deverá a R. igualmente ser condenada a liquidar ao A. a mencionada quantia de € 390,00, respeitante ao montante por este despendido na reparação da aludida fuga de água.

Verificando-se que o Mmº Juiz a quo fundamentou o resultado expresso na decisão, com base nos factos provados e não provados que elencou e cuja motivação revelou. Não se podendo concordar com a interpretação que da decisão faz a recorrente, para invocar a nulidade ora em consideração.
Efectivamente, como assertivamente é mencionado pelo Sr. Juiz a quo quando se pronuncia relativamente à arguida nulidade, Como decorre da motivação da decisão de facto, o tribunal, pelos motivos aí melhor expostos, considerou demonstrado que o A. comunicou à R. as avarias em questão e que a R., perante o A., assumiu a sua responsabilidade pela reparação das mesmas, tendo o A. diligenciado no sentido de as reparar. Não resultou, porém, demonstrado que o A., depois de efetivada a reparação da avaria respeitante à fuga de água, tenha solicitado à R. o pagamento da concreta quantia respeitante ao seu custo e que esta se tenha recusado a pagar a mesma.
Ou seja, a factualidade dada como provada, na parte posta em causa pela recorrente, ocorreu antes de efetivada a reparação das mencionadas avarias, apenas tendo sido dado como não provado que, depois de efetivada tal reparação, o A. tenha solicitado à R. o pagamento da concreta quantia respeitante ao custo da reparação da mencionada fuga de água e que a R. se tenha recusado a pagar tal quantia.
Deste modo, parece evidente que os fundamentos da decisão estão em total conformidade com a mesma, (…).
Tanto basta para se poder seguramente concluir que a decisão recorrida não padece da invocada nulidade.
*   *   *
Vejamos, agora, a questão relativa à alteração da matéria de facto.

II - Da alteração da matéria de facto quanto ao decidido nos factos dados como provados e não provados

Diverge a apelante da decisão da matéria de facto dada como provada e não provada, por alegadamente terem sido incorrectamente julgados, a saber:
- quanto aos factos provados 6. a 8., entende que estes devem passar a ser considerados como não provados (conclusões a 12ª);
- quanto aos factos provados 9. a 13. e 16., entende que os 9. e 10., assim como os 12. e 13., devem passar a ser considerados como não provados, devendo ser dada nova redação ao 11., nada dizendo quanto ao 16. (conclusões 13ª a 19ª);
- quanto aos factos provados 17. e 18., entende que estes devem passar a ser considerados como não provados (conclusões 20ª a 25ª);
- quanto aos factos provados 20. a 24., entende que estes devem passar a ser considerados como não provados, devendo, porém, ser aditados aos factos provados, dois outros (conclusões 26ª a 37ª);
- quanto aos factos provados 30. e 31., entende que estes devem passar a ser considerados como não provados, devendo, porém, ser aditado aos factos provados, um outro (conclusões 38ª a 41ª);
- quanto aos factos provados 34. e 35., entende que estes devem passar a ser considerados como não provados (conclusões 42ª a 47ª);
- quanto ao facto não provado e), entende que este deve passar a ser considerados como provado (conclusões 48ª a 54ª).
Para tanto, à excepção do facto provado 16., indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, transcrevendo e indicando os trechos das declarações prestadas pelas testemunhas em que se baseia, bem como recorda o relatório pericial.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1), à excepção do já mencionado facto provado 16., cujo recurso se rejeita relativamente a este segmento.
Cumpre, pois, apreciar.
O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento.
Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.
Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC.
Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção.
Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão.
Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
E, como ensina Manuel de Andrade, aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”.
Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida[3].
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela[4].
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo.
Como ensinou Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência[5].
Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto.
O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela[6].
Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC.
De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que a apelante pretende neste recurso.
*
Como já referido supra, pretende a apelante a alteração da matéria de facto quanto ao decidido nos factos dados como provados em 6. a 8., 9. a 13. e 16., 17. e 18., 20. a 24., 30. e 31. e 34. e 35., bem como no facto não provado e), os quais, à excepção do facto dado como provado em 16., cujo recurso se rejeitou supra relativamente a este segmento, no seu entendimento, deveriam ter tido resposta diferente. Isto porque entende ter havido erro na apreciação da prova pelo Tribunal a quo, no que concerne a esses factos.
*
Passemos, então, aos aludidos factos 6. a 8.

