INSPECÇÃO JUDICIAL
AUTO
ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
Sumário


1 – Da inspeção ao local é lavrado auto em que se registem todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa, podendo o juiz determinar que se tirem fotografias para serem juntas ao processo.
2 - A falta de tal auto configura uma nulidade secundária, que deve ser arguida pela parte, sob pena de sanação.
3 - Sanada a nulidade, aquilo que o juiz declara ter observado in loco, na fundamentação da decisão de facto, valerá enquanto resultado da própria inspeção judicial em si.
4 – Se nada se diz quanto ao que foi observado, o tribunal de recurso está impedido de apreciar ou valorar tal prova, o que pode conduzir à anulação da decisão de facto, a não ser que os demais elementos de prova sejam suficientes para a decisão fundamentada sobre a matéria de facto.
5 - A ação de demarcação – e também por estar em causa o exercício de um direito potestativo - não pode nunca terminar com uma decisão de improcedência, por falta de prova quanto aos limites ou área dos prédios, sob pena de ficar definitivamente comprometida (por força do caso julgado) a possibilidade de as partes obterem a concretização do seu direito de demarcação.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

O Baldio de ... e ..., representado pelo seu Conselho Diretivo, deduziu ação declarativa contra AA e mulher BB, CC, DD, EE e marido FF, GG e marido HH, II e JJ e mulher KK, pedindo que se proceda à demarcação do baldio de ... e ... na zona da ..., pela aposição de marcos georreferenciados nos termos referidos na petição inicial.
Alega que, tendo já ficado reconhecido, em ação anterior proposta contra os aqui 1.ºs réus e contra a 2.ª ré e seu falecido marido, que parte não determinada do terreno identificado na petição inicial, conhecido pela designação global de ..., é baldio e se encontra sob o uso, fruição e administração comunitária das gentes e moradores de ... e ..., constituídos em Assembleia de Compartes, torna-se necessário proceder à sua demarcação, considerando que os réus não reconhecem parte da linha divisória que o autor propõe.
Contestaram os 1.ºs réus, indicando os limites do seu prédio na parte que confronta com o baldio, considerando que nada justifica a ação de demarcação, porquanto o seu prédio está fisicamente delimitado do terreno baldio e nunca os compartes dos baldios de ... e ... usaram e fruíram as parcelas de terreno que o autor reivindica.
Tendo falecido a 2.ª ré, foram habilitados como seus sucessores os filhos, 3.º a 7.º réus nesta ação.
Foi lavrado Termo de Transação entre o autor e os 3.º a 7.º réus – fls. 175 dos autos – pelo qual o autor reconhece que os réus são proprietários de um terreno particular denominado ..., com a área de 6200 m2, procedendo à sua demarcação através da colocação de três marcos georreferenciados, que identificam, reconhecendo os réus que, naquele local, são apenas proprietários do prédio agora delimitado e que toda a área a norte e nascente é terreno baldio. Juntaram planta de localização onde estão assinalados os marcos e confrontações.
Tal transação foi homologada por sentença, julgando-se extinta a instância quanto a esses réus.
Em sede de audiência prévia, foi definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Já no decurso do julgamento, faleceu o réu AA, tendo-se procedido à habilitação dos seus herdeiros, mulher e 10 filhos.

O julgamento prosseguiu e veio a ser proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte:

“Por todo o exposto, julga-se a ação procedente, por provada e, em consequência:

I - Determina-se que a demarcação entre os prédios do autor identificado em 12 da matéria de facto provada e do réu identificado em 14 da matéria de facto provada, na parte confinante, seja feita em conformidade com o pedido, de marcos georreferenciados nos termos referidos em 16 na matéria de facto provada, ou seja, que a linha divisória inicia-se a sul, na auto-estrada e:
a) prolonga-se para norte, em linha curva com inclinação para nascente, seguindo um muro de pedra sobreposta aí existente, numa extensão aproximada de 275 m até atingir terrenos cultos dos primeiros réus;
b) flete, depois, para nascente sendo então constituída pelo limite entre a zona cultivada a norte (dos primeiros réus) e a zona arborizada a sul (baldio) – numa extensão aproximada de 200 m até um caminho,
c) segue depois, por esse caminho e na mesma direção, até ao estradão florestal, numa extensão aproximada de 125 m;
d) a estrada constitui a linha limite de sul para norte, por 50 m até atingir nova zona arborizada;
e) aí flete para noroeste por cerca de 275 m, sendo mais uma vez constituída pelo limite entre a zona cultivada, a sul (dos primeiros réus) e arborizada, a norte (baldio);
f) na esquina norte da zona cultivada a linha divisória flete por cerca de 45 m para norte, até à parede de pedra que limita um prédio da família LL, de ..., a sul da qual existem caminhos já abertos em terreno baldio;
g) daí segue para nordeste ao longo da parede e para sul dela, sendo que até ao limite da parcela referida no artigo 21 – b) medeiam 125 m”.

