INJÚRIAS CONTRA AGENTE DA AUTORIDADE
OFENSAS À HONRA
HONRA E CONSIDERAÇÃO
Sumário

I. A «honra» consiste no juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma, quanto à sua rectidão, probidade e carácter, a «consideração» consiste na imagem que os outros têm dessa pessoa, ou seja, a reputação que essa pessoa goza junto das restantes pessoas que constituem a comunidade em que se insere, valores que gozam de tutela constitucional, conforme resulta do disposto no art.º 26.º, n.º 1 da C.R.P.
II. A verbalização feita pelo arguido apodando-o de “filho da puta”, dirigida a militar da GNR em pleno exercício das suas funções pretende enxovalhar o visado, a qual é susceptível de colocar em causa o bom nome pessoal e profissional de qualquer agente de autoridade, que se encontrasse funções, o que assume para o observador médio, com um conhecimento mediano do sentir da comunidade, um carácter manifestamente ofensivo, sendo generalizadamente reconhecida como ofensiva e pejorativa.

Texto Integral







Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I.
No processo comum n.º 233/17.0GFSTB do Juízo Local Criminal de Setúbal, Comarca de Setúbal, os arguidos AA e BB foram submetidos a julgamento e, realizada a audiência, foi proferida sentença em que foi decidido:
Na parte criminal
Pelo exposto, e de harmonia com as disposições legais supra citadas, julgo parcialmente procedente a acusação nos termos sobreditos e, por consequência:
a) Absolvo o arguido AA da prática de um (1) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º1, al. d), por referência aos artigos 2.º, n.º1, al. a), 3.º, n.º2, al. h) e 4.º, n.º1, todos do N.R.J.A.M., de que vinha acusado;
b) Condeno o arguido AA como co-autor material de um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1 do Cód. Penal, na pena de um (1) ano e nove (9) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de um (1) ano e nove (9) meses, a contar da data do trânsito em julgado desta sentença, com regime de prova, assente num plano de reinserção social elaborado e vigiado pelos serviços da DGRSP, com especial enfoque e intervenção na área da prevenção da violência e de descontrolo comportamental, atento o disposto nos artigos 52.º, n.º 1, al. b), 53.º, n.º 1 e 54.º, n.º 3, todos do Cód. Penal;
c) Condeno o arguido AA como autor material de um (1) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Cód. Penal, por referência aos artigos 11.º, 13.º e 24.º do Cód. Estrada, na pena de cento e vinte (120) dias de multa, à taxa diária de seis euros (€ 6,00);
d) Condeno o arguido AA como autor material de um (1) crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, por referência ao art. 152.º, n.ºs 1, al. a) e 3 do Cód. Estrada, na pena de sessenta (60) dias de multa, à taxa diária de seis euros (€ 6,00);
e) Condeno o arguido AA como autor material de um (1) crime de injúria agravada cometido sobre a pessoa do militar da GNR, CC, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º do Cód. Penal, por referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l) do mesmo diploma legal, na pena de quarenta (40) dias de multa, à taxa diária de seis euros (€ 6,00);
f) Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares de multa aplicadas nas alíneas b) a e), nos termos e para os efeitos do art. 77.º do Cód. Penal, aplico ao arguido AA a pena única de cento e oitenta (180) dias de multa, à taxa diária de seis euros (€ 6,00);
g) Condeno o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de doze (12) meses, nos termos do art. 69.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal;
h) Condeno ainda o AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis (6) meses, nos termos do art. 69.º, n.º 1, al. c) do Cód. Penal;
i) Operando o cúmulo jurídico das penas acessórias parcelares de proibição de conduzir veículos motorizados aplicadas nas alíneas g) a h), nos termos e para os efeitos do art. 77.º do Cód. Penal, aplico ao arguido AA a pena acessória única de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de catorze (14) meses;
j) Condeno o arguido BB como co-autor material de um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º1 do Cód. Penal, na pena de um (1) ano e um (1) mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período de um (1) ano e um (1) mês, a contar da data do trânsito em julgado desta sentença, com regime de prova, assente num plano de reinserção social elaborado e vigiado pelos serviços da DGRSP, com especial enfoque e intervenção na área da prevenção da violência e de descontrolo comportamental, atento o disposto nos artigos 52.º, n.º 1, al. b), 53.º, n.º 1 e 54.º, n.º 3, todos do Cód. Penal;
k) Condeno o arguido BB como autor material de um (1) crime de injúria agravada cometido sobre a pessoa do militar da GNR, CC, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º1, e 184.º do Cód. Penal, por referência ao art. 132.º, n.º2, al. l) do mesmo diploma legal, na pena de trinta e cinco (35) dias de multa, à taxa diária de seis euros (€ 6,00);
(…)
Na parte cível
Pelo exposto e de harmonia com as disposições supra indicadas, julgo procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Ministério Público, em representação do Estado Português – Ministério da Administração Interna – Polícia de Segurança Pública, nos termos sobreditos e, por consequência:
a) Condeno solidariamente os arguidos, ora demandados, AA e BB, a pagar-lhe a quantia de € 208,38 [duzentos e oito euros e trinta e oito cêntimos], a título de ressarcimento pelos danos patrimoniais sofridos em decorrência do crime de resistência e coacção de que foi vítima, acrescido dos respectivos juros contados à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.”


Desta decisão condenatória vieram interpor recurso, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
A. O arguido AA:
“I. Vem o vertente recurso vem interposto da douta sentença proferida em 04.01.2022 pelo Tribunal a quo, na parte em que condenou o Arguido AA, ora Recorrente, como autor material de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo; de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 6,00€; de um crime de desobediência na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6,00€; de um crime de injúria agravada, na pena de 40 dias de multa; em duas penas acessórias de proibição de condução de veículos motorizados, pelos períodos de 12 e 6 meses; e, em cúmulo jurídico das penas parcelares de multa na pena única de 180 dias de multa à taxa diária de 6,00€, num total de 1.080,00€; em cúmulo jurídico das penas acessórias parcelares de proibição de veículos motorizados na pena acessória única de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 14 meses.
II. A douta sentença em crise fundamentou-se na factualidade dada como provada, quanto ao aqui Recorrente, sob os nºs 1 a 12, 14, 17 a 25, 26 a 31 dos Factos Provados do Capítulo III do mesmo aresto.
III. Fundamentou o Meritíssimo Juiz a quo a sua decisão condenatória no princípio da livre apreciação da prova – assente nas premissas de que o juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência de julgamento, e de que tal convicção é formada com base em regras de experiência comum -, aliada à análise crítica dos meios probatórios carreados para os autos,
IV. Elementos probatórios esses que incluíram prova testemunhal, prova pericial e prova documental, designadamente o teor do Certificado de Registo Criminal do Recorrente.
V. Após ter efetuado a apreciação da responsabilidade criminal de cada um dos arguidos nos autos, à luz da factualidade dada como provada, tendo por referência os ilícitos típicos que lhes eram imputados e de enunciar o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto dada como provada, mais o Tribunal a quo justificou a natureza e a medida das penas concretas a aplicar ao ora Recorrente AA, referindo-se em vários pontos que, designadamente, a ilicitude estaria algo mitigada pelo contexto conturbado no âmbito do qual os factos foram praticados, mas também que “As necessidades de prevenção especial mostram-se atendíveis, dado que o arguido já regista antecedentes criminais, um dos quais justamente pela prática de um crime de idêntica natureza, denotando já alguma tendência criminosa nesse domínio” e que “este arguido já regista antecedentes criminais averbados no seu CRC.” (itálico, sublinhado e realce nossos).
VI. Concluiu o Tribunal a quo que “No caso vertente, verifica-se uma homogeneidade ao nível da natureza das infracções criminais cometidas e que estão em concurso, já que se reconduzem a manifestações criminais de natureza rodoviária, denunciadoras, sem dúvida, de uma efectiva tendência criminal, o que importará acautelar”, (sublinhado e realce nossos).
VII. Evidencia-se, assim, que uma parte dos elementos em que o Tribunal de primeira instância se fundou para considerar provadas a maior das imputações da prática de ilícitos criminais ao Recorrente AA, bem como para aferir do seu grau de culpa e dolo e das necessidades de prevenção especial em ordem a determinar a natureza e medidas concretas das penas principais e acessórias, tanto parcelares, como em cúmulo jurídico, assentou nos alegados antecedentes criminais do arguido…
VIII. Como se salientou em vários pontos da douta sentença, bastas vezes, o Tribunal a quo se refere aos vários antecedentes criminais do Arguido AA, inclusive que invoca serem de tipo idêntico às actuações ilícitas imputadas a este arguido nos vertentes autos, e que até evidenciam – segundo o doutro Tribunal – uma tendência do arguido para a prática desse tipo de ilícitos,
IX. Motivo pelo qual, até, por várias vezes, menciona serem intensas as necessidades de prevenção especial que importa acautelar in casu.
X. Ora, salvo o devido respeito – que é muito -, tal afirmação é errada e, inerentemente, incorrecta se tornou a interpretação que o Tribunal a quo fez dos factos em apreço, bem como a subsunção jurídica que efectuou dos mesmos factos.
XI. E, todo esse incorrecto julgamento inquinou, sequentemente, a ponderação e a determinação da natureza e das medidas concretas das penas a aplicar ao ora Recorrente.
XII. Com efeito, sob o nº 31 da factualidade provada, afirma o Tribunal a quo que constam no certificado de registo criminal do arguido AA 3 condenações em 3 processos penais, a saber:
• No âmbito do proc. comum singular n.º 778/17.2GFSTB do Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 2, por sentença datada de 27-05-2021, transitada em julgado em 07-09-2021, o arguido foi condenado pela prática, em 22-11-2017 e em 27-11-2017, respectivamente, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e um crime de falsificação de documento, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de € 6,00;
• No âmbito do proc. sumário n.º 281/21.6GFSTB do Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 2, por sentença datada de 01-06-2021, transitada em julgado em 07-09-2021, o arguido foi condenado pela prática, em 17-05-2021, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
• No âmbito do proc. comum colectivo n.º 37/15.5GAMTA do Juízo Central Criminal de Almada – Juiz 3, por acórdão datado de 12-02-2016, transitado em julgado em 24-07-2016, o arguido foi condenado pela prática, em 14-01-2015, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e um crime de violência doméstica, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com imposição de regras de conduta.”(realces nossos).
XIII. Porém, tal elenco não corresponde à realidade, como o demonstra o acervo documental constante dos autos, vertido no CRC do arguido AA, que foi sendo, sucessivamente, atualizado no processo (cf. a título exemplificativo os certificados de registo criminal que constam na plataforma Citius, nas datas e referências seguintes:
04.09.2020 – refª. 90848835 (anterior à prolação da sentença);
11.11.2021 – refª. 93549756 (anterior à prolação da sentença);
14.02.2022 – refª. 94186450;
27.09.2022 – refª. 6752282;
e 01.02.2023 – refª. 7019806).
XIV. Ao contrário do considerado assente sob o nº 31 dos factos provados, o Recorrente AA não foi anteriormente condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal praticado em 22.11.2017, bem como pela prática de um crime de falsificação de documento praticado na mesma data, no âmbito do Proc. nº 778/17.2GFSTB, do Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 2, por sentença datada de 27.05.2021;
XV. Bem como não foi condenado no âmbito do processo sumário nº 281/21.6GFSTB, do Juízo Criminal Local de Setúbal – Juiz 2, por sentença datada de 01.06.2021, pela prática em 17.05.2021, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal …
XVI. Não tem, portanto, averbadas no seu CRC as “várias” condenações pela prática de ilícitos criminais, de natureza semelhante aos dos julgados nos presentes autos,
XVII. Nem tem, antecedentes criminais no âmbito da condução de veículos motorizados ou de condução perigosa de veículos rodoviários, aludidos, repetidamente, na sentença em crise,
XVIII. E que justificaram que o Tribunal de primeira instância tivesse formado a sua livre convicção, fundada nesses antecedentes criminais – inexistentes – e na experiência comum, que conduziram a que o Arguido/Recorrente fosse considerado uma pessoa com propensão para a violência ou com comportamentos reiterados e recorrentes nesse âmbito ou “denotando já alguma tendência criminosa neste domínio”.
XIX. Sendo certo que, mesmo a única prévia condenação criminal em que o Arguido incorreu por factos praticados em janeiro de 2015, inclusive já se mostra extinta, pelo cumprimento, desde julho de 2019 (cf. CRC junto aos autos).
XX. Não mais tendo o Arguido incorrido na prática de outros actos ilícitos de natureza penal.
XXI. E, sendo certo que não foi possível ouvir o Arguido em sede de audiência de julgamento porquanto o mesmo, em cumprimento das regras impostas como condição de suspensão da execução da pena em que foi condenado no âmbito do Proc. nº 37/15.5GAMTA, se afastou do que era o seu domicílio pessoal sito na (…), em ordem a não contactar com a ofendida naqueles autos (cf. CRC juntos aos autos), domicílio para o qual foram, entretanto, enviadas as anteriores notificações no âmbito dos vertentes autos (de cuja existência não foi avisado nem lhe foram entregues por quem lá permaneceu a morar),
XXII. Não se compreende, com todo o devido respeito, como é que o douto o Tribunal a quo logrou corretamente aferir a personalidade do Arguido, em ordem a ajuizar da sua tendente propensão para a prática de ilícitos semelhantes e considerar que a culpa era grave, o dolo intenso e que as necessidades de prevenção especial exigiam a determinação de medidas concretas das penas – principais e acessórias – tão elevadas como as que, efectivamente, sentenciou.
XXIII. Deste modo, o Tribunal a quo errou quanto à matéria de facto considerada comprovada no que tange aos antecedentes criminais do arguido AA,
XXIV. Erro esse que contagiou, subsequentemente, a formação da convicção do julgador, a sua análise e interpretação dos factos em julgamento e a sua concatenação com as normas jurídicas aplicáveis no que tange à ponderação e determinação da natureza e medidas das penas principais e acessórias que aplicou ao Arguido a nível parcelar e, após, em cúmulo jurídico.
XXV. A sentença impugnada violou, assim, o disposto nos artigos 71º do Código Penal, errando quanto às circunstâncias envolventes dos factos em apreço e do arguido em concreto, o que se traduziu numa incorreta valoração, ponderação dos critérios legais de determinação da medida da pena.
XXVI. As penas principais e acessórias, parcelares e operado o respetivo cúmulo jurídico, aplicáveis, em concreto, ao Arguido AA, configuram-se, assim, como excessivas, desajustadas, desadequadas e desproporcionais,
XXVII. Devendo ser, consequentemente, atento tudo o invocado, diminuídas sensivelmente, concretamente para perto dos limites mínimos das respetivas molduras legais abstractamente aplicáveis,
XXVIII. O que também deve reflectir-se no valor das custas processuais penais e cíveis.
XXIX. Até porque o Arguido, de 57 anos de idade (nascido em 02.12.1962, conforme CRC) encontra-se inserido social e familiarmente, tendo a seu cargo os seus progenitores, pessoas de avançada idade e doentes, que necessitam deslocar-se regulamente a hospitais e centros clínicos, sendo o seu filho, ora Recorrente, quem os transporta em veículo automóvel.
XXX. Não se conhece ou imputa ao Recorrente a prática de quaisquer outros ilícitos penais posterior aos factos ora em apreço, os quais alegadamente ocorreram em 31.03.2017, ou seja, há quase 5 (cinco) anos (vide CRC junto aos autos, designadamente o mais recente, emitido em 01.02.2023).
XXXI. Deve, assim, a sentença a quo ser revogada, substituindo-se por outra decisão que reduza substancialmente as penas parcelares e em cúmulo jurídico aplicadas ao ora Recorrente.”