O Meritíssimo Juiz a quo considerou provado que:

6. Porém, a R. não chegou a entregar ao A. a fatura/recibo relativa ao dito acordo
7. nem o livro com o histórico das revisões da viatura vendida
8. nem o manual dessa viatura.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o seguinte:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial, testemunhal e documental realizada, tendo ainda em consideração as declarações de parte prestadas.
(…)

A factualidade inserida nos pontos 6. a 8. foi confirmada pela testemunha BB (enteado do A.), sendo que os documentos n.ºs ..., ...2 e ...3 juntos pelo A. acabam por corroborar o declarado pela dita testemunha no que àquela factualidade respeita. Assim, devidamente concatenados os aludidos elementos de prova, testemunhal e documental, o tribunal não ficou com dúvidas acerca da veracidade da factualidade constante dos pontos 6. a 8.
Com o que discorda a apelante, entendendo que o tribunal a quo errou na apreciação da prova, já que suportou a sua convicção em documentos particulares, que foram devidamente e tempestivamente impugnados e porque os depoimentos das testemunhas que serviram de base à sua convicção, não o poderiam conduzir a considerar provados tais factos, não tendo sido tidas em consideração pelo tribunal a quo as declarações do único interveniente no ato de compra e venda do veículo automóvel de matrícula ..-OS-.., ou seja do legal representante da Ré, não sendo crível que Autor tenha anuído circular com aquele veículo automóvel, recém-comprado, desde ..., até ..., pois que, qualquer condutor cuidadoso e diligente sempre se certificaria que tinha toda a documentação necessária, não tendo o recorrido provado nem através de prova documental nem testemunhal que a fatura, o histórico de revisões e o manual da viatura não lhe tenha sido entregue em suporte de papel, sendo que, como resultou do depoimento do legal representante da recorrente todos os referidos documentos existiam em suporte digital.

Quid iuris?

Revisitada a respectiva prova produzida, tendo-se ouvido o depoimento da testemunha BB, conclui-se não assistir razão à apelante, quando entende que os factos em questão devem passar a ser considerados como não provados.
Efectivamente, afigura-se-nos idónea a fundamentação mencionada na motivação, tendo sido a prova documental indicada corroborada pela testemunha BB, que revelou ser conhecedor credível desses factos, relativamente aos quais se pronunciou afirmativamente e sem hesitações, não sendo bastante para a descredibilizar, o facto de se tratarem de documentos particulares tempestivamente impugnados e a invocação de um padrão não compatível com qualquer condutor cuidadoso e diligente.
Verificando-se que a apelante, no essencial, dissente da decisão, assentando exclusivamente na sua versão dos factos e interpretação que subjectivamente faz da prova. Assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjectiva convicção sobre a prova.
O que não pode limitar-se a fazer, porque, afinal, quem julga é o juiz.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se nada haver aqui a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação desta matéria de facto.
*
Vejamos, agora, os indicados factos 9. a 13.

O Meritíssimo Juiz a quo considerou provado que:

9. Em fevereiro de 2020, a viatura aludida em 2. começou a perder água
10. e a perder óleo.
11. O A. comunicou os factos aludidos em 9. e 10. à R.
12. Depois de efetivada a comunicação aludida em 11., o legal representante da R. disse ao A. para levar o carro a uma oficina para reparar as avarias surgidas
13. e para, posteriormente, lhe enviar a conta da reparação, para que a R. a pudesse pagar.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o seguinte:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial, testemunhal e documental realizada, tendo ainda em consideração as declarações de parte prestadas.
(…)
Quanto à factualidade introduzida nos pontos 9. a 16. e 19., a convicção do tribunal fundou-se, além do mais, no declarado pelas testemunhas BB, DD (nora do A.) e CC (mecânico que efetuou as reparações em causa no veículo do A.), os quais, de forma objetiva, confirmaram a veracidade daquela factualidade, designadamente, no que respeita às fugas de água e de óleo apresentadas por tal viatura, ao custo de cada uma das referidas reparações e a quem suportou esses montantes.
Esta factualidade mostra-se, ainda, demonstrada pelo teor dos documentos n.ºs ... e ... juntos pelo A., demonstrativos da existência daquelas fugas, de que tais problemas foram reparados e do custo de cada uma dessas reparações.
Diga-se que o legal representante da R., no decurso das declarações de parte que prestou, confirmou que o A. lhe reportou a existência dos problemas em causa, tendo-lhe o A. apresentado a fatura junta aos autos como documento n.º ..., por forma a que a R. pagasse o seu valor, o que esta fez. Mais referiu o legal representante da R. não se recordar da fatura junta aos autos como documento n.º ..., relativa à reparação da aludida fuga de água, a qual não lhe teria sido apresentada pelo A. A testemunha CC esclareceu que o A., na altura, não chegou a solicitar à R. o pagamento da quantia relativa à reparação da mencionada fuga de água.
Importa ainda considerar que a R., na contestação por si apresentada, reconheceu que após a venda do veículo automóvel foi contactada pelo A., tendo-lhe este comunicado que o veículo perdia água. Mais confirmou a R. que o A. lhe apresentou a fatura junta com a petição inicial como documento n.º ... (relativa à reparação da mencionada fuga de óleo) e que “uma vez que as reparações descritas se encontravam no âmbito das coberturas da garantia, a R. prontamente se dispôs a assumir tal pagamento, o que efetivamente sucedeu.”. Mais referiu a R. que “(…) pagou somente o valor faturado no documento FT 2020V1/..., uma vez que só esse valor lhe foi apresentado.”.
Perante os mencionados elementos de prova, dúvidas não podem restar, pois, que o mencionado veículo automóvel apresentou as sobreditas fugas de óleo e de água, que foram comunicadas pelo A. à R., que esta assumiu a responsabilidade pelo pagamento ao A. do custo da reparação dessas avarias e que a reparação de tais avarias foi realizada, tendo o custo desses serviços ascendido aos montantes acima referidos, sendo certo que a R. liquidou somente o custo da reparação respeitante à fuga de óleo, tendo o A. suportado o custo da reparação da fuga de água. Não resultou, no entanto, demonstrado que o A., depois de efetivada a reparação da avaria respeitante à fuga de água, tenha solicitado à R. o pagamento da quantia referida em 16. e que esta se tenha recusado a pagar a mesma. Deste modo, sempre haveria que a factualidade constante dos pontos 9. a 16. e 19. ser considerada provada e a factualidade inserida nas alíneas a. e b. ser considerada não provada.
Com o que discorda a apelante, entendendo que o tribunal a quo errou na apreciação da prova, recordando o depoimento elucidativo e isento da testemunha CC - que fora apresentado pelo recorrido -, corroborado pelas declarações do legal representante da recorrente, não tendo as testemunhas BB e DD tido conhecimento directo dos factos.

Que dizer?

Revisitada a respectiva prova produzida, tendo-se ouvido os depoimentos das testemunhas CC, BB e DD, bem como as declarações do legal representante da R., conclui-se não assistir razão à apelante no que concerne à representação que faz relativamente à ocorrência dos factos ora em questão.
Com efeito, afigura-se-nos assertivo o enquadramento dos factos tal como consta da motivação relativamente à fundamentação de facto, sendo incontroversa a ocorrência das fugas de água e de óleo apresentadas por tal viatura, ao custo de cada uma das referidas reparações e a quem suportou esses montantes (cfr. ainda teor dos documentos n.ºs ... e ... juntos pelo A.).
Tendo, pois, resultado da conjugação de toda a prova produzida que o mencionado veículo automóvel apresentou as sobreditas fugas de óleo e de água, que foram comunicadas pelo A. à R., que esta assumiu a responsabilidade pelo pagamento ao A. do custo da reparação dessas avarias e que a reparação de tais avarias foi realizada, tendo o custo desses serviços ascendido aos montantes acima referidos, sendo certo que a R. liquidou somente o custo da reparação respeitante à fuga de óleo, tendo o A. suportado o custo da reparação da fuga de água. Não resultou, no entanto, demonstrado que o A., depois de efetivada a reparação da avaria respeitante à fuga de água, tenha solicitado à R. o pagamento da quantia referida em 16. e que esta se tenha recusado a pagar a mesma.
Como assim, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se nada haver aqui a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação desta matéria de facto.
*
Passemos, agora, aos mencionados factos 17. e 18.

