ATOS SEXUAIS DE RELEVO
RAPTO COM ASTÚCIA
PRISÃO PREVENTIVA
Sumário

I - Os beijos na boca da ofendida, a colocação das mãos em várias partes do corpo da mesma, nomeadamente, na nuca, no pescoço, nos braços, nas nádegas, nas coxas e nas costas, acariciando-as e apalpando-as enquanto a menor se encontrava na cama com o arguido, revestem-se de contornos com um cariz sexual explícito, pelo que tais condutas são objetivamente censuráveis, por referência aos sentimentos gerais da comunidade e constituem uma ofensa séria e grave da intimidade e liberdade da vítima, com 14 anos à data da prática dos factos, integrando a prática do crime de atos sexuais de relevo com adolescentes p. e p. pelo artigo 173º, n.º 1 do CP.
II - Implicando o preenchimento do tipo legal p. e p. no artigo 173º do CP que a vítima seja adolescente, não poderá agravar-se tal crime precisamente com a circunstância de o mesmo ter sido praticado contra “contra pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade”, ou seja com uma adolescente de 14 anos, conforme prevê o artigo 177º, nº 1, alínea c) do CP, pelo que, sendo idênticos os fundamentos da incriminação e a motivação do legislador para a agravação, estamos perante a proibição da dupla valoração da mesma circunstância.
III - A conduta ativa e objetiva integradora do crime de rapto consiste na deslocação de alguém de um lugar para outro, contra ou sem a sua vontade, inexistindo rapto sem tal deslocação não consentida. Porém, a tríplice forma de se concretizar o rapto, ou seja, a deslocação da pessoa de um lado para o outro realizada por meio de “violência ameaça ou astúcia”, impõe que se considere que a privação da liberdade física pode ser conseguida através de um meio que determine a perda da liberdade de decisão e, consequentemente, a inexistência de vontade real do raptado, o que poderá suceder se o agente astuciosamente enganar a vítima não só sobre o propósito final da sua conduta (crime fim), mas também sobre o significado e as consequências da concreta ação de ser deslocada de um local para outro.
IV - Atendendo à perversidade manifestada pelas condutas do recorrente censuradas nos autos, é de concluir que os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito que importa acautelar, justificam a coartação da sua liberdade, sendo certo que só a medida de coação de prisão preventiva acautelará eficazmente que aquele não persista na prática dos comportamentos que visaram manipular a vontade das suas vítimas e que integraram a prática dos crimes de rapto e ainda que o mesmo não contacte as testemunhas com fins de intimidação, pondo em causa a conservação ou a veracidade das provas.

Texto Integral


Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo de Competência Genérica de …-J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o nº 24/23.0GAMFR-A foi o arguido AA, filho de BB e de CC, natural de …, nascido em …1986, solteiro, vigilante no …. e residente na Rua …, …, ouvido em 1º interrogatório judicial de arguido detido, tendo-lhe sido aplicadas as medidas de coação de prisão preventiva e de proibição de contactos com as vítimas, nos termos dos artigos 202°, nº 1, alínea a), 200º, nº 1, alínea d), 191.°, 193º e 204.° alíneas b) e c), todos do CPP, por existirem fortes indícios da prática de dois crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo artigo 176º-A, nºs. 1 e 2 do Código Penal, de dois crimes de rapto agravado, p.e p. pelos artigos 161.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 alínea a) conjugado com o artigo 158.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal e dois crimes de atos sexuais com adolescentes agravados, p. e. p. pelos artigos 173.º, n.º1 e 177.º, n.º 1, alínea c) do CP.

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

“A) O Recorrente não aceita nem se conforma com a douta decisão proferida porquanto a mesma foi proferida sem que a prova que suporta os indícios de crime em discussão tenha sido devidamente analisada.

B) Ora, analisados os indícios de prova conforme resultam dos autos, nada demonstra o cariz sexual, perverso e libidinoso que a decisão abraça ao longo dos vários factos imputados ao Recorrente.

C) A menor afirma perentoriamente que não teve quaisquer atos sexuais com o AA e que foi apenas partilhado o beijo na boca e caricias e que nunca sofreu de introdução vaginal, oral ou anal, tendo apenas dado beijo na boca, não tendo sido forçada nesse sentido.