B. O arguido BB:
“I. Com o devido respeito que nos merece o Tribunal " a quo" e o Douto Acórdão por ele proferido, e que é muito, não podemos com ele concordar no que à pena em concreto foi aplicada ao arguido BB, que não se conformando, vem dele interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora.
II. O arguido, ora recorrente, por sentença ainda não transitada em julgado, foi julgado e condenado em primeira instância pelo Digníssimo Tribunal “A quo”, pela prática como co-autor material de um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1 do CP, na pena de um (1) ano e um (1) mês, a contar da data do trânsito em julgado desta sentença, com regime de prova, assente num plano de reinserção social elaborado e vigiado pelos serviços da DGRSP, com especial enfoque e intervenção na área da prevenção da violência e de descontrolo comportamental, atento o disposto nos artigos 52.º n.º 1, al. b), 53.º n.º 1 e 54.º, n.º 3 todos do Cod. Penal, e como autor material de um (1) crime de injuria agravada cometido sobre a pessoa do militar da GNR, CC, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do Cod. Penal, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. al. l) do mesmo diploma legal, na pena de 35 (trinta e cinco) dias de multa, à taxa diária de seis euros (€ 6,00);
III. A concreta actuação do arguido recorrente, saiu do interior do veículo de matrícula 10-94-JD e dirigiu-se ao militar CC, acercando-se por detrás do mesmo, apos o que o agarrou pela zona abdominal com os seus dois braços, exercendo força, e ao mesmo tempo que dizia: “larga o meu pai, seu filho da puta”, a nosso ver, não integra o conceito de violência usado pelo legislador no artigo 347 n.º 1 do CP.
IV. Para o preenchimento do ilícito típico objectivo relevam as características do funcionário na sua situação concreta em que se encontra, incluindo as especiais capacidades e aptidões que são inerentes à sua função, como sejam as decorrentes da formação, treino ou adestramento ministrados com vista a poder resistir a níveis de oposição e constrangimento que sejam normalmente de esperar no exercício das suas funções.
V. Acresce ainda que a actuação do recorrente se revela inidónea para afectar a actuação dos dois agentes da GNR, tendo em consideração as especiais qualidades dos agentes de autoridade intervenientes, dotados de especiais capacidades e qualidades para gerir/suportar situações de confrontos, preparados física e tecnicamente para combate de prevenção de rua etc, a actuação do arguido não é dotada de idoneidade suficiente para inviabilizar os actos funcionais desses militares.
VI. Tanto mais, sendo o recorrente à data um jovem de 22 anos, o seu acto foi um acto de desespero em defesa do seu pai, fundamentando o Tribunal “a quo” no seu texto decisório que “atendendo ao modo de execução dos factos nos termos supra descritos, estando tal ilicitude mitigada pelo contexto conturbado no âmbito do qual tais factos foram praticados por este arguido, que agiu em socorro do seu pai” e verifica-se essa fragilidade na actuação em defesa do pai, não resultando ofensa ao corpo do militar da GNR.
VII. Pelo que a decisão recorrida ao condenar o arguido pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário violou o art.º 374.º do CP.
VIII. Relativamente ao crime de injuria, o entendimento dominante é actualmente, que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos art.º 180 e 181 do Código penal, tudo dependendo da intensidade da ofensa ou perigo da ofensa.
IX. É preciso ter presente que o significado injurioso das palavras tem de ser avaliado no contexto situacional em que as mesmas são proferidas.
X. E no caso vertente, foram proferidas, segundo a matéria de facto dada como provada, “O militar CC dirigiu-se-lhe, tentando novamente detê-lo com recurso à força física, o que acabou por conseguir, ficando então o arguido AA manietado no solo, segurado por aquele militar. Ao presenciar tal situação, o arguido BB saiu do interior do veículo de matrícula 10-94-JD e dirigiu-se ao militar CC, acercando-se por detrás do mesmo, apos o que o agarrou pela zona abdominal com os dois braços, exercendo força, e ao mesmo tempo que dizia: “larga o meu pai, seu filho da puta”.
XI. Acresce ainda que a expressão utilizada não constitui a imputação de qualquer facto, nem visou ofender a honra ou consideração do referido agente da GNR; trata-se de uma expressão desrespeitosa e nada educada, censurável do ponto de vista moral, não assumindo relevância criminal.
XII. Pelo que o arguido deve ser absolvido do crime de injuria agravada.
XIII. Caso não se entenda absolver o arguido do crime de injuria agravada e do crime de resistência e coação a funcionário, o que não se concede, mas se expõe por mero dever de prudente patrocínio, requer-se de todo o modo, a diminuição das penas que lhe foram aplicadas.
XIV. A pena aplicada ao arguido é excessiva e desadequada, sendo que há penas de substituição, como a pena de multa e de prestação de trabalho a favor da comunidade, que se revelam suficientes e adequadas a satisfazer as finalidades de prevenção geral e especial.
XV. Não sendo absolvido dos crimes que vem acusado, o que não se concede, mas se expõe por mero dever de prudente patrocínio, a única solução equilibrada e justa teria sido fixar a pena de prisão aplicável num quantum do limite mínimo da moldura penal, não superior a 1 ano, e substituí-la por pena de multa ou trabalho a favor da comunidade.
XVI. A aplicação da pena de substituição, ao arguido, satisfazia plenamente as necessidades de prevenção especial e satisfazia a função de prevenção geral das penas, bem como a redução do montante mínimo diário aplicável, quanto ao crime de injuria agravada.”


O M.º P.º respondeu a ambos os recurso, concluindo singelamente:
“… entendemos que a douta sentença não merece censura devendo ser mantida na integra.”


Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, elaborando parecer em que propugna pela improcedência dos recursos.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do C.P.Penal, não tendo sido oferecida resposta ao parecer.