O Meritíssimo Juiz a quo considerou provado que:

17. Para tentar resolver a questão relativa à assunção, pela R., do custo da reparação das avarias acima aludidas, o A. deslocou-se por três vezes de ..., onde reside, a ...,
18. despendendo, em cada uma das viagens, a quantia de € 120,00, designadamente, em combustível, taxas de portagens e refeições.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o seguinte:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial, testemunhal e documental realizada, tendo ainda em consideração as declarações de parte prestadas.
(…)
No que respeita aos factos introduzidos nos pontos 17. e 18., a decisão baseou-se no declarado pelas testemunhas DD e BB, que confirmaram que o A., no sentido da resolução do problema em causa, teve de se deslocar de ... a ..., tendo a testemunha BB esclarecido que tais deslocações foram três ou quatro. Recorrendo às mais elementares regras da experiência comum, facilmente se conclui no sentido da veracidade da factualidade introduzida no ponto 18., pois que uma deslocação de ida e volta de ... a ... sempre importará num custo global de, pelo menos, € 120,00, respeitante ao custo do combustível, ao custo das taxas de portagens e, bem assim, ao custo da alimentação.
Com o que discorda a apelante, entendendo que o tribunal a quo errou na apreciação da prova, ao valorar os depoimentos das testemunhas DD e BB, pois não foi produzida qualquer prova quanto às alegadas deslocações realizadas pelo recorrido à cidade ....
Quid iuris?

Revisitada a respectiva prova produzida, com a audição dos depoimentos das testemunhas DD e BB, conclui-se ter o Tribunal a quo feito adequada interpretação da mesma, seja quanto às deslocações efectuadas pelo A. de ... a ... e o número de vezes que o fez, a fim de resolver o problema em causa, seja quanto ao valor despendido em cada uma dessas viagens, com recurso à equidade - regras da experiência comum - para a sua quantificação[7].
Assim, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se também nada haver aqui a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação desta matéria de facto.
*
Vejamos, agora, os referidos factos 20. a 24.

O Meritíssimo Juiz a quo considerou provado que:

20. Em julho de 2020, o veículo aludido em 2. começou a apresentar um ruído, nomeadamente, um chocalhar, provindo do motor,
21. sendo que tal ruído foi, ao longo do tempo, progressivamente aumentando.
22. O mencionado ruído foi provocado por um problema que o referido veículo apresenta na zona da cambota, em concreto, nos bronzes de biela e bielas.
23. Porque a utilização do dito veículo poderia agravar a avaria por este apresentada, o A. imobilizou esse veículo junto à porta de sua casa,
24. não mais o tendo conduzido desde o dia .../.../2020.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o seguinte:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial, testemunhal e documental realizada, tendo ainda em consideração as declarações de parte prestadas.
(…)
A decisão, quanto à factualidade introduzida nos pontos 20. a 24., baseou-se, além do mais, no relatório pericial junto aos autos, que corrobora a veracidade da factualidade respeitante à avaria em causa e à sua proveniência.
A dita factualidade foi, ainda, confirmada pela testemunha CC, sendo que a testemunha BB referiu ter ouvido o barulho em questão, proveniente do motor do mencionado veículo automóvel.
As aludidas testemunhas arroladas pelo A. confirmaram também que este, desde a data aludida em 24., não mais utilizou a dita viatura, a qual se encontra imobilizada à porta da sua casa. Diga-se que, como resulta do relatório pericial junto aos autos, a viatura do A., por força da avaria que apresenta, encontra-se impedida de circular.
A testemunha EE (mecânico automóvel que presta serviços à R.) referiu que, depois de comunicada a avaria à R., foi a ... ver o veículo automóvel, tendo aí confirmado que o mesmo, efetivamente, apresentava um ruído quando estava em funcionamento, não sabendo, contudo, esclarecer a proveniência de tal ruído e a causa do mesmo.
Deste modo, considerando os supramencionados elementos de prova, dúvidas não restaram acerca da correspondência com a verdade dos factos constantes dos pontos 20. a 24.
Com o que discorda a apelante, entendendo que o tribunal a quo errou na apreciação da prova, pois da prova produzida, por um lado não resulta a data em que se verificou ou que se iniciaram os alegados barulhos e chocalhados no motor do veículo automóvel de matrícula ..-OS-.. e por outro lado não se considerou que a perícia foi somente realizada quase dois anos após a data indicada como verificação dos defeitos, sendo que Não resultou provado, nem através de prova pericial, nem documental ou testemunhal que os problemas do veículo se reportavam a um defeito existente à data da venda, tendo resultado provado claramente o descuido e mau uso na manutenção do veículo pelo autor, ora recorrido.