D) Com efeito, em lado nenhum é mencionado ou indiciada a perseguição e intuito sexual vertido na decisão.

E) A contrario, resulta sim um problema de violência doméstica quanto aos dois menores, mais concretamente, a menor DD, donde o Recorrente quis ajudar e apoiar.

F) Não obstante a douta decisão ter sido construída com um propósito de condenação assente num móbil sexual, pervertido e criminoso do Recorrente, nada na prova apresentada assim o faz crer.

G) Em rigor, i) o Recorrente entrou em contacto com a menor fazendo-se passar por outra pessoa com vista a ajuda-la; ii) De todas as vezes que esteve com a menor tentou apoia-la e protege-la da situação que vinha a passar em casa; (iii) não houve qualquer comportamento perverso e libidinoso de cariz sexual, houve sim o beijo na boca; (iv) foi a menor que beijou o Recorrente; (v) foi a menor que foi por sua iniciativa para a cama do Recorrente e este quem lhe indicou que não queria ter relações sexuais para não a magoar cfr. resulta do depoimento da própria; (vi) nunca houve qualquer forçar ou violência; (vii) o Recorrente deslocou-se aos sítios que o irmão da menor pediu para ir e nunca convenceu ou forçou os menores a se deslocarem consigo ou para a sua casa.

H) Não se encontram preenchidos os pressupostos legais para a imputação de nenhum dos crimes de que vem acusado;

I) A decisão e a sua fundamentação apresentam um texto e conteúdo que extrapola a prova resultante dos autos, designadamente, o depoimento dos menores, prova documental e as declarações do Recorrente.

J) O Recorrente não tem registo criminal e nunca teve qualquer problema com menores;

K) A medida de coação mais gravosa deve ser aplicada sempre em respeito aos princípios gerais e elementares do direito.

L) Não restam dúvidas da análise da prova e indícios juntos aos autos que a decisão proferida vai muito além dos fatos, pelo que não pode o Recorrente concordar com o vertido nos pontos 5; 7; 8 a 35 porquanto o seu teor para além de não corresponder à verdade, não resulta de nenhum indicio ou prova juntos aos autos.

M) Ora, atendendo aos indícios e prova junta aos autos deveria o douto Tribunal decidir por outra medida de coação manifestamente menos gravosa respeitando assim os princípios gerais de direito.

N) Desta feita, salvo o devido respeito, o ora Recorrente não pode aceitar a douta decisão, devendo ser modificada a matéria de factos imputados, designadamente, todos os que versem sobre o cariz predador e sexual do Recorrente junto dos menores e em consequência alterada a medida de coação aplicada.”

Termina pedindo a alteração dos factos imputados e a revogação da medida de coação de prisão preventiva, com a sua substituição por uma medida de coação menos gravosa.

*

O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1. O recorrente encontra-se fortemente indiciado pela prática 2 (dois) crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto nos termos do artigo 176-A, n.º 1 e 2 do Código Penal e punível com pena de prisão até 2 (dois) anos; 2 (dois) crimes de rapto agravado, previsto, nos termos dos artigos 161.º, n.1, alínea b) e n.º 2 alínea a) conjugado com o artigo 158.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal e punível com pena de prisão de 2 (dois) a 10 (dez) anos e, ainda, de 2 (dois) crimes de actos sexuais com adolescentes agravado, previsto nos termos do artigo 173.º, n. 1 e 177.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal e punido com pena de prisão até 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.

2. A forte indiciação assenta nos elementos probatórios indicados no despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.

Com relevo resulta:

3. Que o arguido contruiu um perfil falso com o fito de conseguir interagir com adolescentes; que o arguido tinha perfeito conhecimento da idade dos ofendidos (14 e 12 anos); que trocou mensagens com a ofendida tais como: amo-te muito, mais que o infinito; és a mulher da minha vida; amo-te muito, dando a entender que entre eles existia um relacionamento amoroso; que disse ter 21 anos e ser inspector da polícia judiciária; que o arguido deslocou-se da sua residência e percorreu vários Km com o objectivo de se encontrar com os menores para estabelecer um relacionamento amoroso com a ofendida DD; que a pretexto de lhes prestar ajuda por conta dos alegados maus-tratos perpetrados pelos progenitores dos menores, convenceu-os a ir para a sua residência na …; que levou os menores para a sua residência sem dar disso conhecimento a qualquer familiar dos menores; que os menores permaneceram na residência do arguido por mais de um dia; que o arguido dormiu na sua residência com a menor DD, beijou-a na boca e acariciou-a em várias zonas do corpo; que a situação não se prolongou por mais tempo por conta da intervenção das autoridades policiais.