II.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as quais, conforme jurisprudência constante e pacífica, delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271), as questões suscitadas são:
Pelo arguido AA:
1. Impugnação da matéria de facto provada sob o n.º 31;
2. Impugnação da matéria de direito por errada valoração dos antecedentes penais;
3. Erro de julgamento em matéria de direito quanto à medida das penas, parcelares e única;
4. Errada fixação das custas.
Pelo arguido BB:
1. Erro de julgamento em matéria de direito quanto ao preenchimento do conceito de violência do artigo 347 n.º 1 do CP;
2. Erro de julgamento quanto ao preenchimento do tipo de crime de injuria;
3. Medida da pena e aplicação de pena substitutiva de multa ou de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Da sentença recorrida consta, na parte ora relevante:
Factos Provados
Da prova produzida em sede de audiência de julgamento, com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os factos seguintes 1:
Da acusação em especial
1. No dia 31 de Março de 2017, pelas 20h00m, e após ter ingerido bebidas alcoólicas, o arguido AA seguia ao volante do veículo automóvel de marca/modelo «Ford Escort», e com a matrícula XX-XX-XX, no Aceiro Principal da Carregueira – Fonte da Vaca – Pinhal Novo, nesta comarca de Setúbal.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, seguia igualmente no interior do veículo de matrícula YY-YY-YY, sentado no lugar ao lado do condutor, o arguido BB, filho daqueloutro arguido.
3. A dada altura, o arguido AA começou a perder o controlo do veículo, invadindo a via de trânsito de sentido contrário e nela circulando por alguns metros, após o que regressava à sua via normal de trânsito e assim sucessivamente, repetindo estas manobras por um número de vezes não concretamente apurado.
4. Enquanto o arguido AA efectuava tais manobras, nomeadamente quando invadia e circulava na via de trânsito de sentido contrário ao seu, vários condutores que aqui circulavam e cuja identificação não foi possível apurar, foram obrigados a desviar a trajectória dos seus veículos, sob pena de embaterem no veículo conduzido pelo arguido AA.
5. Nesse contexto, e ao aperceberem-se da factualidade que se acaba de narrar, uma patrulha da GNR do Pinhal Novo que ali circulava, composta pelos militares CC e DD, deu ordem de paragem ao referido veículo automóvel de matrícula XX-XX-XX.
6. Nesse instante, e ao aperceber-se da referida ordem, o arguido AA imprimiu mais velocidade ao seu veículo, circulando em velocidade não concretamente apurada, mas superior ao limite legal estabelecido para aquela via de trânsito.
7. Após percorrer cerca de dois (2) quilómetros (Km), o arguido AA acabou por parar o veículo, altura em que os ditos militares da GNR lhe ordenaram a sua submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue.
8. O arguido AA aceitou, então, submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado, na sua vertente qualitativa, tendo tal exame acusado a TAS de 1,32 g/l.
9. Perante tal resultado, e após ter sido informado pelos militares da GNR de que teria de se deslocar ao posto a fim de se submeter ao mesmo exame, mas na sua vertente quantitativa, o arguido AA recusou fazê-lo, mesmo após lhe ter sido advertido de que a sua recusa injustificada o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.
10.Em face da recusa do arguido em submeter-se ao exame quantitativo, foi-lhe dada voz de detenção.
11.Nessa ocasião, e sem que nada o fizesse prever, o arguido AA desferiu um soco com a sua mão direita na direcção do militar CC, vindo a acertar-lhe na parte superior do seu braço direito, após o que lhe disse as seguintes palavras: “és um valentão do caralho, sem farda és um merdas, puto do caralho, tenho idade para ser teu pai, vou-te foder, deixa estar que brevemente vais-te arrepender disto”.
12.Perante tal reacção do arguido AA, o militar CC dirigiu-se-lhe, tentando novamente detê-lo com recurso à força física, o que acabou por conseguir, ficando então o arguido AA manietado no solo, segurado por aquele militar.
13.Ao presenciar tal situação, o arguido AA saiu do interior do veículo de matrícula XX-XX-XX e dirigiu-se ao militar CC, acercando-se por detrás do mesmo, após o que o agarrou pela zona abdominal com os seus dois braços, exercendo força, e ao mesmo tempo que dizia: “larga o meu pai, seu filho da puta”.
14.Em virtude da pressão e da força exercidas pelo arguido BB, o militar CC acabou por soltar o arguido AA, tendo este de imediato lhe dito as seguintes palavras: “foda-se és um herói do caralho, nem me consegues prender, és um menino, arrebento-te todo, a ti e à menina”.
15.Entretanto, e após a chegada de outros militares da GNR ao local, ambos os arguidos acabaram por ser detidos.
16.Nessa ocasião, apurou-se, ainda, a existência de uma embalagem de aerossol paralisante (vulgo “gás pimenta”), com 11 cm de comprimento e capacidade de 75 ml, de marca KO SUPER e com as inscrições DEFENOL CS, fabricado na Alemanha, e contendo a substância 2-clorobenzalmalononitrilo (CS) – substância com propriedades lacrimogéneas.
17.Em resultado da conduta acima descrita em 11) a 13), sofreu o militar da GNR CC traumatismo do membro superior direito, na face anterior do braço, terço superior, com equimose amarelada, em área ovalada, com cerca de 5 cm de maior diâmetro, lesão essa que lhe provocou um período de seis (6) dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.
18.Ao actuar da forma acima descrita nos pontos 1) e 6), o arguido AA, conduzindo sob a influência de álcool, violou grosseiramente as regras da circulação rodoviária, nomeadamente a que lhe impunha que circulasse na faixa de rodagem da direita e ainda a relativa ao cumprimento do limite de velocidade imposto em localidades para veículos automóveis ligeiros.
19.O arguido AA sabia que ao violar as referidas regras estradais e, bem assim, ao conduzir sem condições de segurança, porque sob o efeito de álcool, podia provocar um acidente de viação e criar por essa via criar, como criou, perigo para a vida ou integridade física dos outros condutores que por ali circulavam.
20.Não obstante, e ciente de tal, o arguido AA quis conduzir o veículo nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas e do modo também acima descrito.
21.Sabia também o arguido AA que com a conduta descrita de 7) a 10), vedada por lei, estava a recusar submeter-se às provas legalmente estabelecidas para a detecção do estado de embriaguez e que, em consequência de tal, desobedecia a uma ordem legítima, regularmente comunicada, imposta por disposição legal e emanada da entidade competente.
22.Por outro lado, e ao actuarem da forma acima descrita, nomeadamente ao agredirem o militar CC da GNR e ao ameaçarem esse militar e a militar DD, agiram os arguidos AA e BB em comunhão de esforços e vontades e com o propósito concretizado de se oporem a que aqueles praticassem acto relativo ao exercício das suas funções, particularmente que levassem a cabo a sua identificação e detenção.
23.Os arguidos AA e BB tinham perfeito conhecimento da qualidade profissional dos militares da GNR que os abordavam e, não obstante, não se coibiram de agir da forma descrita, procurando obviar a que aqueles desempenhassem cabalmente as suas funções, o que conseguiram.
24.Ao proferirem as expressões acima narradas, sabiam ainda os arguidos AA e BB que as mesmas eram idóneas a ofender a honra, a dignidade e a consideração do militar da GNR CC, o que pretenderam.
25.Em tudo, os arguidos AA e BB agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
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Do pedido de indemnização civil em especial
26.Como consequência directa e necessária das condutas conjugadas dos arguidos, ora demandados, AA e BB, apuradas em 11) a 15), sofreu o militar da GNR CC as lesões corporais e os períodos de doença também melhor descritas na acusação supra deduzida, sendo que a Guarda Nacional Republicana, enquanto entidade empregadora do referido militar, suportou várias despesas com tratamentos médicos e medicação, no valor global de € 208,38 (duzentos e oito euros e trinta e oito cêntimos).
27.Ora, os dispêndios acima discriminados ficaram a dever-se à actuação ilícita dos demandados AA e BB, que lhes deram origem e foram, directa e necessariamente, causa do prejuízo pecuniário do Estado.
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Das condições pessoais, familiares e económico-sociais dos arguidos e seus antecedentes criminais em especial
28.O arguido AA nasceu em 02-12-1965, e está solteiro.
29. Resulta das bases de dados disponibilizadas pela Segurança Social que este arguido fez o último desconto em Novembro de 2002, sobre um valor de € 348,01.
30. O arguido regista em seu nome as viaturas automóveis de matrículas (…), (…), (…),(….).
31. O arguido regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal, nos termos seguintes:
• No âmbito do proc. comum singular n.º 778/17.2GFSTB do Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 2, por sentença datada de 27-05-2021, transitada em julgado em 07-09-2021, o arguido foi condenado pela prática, em 22-11-2017 e em 27-11-2017, respectivamente, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e um crime de falsificação de documento, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de € 6,00;
• No âmbito do proc. sumário n.º 281/21.6GFSTB do Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 2, por sentença datada de 01-06-2021, transitada em julgado em 07-09-2021, o arguido foi condenado pela prática, em 17-05-2021, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
• No âmbito do proc. comum colectivo n.º 37/15.5GAMTA do Juízo Central Criminal de Almada – Juiz 3, por acórdão datado de 12-02-2016, transitado em julgado em 24-07-2016, o arguido foi condenado pela prática, em 14-01-2015, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e um crime de violência doméstica, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com imposição de regras de conduta.
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32.O arguido BB nasceu em 13-12-1994, e está solteiro.
33.Resulta das bases de dados disponibilizadas pela Segurança Social que este arguido não faz descontos.
34.O arguido regista em seu nome as viaturas automóveis de matrículas (…), (…), (…).
35.O arguido regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal, nos termos seguintes:
• No âmbito do proc. comum singular n.º 778/17.2GFSTB do Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 2, por sentença datada de 27-05-2021, transitada em julgado em 07-09-2021, o arguido foi condenado pela prática, em 22-11-2017 e 27-11-2017, respectivamente, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e um crime de falsificação de documento, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de € 6,00;
• No âmbito do proc. sumário n.º 281/21.6GFSTB do Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 2, por sentença datada de 01-06-2021, transitada em julgado em 07-09-2021, o arguido foi condenado pela prática, em 17-05-2021, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00.
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Factos Não Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, não resultaram provados os demais factos que não se compaginam com os supra indicados, designadamente:
Da acusação em especial
a) Que o objecto id. em 16) tivesse sido encontrado na posse do arguido AA, sem prejuízo do apurado em 16);
b) Que o arguido AA conhecesse as características do objecto (aerossol) que possuía, e, não obstante, quis detê-lo nas condições acima descritas, sem justificar a sua posse, e não sendo titular de qualquer autorização especial emitida pelas entidades competentes que o habilitasse para o efeito.
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Não se provaram os demais factos insusceptíveis de prova pela sua natureza conclusiva, probatória ou de direito constante da contestação escrita apresentada 9 pelo arguido.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO E EXAME CRÍTICO DA PROVA PRODUZIDA
Nos termos do disposto pelo art. 124.º do Cód. Proc. Penal constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicável.
O princípio básico que norteia a apreciação da prova é o da sua livre apreciação tal como prescrito pelo art. 127.º, n.º1 do Cód. Proc. Penal: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente.».
Instituiu a lei o princípio da livre apreciação da prova [por oposição ao princípio da prova legal] que, no dizer de José LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Vol., p. 635: «Se situa na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis.».
Negativamente este princípio significa a ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova.
Mas positivamente, como salienta o Prof. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, 1.º Vol., p. 202: «Não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável ou incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (como já dissemos que a tem toda a discricionaridade jurídica) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos).».
A livre apreciação da prova não pode, pois, ser entendida como uma operação meramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos cientificos, que permita ao julgador 10 objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. Não se confundindo com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obdiência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Por outra banda, devemos esclarecer que prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada. O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
É certo que no nosso ordenamento jurídico, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada, inexistindo regras de valoração probatória que vinculem o julgador, pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (art. 127 do C.P.P.), onde se estipula que: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.».
Tal princípio assenta, fundamentalmente, em duas premissas:
• A de que o juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência ;
• E que tal convicção há-de ser formada com base em regras de experiência comum 2.
Nestes termos, o juiz não está sujeito a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente pré-determinados, sistema da prova legal, sendo o tribunal livre na apreciação que faz da prova e na forma como atinge a sua convicção.
Contudo, sendo esta uma apreciação discricionária, não é a mesma arbitrária, tendo a referida apreciação os seus limites. Na verdade, livre convicção não pode ser sinónimo de arbitrariedade. Ou seja, vale por dizer que a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração «racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência (…), que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão», de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo, porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo. «A sentença, para além dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência.» [Ac. do STJ de 13-02-92, CJ Tomo I, p. 36]
O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, «é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (…) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo» [Germano MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, II, pp. 126 e ss.]
Como ensina Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, 1.º Vol., Coimbra Editora, 1974, pp. 202-203, «a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». Por outro lado, e segundo o mesmo, «a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. (...) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.».
Também o Prof. Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, 1986, 1.° Vol., p. 211, ensinava que o julgador, sem ser arbitrário, é livre na 12 apreciação que faz das provas, contudo, aquela é sempre «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.».
Directamente ligada a esta apreciação livre das provas, e determinante na formação da convicção do julgador, está o princípio da imediação, que Jorge de FIGUEIREDO DIAS, in op. cit., p. 232, define como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão». «(...). Só estes princípios (também o da oralidade) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso.».
Ora, nessa avaliação probatória e na aferição global de toda a prova produzida, designadamente, como a da situação sub judice, o juiz deve fazer essa exegese segundo as regras da experiência comum, com bom senso e de acordo a normalidade da vida e o sentido das coisas.
A prova não pode, contudo, ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada. O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
Significa isto que a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formulação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação [cf. o acórdão do STJ, de 07 de Junho de 2005, disponível em www.dgsi.pt/jstj, e, bem assim, o acórdão do STJ, de 02 de Julho de 1998, consultável no mesmo sítio da internet]
Como decidiu o Tribunal Constitucional [vd. o acórdão 464/97, processo n.º 102/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt]: «Esta justiça, que conta com o sistema da prova livre (ou prova moral) não se abre, de ser assim, ao arbítrio, ao subjectivismo ou à emotividade. Esta justiça exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. Este discurso é um discurso «mediante fundamentos que a «razão prática» reconhece como tais» (Kriele), pois que só assim a obtenção do direito do caso está «apta para o consenso». A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça.
A liberdade do juiz de que aqui se fala é, como diz CASTANHEIRA NEVES, «uma liberdade para a objectividade (…) não é uma liberdade meramente intuitiva, mas aquela que se concede e assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, uma verdade que se comunique e imponha aos outros» [in op. cit., p. 50; no mesmo sentido, entre outros, vejam-se os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 1165/96 (proc. n.º 142/96); n.º 390/01 (proc. n.º 461/01); e n. º542/97 (proc. n.º 258/97), todos consultáveis no mesmo sítio da internet]
Normalmente o que sucede é que, face à globalidade da prova produzida, o tribunal se apoie num certo conjunto de provas, em detrimento doutras, nada obstando que esse convencimento parta de um registo mínimo, mas credível, de prova, em detrimento de vastas referências probatórias, que, contudo, não têm qualquer suporte de credibilidade.
Naturalmente que essa apreciação de prova está sujeita ao dever de fundamentação, enquanto decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º 1 da C.R.P., segundo o qual: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma previstas na lei», de modo a aferir-se que a mesma está fundada na lei.
No entanto, tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal e na perpectiva do arguido, surge, igualmente, como uma das suas garantias constitucuonais de defesa, expressas no art. 32.º, n.º 1 da C.R.P..
No caso de uma sentença em processo penal, a mesma, como é sabido, deve obedecer aos requisitos formais fixados no art. 374.º do Cód. Proc. Penal.
Ou seja e em suma: a prova, mais do que uma demonstração racional, traduz-se num esforço de razoabilidade, por meio do qual o juiz se lança à procura do «realmente acontecido», conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca – derivados das finalidades do processo – [cf. Cristina LÍBANO MONTEIRO, Perigosidade de inimputáveis e in dúbio pro reo, p. 13]. A prova é apreciada segundo as regras da experiância e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente [art. 127.º do C.P.P.]
Finalmente, como bem enfatiza Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, pp. 233 e 234: «Só os princípios da oralidade e imediação (…) permitem o indispensável conctato vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.».
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Prevalecendo no nosso sistema processual penal, o princípio da livre convicção do julgador, se bem que entendido nos termos supra explicitados, existem, no entanto, algumas restrições legais ao regime da livre apreciação da prova, como sucede com o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados [art. 169.º], o efeito de caso julgado nos pedidos de indemnização civil [art. 84.º], a prova pericial [art. 163.º], e a confissão integral e sem reservas [art. 344.º]
Surgem ainda outras condicionantes estruturais à livre apreciação da prova, sendo uma delas, o princípio da legalidade da prova [art. 32.º, n.º 8 da C.R.P.; artigos 125.º e 126.º, ambos do C.P.P.] e outra o princípio in dubio pro reo, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência - [art. 32.º, n.º 2 da C.R.P.; art. 11.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948; e art.º 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que foi aprovada, para ratificação, pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro]
Tudo isto vale por dizer que o princípio da livre apreciação da prova não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras de experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e in dúbio pro reo [Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Abril de 2006, disponível em www.dgsi.pt/jtrp]
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Ponto é, porém, que jamais se poderá olvidar que o que é exigível para que o juiz possa dar um facto como provado ou não provado, se cinge à forte probabilidade da sua ocorrência ou não ocorrência, em face da valoração que faça dos meios de prova que lhe são apresentados pelos sujeitos processuais e, bem assim, pelos oficiosamente determinados, de acordo com a sua livre convicção nos termos permitidos pelo art. 127.º do Cód. Proc. Penal, dado que existem constrangimentos naturais que impedem que o juiz tenha acesso à «verdade absoluta» dos factos submetidos a pleito.
Já dizia VOLTAIRE que «as verdades históricas não são mais do que probabilidades.»3. Ou seja, aplicando tal asserção ao domínio do processo penal, vale por dizer que o juízo de convicção do julgador da matéria de facto reconstituída não é mais do que um juízo de probabilidade sobre a verdade ou falsidade de certas proposições (oferecidas justamente pelos meios de prova) 4. Porquanto existe a consciência de que o juiz não almeja ou sequer atinge, em caso algum, a verdade absoluta, já que tal patamar de certeza absoluta sobre a veracidade dos factos históricos ocorridos no passado, não se compagina com as naturais limitações humanas, que impedem que o juiz «viaje no tempo, regressando ao passado, até à data dos factos em apreciação», sendo estes, por natureza, outrossim irrepetíveis, dado que se esgotaram no tempo, como é evidente.
João de CASTRO MENDES, in op. cit. p. 235, neste domínio, chegou à conclusão seguinte: «Quanto ao grau de convicção que é necessário para se falar em prova, diremos que é aquele que for necessário para justificar a decisão que nela se baseia. O julgador deve medi-lo em face das circunstâncias do caso concreto e do seu prudente arbítrio; domina aqui a ideia de justificabilidade. Toda a prova é, portanto, uma prova bastante; bastante para justificar o acto que se vai praticar.».
Porém, este mesmo autor, que entre nós terá sido quem mais trabalhou no tema, conquanto tivesse rejeitado liminarmente a possibilidade de fixação de um escalão de intensidades de convicção, sempre acabou por reconhecer que toda a convicção humana é uma convicção de probabilidade, propondo, destarte, o abandono do termo «certeza» nas referências à convicção do juiz 5.
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Por fim, frisa-se que toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento se encontra gravada por sistema de CD, permitindo uma ulterior reprodução da mesma. Desde modo, possibilita-se um rigoroso controlo dos meios de prova testemunhal que estiveram na base da convicção formada por este Tribunal, no que concerne à matéria de facto, o que legitima uma motivação da matéria de facto mais concisa.
Feita esta breve análise sobre os princípios que norteiam a apreciação e valoração da prova, importa, pois, explanar das razões quanto à concreta decisão crítica sobre a matéria de facto.
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Os meios de prova utilizados por este Tribunal para formar a sua convicção (positiva ou negativa) dos factos, foram os seguintes:
(i) Da indicação dos meios de prova: a constante nos autos, nomeadamente a constituída pela:
A) — PROVA TESTEMUNHAL
CC, militar da GNR, melhor id.º a fls. 67; e
• DD, militar da GNR, melhor id.ª a fls. 70.
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Em função da prova produzida em sede de audiência de julgamento e sob impulso do M.P. e ao abrigo do disposto no art. 340.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal, foi autorizada a inquirição de EE, militar da GNR, na qualidade de testemunha e, bem assim, foi solicitado ao Laboratório da P.J. a colaboração para se esclarecer a percentagem de gás pimenta encontrado no recipiente nas apontadas circunstâncias, constando tal relatório de fls. 320 e 321 dos autos.
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B) — PROVA DOCUMENTAL
• Auto de Notícia de fls. 4-6;
• Auto de Apreensão de fls. 22;
• Auto de Exame Directo de fls. 23-24;
• Declaração de fls. 25;
• Fotogramas de lesões de fls. 26-27;
• Auto de Identificação de fls. 33;
• Factura hospitalar de fls. 83-85;
• Despesas de saúde de fls. 112-114;
• CRC`s dos arguidos juntos aos autos.
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C) — PROVA PERICIAL
• Relatório de Exame de arma de fls. 54-55 e 145-147;
• Relatório pericial de Exame médico de fls. 62-64.
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(ii) Da Explanação Racional da Convicção do Julgador subjacente à sua Decisão de Facto, resultante da valoração e apreciação crítica efectuada aos meios de prova supra indicados
Vejamos então, em detalhe, como os diversos meios de prova produzidos, contribuíram para a formação [positiva e negativa] da convicção do Tribunal, relativamente aos factos relevantes para a boa decisão da causa.
É que a sentença, para além de dever conter a indicação dos factos provado-se não provados e a indicação dos meios de prova, há-de conter, também, «os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico, sobre provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido» - [Acórdão do STJ, de 13-02-92, CJ, tomo I, p. 36, e Acórdão do TC, de 02-12-98, D.R. na Série de 05-03-99]
Destarte, para lograr cumprir tal dever de fundamentação, deverá o julgador socorrer-se da concatenação da prova testemunhal, documental e, quando exista, pericial juntas aos autos; sendo que na conjugação de todos estes elementos de prova, o julgador deverá encetar uma apreciação crítica de acordo com o critério ínsito no citado art. 127.º do Cód. Proc. Penal, segundo o qual, recordamos, «a prova deverá ser apreciada de acordo com as regras da experiência e da livre convicção da entidade competente.».
Quanto às regras da experiência comum, importa mais uma vez enfatizar que, se bem que elas constituam uma premissa genérica e abstracta que permita todas as conclusões, dever-se-á sublinhar que elas antes obrigam que se parta de factos conhecidos, objectivados em meios de prova controláveis e delimitados por regras da lógica cartesiana para se alcançarem essas conclusões.
Por sua vez, sobre a livre convicção do julgador ensinava o Prof. Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 298, que esta «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.».
Vale por dizer que o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no citado art. 127.º do Cód. Proc. Penal, permite, por assim dizer, que a decisão do Tribunal seja sempre uma «convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais» - [cf. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, voI. I, Ed.1974, p. 204]
Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento. Como ensinava o Prof. José ALBERTO DOS REIS «a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal». E concluía aquele Professor, citando CHIOVENDA, que «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre apreciação é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar.» - [Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pp. 566 e ss.]
Ponto é, porém, que o citado art. 127.º do Cód. Proc. Penal nos indica um limite à «discricionariedade» do julgador, qual seja: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Assim, deve dizer-se que a convicção do Tribunal assentou na análise críticada prova produzida em audiência de julgamento, bem como do teor dos documentos constantes dos autos, sobre os quais todas as dúvidas foram esclarecidas em audiência, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da livre convicção do julgador – [art. 127.º do C.P.P.] 6.
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Explicação Prévia
Desde já se diga que o julgador dá aqui por adquiridos os teores dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, que se encontram gravados e por isso facilmente acessíveis, sendo, pois, inútil estar-se nesta sede a fazer «súmulas exaustivas» — passe o paradoxo — dos mesmos.
O julgador irá sim infra explanar o seu raciocínio crítico sobre a credibilidade e relevância dos diversos meios de prova, tendo em vista legitimar, através de uma fundamentação racional e lógica (apelando às regras da experiência comum e da normalidade da vida – cf. art. 127.º do C.P.P.), a sua decisão sobre a matéria de facto; sendo, aliás, isso que o legislador reivindica do julgador.
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Concretizando.
Assim, quanto à matéria de facto dada como provada constante dos pontos 1) a 17), deve dizer-se que a mesma colheu a sua demonstração positiva com base nos depoimentos prestados, de modo sério, isento e objectivo, pelos militares da GNR, CC e DD, em sede de audiência de julgamento, nos termos dos quais confirmaram tais factos nos termos supra descritos, de acordo com as suas percepções e de uma forma que se nos afigurou credível, em conjugação com a documentação junta aos autos, designadamente o teor do auto de notícia de fls. 4 e ss. e das fotos das lesões de fls. 26 e 27, a qual foi apreciada por este tribunal segundo as regras de valoração de prova acima explanadas.
Com efeito e com relevo, estas testemunhas descreveram as circunstâncias que envolveram a abordagem policial ao veículo automóvel então conduzido pelo arguido AA, asseverando, brevitatis causae, que vislumbraram este, a certa altura, ter começado a perder o controlo do veículo, invadindo a via de trânsito de sentido contrário e nela circulando por alguns metros, após o que regressava à sua via normal de trânsito, e assim sucessivamente, repetindo estas manobras por um número de vezes não concretamente apurado.
Mais esclareceram estas testemunhas policiais que enquanto o arguido AA efectuava tais manobras, nomeadamente quando invadia e circulava na via de trânsito de sentido contrário ao seu, vários condutores que aqui circulavam e cuja identificação não foi possível apurar, eles foram obrigados a desviar a trajectória dos seus veículos, sob pena de embaterem no veículo então conduzido pelo arguido AA.
Nesse contexto, precisaram que tiveram necessidade de darem ordem de paragem ao arguido AA, enquanto condutor do referido veículo automóvel de matrícula (…).
Nesse instante, e ao aperceber-se da referida ordem, disseram que o arguido AA imprimiu mais velocidade ao seu veículo, circulando em velocidade não concretamente apurada, mas superior ao limite legal estabelecido para aquela via de trânsito.
Após percorrer cerca de dois (2) quilómetros (Km), relataram que o arguido AA acabou por parar o veículo, altura em que lhe ordenaram a sua submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue, tendo aquele num primeiro momento, então, aceitado submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no sangue pelo método do ar expirado, na sua vertente qualitativa, registando uma TAS de 1,32 g/l. Sendo que perante tal resultado, e após ter sido informado eles de que teria de se deslocar ao posto a fim de se submeter ao mesmo exame, mas na sua vertente quantitativa, afirmaram que o arguido AA se recusou fazê-lo, mesmo após lhe ter sido advertido de que a sua recusa injustificada o faria incorrer na prática de um crime de desobediência.
Em face da recusa do arguido em submeter-se ao exame quantitativo, foi-lhe dada voz de detenção.
Nessa ocasião, e sem que nada o fizesse prever, relataram que o arguido AA desferiu um soco com a sua mão direita na direcção do militar CC, vindo a acertar-lhe na parte superior do seu braço direito, após o que lhe disse as seguintes palavras: “és um valentão do caralho, sem farda és um merdas, puto do caralho, tenho idade para ser teu pai, vou-te foder, deixa estar que brevemente vais-te arrepender disto”.
Perante tal reacção do arguido AA, o militar CC dirigiu-se-lhe, tentando novamente detê-lo com recurso à força física, o que acabou por conseguir, ficando então o arguido AA manietado no solo, segurado por aquele militar.
Ao presenciar tal situação, o arguido BB saiu do interior do veículo de matrícula (…) e dirigiu-se ao militar CC, acercando-se por detrás do mesmo, após o que o agarrou pela zona abdominal com os seus dois braços, exercendo força, e ao mesmo tempo que dizia: “larga o meu pai, seu filho da puta”.
Em virtude da pressão e da força exercidas pelo arguido BB, o militar CC acabou por soltar o arguido AA, tendo este de imediato lhe dito as seguintes palavras: “foda-se és um herói do caralho, nem me consegues prender, és um menino, arrebento-te todo, a ti e à menina”.
Entretanto, e após a chegada de outros militares da GNR ao local, ambos os arguidos acabaram por ser detidos.
Nessa ocasião, apurou-se ainda a existência de uma embalagem de aerossol paralisante (vulgo “gás pimenta”), com 11 cm de comprimento e capacidade de 75 ml, de marca KO SUPER e com as inscrições DEFENOL CS, fabricado na Alemanha, e contendo a substância 2-clorobenzalmalononitrilo (CS) – substância com propriedades lacrimogéneas. Tais características encontram-se, ainda, comprovadas pela análise do auto de apreensão de fls. 22, do auto de exame directo de fls. 23-24 e, bem assim, do relatório da PJ de fls. 320 e 321, cujos teores se dão aqui por reproduzidos para os legais efeitos.
Mais confirmaram estas testemunhas as expressões que lhes foram dirigidas pelos arguidos nos termos supra apurados, explicando o impacto que as mesmas tiveram para eles.
Outrossim a testemunha EE, militar da GNR, confirmou que foi, de facto, apreendida no local uma embalagem de «gás pimenta», não logrando, porém, precisar quem detinha na sua posse tal instrumento.
Em apreciação crítica destes depoimentos, deve efectivamente dizer-se que os mesmos, na óptica deste tribunal à luz da sua livre convicção permitida nos termos do citado art. 127.º do Cód. Proc. Penal, se revelaram sérios, precisos, objectivos e, destarte, credíveis, razão pela qual contribuíram para a formação da convicção positiva do tribunal quanto a esta factualidade nos termos supra indicados, sendo que estando tais depoimentos devidamente registados pelo sistema de gravação sonoro, se dispensam, por isso, outras considerações a respeito 7.
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Consigna-se que em conjugação com estes testemunhos, designadamente quanto às concretas circunstâncias de tempo, lugar e modo e, bem assim, especificamente quanto às concretas expressões então produzidas pelos arguidos visando os militares da GNR, e perante as naturais falhas de memória que o decurso do tempo necessariamente acarreta 8, sendo as mesmas até sinal de honestidade e sinceridade, o tribunal formou ainda a sua convicção positiva dos factos, recorrendo à análise cuidada ao teor do auto de notícia de fls. 4 e ss., dado que o mesmo foi elaborado justamente para documentar uma ocorrência presenciada pelos agentes da autoridade, podendo assim ser valorado como meio de prova de acordo com livre convicção do julgador nos termos permitidos pelo art. 127.º do Cód. Proc. Penal. 9 10 11
Com efeito, não se trata, sem mais, de conferir, por assim dizer, o valor deprova tarifada ao auto de notícia, mas sim de aproveitar tal elemento probatório, para concretizar pontos de facto (v. g. as concretas circunstâncias de tempo, lugar e de modo e, bem assim, as concretas expressões então dirigidas pelo arguido visando o agente policial …), ou seja, de permitir que tal elemento probatório possa ser utilizado e valorado de acordo com o critério insíto no art. 127.º do Cód. Proc. Penal [como vem, aliás, sendo aceite pacificamente pela jurisprudência constante das nossas instâncias superiores – cf., por todos, o acórdão da Relação de Guimarães de 25-05-2013, relatado por Fernando MONTERROSO, quando aduz que «um auto de notícia pode ser valorado como meio de prova, mas as comprovações nele feitas valem exclusivamente em relação aos puros factos presenciados pela entidade que o elaborou», ou o acórdão da Relação de Évora de 28-02-2014, relatado por João GOMES DE SOUSA, quando nele se diz que «o valor do auto de notícia é, simplesmente, livremente apreciado nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal», ambos disponíveis em www.dgsi.pt]
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Em concatenação desta prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, com a prova documental junta aos autos, resulta da conjugação destes elementos probatórios, maxime nesta sede, uma descrição completa, séria, isenta e coerente dos factos nos termos supra indicados, relatando com minúncia e pormenor a ocorrência dos mesmos, dispensando-se outras considerações a respeito por se entender, na senda da jurisprudência constante das nossas instâncias superiores, que a motivação da decisão da matéria de facto não deve ser entendida como uma «mera» descrição daquilo que os intervenientes relataram em julgamento, em jeito de «assentada», sendo tal tarefa impertinente e, com o tal desnecessária (exceptuando, claro está, as referências pontuais àquilo que os intervenientes declararam em sede de audiência de julgamento para enfatizar ou ilustrar certos e determinados pontos, como supra fizemos, mas não mais do que isso), dado que tais depoimentos se encontram gravados.
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Sem embargo, importa tecer, isso sim, algumas considerações adicionais em ordem a explicar e justificar as razões pelas quais se atribuiu veracidade e credibilidade a tais depoimentos prestados pelos militares da GNR, para que fossem decisivos na formação da convicção do julgador quando deu aquela factualidade como provada, nisso constituindo justamente o exame crítico da prova reivindicado ao julgador 12 13.
Assim:
(i) Quanto às suas razões de ciência
Esclareça-se que o julgador emprestou credibilidade e relevância a taisdepoimentos prestados pelos militares da GNR, CC e DD, por os mesmos terem sido prestados por quem evidenciou ter um conhecimento directo e pessoal dos factos sobre os quais depuseram, já que foram intervenientes directos nos factos aqui em apreciação.
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(ii)Quanto à credibilidade, seriedade, isenção e coerências interna e externa
Outrossim nesta sede ─ axial para se poder dar credibilidade e veracidade aos depoimentos ─ deve esclarecer-se que os referidos depoimentos dos militares da GNR CC e DD, de acordo com a nossa imediação e oralidade, se revelaram sérios e isentos, estando além disso dotados de coerência interna e externa, quando conjugados com a demais prova documental junta aos autos.
Vejamos melhor esta asserção.
É que este tribunal, de acordo com a sua imediação e oralidade, ficou com a legítima convicção de que tais testemunhos foram prestados de forma séria, isenta e coerente, quando relataram os factos aqui em apreciação; estribando ainda este tribunal tal percepção na forma e modo como os seus depoimentos foram prestados em sede de audiência de julgamento, rectius, na forma séria e isenta com que depuseram, evidenciando que aquilo que relatavam tinha efectivamente ocorrido na realidade, estando ausente qualquer teoria da conspiração, manipulação de factos ou invenção de factos apenas para lograrem uma «condenação do arguido», enfim... tal intento parece estar ausente nestes depoimentos.
Por fim, dever-se-á ainda realçar que as referidas testemunhas militares da GNR prestaram os seus depoimentos de forma espontânea, séria e desinteressada, sendo além disso alguns elementos da autoridade pública que, pelo menos, se presumem cumpridores da legalidade vigente, nada os movendo contra o arguido, nem se retirando de tais depoimentos que os mesmos tivessem «inventado» tal ocorrência, para deliberadamente prejudicar o arguido, diga-se.
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Especificamente, ainda, quanto aos factos dados como provados vertidos no ponto 17), colheram a sua demonstração com base no depoimento prestado pela testemunha CC nos termos indicados supra, em conjugação com a análise cuidada e atenta do teor do relatório pericial médico-legal junto aos autos a fls. 62 e ss., valorado de acordo com o art. 163.º do C.P.P., cujos teores se dão aqui por reproduzidos para os legais efeitos, que oferecem uma comprovação objectiva e complementar.
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Por outro lado, atentos o circunstancialismo e o modo de execução dos factos materiais pelos arguidos nos termos supra apurados, deve dizer-se que resulta das regras da experiência comum e da normalidade da vida que aqueles actuaram com cognoscibilidade e intencionalidade 14 15 nos termos supra apurados, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e puníveis por lei, assim se dando especificamente como provados os factos vertidos nos pontos 18) a 25).