Que dizer?

Revisitada a respectiva prova produzida, também aqui se conclui não assistir razão à apelante, que obnubilando a prova produzida, pretende que seja valorada apenas a sua parcelar visão dos factos, a fim de debelar a factualidade alegada e provada pelo A. Sendo óbvio e natural que a imobilização do veículo há mais de 1 ano tenha degradado a sua situação, não se pode omitir que foi a identificada avaria preexistente alegada pelo A. e provada que a impôs. Ou seja, foi a avaria que determinou a imobilização e não que aquela tenha sido consequência desta.
Assim, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se também nada haver aqui a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação desta matéria de facto.
*
Vejamos, agora, os aludidos factos 30. e 31.
O Meritíssimo Juiz a quo considerou provado que:
30. sendo que a R. se recusou a liquidar o custo do transporte da viatura aludida em 2. até ...,
31. pelo que a R. nunca procedeu, como lhe foi solicitado pelo A., à reparação da avaria aludida em 20. a 22.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o seguinte:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial, testemunhal e documental realizada, tendo ainda em consideração as declarações de parte prestadas.
(…)
Os factos introduzidos nos pontos 25. a 31. mostram-se demonstrados pelo teor dos documentos n.ºs ... e ... a ...3 que acompanham a petição inicial, sendo que a testemunha BB igualmente corroborou a veracidade de tal factualidade.
O legal representante da R., no âmbito das suas declarações de parte, confirmou que o A. lhe comunicou a avaria em causa, tendo a R. sugerido ao A. que enviasse a viatura para uma oficina da confiança da R., por forma a aferir se a mesma apresentava a avaria relatada. Mais confirmou o legal representante da R. que solicitou ao A. o pagamento de uma caução no valor de € 1.000,00.
Deste modo, tendo em consideração os mencionados elementos de prova, dúvidas não restaram acerca da correspondência com a realidade da factualidade constante dos pontos 25. a 31.
Com o que discorda a apelante, entendendo que o tribunal a quo errou na apreciação da prova, pois a Recorrente nunca se escusou ao cumprimento da sua responsabilidade enquanto vendedora do veículo automóvel, não tendo o recorrido permitido que a recorrente procedesse à verificação das supostas anomalias.
Quid iuris?
Revisitada a respectiva prova produzida, conclui-se não assistir razão à apelante, ainda que os aspectos que pretende que sejam valorados constem aflorados na motivação relativa à factualidade em questão. É certo que a R. não se escusou a reparar a avaria em causa, mas recusando-se a liquidar o custo do transporte da viatura que estava imobilizada, por não estar em condições de circular, acabou por não proceder à sua reparação.
Assim, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se também nada haver aqui a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação desta matéria de facto.
*
Vejamos, agora, os apontados factos 34. e 35.
O Meritíssimo Juiz a quo considerou provado que:
34. O A. adquiriu o veículo aludido em 2. para poder deslocar-se em todos os outros momentos da sua vida corrente, nomeadamente, para dar passeios.
35. A descrita situação, respeitante à avaria apresentada pelo veículo aludido em 2., à sua imobilização e à recusa da R. em proceder à sua reparação, causou desgosto, tristeza e preocupações ao A.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o seguinte:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial, testemunhal e documental realizada, tendo ainda em consideração as declarações de parte prestadas.
(…)
Os factos introduzidos nos pontos 32. a 35. foram confirmados pelas testemunhas DD e BB, tendo o tribunal ficado convencido no que concerne à sua veracidade.
Com o que discorda a apelante, entendendo que o tribunal a quo errou na apreciação da prova, já que nem foi produzida prova quanto ao motivo de aquisição do veículo automóvel, nem que a alegada avaria do veículo e a alegada imobilização do veículo e recusa da recorrente em proceder à sua reparação tenham causado desgosto tristeza e preocupação ao recorrido e que tais sejam dignos de tutela legal.
Que dizer?
Revisitada a respectiva prova produzida, conclui-se também aqui não assistir razão à apelante, que se limita a recordar que as duas testemunhas mencionadas na motivação - DD e BB - não se pronunciaram sobre os dois aspectos aqui em causa: o motivo da aquisição do veículo e o desgosto, tristeza e preocupações causados ao A. com a situação ocorrida com tal viatura. Isto porque a primeira disse que o recorrido ficou “chateado” com a situação, nada acrescentando quanto à tristeza e incómodos sofridos pelo recorrido e o segundo limitou-se a relatar que o recorrido ficou incomodado com os comentários das pessoas da zona onde vive, por ter o carro parado, ainda que não tenha logrado identificar minimamente quais pessoas. Ora, o que resulta do depoimento conjugado das duas testemunhas é que confirmaram efectivamente os factos aqui em causa, ainda que o não tenham feito com a mesma amplitude e terminologia.