A ré interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:

1ª) A ação de demarcação tem por base a existência de um conflito entre prédios e a ação de reivindicação um conflito entre títulos, ainda que em determinadas situações o recurso a uma ou outra ação possa conduzir ao mesmo resultado, ou seja, circunscrever determinada propriedade aos seus justos limites;
2ª) A ação de demarcação tem como pressuposto que o Autor apresente ou prove que tem título do direito de propriedade do seu prédio;
3ª) No caso sub judice, o Autor, Conselho Diretivo dos Baldios de ... e ..., invoca como título do seu direito de propriedade, a sentença proferida na ação nº 82/90, na qual o mesmo Autor alegou que:
a) Determinada área de terreno conhecido por ..., ..., ... e outros era baldio, que o baldio da ... tinha determinadas confrontações e que foi secularmente usado e administrado pelos moradores das suas povoações.
b) Alegou ainda que em 16 de maio de 1980 e contra a vontade do Conselho Diretivo e a Assembleia de Compartes, os 1os Réus AA e esposa venderam a MM uma extensa zona de arvoredo (pinhal), na ..., e, por isso, foi feito embargo ao corte e retirada do arvoredo. Que já no
ano anterior vendeu e mandou proceder ao corte raso de outra extensa área de pinhal espontâneo, no sítio chamado ....
c) Mais alegou que há uns 18 anos arroteou com máquina escavadora outra área de terreno baldio no sítio conhecido por ... e que o baldio da ... é delimitado por muro de pedra sobreposta que separa os prédios particulares do baldio, que tal muro se inicia num eucaliptal de NN, segue em percurso sinuoso, mas praticamente contínuo, primeiro para nascente, em muitas centenas de metros, e depois para sul até ao rio, e que deste muro para fora, norte e nascente, nunca os Réus foram proprietários fosse do que fosse na zona da ....

Pedindo que os Réus fossem condenados a:
I – Ver reconhecido e declarado que o terreno acima identificado (entenda-se artigos ...1º e 12º da petição inicial), conhecido pela designação global de ..., compreendido entre a Estrada ... a norte, prédios diversos particulares a poente, 1º RR a sul e rio a nascente é baldio e, como tal, se encontra sob o uso, fruição e administração comunitária das gentes e moradores de ... e ..., constituídos em Assembleia de Compartes;
II – Que nesse baldio se integram e dele fazem parte, de facto e de direito, as áreas e zonas acima descritas: ..., ... e ...;
III – Reconheçam que fora dos descritos muros, uns e outros não são proprietários de qualquer terreno, designadamente daqueles onde os 1os (AA e mulher) procederam ao arroteamento, plantação, cultivo e corte de arvoredo referidos e onde os 2os (OO e esposa), mandaram proceder ou procederam ao arrancamento e destruição dos sacos de plástico para recolha da resina;
IV – Absterem-se de no futuro e por qualquer meio ou processo contestarem ou dificultarem aquele uso, fruição e administração comunitária;
V – A pagarem (os 1os) à Assembleia de Compartes, que o Autor representa, a quantia de 800.000$00, valor dos pinheiros, que em 1989, venderam e mandaram cortar, acrescida dos juros legais, a contar da citação e até efetivo pagamento;
VI – Pagarem as custas e procuradoria condigna, a favor do Autor.
4ª) Após elaboração do despacho saneador, foi feita a seguinte especificação:
A) Foi dado como reproduzido os documentos de fls. 7, 8, 9, 27 a 34, 44 a 63, 71 a 81, 83 e 84 dos autos.
B) Nos limites de ... e ... existe terreno globalmente designado por “...”, compreendido entre a Estrada ... a Norte, prédios diversos de particulares a poente, 1os Réus a sul e rio a nascente, integrando zonas conhecidas por ..., ... e ..., delimitado, no sentido noroeste/sudeste por muro.

E elaborado o seguinte questionário:
1º - Desde há mais de cinquenta anos que o terreno especificado em B) vem sendo possuído pelas populações de ... e ...?
2º - Com conhecimento de todos e sem oposição de ninguém?
3º - De forma continuada e ininterrupta?
4º - Na convicção de exercício de domínio próprio?
5º - Aí cortando lenha e mato, pastoreando os seus gados, nos moldes aludidos de 1 a 4?
6º - No ano de 1989, o 1º réu marido vendeu e mandou proceder ao corte raso do pinhal na zona denominada de ..., pelo preço de 800$00?
7º - Há cerca de 19 anos o mesmo Réu arroteou uma zona com 200 m de cumprimento, por 100 m de largura, zona esta conhecida por ...?
8º - Em Junho de 1980 os segundos Réus, (entenda-se, OO e mulher) mandaram arrancar e destruir sacos de plástico para recolha de resina, mandados colocar pelo Autor no terreno especificado em B)?
9º - No dia 13/05/1991, o 1º Réu marido (entenda-se AA) carregou madeira depositada no terreno especificado em B)?
10º - Entregando-a a madeireiro que lhe pagou?
11º - Madeira essa com peso de 20 toneladas?
12º - Cotando-se o preço da tonelada em 6.000$00?