Com efeito, e como já se referiu supra, deve esclarecer-se que a prova dos elementos subjectivos e conhecimento da ilicitude dos crimes imputados aos arguidos se extrairam do acervo factual objectivamente considerado assente, atendendo às regras de experiência comum e mediante presunções naturais, que impõem para o mediano cidadão com idade igual ou superior a 16 anos e não afectado por qualquer causa de inimputabilidade, como é a situação em apreço, um conhecimento subjectivo do conteúdo e do resultado da conduta empreendida, bem como do seu carácter penalmente proibido.
Nos termos expostos, ponderando todos os elementos de prova referidos, analisados de forma crítica e ponderados segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do julgador, este tribunal não teve dúvidas em considerar provados os factos supra indicados. Ou seja, depois de produzidas todas as provas julgadas pertinentes, dever-se-á esclarecer (e enfatizar) que nenhuma dúvida razoável (i. e «a doubt for which reasons can be given») se formou no espírito do julgador neste domínio, que impusesse a aplicação do princípio in dúbio pro reo. 16
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Quanto aos factos dados como provados vertidos nos pontos 26) e 27), deve dizer-se que os mesmos colheram a sua demonstração positiva com base na análise da factura hospitalar de fls. 83-85 e das despesas de saúde de fls. 112-114, em conjugação com a demais prova testemunhal e pericial produzida a respeito, nos termos supra explanados e que aqui nos dispensamos de reproduzir.
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Quanto aos dados pessoais, familiares e profissionais dos arguidos vertidos nos pontos 28) a 30) e 32) a 34), o tribunal considerou as declarações prestadas pelos mesmos em sede de TIR e, bem assim, os resultados obtidos pelas pesquisas realizadas junto das bases de dados disponibilizadas pela Segurança Social e Registo de Propriedade Automóvel, cujos teores se dão aqui por reproduzidos para os legais efeitos.
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Por fim, relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos consignados nos pontos 31) e 35), tiveram-se em consideração o teor dos seus C.R.C.`s juntos aos autos.
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Relativamente à matéria de facto dada como não provada nas alíneas e b), deve esclarecer-se que a convicção negativa do tribunal resultou de sobre a mesma não ter sido produzida prova em audiência, necessária e suficiente, para habilitar o tribunal a decidir com a segurança que a lei exige, como supra melhor se explicitou e que aqui nos dispensamos de voltar a reproduzir. “
1 Na sequência da prova produzida em julgamento, o Tribunal procedeu a meras concretizações ou explicitações da matéria factual imputada aos arguidos, não tendo, porém, autonomia na aferição da sua responsabilidade criminal, por não ter «relevo para a decisão da causa» na fórmula utilizada pelo art. 358.º, n.º 1 doC.P.P..
2 De acordo com Paulo de SOUSA MENDES, A Prova Penal e as Regras da Experiência, in Direito da Investigação Criminal e Prova, Almedina, 2014, p. 129: «As regras da experiência servem para produzir prova da primeira aparência (prima facie evidence), na medida em que desencadeiam presunções judiciais (presumptio judicis), simples, naturais, de homem, de facto ou de experiência (por todas estas designações se tornaram conhecidas), que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, mas se baseiam apenas na experiência da vida.».
3 «Vérité» no Tomo VII do Dictionnaire Philosophique (orig. 1764), em Oeuvres completes de Voltaire, Paris, 1829, pp. 396-400. No mesmo sentido, João de CASTRO MENDES, Do Conceito de Prova em Processo Civil, Lisboa, 1961, p. 321.
4 Na expressão do Código de Processo Civil alemão, o tribunal deve dicidir «se uma alegação de facto deverá ter-se por verdadeira ou falsa» (ob eine tatsächliche Behauptung für wahr oder für nicht wahr zu erachten sei). Cf. o § 286 I ZPO (Freie Beweiswürdigung).
5 J. CASTRO MENDES, in op. cit., p. 324.
6 Como bem se lembra no acórdão da Relação do Porto, de 09-12-2015, relatado por Eduarda LOBO, disponível em www.dgsi.pt: «I -A fundamentação, na sua projecção exterior, funciona como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite da verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão, e na perspectiva intraprocessual, está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos. II – O exame crítico da prova consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. III – A razão de ser da exigência da exposição, dos meios de prova, é não só permitir o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, mas também assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.».
7O valor da prova baseada em declarações ou testemunhos mede-se em CREDIBILIDADE, factor que será composto pelos seguintes subfactores: (i) Seriedade (boa motivação da testemunha para depor); (ii) Isenção (falta de interesse na causa – pode estar ligada à anterior); (iii) Razão de Ciência (fonte de conhecimento dos factos); (iv) Coerência lógica: - Interna (depoimento confrontado consigo mesmo); - Externa (depoimento confrontado com os demais). É no âmbito da coerência lógica que podem (e devem) ser ponderados aspectos como o rigor (total coerência interna) e a forma objectiva (ausência de divagações, ou depoimento sobre factos irrelevantes). A lógica é equiparada às leis matemáticas. As leis que determinam que um determinado acontecimento só se pode ter verificado dessa maneira e não de outra qualquer. Se a lógica pura e simples não der resposta, aí entra em consideração a livre apreciação do juiz, a sua livre convicção, segundo regras da experiência – [art. 127.º do C.P.P.]
8 É que como se sabe a reconstrução mnemónica do passado encontra-se sujeita a muitos factores de distorção. Investigações empíricas têm evidenciado que a informação percepcionada disponível diminui de forma contínua com o tempo. Assim, em relação ao material considerado irrelevante, calcula-se que cerca de 80% a 90% do memorizado cai no esquecimento num intervalo de 24 horas. Mesmo em relação às informações que reputamos significativas, e que testamos durante mais tempo, muitos dados colaterais vão-se esbatendo - [cf. L.C. NEUBURGER, Esame e controesame nel processo penale – diritto e psicologia, Pádua, Cedam, 2000, 64 e ss., apud de Alberto MEDINA DE SEIÇA, Legalidade da prova e reconhecimentos «atípicos» em processo penal, in Liber Discipulorum para Jorge de FIGUEIREDO DIAS, p. 1397, nota (28)]
9 Neste domínio, há na doutrina quem sufrague o entendimento de que o auto de notícia, enquanto documento autêntico, faz fé em juízo, até prova em contrário, estribando-se para tal no art. 169.º, in fine, do Cód. Proc. Penal, quando estatui que: «consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto (…) não forem fundadamente postas em causa». Sendo que, argumentam quem acolhe tal tese, que a força probatória dos autos de notícia resulta da lei. Não resulta da presença física do polícia em audiência. Havendo quem vá mais longe e que entenda que não é licita a pretensão dos sujeitos processuais de exigir que o polícia ou outra entidade pública, reproduza ou se lembre, em audiência, dos factos (de há meses ou anos e entre dezenas ou centenas de autos …) relatados nos autos de notícia, e muito menos é lícita a frequentíssima falta de urbanidade [quando não juízos de (des)valor] contra tais pessoas entes-públicos; e isto, na maior parte das vezes, quando nem sequer vêm impugnados os factos relatados no auto de notícia ou então o arguente se limita a contar uma história (barro à parede), muitas vezes abusivo-preconceituosa. A entidade pública, policial ou não, não tem nenhum dever de provar o que a lei considera provado. Compete, em nossa opinião, ao arguente «fundadamente» pôr em causa o que tiver e provar o que alega [cf. Manuel FERREIRA ANTUNES, Contra-Ordenações e Coimas, Anotado e Comentado, p.473]. Ensina ainda Germano MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, que: «O auto de notícia é um documento que vale como documento autêntico quando levantado ou mandado levantar por autoridade pública (art. 363.º, n.º2 do CC), seja autoridade judiciária ou autoridade policial e, por isso, faz prova dos factos materiais dele constantes nos termos do citado art.º 169.º do CPP». Também João SOARES RIBEIRO nos diz que: «Sendo, como é, o auto de notícia um documento autêntico a sua força probatória advém precisamente do que determina o mesmo Código “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem (…)”.».
10 Esclareça-se, porém, que para nós o auto de notícia, por oposição ao mero «auto» ou «acta», documenta também uma prova testemunhal, não se destinando apenas a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolam os actos processuais. Quando uma autoridade policial presenciou a prática de um crime, faz uma narração escrita daquilo que presenciou. Pelo que o auto de notícia tem um regime próprio, constante do art. 243.º do C.P.P.. O auto de notícia é um acto processual em sim mesmo, mas não documenta só actos processuais. O auto de notícia documenta os próprios factos que constituem a infracção criminosa, pelo que o art. 99.º do C.P.P. não se aplica, sem mais, ao auto de notícia e, assim, também não se aplica o art. 169.º do mesmo diploma, por remissão do n.º4 do citado art. 99.º Ora, o Código de Processo Penal privilegia o princípio da imediação e da oralidade na criação da convicção do julgador. O auto de notícia não pode ser uma excepção ao in dubio pro reo ou ao princípio da presunção de inocência do arguido, servindo para condenar o arguido em caso de dúvida ou falta de prova suficiente para a condenação. Qualquer presunção de verdade dos factos descritos no auto de notícia seria uma excepção ao princípio da livre apreciação da prova e da livre convicção do julgador. Ademais, sempre pode o tribunal, segundo o princípio da investigação, carrear para o processo prova que contrarie o conteúdo do auto de notícia, pelo que uma prova tarifada de valor vinculado, colidiria, mais uma vez, com o princípio do in dubio pro reo. Tal implicaria ainda emprestar um especial ónus da prova ao arguido, que assim teria de trazer prova em contrário para o processo, sendo que, mantendo-se passivo, seria condenado apenas com base no auto de notícia. Destarte, para verificar da ocorrência dos factos relatados no auto de notícia, o juiz tem de ouvir a testemunha, acerca da correspondência entre o que está aí narrado e o que realmente se passou, bem como acerca da sua razão de ciência.
11 Também Paulo de SOUSA MENDES, Lições de Direito Processual Penal, p. 222, ensina que: «Quanto à prova por documento autêntico [onde se incluem os autos de notícia elaborados por agentes da autoridade pública pelos factos que presenciaram, acrescentamos nós] ou autenticado, a autencidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo podem ser postas em causa. Enfim, não basta pô-las em causa, é preciso “fundadamente”, diz o art. 169.º. Mas não é necessário fazer prova da sua falsidade. Portanto, os documentos autênticos e autenticados não têm o valor de prova plena, que é aquela que só cede diante da prova do contrário, nem, muito menos, o valor de prova pleníssima. Diferentemnente do que se passa em processo civil, onde os factos abrangidos pela força probatória do documento autêntico ficam plenamente provados e esta prova plena só pode ser afastada mediante arguição e prova de falsidade.».
12 Como já se enfatizou, o valor da prova baseada em declarações ou testemunhos mede-se em CREDIBILIDADE, factor que será composto pelos seguintes subfactores: (i) Seriedade (boa motivação da testemunha para depor); (ii) Isenção (falta de interesse na causa – pode estar ligada à anterior); (iii) Razão de Ciência (fonte de conhecimento dos factos); (iv) Coerência lógica: -Interna (depoimento confrontado consigo mesmo); - Externa (depoimento confrontado com os demais). É no âmbito da coerência lógica que podem (e devem) ser ponderados aspectos como o rigor (total coerência interna) e a forma objectiva (ausência de divagações, ou depoimento sobre factos irrelevantes). A lógica é equiparada às leis matemáticas. As leis que determinam que um determinado acontecimento só se pode ter verificado dessa maneira e não de outra qualquer. Se a lógica pura e simples não der resposta, aí entra em consideração a livre apreciação do juiz, a sua livre convicção, segundo regras da experiência – [art. 127.º do C.P.P.]
13 Como bem se lembra no acórdão da Relação do Porto, de 09-12-2015, relatado por Eduarda LOBO, disponível em www.dgsi.pt: «I - A fundamentação, na sua projecção exterior, funciona como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite da verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão, e na perspectiva intraprocessual, está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos. II – O exame crítico da prova consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. III – A razão de ser da exigência da exposição, dos meios de prova, é não só permitir o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, mas também assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.».
14 Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24-05-2005, disponível em www.dgsi.pt.: donde se retira que: «pertencendo ao foro interno do agente, o dolo é insusceptível de directa apreensão, apenas sendo possível captar a sua existência através de factos materiais que lhe dêem expressão plástica, segundo as regras da experiência comum.».
15 Como ensinava Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, Vol. II, p. 292: «Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica»; sufragando esta asserção, diz-nos N. F. MALATESTA, A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pp. 172 e 173: «Exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intelectual, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita, e dessas coisas passa-se a concluir pela sua existência.».
16 Com efeito, apenas nos casos em que se forma uma situação de dúvida razoável e insuperável no espírito do julgador deve necessariamente ser resolvida em benefício da presunção de inocência do arguido, em obediência ao seu corolário probatório in dubio pro reo -[art. 32.º, n.º2 da C.R.P.; art. 11.º, n.º1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948; e art.º 6.º, n.º2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que foi aprovada, para ratificação, pela Lei n.º65/78, de 13 de Outubro]. Sem embargo, importa, pois, expender outras singelas considerações adicionais sobre a teleologia e o recorte jurídico do aludido princípio do in dubio pro reo, tendo em vista a fundamentar-se a sua não aplicação ao caso. Desde já se diga que a prova em processo penal, não é, nem pode ser nunca, a certeza absoluta da ocorrência do facto [ela tem como função, para usar a expressão do art. 341.º do Cód. Civil, a demonstração da realidade dos factos], em razão da impossibilidade de fuga à deformação sofrida até à apreensão pelo receptor dos factos. É, aliás, da natureza das coisas e, como é afirmado, «suspeita, dúvida, certeza, evidência, são etapas de um caminho até à verdade» – [cf. Sentis MELENDO, apud de Miguel PEDROSA MACHADO, O princípio in dubio pro reo e o novo CPP, ROA 49, pp. 583 a 611]. Os factos, quando ocorrem, esgotam-se em si mesmos, tornando impossível a sua reconstituição natural. O que se pretende – e pretendeu – fazer nesta fase de instrução foi reconstituir o que se passou, através do que ficou retido naqueles que nela testemunharam por estarem presentes. Assim, a verdade que surge ao Tribunal é a verdade da instrução, do que nela se passou, já com o filtro do tempo e com os depoimentos dos arguidos, dos assistentes e das testemunhas, com o perigo que estes trazem ínsitos: como assinalava a doutrina, «o erro espreita insidiosamente a decisão, pelo lado do testemunho verbal» – [veja-se Dário MARTINS DE ALMEIDA, O Livro do Jurado, p. 94] e são elas, as testemunhas, justamente «os auxiliares do juiz, são os olhos e os ouvidos da justiça» – [vejam-se Pietro ELLERO, citando MITTERMAIER, De la certidumbre en los juicios criminales o Tratado de la Prueba en matéria penal, p. 114; vd., por todos, quanto à apreciação da prova testemunhal, pp. 109 a 132]. Continuando na doutrina, sendo incerta a prova impõe-se ao Tribunal que não use um critério formal, como resultante do ónus legal da prova, para decidir da condenação do arguido, a qual terá sempre que assentar na certeza dos factos probandos, impondo-se antes o recurso ao princípio de direito probatório in dubio pro reo, comportando o mesmo a presunção de inocência do arguido – [cf., neste domínio, Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, Direito Penal Português, I, p. 111]. Trata-se, com efeito, de um princípio vigente no que diz respeito à decisão da questão-de-facto. Quer se entenda que constitui «um princípio natural de prova imposto pela lógica e pelo senso moral, pela probidade processual» – [veja-se, neste ponto, CAVALEIRO DE FERREIRA, in op. cit., p. 310], quer como princípio fundamental do processo penal em qualquer Estado de Direito – [cf. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, p. 214], trata-se de um princípio indiscutível no que concerne à apreciação da prova na decisão da questão-de-facto. Tanto no que diz respeito à prova dos elementos constitutivos do crime, como à prova dos factos extintivos ou causas de exclusão da responsabilidade criminal – [vejam-se, neste domínio, Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, in op. cit., p. 312, e Jorge de FIGUEIREDO DIAS, in op. cit., p. 215]. Tal princípio, em suma, significa que «em caso de dúvida razoável», após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido – [veja-se a formulação de J. FIGUEIREDO DIAS, in op. cit., p. 215]. Já se vê assim, que não é uma qualquer dúvida que obriga à aplicação do referido princípio, mas apenas a dúvida razoável, que persiste no espírito do julgador, após a produção de todas as provas e sua avaliação de acordo com a lei e as regras da experiência comum, nos termos acima referenciados. Se após a ponderação da prova – toda a prova – o julgador se convenceu, com base numa análise objectiva e racional, de acordo com os critérios legais e doutrinais de valoração da prova sem que no seu espírito se tenha instalado a dúvida consistente ou razoável, não se verifica, pois, a violação de tal princípio axial do processo penal.”