4. Em sede de primeiro interrogatório judicial, o arguido optou por prestar declarações, confirmou parcialmente os factos imputados, porém, asseverou que agiu com apenas com o propósito de prestar auxílio aos menores que vivenciavam uma alegada situação de maus-tratos por parte dos seus progenitores.

5. Porém, as declarações prestadas não merecem credibilidade, porquanto, a intenção protagonizada não se compadece com os comportamentos adoptados pelo próprio arguido na medida em que não se compadecem com as mais elementares regras da experiência comum.

6. O Tribunal a quo fez uma correcta aplicação dos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, constantes dos artigos 191.º n.º 1, 193.º, 194.º n.º 6 e 204.º todos do Código do Processo Penal.

7. Mostra-se verificado um claro e concreto perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, atenta a personalidade evidenciada pelo arguido, que demonstrou uma completa ausência de consciência crítica para o seu comportamento, apresentando justificações que não se coadunam minimamente com alegada intenção de prestar auxílio aos menores.

8. Os factos praticados são muito graves e geradores de uma elevadíssima perturbação e instabilidade social, tendo sido praticados na presença de testemunhas.

9. Mostra-se evidente um sério e concreto perigo de perturbação do inquérito, na vertente de aquisição e conservação da veracidade da prova, porquanto, o arguido ao ter conhecimento dos factos e dos meios de prova que os sustentam, poderá procurar os ofendidos com o objectivo de prejudicar a investigação, influenciando-os, designadamente, a alterarem o seu depoimento em ulteriores fases do processo.

10. Em consequência, consideramos que o Tribunal a quo andou bem ao decidir que perante a factualidade indiciada e aos perigos identificados, a medida de coacção adequada a evitá-los, só poderia ser uma medida de coacção privativa da liberdade, e não qualquer outra menos restritiva, sendo proporcional às molduras penais do crime imputado e à pena que lhe poderá via a ser aplicada.

11. Do mesmo modo o Tribunal a quo justificou o afastamento da aplicação da OPHVE tendo concluído que esta medida não é adequada, tanto mais que o arguido praticou os factos através da utilização de meios informáticos, o que fez a partir da sua própria residência, mostrando-se inviável a proibição da utilização de tais meios.

12. Pelas razões acima elencadas, concordamos com a decisão tomada pelo tribunal a quo que aplicou, além do mais, a medida de coacção mais agravosa, a prisão preventiva, prevista no artigo 202.º do Código de Processo Penal, porquanto, apenas esta se demonstra necessária, em face das identificadas exigências cautelares; adequada, por ser a única idónea a afastar todos os perigos identificados; e proporcional perante os crimes fortemente indiciados e às sanções penais que em concreto possam vir a ser aplicadas.

13. Encontrando-se bem fundamentado o despacho recorrido e correcta a decisão de aplicação da medida de coacção, deve ser negado provimento à pretensão do recorrente.”

*

A Exm.ª Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.

*

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo arguido, na qual reiterou as razões já expostas no requerimento de interposição de recurso.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir, a saber: - Determinar se estão verificados os pressupostos de aplicação da medida de coação de prisão preventiva imposta ao recorrente.

II.II - O despacho recorrido.

Realizada o interrogatório e cumpridos os formalismos legais, foi proferido despacho com o conteúdo que passamos a transcrever:

“(…) I – Pressupostos legais da detenção

O arguido foi detido em flagrante delito.

A detenção foi legal porque efectuada nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 254º, do CPP.

Foi respeitado o prazo de 48 horas para a apresentação do arguido a este JIC, nos termos do disposto no artº 254º, do CPP.

Foram integralmente comunicados e explicados ao arguido os direitos referidos no nº 1, do artº 61º, do CPP, bem como dos factos que concretamente lhe são imputados, as circunstâncias de tempo, lugar e modo e os elementos do processo que os indiciam.

O arguido foi informado para efeitos do disposto no artº 141º, nº 4, al. b), do CPP.