Assim, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se também nada haver aqui a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação desta matéria de facto.
*
Vejamos, finalmente, o facto não provado e)
O Meritíssimo Juiz a quo considerou não provado que:
e. Na data em que o veículo aludido em 2. foi vendido pela R. ao A., o mesmo não apresentava qualquer problema mecânico, estando em perfeitas condições de funcionamento.
Motivando tal decisão, o tribunal consignou o seguinte:
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação crítica da prova pericial, testemunhal e documental realizada, tendo ainda em consideração as declarações de parte prestadas.
(…)
No que respeita à factualidade constante da alínea e., diga-se que a testemunha EE referiu que, quando a viatura em questão foi vendida ao A., foi feita uma revisão à mesma, não tendo sido, no âmbito dessa revisão, descoberto qualquer problema no seu funcionamento, designadamente, as avarias acima referidas. O documento n.º ... junto aos autos pela R. é demonstrativo de que a mencionada revisão foi, de facto, efetuada.
Sucede, porém, que, como resulta do teor daquele documento n.º ... junto pela R., a revisão em causa terá sido tudo menos meticulosa, tendo a mesma consistido numa mera substituição de filtros, de óleo e de calços dos travões daquele veículo automóvel.
Mais, como é evidente, o facto de não se ter descortinado qualquer problema no decurso da mencionada revisão não significa que os problemas acima referidos não existissem à data em que a mesma foi feita, podendo significar apenas que os mesmos não foram descobertos por quem a fez.
Note-se, aliás, que a mencionada revisão foi feita uns dias antes da concretização do negócio que se discute, pelo que até se poderia colocar a hipótese de as avarias em questão terem surgido entre a data em que a revisão foi feita e a data em que a viatura foi entregue ao A.
Importa ainda considerar que, apesar da realização da referida revisão, a R. aceitou a responsabilidade pelo pagamento ao A. do custo da reparação das sobreditas fugas de óleo e de água, as quais foram conhecidas apenas depois da concretização do negócio celebrado entre as partes. Tal é demonstrativo de que quando a viatura foi vendida ao A., a mesma não estava em perfeitas condições de funcionamento, como alega a R. Para além disso, se, como reconhece a R., depois da concretização da venda foram revelados os aludidos problemas relacionados com as fugas de óleo e de água, os quais não terão sido detetados no âmbito da revisão atrás referida, não se vislumbra como poderia considerar-se esta revisão como sendo definitivamente demonstrativa, ou sequer fortemente indiciadora, de que a viatura em causa foi vendida sem apresentar qualquer problema no funcionamento do seu motor, designadamente, na zona da cambota (bronzes de bielas e bielas).
Considerando o supra exposto, outra alternativa não restaria que não fosse a de considerar não provada a factualidade introduzida na alínea e., pois que nenhum elemento de prova foi produzido apto a demonstrar a sua correspondência com a verdade.
Com o que discorda a apelante, entendendo que o tribunal a quo errou na apreciação da prova, pois O tribunal a quo com base no depoimento da testemunha EE devia ter considerado que a revisão mecânica efetuada ao veículo automóvel previamente à sua venda demonstrou que o mesmo não tinha qualquer defeito e que se encontrava em perfeitas condições de circulação.
Quid iuris?
Revisitada a respectiva prova produzida, conclui-se igualmente não assistir razão à apelante.
Com efeito, como melhor se explicou na sentença recorrida, na motivação da decisão relativa à matéria de facto, a realização da revisão prévia à venda – uns dias antes - não é bastante - definitivamente demonstrativa - para garantir a inexistência de qualquer problema, não só por não ser esse o seu principal desiderato, associado à saúde e longevidade do automóvel, mas também porque a despistagem que a mesma possa garantir, é relativa a esse momento, não se ignorando que, in casu, em face da sua quilometragem, estando em causa um veículo com mais de 350.000 Km, as avarias sempre podiam ocorrer entre a data em que a revisão foi feita e a data em que a viatura foi entregue ao A.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se igualmente nada haver aqui a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação desta matéria de facto.
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Passemos, finalmente, à questão relativa à reapreciação do mérito da acção.