Apreciando:
Recurso do arguido AA:
Impugnação da matéria de facto provada sob o n.º 31:
Manifesta o recorrente que por relação ao conteúdo do facto provado 31 [O arguido regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal, nos termos seguintes:
• No âmbito do proc. comum singular n.º 778/17.2GFSTB do Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 2, por sentença datada de 27-05-2021, transitada em julgado em 07-09-2021, o arguido foi condenado pela prática, em 22-11-2017 e em 27-11-2017, respectivamente, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e um crime de falsificação de documento, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de € 6,00;
• No âmbito do proc. sumário n.º 281/21.6GFSTB do Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 2, por sentença datada de 01-06-2021, transitada em julgado em 07-09-2021, o arguido foi condenado pela prática, em 17-05-2021, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;
• No âmbito do proc. comum colectivo n.º 37/15.5GAMTA do Juízo Central Criminal de Almada – Juiz 3, por acórdão datado de 12-02-2016, transitado em julgado em 24-07-2016, o arguido foi condenado pela prática, em 14-01-2015, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e um crime de violência doméstica, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com imposição de regras de conduta.] se verifica uma errada valoração da prova pois, dos CRC´S inseridos no processo e que descriminou, constata-se que os antecedentes criminais referidos naquele facto não têm correspondência com essa prova documental.
Considerando a impugnação do facto em questão como observando o disposto no art.º 412º n.ºs 3 e 4 CPP – sendo quanto a este último dos números apenas se verifica a necessidade de indicação da prova documental que impõe decisão diversa da vertida no facto – diremos que a prova documental referida pelo recorrente de terá de cingir somente ao certificado de registo criminal entrado nos autos em data imediatamente anterior à sentença porque se apresenta como o mais actualizado para a elaboração da sentença, não se atendendo aos posteriores à data da prolação da decisão final – 4.01.2022 – porquanto não poderiam ser nesta atendidos.
Assim, consultado o CRC de 11.11.2021 – ref.ª 93549756 - constata-se que nele consta apenas uma condenação do arguido recorrente: No P.º 37/15.5GAMTA por acórdão de 12.02.2016, transitado a 24.07.2016,. pela prática de um crime de resistência e coacção a funcionário, do art.º 374º CP, e de dois crimes de violência doméstica a cônjuge ou análogo, do art.º 152º n.º 1 al. a) CP, cometidos a 14.01.2015, condenado na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos e sujeição a regras de conduta.
Procede assim a impugnação do facto em questão que importa alterar no seguinte sentido, eliminando as duas primeiras condenações nele inseridas:
“O arguido regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal, nos termos seguintes:
No P.º 37/15.5GAMTA por acórdão de 12.02.2016, transitado a 24.07.2016,. pela prática de um crime de resistência e coacção a funcionário, do art.º 374º CP, e de dois crimes de violência doméstica a cônjuge ou análogo, do art.º 152º n.º 1 al. a) CP, cometidos a 14.01.2015, condenado na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos e sujeição a regras de conduta.”

Impugnação da matéria de direito por errada valoração dos antecedentes penais:
Considera o recorrente que, na sequência da correcção do facto impugnado a que acabámos de nos referir, a alteração introduzida no facto apresenta consequências em matéria de direito, na medida em que as considerações desenvolvidas na decisão, mormente em sede de determinação da medida da pena, sejam as parcelares seja a pena única, se mostram incorrectas e, por essa via deveria ser alterada a decisão.
Vejamos o que se mostra inserido na decisão e que manifesta uma errada apreciação do passado criminal do arguido, o que não pode ser dissociada da terceira das questões postas pelo recorrente - erro de julgamento em matéria de direito quanto à medida das penas, parcelares e única – que apreciaremos em conjunto:
“… a determinação da medida concreta da pena é feita em função das necessidades de prevenção e da culpa do agente, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71.º do Cód. Penal). Entre outras circunstâncias, haverá que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (n.º2 do art. 71.º do Cód. Penal).
Em suma: no que respeita à medida concreta da pena, a mesma terá como limite máximo a culpa do agente revelada nos factos por si praticados [cf. art. 40.º, n.º 2 do Cód. Penal], e terá de se mostrar adequada a assegurar as exigências de prevenção geral ― que, in casu, são prementes, dado o elevado número de ilícitos desta natureza, tornando necessário uma efectiva afirmação da validade da norma violada, por via da reprovação das condutas ilícitas ―, e especial, nos termos do disposto nos artigos 40.º, n.º1, e 71.º, n.º1, ambos do Cód. Penal.
Com efeito, as imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida da pena, em função da reafirmação da validade das normas e valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
Sendo certo que na determinação da medida da pena ter-se-ão em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no art. 71.º, n.º2 do Cód. Penal.
Passemos, então, à análise das circunstâncias que o citado art. 71.º do Cód. Penal, exemplificativamente, enumera e que aqui devemos atender na operação da fixação da pena concreta.
Há assim que ponderar:
(i) Quanto ao arguido AA
Do crime de resistência e coacção sobre funcionário
Contra o arguido depõem:
- O dolo, como directo que é, não merece grande reflexão, encontrando-se no expoente máximo do grau de culpa.
- O grau de ilicitude dos factos: é, apesar de tudo, mediano, atendendo ao modo de execução dos factos nos termos supra descritos, estando tal ilicitude algo mitigada pelo contexto conturbado no âmbito do qual tais factos foram praticados por este arguido, denunciando, ainda assim, uma manifesta falta de respeito e indiferença pela consideração pessoal e profissional do militar da GNR visado;
- O grau de culpa do arguido: que se afigura outrossim mediano, atendendo a que o arguido tinha liberdade para se conformar com a norma violada, demonstrando a sua conduta delitiva, ao invés, uma censurável atitude de violar tal norma.
- As necessidades de prevenção especial mostram-se atendíveis, dado que o arguido já regista antecedentes criminais, um dos quais justamente pela prática de um crime de igual natureza, denotando já alguma tendência criminosa neste domínio.
*
A favor do arguido depõem:
- As condições pessoais do arguido que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas.
Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido, pela prática de um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, de uma pena concreta de um (1) ano e nove (9) meses de prisão.
(…)

Do crime de condução perigosa de veículo rodoviária em especial
Contra o arguido depõem:
• O grau de ilicitude dos factos: que se afigura, apesar de tudo, elevado, atentendo ao modo como os mesmos foram cometidos pelo arguido.
• O grau de culpa do arguido: que se afigura outrossim elevado, atendendo a que o arguido tinha liberdade para se conformar com a norma violada, demonstrando a sua conduta delitiva, ao invés, uma censurável atitude de violar tal norma.
• A intensidade do dolo do arguido: que reveste a forma de dolo directo, de acordo com o art. 14.º, n.º1 do Cód. Penal.
• As necessidades de prevenção especial mostram-se atendíveis, dado que este arguido já regista antecedentes criminais averbados no seu CRC.
*
A favor do arguido depõem:
• As condições pessoais do arguido que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas.
Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido, pela prática de um (1) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, de uma pena concreta de cento e vinte (120) dias de multa.
*

Quanto à fixação do quantitativo diário da multa, deve dizer-se que a mesma deve ser fixada entre € 5,00 e € 500,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais – [art. 47.º, n.º2 do C.P.]
Como se expressa no acórdão do STJ de 02-10-1997, in CJ/ASTJ, t. 3, p. 187, «o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar», de modo a realizar suficientemente as finalidadas visadas pela pena de multa, acrescentamos nós.
Assim sendo, e tendo em consideração a concreta situação económica do arguido, afigura-se-nos ajustado fixar uma taxa diária de seis euros (€ 6,00), para a pena de multa aplicada.
*
Do crime de injúria agravada em especial
Contra o arguido depõem:
- O dolo, como directo que é, não merece grande reflexão, encontrando-se no expoente máximo do grau de culpa.
- O grau de ilicitude dos factos: é, apesar de tudo, mediano, atendendo ao modo de execução dos factos nos termos supra descritos, estando tal ilicitude algo mitigada pelo contexto conturbado no âmbito do qual tais expressões de cariz injurioso foram proferidas pelo arguido contra o agente da autoridade, denunciando, ainda assim, uma manifesta falta de respeito e indiferença pela consideração pesssoal e profissional do visado;
- O grau de culpa do arguido: que se afigura outrossim mediano, atendendo a que o arguido tinha liberdade para se conformar com a norma violada, demonstrando a sua conduta delitiva, ao invés, uma censurável atitude de violar tal norma.
- As necessidades de prevenção especial mostram-se atendíveis, dado que este arguido já regista antecedentes criminais averbados no seu CRC.
*
A favor do arguido depõem:
- As condições pessoais do arguido que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas.
Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação a este arguido, pela prática de um (1) crime de injúria agravada, de uma pena concreta de quarenta (40) dias de multa.
*
Quanto à fixação do quantitativo diário da multa, deve dizer-se que a mesma deve ser fixada entre € 5,00 e € 500,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais – [art. 47.º, n.º2 do C.P.]
Como se expressa no acórdão do STJ de 02-10-1997, in CJ/ASTJ, t. 3, p. 187, «o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar», de modo a realizar suficientemente as finalidadas visadas pela pena de multa, acrescentamos nós.
Assim sendo, e tendo em consideração a concreta situação económica do arguido, afigura-se-nos ajustado fixar uma taxa diária de seis euros (€ 6,00), para a pena de multa aplicada.
*
Do crime de desobediência em especial
Contra o arguido depõem:
- O grau de ilicitude dos factos: que se afigura, apesar de tudo, mediano, atendendo ao modo como foram praticados os factos objecto dos presentes autos e que se deixaram atrás descritos.
- A intensidade do dolo do arguido: que reveste a forma de dolo directo, de acordo com o art.º 14.º, n.º1 do Cód. Penal.
- As necessidades de prevenção geral: importa acautelar e sublinhar a consciência que os cidadãos em geral têm de tomar em relação ao acatamento das legítimas ordens da autoridade.
- As necessidades de prevenção especial mostram-se atendíveis, dado que este arguido já regista antecedentes criminais averbados no seu CRC.
*
A favor do arguido depõem:
- As condições pessoais do arguido que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas.
*
Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação a este arguido, pela prática de um (1) crime desobediência, de uma pena concreta de sessenta (60) dias de multa.
*
Quanto à fixação do quantitativo diário da multa, deve dizer-se que a mesma deve ser fixada entre € 5,00 e € 500,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais – [art. 47.º, n.º2 do C.P.]

Como se expressa no acórdão do STJ de 02-10-1997, in CJ/ASTJ, t. 3, p. 187, «o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar», de modo a realizar suficientemente as finalidadas visadas pela pena de multa, acrescentamos nós.
Assim sendo, e tendo em consideração a concreta situação económica do arguido, afigura-se-nos ajustado fixar uma taxa diária de seis euros (€ 6,00), para a pena de multa aplicada.
*
DO CÚMULO JURÍDICO DAS PENAS DE MULTA APLICADAS AO ARGUIDO AA
Apuradas as penas de multa parcelares aplicáveis aos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, de injúria agravada e de desobediência praticados pelo arguido AA, cumpre agora efectuar o cúmulo jurídico, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 77.º do Cód. Penal.
Ora, de acordo com o disposto no n.º2 do citado art. 77.º do Cód. Penal: «A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.».