II – Factos indiciados

Estão fortemente indiciados todos os factos que vêm acima descritos nesta acta, para onde se remete, e que integralmente foram comunicados ao arguido, nos termos do disposto no artº 141º, nº 4, als. c) e d), do CPP.

III – Factos não indiciados

Não há factos não indiciados.

IV – Enquadramento jurídico das circunstâncias de facto indiciadas

Indiciam fortemente os autos a prática pelo arguido, em autoria material, de:

- 2 (dois) crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto e punido, nos termos do artigo 176-A, n.1 e 2 do Código Penal.

- 2 (dois) crimes de rapto agravado, previstos e punidos, nos termos dos artigos 161.º, n.1, alínea b) e n.º2 alínea a) conjugado com o artigo 158.º, n.2, alínea e) do Código Penal.

- 2 (dois) crimes de actos sexuais com adolescentes agravado, previsto e punido, nos termos do artigo 173.º, n.1 e 177.º, n.1, alínea c) do Código Penal.

V – Análise crítica dos indícios que fundamentam a imputação

A prática dos factos pelo arguido resulta fortemente indiciada pelos depoimentos já prestados pelos menores, os quais apesar da respectiva juventude mostram-se objectivas e isentas, sendo coerentes com os elementos e diligências realizadas pelo órgão de polícia criminal que levaram à localização dos menores desaparecidos.

O arguido admitiu parcialmente os factos, admitindo os contactos de natureza sexual com a menor DD mas afirmando que apenas a pretendia ajudar, o que se afigura absolutamente incoerente mas revela o raciocínio do arguido e o seu carácter predador.

Foram assim considerados os seguintes elementos de prova:

TESTEMUNHAL:

DD, melhor identificado a fls. 145.

EE, melhor identificado a fls. 168.

DOCUMENTAL, todos documentos constantes dos autos, nomeadamente: Informação de pessoa desaparecida de fls. 4 a 5.

Certidão de fls. 6 a 11.

Pesquisas de fls. 13 a 14, fls. 79

Aditamento de fls. 17 a 20.

Fotogramas de fls. 21 a 25.

Informação de escola de fls. 29 a 35.

certificado do registo criminal de fls. 43.

Auto de diligencias iniciais de fls. 67 a 70.

Dados de localização de fls. 82 a 93.

Auto de revista e apreensão de fls. 119 a 120.

Auto de busca e apreensão de fls. 121 a 122.

Reportagem fotográfica de fls. 123 a 130.

Auto de apreensão de fls. 134 a 135.

Reportagem fotográfico de fls. 136 a 139.

Ficha de registo automóvel de fls. 140.

Pesquisa de fls. 141.

Auto de exame directo de fls. 183 a 188.

Assentimentos de nascimento de fls. 198 a 199.

*

VI – Perigos indiciados

- O arguido construiu um perfil falso com o qual passou a relacionar-se em sites de adolescentes e a com eles manter relacionamento como se adultos se tratasse…

- …bem sabendo que eram menores.

- Estabeleceu relacionamento de carácter libidinoso com menor, que sabia encontrar-se fragilizada por questões sociais e familiares…

- Deslocou-se desde a área da sua residência, do outro lado do …, percorrendo dezenas de Km com o objectivo exclusivo de estabelecer um relacionamento amoroso com uma menor…

- Convenceu essa menor, juntamente com um irmão ainda maios novo a irem morar com ele na sua residência na …, longe da área de residência dos menores sem qualquer contacto prévio com os progenitores ou responsáveis pelos menores…

- Na sua residência, dormiu com a menor na mesma cama, com ela trocando carícias de carácter sexual, como beijos na boca e carícias em zonas erógenas do corpo.

- Manteve os menores em paradeiro desconhecido pelos progenitores por mais de um dia… com a intenção de prolongar essa situação que apenas veio a terminar por causa da intervenção das autoridades policiais.

- O arguido revelou grande energia criminosa …

- Aliás, nas mensagens que o arguido trocou com a menor, por si só, revelam qual a verdadeira intençaõ do arguido que em nada se identificava com a ajuda que declarou neste interrogatório…

- O arguido demonstrou que sabe utilizar a internet para entrar em contacto com menores.