III - Reapreciação da decisão de mérito da acção

Pretende a recorrente a reapreciação da decisão de mérito da acção, entendendo que foram violados os arts. 4º, 5º e 12º da Lei de Defesa do Consumidor, 483º, 798º e 799º e 913º do Código Civil e 4º/1 e 5º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003.
Quid iuris?

Diga-se, desde já, que o recurso se encontra sustentado no acolhimento da impugnação da matéria de facto, cuja pretensão não foi aceite, pelo que se mostra prejudicado. Pressupondo o mérito da decisão de direito proposto no recurso, que a versão da recorrente tivesse ficado provada, o que não ocorreu. Aderindo-se, pois, à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, que aqui se dão por reproduzidos a fim de evitar repetições, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis. Excepção para a questão dos danos da privação do uso, entendendo a recorrente que inexiste qualquer dano da privação do uso passível de ressarcimento, sendo o recorrido proprietário de mais dois veículos automóveis que se encontram disponíveis para as suas deslocações.
Ora, quanto a esta questão da privação do uso de um bem, seguindo a mais recente jurisprudência maioritária, entendemos que a simples privação do uso, por si só, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação, ou seja, basta a própria privação para haver indemnização, pois o facto de não ter o veículo à disposição já é por si um dano[8]. É que nos nossos dias e na nossa realidade social, o veículo é um instrumento de uso normal para todas as actividades, sejam elas profissionais, de lazer, de organização do lar e da família, de tal forma que a simples privação do seu uso causa uma alteração negativa, que, só por si, é passível de afectar moralmente o lesado, justificando, sem dúvida, uma compensação monetária.
Lembramos ainda que a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, um dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa. A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação. A privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efectivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº 3 do C.Civil para fixar o valor da respectiva indemnização. O dano ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a actividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afecto e o mesmo não se anula pela utilização de um outro veículo, o qual apenas proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele, é correspondentemente efectuada[9].
Quanto à questão da quantificação, porque entendemos que a mesma comporta uma mera operação de avaliar, em termos pecuniários, em face do desequilíbrio causado pela privação, a medida da indemnização terá que ser encontrada com recurso à equidade (art. 566º/3 do CC), havendo que encontrar em termos quantitativos um valor que se mostre adequado a indemnizar o lesado pela paralisação diária de um veículo que satisfaz as suas concretas necessidades, ponderando o tipo de utilização que o lesado fazia da viatura (v.g. mais ou menos intensa, para fins laborais, familiares ou de lazer) e o período de privação do uso. Ora, in casu, atendendo à assertiva ponderação efectuada na sentença recorrida, nenhuma censura nos merece a quantificação encontrada, que se julga equitativamente razoável.
Não merecendo, assim, a sentença do Tribunal a quo qualquer reparo, pois assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.

Logo, não assistindo qualquer razão à recorrente R., improcede totalmente o recurso, com custas a pagar pela mesma (art. 527º do CPC).
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 18-05-2023

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca ..., ... - JL C... - Juiz ...
[2] In Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, volume V, pág. 141.
[3] In “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192.
[4] In “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420.
[5] In B.M.J. nº 112, pág. 190.
[6] In obra supracitada.
[7] Neste sentido, cfr. Ac. da RC de 1-10-2014, proferido no Proc. nº 2656/04.6TVLSB-A.L2-6 e acessível in www.dgsi.pt.
[8] Por todos, vd. o Ac. desta RG de 11-07-2017, proferido no Proc. nº 2093/14.4TBBRG.G1 e acessível in www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, cfr. Ac. da RL de 11-12-2019, proferido no Proc. nº 3088/19.7YRLSB-2 e acessível in www.dgsi.pt.