Assim, nos termos desse n.º 2, no caso concreto, a moldura penal a aplicar ao arguido AA passa a ter como limite máximo duzentos e vinte (220) dias de multa, e como limite mínimo cento e vinte (120) dias de multa.
Para a realização do necessário cúmulo jurídico das penas parcelares, importa ainda ter em consideração a personalidade do agente e, bem assim, o conjunto dos factos.
Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, o agente é punido tendo em atenção não apenas um mero somatório dos factos individualmente praticados, mas antes de forma mais elaborada, dando especial atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova que abrange o conjunto dos factos, a gravidade do ilícito global praticado, a culpa, as exigências gerais de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (ou seja, as exigências de prevenção especial de socialização) – [cf. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 290-292]
Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – [cf. J.FIGUEIREDO DIAS, in op. cit., § 421]
Operando-se, destarte, o respectivo cúmulo jurídico das penas parcelares, tendo em consideração a personalidade do agente, acha-se ajustado, adequado e proporcional, tendo em consideração os elementos já atrás aduzidos, aplicar ao arguido, pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um (1) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, de um (1) crime de injúria agravada e um (1) crime de desobediência, uma pena única de cento e oitenta (180) dias de multa.
*
Quanto à fixação do quantitativo diário da multa, deve dizer-se que a mesma deve ser fixada entre € 5,00 e € 500,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais – [art. 47.º, n.º2 do C.P.]
Como se expressa no acórdão do STJ de 02-10-1997, in CJ/ASTJ, t. 3, p. 187, «o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar», de modo a realizar suficientemente as finalidadas visadas pela pena de multa, acrescentamos nós.
Assim sendo, e tendo em consideração a concreta situação económica do arguido possível de apurar, afigura-se-nos ajustado fixar uma taxa diária de seis euros (€ 6,00), para a pena única de multa aplicada.;” (sublinhados nossos)
A leitura do excerto citado e os segmentos do mesmo que se mostram sublinhados na realidade, apesar da alteração do facto 31 provado em que se mostra ter o arguido sofrido apenas uma condenação, ainda assim, não se mostra longe da realidade uma vez que a condenação, agora referida no facto, comportou três crimes: um deles de idêntica natureza a um dos que constituem o obejcto dos presentes autos e, dada a técnica seguida na elaboração da decisão sob recurso, não poderia deixar de ser referido, na determinação de cada uma das penas parcelares, a existência de anteriores antecedentes penais – permitindo a expressão utilizada no texto “este arguido já regista antecedentes criminais averbados no seu CRC.” uma leitura conforme à realidade que se mostra inserida no facto dada a pluralidade de crimes inserida nesse procedimento/condenação.
Para além disso, face à concreta referência ao crime de idêntica natureza - crime de resistência e coacção a funcionário – indicado na sentença, podemos dizer que na verdade– embora se . apenas foi tida em conta a condenação relativa ao P. 37/15 identificado e não os outros dois.
Em suma, apesar da referência feita na sentença e no facto provado 31 quanto às três condenações, não se demonstra que a valoração dos antecedentes em questão tenha ultrapassado a condenação sofrida no indicado P.º 37/15.5GAMTA.
Por esta via e em consequência directa no quantum concreto das penas aplicadas, sejam as parcelares seja a única, não vemos razões determinantes para alterar o mesmo na medida em que , vistos os limites mínimos das molduras respectivas, essas penas mostram-se criteriosas, proporcionais à culpa do arguido manifestada nos factos, o grau de ilicitude revelado na sua conduta atentos os motivos invocados para o seu comportamento e que o tribunal pôs em destaque - o contexto conturbado que mitiga essa ilicitude – pelo que entendemos ser de manter as mesmas, parcelares e única.
Por outro lado, as penas acessórias estabelecidas, parcelares e única - também nãos e mostram desproporcionadas em resultado do que se afirmou pelo que serão de manter na sua exacta medida.

Errada fixação das custas.
Na conclusão XXVIII manifesta o recorrente que a alteração na determinação da medida das penas, na sua pretensão de as ver diminuídas, deveria reflectir-se no valor das custas processuais penais e cíveis.
Na decisão recorrida, decretou-se o seguinte quanto a custas:
l) Mais condeno cada um dos arguidos no pagamento dos encargos do processo [art. 514.º, n.º1 do C.P.P.], fixando-se a taxa de justiça, para cada um deles, em três (3) UC – [artigos 374.º, n.º4, e 513.º, n.º1 do C.P.P., e art. 8.º, n.ºs 9 e 16 do R.C.P. e tabela III a este anexa];

b) Condeno ainda cada um dos demandados supra id. no pagamento das custas na acção cível, em taxa fixada em função dos termos da condenação – [art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil, na redacção dada pela Lei n.º41/2013, de 26 de Junho, aplicável ex vi do art. 523.º do Cód. Proc. Penal]
Acontece que a decisão de condenação em custas e a respectiva quantificação não se mostra dependente do quantum das penas concretas aplicadas e, muito menos, na parte tocante às custas cíveis que tem relação directa com o montante indemnizatório em cujo pagamento foi condenado.
A condenação em custas resulta do disposto no art.º 513º CPP:
1 - Só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.
2 - O arguido é condenado em uma só taxa de justiça, ainda que responda por vários crimes, desde que sejam julgados em um só processo.
3 - A condenação em taxa de justiça é sempre individual e o respectivo quantitativo é fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais. (…)”.
e, quanto às de natureza cível, o disposto no art.º 523º CPP
À responsabilidade por custas relativas ao pedido de indemnização civil são aplicáveis as normas do processo civil.”
tal como se mostra expressamente referido na decisão.
A fixação de taxas de justiça criminal, por sua vez, não se mostra dependente da maior ou menor expressão da pena aplicada, mas tão somente do tipo de processo – tabela III a que se referem os n.ºs 7 e 9 do artigo 8.º do Regulamento de Custas Processuais – sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela III.
Nenhuma censura merece, pois, a condenação em custas decretada.

Recurso do arguido BB:
Erro de julgamento em matéria de direito quanto ao preenchimento do conceito de violência do artigo 347º n.º 1 do CP:
A discordância do recorrente mostra-se dirigida à integração jurídica dos factos provados no tocante ao crime de resistência e coacção sobre funcionário cuja responsabilização penal lhe foi atribuída na parte em que foi considerado que a concreta atuação do arguido dada como provada na interacção com o militar CC, saindo do interior do veículo de matrícula 10-94-JD e dirigiu-se àquele militar, acercando-se por detrás do mesmo, após o que o agarrou pela zona abdominal com os seus dois braços, exercendo força, integra o conceito de violência usado pelo legislador no artigo 347º n.º 1 do CP, ou seja, preenchido um dos elementos típicos do ilícito, sendo este o cerne da questão posta pelo recorrente que considera não se verificar.
Traz em abono da sua tese argumento relacionado com as especiais qualidades dos agentes de autoridade intervenientes, considerando que para o preenchimento do ilícito típico objectivo relevam as características do funcionário na sua situação concreta em que se encontra, incluindo as especiais capacidades e aptidões que são inerentes à sua função, como sejam as decorrentes da formação, treino ou adestramento ministrados com vista a poder resistir a níveis de oposição e constrangimento que sejam normalmente de esperar no exercício das suas funções, fazendo-o com apoio de referência doutrinária.
Vejamos o que se mostra argumentado na decisão recorrida quanto a este concreto aspecto:
Dispõe, nesta sede, o art. 347.º, n.º 1 do Cód. Penal, que comete um crime de resistência e coacção sobre funcionário: «Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um até cinco anos.».
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Do Bem Jurídico tutelado
Nas palavras de J. FIGUEIREDO DIAS 23, podemos definir bem jurídico como a «expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso.».
Como tal, as normas penais tutelam bens jurídicos, destinam-se a proteger bens jurídicos 24.
O bem jurídico protegido com a incriminação do artigo 347.º do Cód. Penal é a autonomia intencional do Estado 25. Autonomia intencional do Estado é «um dever que surge tão só na esfera jurídica de cada um no exacto momento em que for objecto de uma legítima decisão da autoridade pública: nesse momento, o seu dever genérico de respeitar a autoridade – condição imprescindível da existência da comunidade jurídica a que pertence e garante da paz jurídica comunitária, na qual mais facilmente se inserirá a sua paz pessoal – concretiza-se na obrigação principal de obedecer àquele mandado ou de respeitar determinadas providencias tomadas pela autoridade.» 26. Esta incriminação pretende proteger o interesse do Estado no desempenho das suas funções – «acautela-se a liberdade de acção pública do funcionário» –, no sentido de que sejam respeitadas as suas intenções estaduais. Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-09-2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, Ano X, Tomo III, pp. 182-184, no qual se pode ler «Da própria inserção sistemática do art. 347.º do C.P., conjugada com o seu teor, resulta que o bem jurídico que a lei especialmente quis proteger com a incriminação que contém, é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade funcional de actuação do seu funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, punindo, para o efeito, quem empregue violência ou ameaça grave contra este, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções ou para o constranger a que pratique acto relativo a esse exercício, mas contrário aos seus deveres.». Com efeito, não se confunde o bem jurídico da autonomia intencional do Estado com o bem jurídico eminentemente pessoal do funcionário que pratica o acto relativo ao exercício das suas funções, porquanto a norma pretende assegurar o valor da autoridade pública.
De facto, protege-se de modo reflexo ou acessório a pessoa do funcionário, porquanto a protecção da liberdade individual do funcionário, que pratica acto relativo ao exercício das suas funções, traduz-se apenas num meio para assegurar a autoridade do Estado 27.
O bem jurídico protegido pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário «é a autonomia intencional do Estado, protegida de ataques vindos do exterior da Administração Pública. Pretende evitar-se que não-funcionários ponham entraves à livre execução das "intenções" estaduais, tornando-as ineficazes. Se simultaneamente se protege a pessoa do funcionário incumbido de desempenhar determinada tarefa, a sua liberdade individual, essa protecção é tão só funcional ou reflexa. A liberdade do funcionário importa na estrita medida em que representa a liberdade do Estado. Na outra dimensão – na privada, na que possui como pessoa e como cidadão – não encontra resguardo neste tipo legal. Por outras palavras: acautela-se a liberdade de acção pública do funcionário, não a sua liberdade de acção privada» – [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-01-2007, processo n.º 06P1708, relator Soreto de Barros]
Na dogmática penal, o crime de resistência e coacção sobre funcionário configura um crime comum, uma vez que o agente do crime, enquanto sujeito activo, pode ser qualquer pessoa. Porém, não se encontra prevista a responsabilidade criminal das pessoas colectivas, conforme o disposto no art. 11.º, n.º 1 do Cód. Penal, a contrario. Quanto ao sujeito passivo, este tem de ser funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança 28.
Quanto ao objecto da acção, este tipo-de-ilícito é um crime de mera actividade 29, porquanto para a consumação deste crime exige-se apenas que a acção violenta ou ameaçadora seja idónea a impedir o funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança a concretizar a actividade prosseguida. Assim, não se exige que o agente impeça, de facto, o exercício da função pública, mas apenas que haja uma acção idónea para provocar o resultado, não sendo necessário que o resultado ocorra. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2009, processo n.º 28/07.0PEBRG, relatora Teresa Baltazar, disponível em www.dgsi.pt, com seguinte teor: «I – A resistência e coacção sobre funcionário não configura um crime de resultado, ou seja, não exige que o agente impeça, de facto, o exercício da função pública; basta que o agente se oponha com violência a este exercício (não sendo necessário que tal oposição tenha sucesso); trata-se, pois, de um crime de mera actividade.» 30.
Quanto ao bem jurídico, é um crime de perigo 31 não sendo necessária a efectiva lesão do bem jurídico, mas apenas que o bem jurídico que seja colocado em perigo. Por fim, o crime de resistência e coacção sobre funcionário é um crime de execução vinculada 32 uma vez que para o preenchimento do tipo, se exige o emprego de violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física.
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Elementos do tipo objectivo
O elemento do tipo objectivo do crime de resistência e coacção sobre funcionário compreende os seguintes elementos:
I) Que intervenha funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança;
II) Ocorra violência, incluindo a ameaça grave ou ofensa à integridade física;
III) Oposição a que o funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança pratique acto relativo ao exercício das suas funções;
IV) Constrangimento a que o funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres;
V) Desobediência ao sinal de paragem dado por funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, dirigindo contra aquele, veículo, com ou sem motor, conduzido na via pública ou equiparada, ou embarcação, pilotada em águas interiores fluviais ou marítimas, de forma a se opor a que o funcionário pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres.
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Do conceito de Funcionário ou Membro das Forças Armadas, Militarizadas ou de Segurança
No que toca à qualidade de funcionário, coloca-se a questão de saber, em primeiro lugar, o que se deve considerar como funcionário. O conceito de funcionário, em sentido amplo, encontra-se definido no art. 386.º do Cód. Penal, abrangendo todas as pessoas que desempenham funções em organismos de utilidade pública. Nas palavras de Paulo PINTO DE ALBUQUERQUE 33, sendo o crime de resistência e coacção sobre funcionário um crime contra a autoridade pública, tem todo o sentido a subsunção do conceito de funcionário definido no art. 386.º do Cód. Penal a este tipo de crime. Não obstante, atente-se que no n.º 2 do art. 347.º do Cód. Penal se prevê a desobediência ao sinal de paragem, o que impõe que se questione sobre qual o funcionário que tem o poder de dar ordem de paragem aos cidadãos. Sobre esta questão, Paulo PINTO DE ALBUQUERQUE34 defende que se deverá proceder a uma interpretação restritiva 35 do art. 347.º, n.º 2 do Cód. Penal, sob pena de, no caso contrário, ocorrer uma violação do princípio da proporcionalidade, pois que, nem todos os funcionários, na definição dada pelo art. 386.º do Cód. Penal, têm o poder de dar ordem de paragem aos cidadãos.
De facto, só os Magistrados Judiciais e do Ministério Público têm o poder legal de dar ordem de paragem aos cidadãos, nomeadamente com o poder de detenção fora de flagrante delito (artigos 254.º e 257.º, n.º 1 do Código de Processo Penal). Para saber a definição de membros das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, podemos, por um lado, recorrer à Lei Orgânica do Ministério da Defesa Nacional (Decreto-Lei n.º 183/2014, de 29/12)20, ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas (Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29/05) e à Lei de Segurança Interna (Lei n.º 53/2008, de 29/08). Atente-se que apenas os estatutos da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública definem estas entidades como forças de segurança. Por outro lado, a Lei n.º 53/2008, de 29/08 – Lei de Segurança Interna – no seu artigo 25.º, sob a epígrafe Forças e Serviços de Segurança, atribui funções de segurança, para além da Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública, aos seguintes organismos públicos: a Polícia Judiciária, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o Serviço de Informações de Segurança e ainda aos órgãos da Autoridade Marítima Nacional e do Sistema da Autoridade Aeronáutica.
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Dos conceitos de violência, incluindo a ameaça grave ou ofensa à integridade física
Conforme já se referiu supra, o crime de resistência e coacção sobre funcionário só pode ser cometido através do emprego de violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra o funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, e que, como refere José Luís LOPES DA MOTA, se desenvolve «em vista de uma finalidade específica dirigida à sua liberdade funcional de acção» 36
Assim, a violência inclui as formas de violência psíquica e de ofensa à integridade física, uma vez que, como se pode retirar do tipo normativo, a ameaça grave e a ofensa à integridade física são modalidades da violência. Passaremos à análise dos conceitos de violência, de ameaça grave e de desobediência a sinal de paragem.
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Do conceito de Violência
O conceito de violência 37 deve ser entendido do mesmo modo que no crime de coacção, que se encontra previsto e punido no artigo 154.º do Cód. Penal. Deste modo, por violência entende-se todo o acto de força, incluindo as formas de violência psíquica e ou de intervenção da força física, ou seja, «é o emprego da força física para vencer a resistência da vítima.» 38. A violência, tanto pode ser dirigida contra a vítima, sendo o corpo o objecto, como pode ser exercida no espírito da vítima, apta a eliminar ou a diminuir a sua resistência, p. ex. a cominação de um mal 39. Ponto evidente é que, tratando-se de um crime de execução vinculada, a violência exercida na pessoa do funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança deverá ser idónea a coagir, impedir ou dificultar a legítima actuação destas autoridades para que se possa considerar o crime de resistência e coacção sobre aquele funcionário consumado. Porém, coloca-se a seguinte questão: para aferir da idoneidade da violência, no que respeita aos membros das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, deverá ser utilizado um critério objectivo-individual em razão do homem comum (como por exemplo, para o crime de ameaça, previsto e punido pelo art. 153.º do Cód. Penal 40, ou um critério do homem médio? Julgamos que, estando em causa agentes com especiais qualidades, tais como são os membros das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, comparativamente ao cidadão comum, a adequação do meio da violência deverá ser aferida por um critério objectivo-individual, de acordo com as específicas circunstâncias do caso concreto. O critério da adequação deverá ser objectivo-individual assentando, nas palavras de Cristina LÍBANO MONTEIRO, “na idoneidade dessa violência ou ameaça para perturbar a liberdade de acção do funcionário. Assim, será natural que uma mesma acção integre o conceito de violência relevante nos casos em que o sujeito passivo for meio funcionário e seja desvalorizada quando utilizada para defrontar, por exemplo, um militar. Ou seja: nalgumas hipóteses desta concreta coacção que se considera, hão-de ter-se em conta não apenas as eventuais subcapacidades do coagido ou ameaçado, mas talvez sobretudo as suas “sobre-capacidades”.41
Ou seja, para a consumação do crime deverão relevar as características do funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, na situação concreta em que se encontram, devendo considerar-se adequada a violência que, tendo em conta essas características, é idónea a afectar a liberdade de acção daquele funcionário, impedindo ou condicionando-o a exercer as suas funções. 42
Como já referimos supra, não se exige para a consumação do crime que o agente impeça, de facto, o exercício do acto que estiver em causa. No entanto, exige-se um resultado intermédio, ou seja, que a acção violenta atinja de facto o seu destinatário ou destinatários, isto é, que os impeça de concretizar a actividade por estes prosseguida 43.
«1 - No conceito de violência do crime de resistência e coacção sobre funcionário uma coisa é alguém afirmar que não se sente ameaçado ao ver uma arma de fogo apontada à sua cabeça. Cada indivíduo reage à sua maneira, sendo certo que, pelo menos, alguns elementos policiais, até por dever de ofício, têm uma especial preparação para enfrentar situações perigosas, não sendo, pois de estranhar por aí além que afirmem não sentir medo ao se verem confrontados com armas de fogo.
2 - Outra coisa é o acto, em termos objectivos, de apontar uma arma de fogo à cabeça de alguém, num cenário que nada tem de hipotético, antes pelo contrário, é bem real (perseguição policial). Trata-se, deveras de um acto hostil, diferente, evidentemente, da agressão física, o qual consiste numa força moral que se emprega abusivamente contra alguém.» – [Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/01/2011, processo n.º 397/08.4JAAVR.C1, relator Eduardo Martins, disponível em www.dgsi.pt]
23 DIAS, J. Figueiredo, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 2.ª Ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 114.
24 “As normas penais não descrevem, em regra, os bens jurídicos protegidos, mas uma boa técnica legislativa permite ao intérprete identificá-los mediante a clara descrição do facto, ressaltando do tipo os interesses tutelados, mas a descrição desses interesses é as mais das vezes alheia ao próprio tipo.” – SILVA, Germano Marques da, “Direito Penal Português – Teoria do Crime”, 2.ª Edição, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2015, p. 26.
25 Neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, Comentário ao artigo 347.º do Código Penal, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 336. Em sentido contrário, Paulo Pinto de Albuquerque entende que o bem jurídico protegido é a autonomia intencional do funcionário, uma vez que a norma não protege apenas a autonomia intencional doEstado, mas a do funcionário, porquanto “o conceito de funcionário inclui os gestores e trabalhadores das empresas privadas concessionárias de serviços públicos” – ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, “Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 3.ª Ed., Lisboa, Universidade Católica Editora, 2015, p. 1099.
26 MONTEIRO, Cristina Líbano, in op. cit., p. 336.
27 Neste sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/09/2010, processo n.º 9/09.9GBCNT.C1, relator Alberto Mira, disponível em www.dgsi.pt.
28 “No universo dos sujeitos passivos, inclui-se, agora, a referência aos membros das forças de segurança, ao lado das forças militares e militarizadas. A alteração harmoniza o regime de protecção aos membros das forças de segurança, no seu conjunto, independentemente da sua natureza militar ou militarizada, eliminando dificuldades de classificação resultantes das caracterizações estatutárias das forças de segurança.” – MOTA, José Luís Lopes da, Crimes contra a Autoridade Pública, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 1998, p. 417.
29 Em contraponto, os crimes de resultado pressupõem a produção de um evento como consequência da actividade do agente, isto é, a consumação pressupõe uma “alteração externa espáciotemporalmente distinta da conduta” – DIAS, J. Figueiredo, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 2.ª Ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 306.
30 Veja-se também o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-11-2008, processo n.º 0815669, relatora Maria do Carmo Silva Dias, onde se pode ler “Integra o conceito de violência para o efeito previsto no art. 347.º do Cód. Penal a acto de empurrar e desferir palmadas no peito dos agentes policiais com a finalidade de os impedir, ainda que sem êxito, de concretizarem a acção policial” (cf. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08/09/2010, processo n.º 9/09.9GBCNT.C1, relator Alberto Mira, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18/02/2014, processo n.º 183/11.4PFSTB.E1, relator Renato Barroso, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2013, processo n.º 713/10.9GAVNO.C1, relator Paulo Valério, disponíveis em www.dgsi.pt)
31 Neste sentido, Cristina Líbano Monteiro, in op. cit., p. 339, Em sentido contrário, Paulo Pinto de Albuquerque entende que o crime de resistência e coacção sobre funcionário é um crime de dano quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido, in op. cit., p. 1099
32 Crime de execução vinculada define-se como aquele crime em que o modo de execução do crime está descrito no tipo.
33Op. cit., p. 1233.
34 Op. cit., p. 1100
35 Concordando com a interpretação restritiva, MIGUEZ GARCIA e J. CASTELA RIO, Código Penal – Parte geral e especial, com notas e comentários, 2.ª Ed., Coimbra, Almedina, 2015, p. 1233.
36 MOTA, José Luís Lopes da, Crimes contra a Autoridade Pública, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal”, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, 1998, p. 421.
37 Para uma perspectiva do conceito de violência na lei e jurisprudência veja-se a intervenção de Manuel Simas Santos no Colóquio “Violência e Sociedade”, a 29 de Janeiro de 1998 no Supremo Tribunal de Justiça, publicada na Revista Jurídica, n.º 3, Universidade Portucalense, Porto, 1999, disponível em https://repositorio.ismai.pt/bitstream/1 0400.24/230/1/SS10.pdf.
38 GARCIA, M. Miguez e RIO, Castela J. M., Código Penal – Parte geral e especial, com notas e comentários, 2ª Ed., Coimbra, Almedina, 2015, p. 668.
39 MIGUEZ GARCIA e CASTELA RIO referem como violência imprópria, op. cit., p. 668.
40 Américo TAIPA DE CARVALHO define o critério objectivo-individual como “objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”); individual, no sentido de que devem relevar as características da pessoa ameaçada (relevância das “sub-capacidades” do ameaçado ou, inversamente, das “sobre-capacidades” relativamente à média dos cidadãos, em função, p. ex., da sua actividade profissional).”, Comentário ao art. 153.º do Cód. Penal, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2.ª Ed., Coimbra, Coimbra Editora 2012, p. 563.
41 Op. cit., p. 341.
42 Neste sentido veja-se a seguinte jurisprudência, entre outros: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09-05-2017, processo n.º 17/16.3PTHRT.L1-5, relator Jorge Gonçalves, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20-03-2018, processo n.º 26/14.7GTEVR-E1, relator António João Latas e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06-03-2013, processo n.º 713/10.9GAVNO.C1, relator Paulo Valério, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
43 Neste sentido, Cristina LÍBANO MONTEIRO, in op. cit., p. 342.
Percorrida argumentação acabada de citar, inexistem dúvidas de que se encontra preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo. Na realidade, para além da coautoria pois o recorrente não agiu sozinho, mas em comunhão de esforços com o seu pai, a sua conduta apresentou hostilidade dirigida ao militar CC quando a ele se dirigiu e o agarrou pela zona abdominal com os seus dois braços, exercendo força, quando este praticava um acto legítimo e inerente às suas funções de agente de execução (detenção), sendo a conduta do recorrente dirigida a obstaculizar e impedir o exercício da concreta detenção do pai do arguido, finalidade que foi atingida pelo recorrente pois o militar não conseguiu concretizar o acto detentivo [o militar CC acabou por soltar o arguido AA,], acto este que só por via da chegada de outros militares da GNR ao local foi obtido com sucesso.
Depois, as avançadas “especiais capacidades e aptidões que são inerentes à sua função, como sejam as decorrentes da formação, treino ou adestramento ministrados com vista a poder resistir a níveis de oposição e constrangimento que sejam normalmente de esperar no exercício das suas funções” não se mostram como impeditivas do preenchimento do tipo na medida em que os agentes de autoridade não têm por inerência da sua função de suportar os ataques que obstaculizam o exercício legitimo dessa mesma função.
Nenhuma censura merece a opção seguida na decisão.