Por decisão proferida em 93/05/04, o tribunal coletivo respondeu à matéria do questionário da forma seguinte:
Quesitos 1º e 5º - Provado apenas que desde há mais de 50 anos, as populações de ... e ... vêm cortando lenha e mato e pastoreando os seus gados em parte não determinada do terreno especificado em B);
Quesitos 2º, 3º e 4º - Provados, com restrição resultante da resposta dada aos quesitos 1º e 5º;
Quesito 6º - Provado apenas que no ano de 1989, o Réu marido vendeu e mandou proceder ao corte de pinhal numa zona situada no terreno especificado em B); Quesito 7º - Provado apenas que há cerca de 19 anos, o mesmo Réu arroteou uma zona com cerca de 200 m, por 100 de largura, sita no terreno especificado em B); Quesito 8º - Provado apenas que me junho de 1990, foram arrancados e destruídos sacos de plástico para recolha de resina, mandados colocar pelo Autor no terreno especificado em B);
Quesito 9º - Provado apenas que em data indeterminada de 1991, mas posterior a abril, o 1º Réu marido carregou madeira depositada no terreno especificado em B);
Quesito 10º - Provado;
Quesitos 11º e 12º - Não provado.
5ª) Pelo Meritíssimo Juiz Presidente do Círculo Judicial ..., após detalhada fundamentação, de fls. 192 a fls. 195, foi proferida em 93/06/04 a seguinte decisão:
a) Condeno os RR. a ver reconhecido e declarado que parte não determinada do terreno identificado na petição inicial, conhecido pela designação global de ..., compreendido entre a Estrada ... a norte, prédios diversos de particulares a poente, 1os Réus a sul e rio a nascente, é baldio e como tal, se encontra sob o uso, fruição e administração comunitária das gentes e moradores de ... e ..., constituídos em Assembleia de Compartes;
b) Em tudo o mais, absolvo os RR, do pedido. Custas pelo Autor.
6ª) Resulta claro da sentença acabada de referir que a mesma apenas reconheceu que parte não determinada do terreno identificado na petição inicial, conhecido pela designação global de ... estava na posse, uso, fruição e administração comunitária das gentes e moradores de ... e ....
7ª) Para além da decisão proferida no processo nº ...0, o Autor Conselho Diretivo alegou atos de posse sobre as parcelas “C” e “D”, cuja demarcação era pedida;
8ª) Da decisão da matéria de facto, a Meritíssima Juiz a quo apreciou erroneamente a matéria de facto constante dos pontos 2, 3, 6, 7, 8, 9, 10, 15, 16, 18, 19 e 20, que devem ser alterados da forma seguinte:
Ponto 2 e 3 – Nenhuma prova foi produzida quanto à matéria dos factos constantes destes pontos, pelo que devem os mesmos ser dados como não provados ou até eliminados, porque não são relevantes para a correta apreciação da causa;
Ponto 6 – Não versa sobre matéria de facto, mas sobre um conceito de direito, pelo que deve o mesmo ser eliminado;
Ponto 7, 8 e 9 – Nenhuma prova inequívoca foi produzida quanto a tal matéria, pelo que os mesmos devem ser dados como não provados;
Ponto 10 – Não versa sobre matéria de facto, mas sim sobre um conceito de direito, sendo certo ainda que tal ponto dado como provado, se refere aos baldios da junta de freguesia ... e Câmara Municipal ...;
Ponto 15 – Nenhuma prova foi produzida quanto à matéria do facto constante deste ponto, sendo certo ainda que os documentos nº ..., ..., ... e ... juntos com a petição inicial foram expressamente impugnados (artigos 13º, 14º e 15º da contestação);
Ponto 16 – Nenhuma prova foi produzida quanto à matéria de facto constante deste ponto, sendo certo ainda que a linha divisória indicada pelo Autor é uma linha imaginária e abstrata, sem quaisquer limites físicos e sem qualquer localização georreferenciada. Acresce, ainda, que o artigo 19º da petição inicial está expressamente impugnado (artigo 13º, 14º e 15º da contestação;
Ponto 18 – Da prova produzida, nomeadamente do confronto dos ortofotomapas juntos com a petição inicial sob os nº 2, 3, 4 e 5 e do ortofotomapa junto com a contestação sob o nº 2, resulta que os Réus apenas aceitam que, em relação à parcela D, é delimitada por linha azul e, em relação à parcela C, não foi aceite a sua delimitação pela linha verde, pelo que este ponto deve ser restringido de modo a que a linha divisória defendida pelos Réus em relação à parcela D é delimitada pela linha azul;
Ponto 19 – Nenhuma prova foi feita no sentido de que a parcela C corresponde à zona sul da área de cultivo em forma de triângulo: a sua base, a norte, tem 125 m; o lado poente, com cerca de 200 m, é a linha divisória defendida pelo autor; e o lado nascente é a linha referida a verde, numa extensão de cerca de 225 m.
De igual modo, em relação à parcela D, nenhuma prova foi feita de que esta corresponde à zona norte com forma irregular: é delimitada a sul pela zona cultivada, com 275 m, a poente e a norte com a linha referida em f) e g) do artigo 18, a nordeste por um caminho numa extensão de 100 m e a sudeste com 125 m, sendo que estas duas medidas estão assinaladas com linha azul.
Pelo que tal ponto deve ser restringido a que os primeiros Réus – AA e cônjuge BB – entendem que integra o seu prédio a parcela C e a parcela D.
Ponto 20 – Nenhuma prova inequívoca foi produzida quanto a tal matéria, pelo que a mesma deve ser dada como não provada.
Por outro lado, devem ser dados como provados os seguintes factos:
a) A linha divisória do prédio rústico dos réus – AA e cônjuge BB – denominado “...” e “...”, identificado no artigo 16º da petição inicial, na parte em que confronta com baldio e terrenos particulares é a constante do ortofotomapa junto com a contestação como documento número ...;
b) Em relação à parcela D, os limites de tal parcela com o baldio do lado nordeste é um caminho aí existente que se localiza precisamente onde foi colocada uma linha azul na planta junta pelo autor;
c) Em relação à parcela C, os limites de tal parcela com o baldio dos lados nascente e sul são definidos por um caminho e uma parede, que em parte, coincide com a linha verde na planta junta pelo autor;
d) As parcelas de terreno acabadas de referir fazem parte do prédio rústico denominado “...” e “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...15, da freguesia ... e inscrito na matriz no artigo ...53;
e) O prédio dos Réus contestantes está perfeitamente delimitado dos terrenos baldios e terreno de particulares; e
f) Os seus limites, na parte em que confronta com o baldio estão fisicamente definidos e são os referidos em 16º, 17º e 18º da contestação.