- A utilização da internet, nos dias que correm, por jovens é uma realidade avassaladora, num meio fértil em incógnitos, propício a actos insidiosos e comprometedores, importando adoptar cautelas contra aqueles que não têm naturais barreiras éticas a práticas como aquela que aqui se analisa.

- Estas circunstâncias apontam para um muito forte perigo da continuação da actividade criminosa.

- As previsíveis consequências da continuação dessa actividade criminosa do arguido poderiam vir a ser bem mais gravosas do que até agora foram, assim como a perturbação do inquérito, o que poderia ser devastador para a menor vítima (ou outras com que conseguisse estabeler contacto), tratando-se de crime grave praticado sobre vítima especialmente fragilizada – comuns são os relatos de menores conduzidos ao suicídio por comportamentos insidiosos como os do arguido.

VII – Medida de coacção proposta pelo Ministério Público e posição manifestada pela defesa

Proposta pelo Ministério Público:

Prisão preventiva.

Sem oposição da defesa nos termos acima registados.

VIII – Medida de coacção adequada

Face ao crime indiciado, perigos e circunstâncias acima enunciadas, nomeadamente de intenso perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação do inquérito e recolha e conservação da prova, revela-se legalmente admissível, proporcional, necessária e adequada ao caso concreto, a medida de prisão preventiva promovida pelo Ministério Público, sendo certo que medidas não privativas da liberdade apresentam-se desadequadas e insuficientes.

Contrariamente ao disposto no artº 193º, nº 3, do CPP, a medida de OPHVE não se revela adequada nem eficaz contra os perigos acima enunciados, uma vez que o arguido praticava o crime a partir da própria residência e aí poderá continuar em contacto com os terceiros que vier a julgar mais convenientes às suas práticas, através da ligação à internet.

IX – Medida de coacção concreta

Pelo exposto, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de prisão preventiva e de proibição de contactos com as vítimas aqui já identificadas - cfr. artºs. 202°, nº 1, als. a), 200º, nº 1, al. d), 191.°, 193º e 204.° alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal.(…)”.

*

São os seguintes os factos indiciados descritos no auto de interrogatório para os quais remete a decisão recorrida:

“1. A ofendida DD, conhecida pela alcunha “FF”, nascida em …2008, tem actualmente 14 (catorze) anos de idade.

2. O ofendido EE, nascido em …2010, tem actualmente 12 (doze) anos de idade.

3. Os ofendidos DD e EE são irmãos entre si, sendo filhos de GG e HH, frequentando o estabelecimento de ensino denominado por Escola …, sito em ….

4. Por sua vez, o arguido AA, conhecido pela alcunha “II” nascido em …1986, tem actualmente, 36 (trinta e seis) anos de idade à data dos factos, o qual reside na Rua …, …, ….

5. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 25-12-2022, a ofendida DD foi adicionada a um grupo “…” na rede social Instagram, onde se encontrava também o ora arguido AA, que se identificava com o nome “JJ” e utilizava o perfil “...” nessa rede social, sendo alegadamente namorado de KK.

6. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido passou a remeter mensagens para a ofendida DD no grupo acima referido na rede social Instagram.

7. Nas ocasiões em que a ofendida DD remetia mensagens para o indivíduo conhecido por KK no grupo “…” na rede social Instagram, o arguido remetia mensagens dirigidas à ofendida com as seguintes expressões “filha da puta” “feia”.

8.Porém, desde data não concretamente apurada, mas anterior a 25-12-2022, com o propósito de ganhar a confiança da ofendida e convencê-la a encontrar-se pessoalmente com o ora arguido com o propósito de manter acto sexuais e relações sexuais de cópula completa com a mesma, o arguido iniciou conversa com a DD, passando a remeter-lhe mensagens, através do Messenger do Instagram, dizendo-lhe que era bonita, linda e que dançava bem.

9.No referido período temporal, o arguido procurou ganhar a confiança da menor, com o propósito de convence-la a encontrar-se com o mesmo para a prática de actos sexuais, passando a conversar com frequência diária com a ofendida, a qual relatou-lhe a situação de violência doméstica que vivenciava no seio familiar e que tinha 14 (catorze) anos de idade.

10. Nessa sequência, o arguido apresentou-se à ofendida DD, como sendo JJ, era Polícia, que trabalhava na Polícia Judiciária, tinha 21 (vinte e um) anos de idade e que vivia sozinho, afirmando-lhe que a iria tirar de sua casa, que a ia ajudar e estaria sempre consigo e que por ser polícia ia salvar a sua vida.