Erro de julgamento quanto ao preenchimento do tipo de crime de injuria:
Invoca o recorrente que existiu erro de julgamento quanto ao preenchimento do tipo legal do crime de injuria referindo que o significado injurioso das palavras tem de ser avaliado no contexto situacional em que as mesmas são proferidas, a expressão utilizada não constitui a imputação de qualquer facto, nem visou ofender a honra ou consideração do referido agente da GNR; trata-se de uma expressão desrespeitosa e nada educada, censurável do ponto de vista moral, não assumindo relevância criminal pelo que deveria ser absolvido daquele ilícito, o que peticiona.
A decisão recorrida apresenta o seguinte teor na subsunção jurídica dos factos quanto ao crime de injuria:
Dispõe, nesta sede, o art. 181.º, n.º 1 do Cód. Penal, que: «Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 120 dias.».
Por sua vez, estabelece o art. 184.º do mesmo diploma legal, que: «As penas previstas nos artigos 180º, 181º e 183º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º2 do art.º 132º, no exercício das suas funções e por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.».
Por último, prevê o art. 132.º, n.º 2, al. l) do Cód. Penal, que: «2 – É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…); l) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do conselho de Estado, Ministro da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das Regiões Autónomas, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro da comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas.».
Numa primeira abordagem a tal preceito legal, devemos desde já esclarecer que, tal como o concebemos, consideramos que o crime de injúria se configura como um verdadeiro crime de resultado e de dano, porquanto, para que o mesmo se consume, torna-se necessária a efectiva lesão do bem jurídico em causa, não sendo suficiente a mera criação de um perigo de lesão – [vd., neste sentido, Augusto SILVA DIAS, Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e de Injúrias, Lisboa, 1989, pp. 22 e 23]
Quanto ao bem jurídico tutelado, entende-se que a incriminação da injúria, tal como o da difamação, protege a honra e a consideração – [cf. José de FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, p. 601, António Jorge de OLIVEIRA MENDES, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, e Acórdãos do STJ, de 30-10-2003, e da Relação do Porto, de 07-01-2004, disponíveis em www.dgsi.pt]
A pluralidade de dimensões assumidas pela honra, explica o facto de sobre ela existirem diferentes concepções, sendo habitual a distinção entre a concepção fáctica e a normativa. Assim, dentro desta última concepção, pode distinguir-se uma perspectiva normativo-social e uma outra de cariz normativo-pessoal - [cf., José de FARIA COSTA, in op. cit., pp. 602 a 607]. As dificuldades teóricas inerentes a cada uma destas concepções individualmente consideradas levou a que a generalidade da doutrina adoptasse um conceito dual de honra, vendo-o antes como um bem jurídico complexo, onde se inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior, perspectiva que se encontra consagrada na lei penal portuguesa – [assim, José de FARIA COSTA, in op. cit., p. 607, e Augusto SILVA DIAS, in op. cit., p. 22]
Quanto ao que se deve entender por honra e consideração, tem-se proposto que enquanto que a «honra» consiste no juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma, quanto à sua rectidão, probidade e carácter, a «consideração» consiste na imagem que os outros têm dessa pessoa, ou seja, a reputação que essa pessoa goza junto das restantes pessoas que constituem a comunidade em que se insere.
Diga-se, aliás, que os valores que estes conceitos encerram, gozam mesmo de tutela constitucional, conforme resulta do disposto no art.º 26.º, n.º 1 da C.R.P.
No que concerne ao tipo objectivo de ilícito, integram o crime de injúria:
a) A imputação a outra pessoa, ainda que sob a forma de suspeita, de factos ou a formulação sobre ela de juízos de valor, expressos através de palavras ou gestos ofensivos da sua honra e consideração;
b) O agente, ao imputar o facto ou a proferir as palavras ofensivas, dirigir-se directamente à pessoa visada, estando esta presente no momento em que o agente actua, por forma a tomar, de imediato, conhecimento de que foi objecto da imputação de um facto ou da formulação de um juízo de valor;
c) De acordo com a teoria da causalidade adequada, acolhida pelo legislador no art. 10.º, n.º 1 do Cód. Penal, a conduta do agente ser adequada a lesar o visado na sua honra e consideração.
Conjugando aqueles três normativos supra, verifica-se que o tipo objectivo de ilícito em causa se preenche, além do mais, quando o agente dirige palavras a um agente da força pública, em exercício das suas funções, ofensivas da sua honra e consideração.
Por outra banda, conforme ensina Paulo Sérgio PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, UCE, p. 500: «O tipo objectivo do crime de injúria é composto pelas mesmas condutas do crime de difamação, com uma particularidade: as condutas devem ser “dirigidas” directamente ao ofendido. Não se exige que o ofendido se encontre no mesmo espaço físico, nem que a recepção da comunicação tenha lugar no mesmo momento em que a comunicação, (…).».
Ou seja, ao nível do tipo objectivo, afigura-se-nos que este crime pode ser cometido, ainda que o ofendido não esteja presente fisicamente quando a expressão injuriosa é feita pelo agente, ponto é que dela tome conhecimento, mesmo em momento deferido no tempo em relação à comunicação. Ainda neste domínio, dever-se-á enfatizar que o que importa é que o agente ao preferir a expressão injuriosa pretenda dirigi-la directamente ao ofendido visado pela mesma, sendo irrelevante que este tome desde logo conhecimento dela, podendo tomar conhecimento da expressão injuriosa mais tarde, conforme supra se explicitou.
Quanto ao tipo subjectivo de ilicito, o crime em questão só é punível a título dolo, em qualquer uma das suas modalidades – [cf. art. 181.º, n.º 1 conjugado com o art. 13.º, ambos do Cód. Penal]. Por outro lado, não oferece actualmente contestação o entendimento de que o preenchimento do elemento subjectivo deste tipo de crime se basta com o dolo genérico, não sendo exigível o dolo específico, sob a forma de «animus injuriandi».
Por fim, deve esclarecer-se que o agente comete tantos crimes de injúrias quantas as pessoas ofendidas. Por exemplo, se o agente se dirige a um grupo de três representantes da autoridade com um palavrão, ele comete três crimes de injúrias. É um caso de concurso efectivo (ideal) – [cf. Paulo PINTO DE ALBUQUERQUE, in op. cit. p. 576]
(…)
Por sua vez, provando-se outrossim que o arguido BB, nas apontadas circunstâncias, dirigiu, além do mais, ao militar da GNR CC que estava devidamente uniformizado e em exercício de funções, as expressões: “filha da puta”, dúvidas não se suscitam que a sua conduta preenche o tipo objectivo de ilícito em causa, pois que esse militar da GNR estava no exercício das suas funções e, por outro lado, deve considerar-se que a referida expressão é ofensiva da honra e consideração pessoal e profissional do mesmo.
Com efeito e como já se explicitou supra, aderindo o nosso sistema jurídico a uma concepção eclética de honra, que vê esta como um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior, há que considerar, sem margens para dúvidas, que a referida expressão fere a dignidade da pessoa humana e afecta a sua reputação pessoal e profissional ou consideração exterior, pelo que se deve considerar que o arguido BB, com a sua descrita conduta, preencheu os elementos objectivos deste tipo-de-ilícito.
Por outra banda, também não restam dúvidas de que este arguido, sabendo, ainda que sob a «perspectiva paralela do leigo», que é legalmente proibido formular juízos de valor ou proferir palavras ofensivas da honra e consideração de outra pessoa, não se coibiu todavia de o fazer, actuando, nessa medida, com dolo directo – [art. 14.º, n.º1 do Cód. Penal]
Efectivamente, in casu, provado ficou que o arguido BB sabia que dirigia a um militar da GNR, em exercício de funções, uma expressão atentatória da sua dignidade, honra pessoal e profissional e que agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal. O que quer dizer que este arguido agiu com dolo directo, isto é, representou um facto que preenche o tipo de crime [elemento intelectual] e actuaram com intenção de o realizar [elemento volitivo] – (art.º 14.º do Cód. Penal).
Por fim, deve outrossim considerar-se que a conduta deste arguido também é ilícita porque contrária à ordem jurídica, e culposa pois, nas concretas circunstâncias em que este arguido estava inserido, era-lhe exigível a adopção de outras condutas possíveis e não lesivas dos bens jurídicos tutelados por este tipo de crime, merecendo, nessa medida, a emissão de um juízo de censura penal.
Preencheu, assim, o arguido BB com a sua conduta os elementos típicos descritos no preceito incriminador, tendo, de tal forma, praticado, em autoria material e na forma consumada, um (1) crime de injúria agravada sobre a pessoa do militar da GNR CC, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 181.º, n.º1, 184.º e 188.º, n.º1, al. a), todos do Cód. Penal, merecendo, destarte, a sua conduta a emissão de um juízo penal.”
Tal como se refere na resposta ao recurso apresentada pelo digno Magistrado do M.º P.º existem expressões que assumem comunitariamente uma carga ofensiva, como é o caso de «filho da puta». Com efeito, esta concreta expressão comporta uma carga pejorativa.
Por outro lado, a expressão «filho da puta» atinge objectivamente o património pessoal das pessoas a quem são dirigidas. Na realidade, embora sejam conhecidas as discussões na doutrina e jurisprudência acerca das expressões que são ou não susceptíveis de serem qualificadas como injuriosas (designadamente quando estão em causa juízos de valor, atenta a existência de outros valores merecedores de tutela, como o direito à crítica e à liberdade de expressão), a análise de tais questões não assume nos presentes autos qualquer relevância, porquanto a expressão dirigida pelo arguido ao ofendido assume, para o observador médio, com um conhecimento mediano do sentir da comunidade, um carácter manifestamente ofensivo, sendo generalizadamente reconhecida como ofensiva e pejorativa.
No caso dos autos, apurou-se que o arguido, dirigindo-se ao militar da GNR apodou-o de “filho da puta”, expressões que como é do conhecimento comum pretende enxovalhar o visado, a qual é susceptível de colocar em causa o bom nome pessoal e profissional de qualquer agente de autoridade, que se encontrasse em pleno exercício das suas funções, como sucedia com o referido militar.
Por outro lado, não subsistem dúvidas de que o arguido sabia estar a dirigir-se a agente das forças de segurança no exercício das suas funções, pretendendo naturalmente atingi-lo na sua honra e consideração pessoal e profissional, como veio a suceder.
Mostra-se, assim, isento de reparos a integração jurídica feita nos moldes citados, não assistindo razão ao recorrente.