Deve ainda ser aditado à matéria de facto dada como provada, o seguinte ponto:
a) O direito de uso, fruição e administração dos compartes do baldio de ... e ... relativamente às parcelas “C” e “D” já foi apreciado e discutido na pretérita ação nº 82/1990.
9ª) Deve ser proferida decisão que altere a matéria de facto nos termos referidos em 8ª supra, em consonância com a prova pericial, o depoimento de parte do Presidente do Conselho Diretivo PP, das testemunhas indicadas pelo Autor, QQ, RR e SS, pelas testemunhas indicadas pelos Réus, TT e UU, e as declarações de parte de VV, que se encontram gravadas e referidas nas alegações;
10ª) Entre a data em que foi inquirida a última testemunha, 18 de junho de 2021, e a data em que foi proferida a sentença, 30 de agosto de 2022, decorreram 14 meses, pelo que na livre apreciação da prova não pode, no caso em apreço, ser invocado o princípio da imediação;
11ª) A sentença recorrida, para além de assentar em factos que não foram provados, fez errada interpretação e aplicação do artigo 1354º do Código Civil, na medida em que fixou a demarcação pelo muro existente, sem referir como seria feita a demarcação na parte em que não havia muro, e é a maior extensão, e sem referir quais eram os limites do prédio da ora recorrente;
12ª) A Meritíssima Juiz a quo proferiu uma decisão como se de uma simples ação de reivindicação se tratasse e torna-se manifestamente impossível proceder, na prática, à execução de tal sentença, a qual só podia ser feita com nova ação de demarcação;
13ª) No caso de não ser alterada a matéria de facto nos termos referidos em 8ª) supra, e ser mantida a decisão da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, estaríamos perante uma clara violação da autoridade de caso julgado;
14ª) Das conclusões 3ª) e 4ª) supra, resulta que, o aqui Autor reivindicou na pretérita ação nº 82/90 um terreno globalmente designado por “...”, compreendido entre a Estrada ... a norte, prédios diversos de particulares a poente, 1os Réus a sul e rio a nascente, integrando zonas conhecidas por ..., ... e ..., delimitado, no sentido noroeste/sudeste por muro;
15ª) Da conclusão 5ª) supra resulta que tal ação foi julgada parcialmente procedente no sentido de reconhecer e declarar apenas que parte não determinada do terreno acabado de referir se encontra sob o uso, fruição e administração comunitária das gentes e moradores de ... e ..., absolvendo os Réus dos demais pedidos e com custas a cargo do Autor;
16ª) Na presente ação, o Autor alega factos e pede a demarcação nos mesmos termos que na pretérita ação nº 82/90.
17ª) As parcelas “C” e “D”, cuja demarcação é pedida, estão localizadas no terreno globalmente designado por “...”.
18ª) Se por hipótese fosse dado como provado – e não foi – que o ora recorrido está na posse, uso, fruição e administração das parcelas “C” e “D”, haveria uma clara violação da autoridade de caso julgado.
19ª) Da autoridade de caso julgado resulta que o Autor não pode ver reconhecido um direito que lhe foi negado em ação anterior.
20ª) A autoridade de caso julgado obsta que ao recorrido seja atribuído o direito de “propriedade” comunitária sobre uma parcela de terreno que não lhe foi reconhecido na ação nº 82/90 – foi este o entendimento vertido no despacho saneador e é este o entendimento unânime na nossa jurisprudência, v.g. acórdãos da Relação do Porto proferidos em 09/04/2013, no processo nº 3864/09.T2OVR e em 29/10/2003, no processo nº 882/12.3TBSJM.P1, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 12/07/2011 no processo nº 129/07.4TBPST.S1 e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 11/06/2019, no processo nº 355/16.5T8PMS.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
21ª) A autoridade de caso julgado constitui uma exceção inominada, que tem como consequência a absolvição dos Réus do pedido.
22ª) A sentença recorrida violou, para além do mais, o disposto nos artigos 608º, 615º, 619º e 621º do Código de Processo Civil, 1258º a 1262º, 1287º e 1354º do Código Civil e artigo 7º do Código de Registo Predial.
23ª) Deve ser proferido acórdão que altere a decisão da matéria de facto dada como provada nos termos referidos na conclusão 8ª) supra e revogue a sentença recorrida, absolvendo-se os Réus do pedido, OU, no caso de assim não ser entendido, deve ser proferido acórdão que declare que a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia e, consequentemente, declare a nulidade da mesma.
Assim decidindo, fará este Venerando Tribunal JUSTIÇA!