Medida da pena e aplicação de pena substitutiva de multa ou de prestação de trabalho a favor da comunidade:
Termina o recorrente a sua alegação de recurso manifestando-se quanto à medida da pena aplicada e propugnando pela aplicação de pena substitutiva de multa ou de prestação de trabalho a favor da comunidade, qualificando a pena aplicada de excessiva e desadequada e as susbtituivas propostas como suficientes e adequadas a satisfazer as finalidades de prevenção geral e especial.
Funda essa apreciação com a argumentação de que era muito jovem à data dos factos, a condenação ocorre 5 anos após os mesmos, os antecedentes criminais não são pelo mesmo tipo de crimes e a sentença recorrida violou os princípios da adequação e proporcionalidade das penas.
Na decisão recorrida argumentou-se do seguinte modo para a determinação da medida das penas aplicadas ao recorrente:
Feito o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto dada como provada, importa, agora, determinar qual a natureza e a medida das penas a aplicar a cada um dos arguidos AA e BB.
Na determinação da pena aplicável, deve o juiz socorrer-se dos critérios que o legislador penal consagrou nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Cód. Penal.
A operação a efectuar consiste na construção de uma moldura legal de prevenção geral, entendida na sua modalidade positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária enquanto forma de proceder à estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma violada, que nos dá o limite mínimo da pena a aplicar.
A culpa, por sua vez, irá dar-nos o limite máximo inultrapassável das exigências da prevenção – directamente relacionado com a preservação da dignidade da pessoa humana.
Em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa.
De acordo com o ensinamento do Prof. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pp. 114 e ss., a medida concreta da pena é determinada em função das particulares e concretas exigências de prevenção especial.
*
Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, pp. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no art. 40.º do Cód. Penal, os princípios ínsitos no art. 18.º, n.º2 da C.R.P., (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
a) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
b) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
c) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
d) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
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Prevenção e culpa são, portanto, os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida (art. 40.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal).
A prevenção reflecte a necessidade comunitária da punição do caso concreto. Por sua vez, a culpa dirigida à pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável da pena [cf. J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pp. 214 e ss.]
A pena concreta resulta da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos em cada caso – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de integração] –, temperada pela necessidade de reintegração social do agente [prevenção especial positiva de socialização], sempre com respeito pelo limite inultrapassável da medida da culpa, podendo dizer-se, com o Prof. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, p. 81)
O Código Penal dá preferência à pena de multa, em detrimento da pena de prisão, relativamente ao tratamento da pequena e da média criminalidade, como claramente resulta do critério de escolha da pena principal – prisão ou multa – previsto no art. 70.º do Cód. Penal. Na verdade, quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, manda a lei que o tribunal dê preferência a esta última, sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Em termos abstractos, o crime de resistência e coacção sobre funcionário é punido, em termos abstractos, com pena de prisão de 1 ano até 5 anos - [cf. o art. 347.º, n.º 1 do Cód. Penal]
Por sua vez, o crime de desobediência, em termos abstractos, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias – [art. 348.º, n.º 1 do C.P.]
O crime de condução perigosa de veículo rodoviário, em termos abstractos, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa – [art. 291.º, n.º 1 do C.P.]
Por fim, o crime de injúria agravada, em termos abstractos, é punível com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias, sendo tais penas elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo, por se tratar de uma injúria agravada [cf. artigos 183.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2, al. l), todos do Cód. Penal]
*
Concretizando.
No caso concreto, estando prevista para o crime de resistência e coacção sobre funcionario ope legis apenas pena de prisão, cumpre aplicar esta reacção penal privativa da liberdade.
*
Já os demais crimes aqui em causa, quais sejam os tipos de crime de condução perigosa de veículo rodoviário, de injúria agravada e de desobediência, sendo puníveis com penas de prisão ou de multa, nos termos que se deixaram atrás expressos, cumpre optar por uma delas.
No caso concreto, pese embora os arguidos já registem averbados nos seus certificados algumas condenações, o que incrementa, sem dúvida, as necessidades de prevenção especial, mas considerando o contexto assaz conturbado em que os factos delitivos aqui em apreciação foram cometidos e o facto de apenas agora os arguidos terem sido julgados, não lhes podendo imputar tal demora, é certo, considera este tribunal que a aplicação a cada um dos arguidos de penas não privativas da liberdade ainda se mostra suficiente, adequada e proporcional para acautelar as necessidades de punição aqui reclamadas, razão pela qual o tribunal opta por penas de multa quanto a estes crimes.
*
Escolhida a natureza das penas a aplicar, há que passar à determinação das suas medidas concretas. A moldura penal abstracta de cada crime é fixada pelo legislador, tendo em conta todas as formas e graus de cometimento do facto típico, fazendo corresponder aos de menor gravidade o limite mínimo da pena e aos de maior gravidade o limite máximo da pena.
Relembrando: o crime de resistência e coacção sobre funcionário é punido, em termos abstractos, com pena de prisão de um (1) ano até cinco (5) anos - [cf. o art. 347.º, n.º 1 do Cód. Penal]
(…)
Por fim, o crime de injúria agravada, em termos abstractos, é punível com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias, sendo tais penas elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo, por se tratar de uma injúria agravada [cf. artigos 183.º, n.º1, 184.º e 132.º, n.º2, al. l), todos do Cód. Penal]
Com estes limites, a determinação da medida concreta da pena é feita em função das necessidades de prevenção e da culpa do agente, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71.º do Cód. Penal). Entre outras circunstâncias, haverá que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (n.º2 do art. 71.º do Cód. Penal).
Em suma: no que respeita à medida concreta da pena, a mesma terá como limite máximo a culpa do agente revelada nos factos por si praticados [cf. art. 40.º, n.º 2 do Cód. Penal], e terá de se mostrar adequada a assegurar as exigências de prevenção geral ― que, in casu, são prementes, dado o elevado número de ilícitos desta natureza, tornando necessário uma efectiva afirmação da validade da norma violada, por via da reprovação das condutas ilícitas ―, e especial, nos termos do disposto nos artigos 40.º, n.º1, e 71.º, n.º1, ambos do Cód. Penal.
Com efeito, as imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida da pena, em função da reafirmação da validade das normas e valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
Sendo certo que na determinação da medida da pena ter-se-ão em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no art. 71.º, n.º 2 do Cód. Penal.
Passemos, então, à análise das circunstâncias que o citado art. 71.º do Cód. Penal, exemplificativamente, enumera e que aqui devemos atender na operação da fixação da pena concreta.
Há assim que ponderar:
(…)
(ii)Quanto ao arguido BB
Do crime de resistência e coacção sobre funcionário
Contra o arguido depõem:
- O dolo, como directo que é, não merece grande reflexão, encontrando-se no expoente máximo do grau de culpa.
- O grau de ilicitude dos factos: é, apesar de tudo, mediano, atendendo ao modo de execução dos factos nos termos supra descritos, estando tal ilicitude mitigada pelo contexto conturbado no âmbito do qual tais factos foram praticados por este arguido, que agiu em «socorro» do seu pai, denunciando, ainda assim, uma manifesta falta de respeito e indiferença pela consideração pessoal e profissional do militar da GNR visado;
- O grau de culpa do arguido: que se afigura outrossim mediano, atendendo a que o arguido tinha liberdade para se conformar com a norma violada, demonstrando a sua conduta delitiva, ao invés, uma censurável atitude de violar tal norma.
- As necessidades de prevenção especial mostram-se atendíveis, dado que o arguido já regista antecedentes criminais, se bem que não digam respeito a este domínio da criminalidade.
*
A favor do arguido depõem:
- As condições pessoais do arguido que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas.
Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido, pela prática de um (1) crime de resistência e coacção sobre funcionário, de uma pena concreta de um (1) ano e um (1) mês de prisão.
*
Cumpre, agora, apreciar de que forma deverá esta pena de prisão ser executada.
Tendo em consideração que o quantum da pena de prisão concretamente aplicada ao arguido nestes autos, devemos ainda ponderar a possibilidade da sua substituição por outra medida não privativa da liberdade que seja legalmente aplicável.
Neste domínio, como bem ensina Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, p. 334: «(…), desde que imposta ou aconselhada à luz das exigências da prevenção especial de socialização, a pena de substituição só não será aplicada se a execução da prisão se mostrar indispensável para que não seja posta em causa a necessária tutela dos bens jurídicos, e a estabilização das expectativas comunitárias.».
*
DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Dispõe, nesta sede, o art. 50.º, n.º1 do Cód. Penal, que: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».
Desde já se diga que o instituto da suspensão da execução da pena de prisão previsto no citado art. 50.º do Cód. Penal está dependente da verificação de um pressuposto formal, qual seja a aplicação de uma pena previamente determinada não superior a cinco anos, e de um pressuposto material, consistente numa avaliação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto que permita concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, de tal modo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
Como ensina Jorge de FIGUEIREDO DIAS, in op. cit. p. 343: «O Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. (…) A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e determinante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metomania» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime ZIPF, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência.».
E, por sua vez, como refere Hans-Heinrich JESCHECK, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 2.º Vol., Bosch, Edição Castelhana, p. 1154: «A prognose favorável do réu, que deve verificar-se em todos os casos, consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum delito. Com razão não se exige já a perspectiva de uma «vida futura ordenada e conforme à lei», já que para o fim preventivo da suspensão é suficiente que não volte a delinquir no futuro. Esperança não significa certeza. O Tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudencial; mas se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se lhe oferece, a prognose deve ser negativa o que de facto supõe um in dúbio contra reo.» – [tradução da língua castelhana para português da nossa lavra]
Efectivamente, deve dizer-se que a suspensão da execução da pena de prisão não superior a 5 anos é, assim, imposta por aquele preceito (art. 50.º do C.P.), a menos que esteja contra indicada em face das exigências de prevenção especial e geral em defesa da ordem jurídica, mas já não da culpa.
Com efeito, como bem enfatiza Anabela MIRANDA RODRIGUES, RPCC, Ano I, 1991, pp. 24 e ss.: «(...) à face da lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena ― o da determinação da medida concreta da pena de prisão ―, não podendo ser ponderado para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta critérios de prevenção.».
Sendo que a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Quanto à prevenção geral, surge aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico.
Ou seja, o pressuposto material do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, sendo que este prognóstico terá como ponto de partida, não a data da prática do crime, mas antes o momento da decisão - [neste sentido, acórdão do STJ, de 24-05-01, in CJ, t. II, p. 201]
Concretizando.
Ora, no caso vertente, pese embora o arguido não seja primário, se bem que tais antecedentes criminais não digam respeito a este domínio da criminalidade, mas considerando, a seu favor, que ainda não foi sujeito ao contacto com o sistema prisional e, bem assim, o facto de o arguido se encontrar sócio-familiarmente integrado, são circunstâncias que, apesar de tudo, atenuam as necessidades de prevenção especial aqui reclamadas, fazendo-nos supor, em sede de prevenção especial, que a censura do facto e a mera ameaça da prisão ainda realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, inexistindo, dessa forma, razões para com base nas quais se defender uma execução efectiva de tal pena de prisão em estabelecimento prisional ou sequer em regime de permanência na habitação com VE.
Assim sendo, impõe-se uma suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada ao arguido, por igual período de um (1) ano e um (1) mês, a contar do trânsito em julgado da presente decisão – [art. 50.º, n.º 5 do Cód. Penal]
*
Contudo, impõe-se, ainda, que a suspensão seja condicionada/acompanhada da imposição de um regime de prova, nos termos previstos nos artigos 53.º e 54.º do Cód. Penal, uma vez que a gravidade e reiteração que os factos atingiram impõem, quer a nível da prevenção geral quer ao nível da prevenção especial, a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de um plano de reinserção social, o qual será executado pelo arguido com elaboração, vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços da D.G.R.S.P., com especial enfoque e intervenção nas áreas da prevenção da violência e de descontrolo comportamental, atento o disposto nos artigos 52.º, n.º 1, al. b), 53.º, n.º 1 e 54.º, n.º 3, todos do Cód. Penal, tendo em vista promover-se uma efectiva reintegração do condenado na sociedade. Tal regime de prova mostra-se, com efeito, necessário para se promover a reintegração e ressocialização do arguido, servindo para o acompanhar durante o período de suspensão da execução da pena.
Como já se explicitou, o regime de prova «assenta num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social» - [art. 53.º, n.º2 do C.P.], ficando o arguido obrigado a responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe vierem a ser feitas pelo tribunal e pelos técnicos de reinserção social [art. 54.º, n.º3, al. a) do mesmo diploma legal], de forma a poder aferir-se o modo como o plano vem sendo cumprido. O referido plano será elaborado pelos serviços competentes e, posteriormente, homologado pelo tribunal, com especial enfoque e intervenção na área da prevenção da violência e de descontrolo comportamental, atento o disposto nos artigos 52.º, n.º 1, al. b), 53.º, n.º 1 e 54.º, n.º 3, ambos do Cód. Penal.
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Do crime de injúria agravada em especial
Contra o arguido depõem:
- O dolo, como directo que é, não merece grande reflexão, encontrando-se no expoente máximo do grau de culpa.
- O grau de ilicitude dos factos: é, apesar de tudo, mediano, atendendo ao modo de execução dos factos nos termos supra descritos, estando tal ilicitude algo mitigada pelo contexto conturbado no âmbito do qual tais expressões de cariz injurioso foram proferidas pelo arguido contra o agente da autoridade, denunciando, ainda assim, uma manifesta falta de respeito e indiferença pela consideração pesssoal e profissional do visado;
- O grau de culpa do arguido: que se afigura outrossim mediano, atendendo a que o arguido tinha liberdade para se conformar com a norma violada, demonstrando a sua conduta delitiva, ao invés, uma censuravel atitude de violar tal norma.
- As necessidades de prevenção especial mostram-se atendíveis, dado que este arguido já regista antecedentes criminais averbados no seu CRC, se bem que não digam respeito a este domínio da criminalidade.
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A favor do arguido depõem:
- As condições pessoais do arguido que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas.

Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação a este arguido, pela prática de um (1) crime de injúria agravada, de uma pena concreta de trinta e cinco (35) dias de multa.
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Quanto à fixação do quantitativo diário da multa, deve dizer-se que a mesma deve ser fixada entre € 5,00 e € 500,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais – [art. 47.º, n.º2 do C.P.]
Como se expressa no acórdão do STJ de 02-10-1997, in CJ/ASTJ, t. 3, p. 187, «o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar», de modo a realizar suficientemente as finalidadas visadas pela pena de multa, acrescentamos nós.
Assim sendo, e tendo em consideração a concreta situação económica do arguido, afigura-se-nos ajustado fixar uma taxa diária de seis euros (€ 6,00), para a pena de multa aplicada.
*
Uma última nota é devida neste domínio. É que tendo o arguido BB sido julgado na sua ausência, tendo sido porém regular e pessoalmente notificado, não se logrou cabalmente apurar a sua concreta situação pessoal e económico-social 54.
Sem embargo, crê este tribunal que os elementos recolhidos a partir do TIR por ele prestado nos autos, bem como os constantes das buscas efectuadas nas bases de dados disponibilizadas pela Segurança Social, e que foram levados à matéria de facto dada como provada, foram suficientes para este tribunal tomá-los em devida consideração nesta sede.”
Da leitura da alegação de recurso quanto à medida da pena somos de concluir que a discordância do recorrente se manifesta apenas quanto à pena aplicada relativa ao crime de resistência e coacção sobre funcionário.
Ora, revisitados os elementos enformadores do tipo e da medida da pena que foram eleitos pelo tribunal na decisão que tomou podemos dizer que esta opção merece o nosso completo acolhimento.
Como é sabido, são finalidades exclusivamente preventivas que devem presidir à operação da escolha da espécie de pena a aplicar ao agente, devendo o tribunal dar preferência à pena não detentiva, a não ser que razões ligadas à socialização do delinquente (no seu conteúdo mínimo, traduzido na prevenção da reincidência) ou de preservação do limite mínimo da prevenção geral positiva, no sentido de "defesa do ordenamento jurídico", imponham a pena de prisão.
Importa ainda salientar, neste âmbito, que em caso de conflito entre os vetores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral.
Analisada a decisão recorrida, verificamos que o tribunal de primeira instância fundou em razões de prevenção especial, ligadas à necessidade de ressocialização do recorrente, e de prevenção geral, traduzidas na necessidade do reforço do sentimento comunitário na validade da norma violada, a opção pela aplicação de uma pena de prisão, em detrimento de uma pena de multa.
A medida da pena observou os critérios legais (artigos, 40º, nºs 1º e 2º, 41º e 71º, do CP), perfeitamente delineados na decisão recorrida, reafirmando-se que o recorrente agiu com dolo directo e elevado grau de ilicitude, acentuando, ainda, o seu modo de execução, ponderando-se, in casu, as exigências de prevenção.
O que nos leva a considerar equilibrada a pena de prisão cominada, em primeira linha, ao recorrente, face à moldura penal abstractamente fixada, e aos valores dominantes no tipo legal em equação - em que o bem jurídico dominante é a autonomia intencional do Estado, protegida de ataques vindos do exterior da Administração pública, pretendendo-se evitar que não-funcionários ponham entraves à livre execução das ‘intenções’ estaduais, tornando-as ineficazes.
Por sua vez, a aplicação da pena substitutiva preconizada pelo recorrente manifesta-se ineficaz em termos da prevenção especial exigida no caso, carecida de um muito próximo acompanhamento de evolução da personalidade e do comportamento do arguido quanto ao futuro, o que decorre do regime de suspensão de execução da pena determinado, reforçado com o regime de prova e a finalidade deste que se mostra estabelecida na decisão: especial enfoque e intervenção na área da prevenção da violência e de descontrolo comportamental.
Improcede, assim, na totalidade o recurso do arguido BB,

III.
Tudo visto e ponderado, decide-se negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA e BB, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, fixando a taxa de justiça individual em 4 UC.
Feito e revisto pelo 1º signatário.
Évora, 25 de Maio de 2023.
João Carrola
Gomes de Sousa
Carlos Campos Lobo