O autor contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto e consequências jurídicas da sua eventual alteração, designadamente no que concerne à linha de demarcação entre os prédios.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:
“Consideram-se provados os seguintes factos:
1 - ... e ... situam-se na freguesia ..., concelho ...; - (artigos 1º da petição inicial e 1º da contestação)
2 - Ambos ocupam a zona central de uma extensa área de terreno, com cerca de 1130 ha, que confronta: - do norte com os baldios da ... e do ...; - do nascente com o baldio da junta de ...; - do sul com o ... e baldio de ...; - do poente com o ...; - (artigo 2º da petição inicial)
3 - Dessa área, cerca de 555 ha são terreno baldio e os restantes 575 são terrenos particulares; - (artigo 3º da petição inicial)
4 - As parcelas de terreno baldio são constituídas por terrenos não cultivados, com matos e árvores, na sua maioria pinhais; - (artigos 4º da petição inicial e 1º da contestação)
5 - Árvores essas de geração espontânea ou plantadas, designadamente pelos Serviços Florestais; - (artigo 5º da petição inicial)
6 - As parcelas baldias são usadas, desde tempos imemoriais, pelos moradores das duas aldeias que nelas cortam matos e lenhas; - (artigo 6º da petição inicial)
7 - E que os utilizam para pastagem de gados e fazendas; - (artigo 7º da petição inicial)
8 - Isto ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém; - (artigo 8º da petição inicial)
9 - Na plena convicção de que o fazem nos termos de usos e costumes antiquíssimos que lhes facultam a prática desses atos; - (artigo 9º da petição inicial)
10 - As parcelas baldias foram administradas pelas autarquias, junta de freguesia ... e Câmara Municipal ...; - (artigo 10º da petição inicial)
11 - E posteriormente, algum tempo após a entrada em vigor do DL 39/76, passou a ser administrado pelos compartes, constituídos em assembleia; - (artigos ...1º da petição inicial e 1º da contestação)
12 - Por sentença proferida no âmbito da ação nº 82/1990 proposta pelo Conselho Diretivo dos Baldios de ... e ... contra os aqui primeiros réus - AA e cônjuge BB -, contra a segunda ré – CC - e seu falecido marido, OO, foram estes condenados a ver reconhecido e declarado que parte não determinada do terreno identificado na petição inicial, conhecido pela designação global de ..., compreendido entre a Estrada ... a norte, prédios diversos de particulares a poente, primeiros réus a sul e rio a nascente, é baldia e, como tal, se encontra sob o uso, fruição e administração comunitária das gentes e moradores de ... e ..., constituídos em Assembleia de Compartes; - (artigos 12º da petição inicial e 5º da contestação)
13 - Ficou, assim, decidido que parte da zona conhecida por ... é terreno baldio; - (artigos 13º da petição inicial e 5º da contestação)
14 - O prédio dos primeiros réus - AA e cônjuge BB - contíguo ao baldio é o denominado “... e ...” descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...15 – freguesia ... e inscrito na matriz no artigo ...53; - (artigos 16º da petição inicial e 1º da contestação)
15 – A linha divisória entre o prédio aludido em 14 e o baldio é a referida a vermelho nas plantas que se anexam e que aqui se dão por reproduzidas – documentos números ..., ..., ... e ... respetivamente; - (artigos 18º da petição inicial e 13º da contestação)
16 - A linha divisória inicia-se a sul, na auto-estrada e:
a) prolonga-se para norte, em linha curva com inclinação para nascente, seguindo um muro de pedra sobreposta aí existente, numa extensão aproximada de 275 m até atingir terrenos cultos dos primeiros réus;
b) flete, depois, para nascente sendo então constituída pelo limite entre a zona cultivada a norte (dos primeiros réus) e a zona arborizada a sul (baldio) – numa extensão aproximada de 200 m até um caminho,
c) segue depois, por esse caminho e na mesma direção, até ao estradão florestal, numa extensão aproximada de 125 m;
d) a estrada constitui a linha limite de sul para norte, por 50 m até atingir nova zona arborizada;
e) aí flete para noroeste por cerca de 275 m, sendo mais uma vez constituída pelo limite entre a zona cultivada, a sul (dos primeiros réus) e arborizada, a norte (baldio);
f) na esquina norte da zona cultivada a linha divisória flete por cerca de 45 m para norte, até à parede de pedra que limita um prédio da família LL, de ..., a sul da qual existem caminhos já abertos em terreno baldio;
g) daí segue para nordeste ao longo da parede e para sul dela, sendo que até ao limite da parcela referida no artigo 21 – b) medeiam 125 m; - (artigos 19º da petição inicial e 13º da contestação)
17 - Os primeiros réus - AA e cônjuge BB - não reconhecem parte desta
linha divisória dela divergindo em duas zonas; - (artigos 20º da petição inicial e 1º da contestação)
18 - A linha divisória por eles defendida está assinalada a verde e a azul nas plantas – isto na zona em que diverge da defendida pelo autor; - (artigos 21º da petição inicial e 13º e 15º da contestação)
19 - Concretizando, os primeiros réus - AA e cônjuge BB - entendem que integra o seu prédio:
a) – a parcela C) correspondente à zona a sul da área de cultivo, em forma de triângulo: a sua base, a norte, tem 125 m; o lado poente, com cerca de 200 m, é a linha divisória defendida pelo autor; e o lado nascente é a linha referida a verde, numa extensão de cerca de 225 m;
b) – a parcela D, correspondente à zona a norte com forma irregular: é delimitada a sul pela zona cultivada, com 275 m, a poente e a norte com a linha referida em f) e g) do artigo 18, a nordeste por um caminho numa extensão de 100 m e a sudeste com 125 m, sendo que estas duas medidas estão assinaladas com linha azul; - (artigos 22º da petição inicial e 13º, 15º, 16º e 17º da contestação)
20 - A população de ... e ... vem praticando na área a nascente da linha definida em 16 todos os atos referidos em 6 e 9; - (artigos 23º da petição inicial e 13º da contestação)
21 – Há cerca de doze anos, as Estradas de Portugal para construção da auto-estrada ocuparam e expropriaram terrenos ao réu marido e ao baldio; - (artigo 29º da contestação)
22 - A parcela de terreno expropriada ao réu marido foi identificada na planta da DUP (Declaração de Utilidade Pública) com o nº 61 e a parcela de baldio com o nº 62; - (artigo 30º da contestação)
23 - O réu marido foi notificado pelas Estradas de Portugal do auto de posse administrativa e recebeu a respetiva indemnização; - (artigo 31º da contestação)
24 - Na mesma ocasião foi o conselho Diretivo dos Baldios notificado da referida planta da DUP e recebeu a respetiva indemnização apenas em relação á parcela ...2; - (artigo 32º da contestação)
25 - No Plano de Utilização dos Baldios (PUB) de ... e ..., aprovado pelo ICNF consta a delimitação dos baldios onde se encontram definidos os limites de tal baldio; - (artigo 33º da contestação)
26 - A Assembleia de Compartes aprovou por unanimidade o PUB; - (artigo 34º da contestação)

Não se provou que:

- a linha divisória do prédio rústico dos réus - AA e cônjuge BB -denominado “...” e “...”, identificado no artigo 16º da petição inicial, na parte em que confronta com baldio e terrenos particulares é o constante do ortofotomapa junto na contestação como documento número ...;
- em relação á parcela “D”, os limites de tal parcela com o baldio do lado nordeste é um caminho aí existente que se localiza precisamente onde foi colocada uma linha azul na planta junta pelo autor referida no artigo 22º alínea b) da petição inicial, conforme resulta da fotografia junta sob o documento n.º ...;
- em relação à parcela “C”, os limites de tal parcela com o baldio dos lados nascente e sul são definidos por um caminho e uma parede, que em parte coincide com a linha verde referida no artigo 22º alínea a), até ao inicio de um estradão partindo de norte para sul;
- desde há mais de 20/100 anos, até onde chega a memória dos vivos, são os réus contestantes e seus antecessores quem, de forma exclusiva, tem usado e fruído as parcelas de terreno referidas em 15º, 16º, 17º e 18º da contestação, com os limites aí referidos;
- as parcelas de terreno acabadas de referir fazem parte do prédio rústico denominado “... e ...”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...15, da freguesia ... e inscrito na matriz no artigo ...53º;
- os réus contestantes, por si e antecessores, há mais de 20 - 50 e 100 anos e até hoje, estão na posse pública, pacífica, contínua e de boa fé do mencionado ... e ... de que fazem parte as parcelas “C” e “D”, até aos limites referidos em 16º, 17º e 18º da contestação;
- nelas limpam o mato, “esgalham” os pinheiros, cortam lenha e vendem as árvores cujo produto da venda fazem seu, factos que vêm sendo praticados pelos réus contestantes e seus antecessores desde há mais de 20, 30, 50 e 100 anos e até hoje, de forma continuada e ininterrupta, à vista de toda a gente, sem qualquer violência e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que actuam e agem no seu legítimo e exclusivo direito de propriedade sobre as parcelas em causa, na convicção de que as mesmas são parte integrante do “... e ...” e de que não lesam os direitos de outrem;
- o prédio dos réus contestantes está perfeitamente delimitado dos terrenos baldios e terreno de particulares;
- os seus limites, na parte em que confronta com o baldio estão fisicamente definidos e são os referidos em 16º, 17º e 18º da contestação.

A apelante insurge-se contra a decisão de facto.

Entende que estão incorretamente julgados os pontos 2, 3, 6, 7, 8, 9, 10, 15, 16, 18, 19 e 20 da matéria de facto provada e que, por outro lado, deveriam ser dados como provados os seguintes factos (todos eles considerados não provados):
a) a linha divisória do prédio rústico dos réus - AA e cônjuge BB -denominado “...” e “...”, identificado no artigo 16º da petição inicial, na parte em que confronta com baldio e terrenos particulares é o constante do ortofotomapa junto na contestação como documento número ...;
b) em relação á parcela “D”, os limites de tal parcela com o baldio do lado nordeste é um caminho aí existente que se localiza precisamente onde foi colocada uma linha azul na planta junta pelo autor;
c) em relação à parcela “C”, os limites de tal parcela com o baldio dos lados nascente e sul são definidos por um caminho e uma parede, que em parte coincide com a linha verde junta pelo autor;
d) as parcelas de terreno acabadas de referir fazem parte do prédio rústico denominado “...” e “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...15, da freguesia ... e inscrito na matriz no artigo ...53º;
e) o prédio dos réus contestantes está perfeitamente delimitado dos terrenos baldios e terreno de particulares;
f) os seus limites, na parte em que confronta com o baldio estão fisicamente definidos e são os referidos em 16º, 17º e 18º da contestação.
Considera, ainda, que deve ser aditado à matéria de facto dada como provada o seguinte ponto:
- “O direito de uso, fruição e administração dos compartes do baldio de ... e ... relativamente às parcelas “C” e “D” já foi apreciado e discutido na pretérita ação n.º 82/1990.
Finalmente, entende que a questão da reivindicação por parte do autor das parcelas “C” e “D”, que estão localizadas no terreno globalmente designado por “...”, já foi decidida, com trânsito em julgado na ação n.º 82/90 que reconheceu e declarou apenas que, parte não determinada do terreno que o autor reivindicava “...”, se encontra sob o uso, fruição e administração comunitária das gentes e moradores de ... e ..., absolvendo os réus dos demais pedidos e com custas a cargo do autor. Caso se desse agora por provado que o autor está na posse, uso e fruição dessas parcelas, haveria uma clara violação da autoridade do caso julgado.

Vejamos, então.

Na motivação da decisão de facto, o tribunal faz apelo aos documentos juntos aos autos, ao depoimento de parte e declarações de parte, aos depoimentos testemunhais, ao relatório pericial e à inspeção ao local.
Quanto a esta última – inspeção ao local – constata-se que não foi lavrado auto da mesma. Resulta, unicamente, da ata que o tribunal se deslocou ao local, nada tendo ficado consignado a esse respeito.
Ora, o artigo 493.º do CPC, diz que, da diligência é lavrado auto em que se registem todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa, podendo o juiz determinar que se tirem fotografias para serem juntas ao processo.
A falta de tal auto configura uma nulidade secundária, que deve ser arguida pela parte, sob pena de sanação – artigos 195.º, n.º 1 e 199.º, n.º 1 do CPC. “Sanada a nulidade, aquilo que o juiz declara ter observado in loco, na fundamentação da decisão de facto, valerá enquanto resultado da própria inspeção judicial em si” – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, CPC Anotado, vol. I, pág. 550.
Contudo, o que se verifica, nos autos, é que, não só não foi lavrado o auto respetivo, como na motivação da decisão de facto apenas se diz que foi tomada em conta a inspeção ao local, não se referindo qualquer detalhe do que se observou, o que impede, naturalmente, este tribunal de recurso de controlar “o eventual erro daquele magistrado na apreciação ou valoração daquela prova” – autores e obra citada – que poderia conduzir à anulação da decisão de facto, por não se dispor de todos os elementos que nos permitam alterar a decisão objeto de impugnação.
Como se verá, adiante, pensamos não ser necessário, uma vez que a demais prova produzida, conduzirá à alteração da decisão de facto, independentemente do que a Sra. Juíza possa ter visto na inspeção que realizou ao local.
E, entre toda a prova produzida, assume particular relevância a peritagem efetuada por três peritos, com resultado unânime e confirmado em audiência de julgamento, sabido como é que a prova testemunhal, neste tipo de processos, se divide apresentando versões divergentes e antagónicas quanto ao posicionamento do limite dos prédios, conforme o interesse da parte que as arrolou.
Ora, da análise que levamos a cabo de tal relatório pericial resulta que o prédio dos réus está totalmente delimitado por caminhos e parede, conforme pelos mesmos é referido na sua contestação, sendo que, dentro de tais limites, a vegetação é diferente, não se encontrando os pinheiros resinados, ao contrário do que acontece com os pertencentes ao baldio – parcela D delimitada por caminho a norte e outro caminho a nascente e com um muro de granito irregular a delimitá-la outra parcela de terreno ocupada com eucaliptos (encostado ao caminho que limita  a parcela D na vertente norte), sendo que esses caminhos se situam no local assinalado no documento ..., junto com a p.i. a linha azul, linha essa que é a que os réus consideram ser o limite do seu prédio; e parcela C com um caminho a nascente e a partir do ponto x até ao ponto y assinalados no mapa, a existência de um muro de granito com altura irregular, limites esses correspondentes ao local assinalado no documento ... com uma linha verde que, repete-se, é a linha que os réus consideram, nessa parte, ser o limite do seu prédio.
Acresce que os peritos não têm dúvidas em afirmar que a parcela n.º ...1 identificada na planta de expropriação para a construção de um lanço de auto-estrada, cuja indemnização foi recebida pelo réu, se situa a sul da parcela C, nada a distinguindo da mesma, sendo que o autor recebeu indemnização pela expropriação da parcela ...2 e não se opôs a esta separação de indemnizações (cfr o Auto de Posse Administrativa emitido pelo ... do qual resulta a expropriação aos 1.ºs réus da parcela 61, parcela essa que faz parte integrante do prédio dos réus e que engloba a parcela “C”)
Este relatório pericial deve, também, ser lido em conjugação com o depoimento do Engenheiro Agrícola UU que elaborou o PUB – Plano de Utilização do Baldio – entre os anos de 2006 a 2011 e que declarou que, de acordo com o estudo que efetuou, as parcelas C e D não são baldio. Também os peritos não têm dúvida em esclarecer que “Os limites das parcelas de terreno baldio n.º 27, 29, 35, 37 e 45 identificados na planta do ICNF coincidem com os limites indicados pelos contestantes e não com os indicados pelo autor”, sendo certo que a Assembleia de Compartes de 9 de maio de 2010 aprovou por unanimidade os limites do baldio constantes do referido PUB. Ora esta testemunha revelou-se isenta (a única), trabalhou com cartas militares, GPS, informação já existente nos serviços florestais, fotografias aéreas e para o trabalho concreto de delimitação dos baldios, socorreram-se de quem melhor conhecia os terrenos, os resineiros, os sapadores florestais, pessoas que trabalhavam naquela área em concreto e os populares que melhor conheciam os limites em cada ponto. Esta testemunha é que levava o GPS e os ortofotomapas e tirava os pontos. Fizeram sessões de esclarecimento na escola primária para os compartes. Esta testemunha não teve dúvidas nenhumas em afirmar que nunca iriam prejudicar os baldios porque eram eles os seus clientes, trabalhavam para eles, pelo que tem a certeza que não há parcelas de terreno baldio que estejam fora do plano que fizeram “bastava um elemento da sala dizer que aquilo era baldio para nós incluirmos como baldio e depois era o privado que tinha que mostrar que era privado, trazer escritura ou trazer testemunhas e atestar que erro o contrário…”. Daí não ter dúvida em concluir que, face ao polígono do PUB que elaboraram à época, as parcelas “C” e “D” são privadas.
De toda a análise à prova realizada resulta, portanto, que o autor não fez prova dos limites pelos quais peticionou que se fizesse a delimitação do baldio.
Diga-se, ainda, que não foi feita qualquer prova de atos de posse do baldio nas parcelas “D” e “C” em discussão nos autos, como, aliás, já resultava da decisão proferida na anterior ação proposta pelo baldio contra os aqui réus.
Assim, quanto à impugnação da decisão de facto, propriamente dita, tem razão a apelante quando diz que os pontos 2 e 3 dos factos provados são irrelevantes para a decisão da causa, para além de não ter sido efetuada qualquer prova sobre os mesmos, pelo que devem ser eliminados.
Já o ponto 6, pese embora possa considerar-se uma definição do que é um baldio, resultou, também, da prova testemunhal o uso que dos mesmos é feito (cortar matos e lenhas), pelo que não se vê necessidade de o alterar ou eliminar.
O mesmo se diga dos pontos 7, 8 e 9, que se referem à utilização genérica que é feita de tais parcelas.
O ponto 10 deve ser eliminado, não só por falta de prova, como por completamente irrelevante para a decisão da causa.
A questão fulcral nos autos prende-se com os pontos 15 e 16 da matéria de facto provada que, de acordo com o que supra evidenciámos, não logrou prova, pelo que tais pontos 15 e 16 terão que transitar para os factos não provados, o mesmo acontecendo com o ponto 20 dos factos provados, intimamente ligado com aqueles e que, assim, transitará para os factos não provados.
Os pontos 18 e 19 dos factos provados não têm qualquer interesse para a decisão da causa aí se pretendendo referir o entendimento dos réus sobre o local por onde deve passar a linha divisória, sem que, contudo, se transcreva de forma exata o que resulta da sua contestação, pelo que, devem ser eliminados.
Já quanto aos factos considerados não provados, deve dizer-se o seguinte:
O direito de demarcação está previsto nos artigos 1353.º e seguintes do Código Civil, estabelecendo o artigo 1354.º o modo de proceder à demarcação:
«1 –A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova.
2 –Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.
3 –Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um.»
Assim, de acordo com n.º 2, as situações de incerteza resolvem-se necessariamente pela solução salomónica da divisão do terreno em litígio por partes iguais – pelo que não é concebível que um non liquet probatório em matéria de demarcação dê lugar à improcedência da ação, como se estivesse em causa a mera aplicação do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil - neste sentido, Antunes Varela in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, página 447.
No caso particular da ação de demarcação – e também por estar em causa o exercício de um direito potestativo não pode nunca a ação terminar com uma decisão de improcedência, por falta de prova quanto aos limites ou área dos prédios, sob pena de ficar definitivamente comprometida (por força do caso julgado) a possibilidade de as partes obterem a concretização do seu direito de demarcação; sempre aquela terá de culminar com a decisão de uma concreta demarcação, pelo que terá sempre de se definir uma concreta parcela de terreno em litígio, mediante a realização de todas as diligências probatórias adequadas, e, na impossibilidade de definição dos limites dos prédios com base em qualquer meio de prova, essa carência de prova implicará, no limite, a divisão do terreno litigioso em partes iguais (segundo o critério do art.º 1354.º, n.º 2 do Código Civil).
No caso dos autos o autor alegou uma concreta forma de demarcação dos dois prédios, mas tendo fracassado na prova da mesma, importa averiguar se ficou provada qualquer outra linha divisória que conduza à demarcação dos prédios, uma vez que, como vimos, a ação não pode terminar com uma decisão de improcedência traduzida no perpetuar da incerteza quanto aos limites dos dois prédios.
Neste ponto, os apelantes têm razão, pois, como resulta do que acima se disse relativamente à prova produzida, a linha divisória entre o prédio rústico dos réus, na parte que confronta com o baldio e terrenos particulares é a constante do ortofotomapa junto com a contestação como documento n.º ...
Ou seja, relativamente aos factos não provados constantes das alíneas a), b), c), e), h) e i) que a apelante pretende que transitem para os factos provados, entendemos, conforme explicámos supra, que tal matéria de facto ficou provada, pelo que se defere tal pretensão, incluindo tais factos na matéria de facto provada, com a seguinte redação:
a) a linha divisória do prédio rústico dos réus - AA e cônjuge BB -denominado “...” e “...”, identificado no artigo 16º da petição inicial, na parte em que confronta com baldio e terrenos particulares é o constante do ortofotomapa junto na contestação como documento número ...;
b) em relação á parcela “D”, os limites de tal parcela com o baldio do lado nordeste é um caminho aí existente que se localiza precisamente onde foi colocada uma linha azul na planta junta pelo autor;
c) em relação à parcela “C”, os limites de tal parcela com o baldio dos lados nascente e sul são definidos por um caminho e uma parede, que em parte coincide com a linha verde junta pelo autor;
d) as parcelas de terreno acabadas de referir fazem parte do prédio rústico denominado “...” e “...”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...15, da freguesia ... e inscrito na matriz no artigo ...53º;
e) o prédio dos réus contestantes está perfeitamente delimitado dos terrenos baldios e terreno de particulares;
f) os seus limites, na parte em que confronta com o baldio estão fisicamente definidos e são os referidos em 16º, 17º e 18º da contestação.

Nenhum interesse tem o pretendido aditamento à matéria de facto, cujo teor, aliás, sempre resultaria da interpretação jurídica a efetuar à sentença proferida no processo n.º ...0, não se tratando, consequentemente, de facto a inserir na decisão de facto.
Da alteração à matéria de facto que levámos a cabo, resulta, também, a desnecessidade de conhecer a questão jurídica da violação da autoridade do caso julgado, uma vez que não se provam os limites do baldio que o autor pretendia ver agora reconhecidos (desde logo, não se provam atos de posse sobre as parcelas que os réus consideram suas, independentemente de se considerar que tais parcelas de terreno já teriam ou não sido reivindicadas em anterior ação, o que sempre seria discutível face ao teor decisório da mesma).

Torna-se, assim, necessário, concluir pela procedência da apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida, fixando-se a linha divisória de acordo com a prova produzida, nos termos constantes dos factos agora considerados provados.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e, em sua substituição, determinando-se a demarcação entre os prédios do autor, identificado em 12 da matéria de facto provada e dos réus identificado em 14 da matéria de facto provada, na parte confinante, pela seguinte linha divisória:

a) a linha divisória do prédio rústico dos réus - AA e cônjuge BB -denominado “...” e “...”, na parte em que confronta com baldio e terrenos particulares é a constante do ortofotomapa junto na contestação como documento número ...;
b) em relação à parcela “D”, os limites de tal parcela com o baldio do lado nordeste é um caminho aí existente que se localiza precisamente onde foi colocada uma linha azul na planta junta pelo autor;
c) em relação à parcela “C”, os limites de tal parcela com o baldio dos lados nascente e sul são definidos por um caminho e uma parede, que em parte coincide com a linha verde junta pelo autor, até ao início de um estradão partindo de norte para sul, prolongando-se este terreno para sul, passando sob a auto-estrada, até ao ...;
Sem custas face à isenção de que goza o apelado - artigo 16.º, n.º 5 da Lei 75/2017 de 17/08.

***
Guimarães, 18 de maio de 2023

Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Maria dos Anjos Melo Nogueira