11. Com o propósito de manter actos sexuais com DD, o arguido convenceu a ofendida de que tinha iniciado uma relação amorosa com a mesma, dizendo-lhe que a amava, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos, desde o dia 30 de Dezembro de 2022.

12. De 1 a 30 de Janeiro de 2023, o arguido pediu que a ofendida lhe remetesse fotografias do corpo da mesma, a qual acatou, remetendo fotografias da face da mesma.

13. No dia 30 de Janeiro de 2023, com a intenção de deixar claro o seu propósito se encontrar com a ofendida, para a prática de actos sexuais com a mesma, o arguido iniciou conversa com DD, convidando-a para sair, agendando encontro com a mesma no … da … sito na Rua …, à frente do …, pelas 10h00 desse mesmo dia, a qual acatou.

14. Nessa sequência das mensagens trocadas e com o propósito de manter actos sexuais com a ofendida, o arguido AA, conduzindo viatura pessoal, deslocou-se no … da … sito na Rua …, ….

15. No momento em que avistou a ofendida DD, a qual se encontrava acompanhada pelo menor EE, o arguido deslocou-se em direcção dos mesmos.

16. No momento em que se aproximou da ofendida que se encontrava de costas, o arguido agarrou-a por detrás, abraçando-a, encostando o seu corpo ao da ofendida, dando-lhe um beijo na face e agarrou as mãos da ofendida.

17. Em seguida, o arguido convenceu os ofendidos a entrarem no interior da viatura que conduzia, transportando-os até ao … da … e, em seguida, levou-os até ao … do …, onde almoçaram, sem o conhecimento e consentimento dos seus progenitores.

18. Após, o arguido transportou os ofendidos DD e EE até ao Miradouro da …, onde o arguido aproximou-se novamente da ofendida, agarrando-a por detrás e dando-lhe beijos na boca.

19. Em seguida, o arguido levou os ofendidos DD e EE para a residência dos mesmos.

20. No dia 06-02-2023, o arguido com a intenção de deixar claro o seu propósito se encontrar com a ofendida, para a prática de actos sexuais com a mesma e, o arguido iniciou conversa com DD, agendando encontro com a mesma, no … da …, às 10h00, a qual acatou.

21. No momento em que avistou a ofendida, a qual se encontrava acompanhada por EE, o arguido dirigiu-se em direcção da mesma.

22. No momento em que se aproximou da ofendida, e com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos, o arguido agarrou-a, abraçando-a, e deu-lhe um beijo na boca da mesma.

23. Em seguida, o arguido convenceu os ofendidos a entrarem no interior do veículo que conduzia, transportando-os até ao Shopping de …, onde almoçaram no …, sem o conhecimento e consentimento dos progenitores dos mesmos.

24. Em seguida, o arguido transportou os ofendidos para a praia da ….

25. Aí chegados, o arguido permaneceu nesse local, abraçado à ofendida, perguntando-lhe se queria sair de casa, a qual disse que sim.

26. Em seguida, o arguido transportou os ofendidos até a um café próximo do … e após, seguiram até a um Centro Comercial existente junto à residência do arguido, onde jantaram e em seguida, conduziu-os ate à sua residência sita na Rua …, …, ….

27. Nesse mesmo dia, 06-02-2023, pelas 23h00, o arguido levou os ofendidos para o interior da sua residência.

28. Aí chegados, e com o propósito de manter relações sexuais com DD, o arguido disse à ofendida para a mesma se deitar na cama existente no seu quarto, a qual assentiu, dizendo-lhe que era virgem.

29. Após, o arguido deu beijos na boca da ofendida e colocou as mãos em várias partes do corpo da ofendida, nomeadamente, nuca, pescoço, braços, nádegas, coxas e costas, acariciando-as e apalpando-as.

30. O arguido conhecia a idade da ofendida DD, estava ciente que ao actuar das formas supra descritas a perturbava e estava a prejudicar, de forma grave e séria, o desenvolvimento da sua personalidade, designadamente na esfera sexual e punha em causa o seu normal desenvolvimento psicológico, afectivo e de consciência sexual.

31. Ao agir do modo descrito, o arguido agiu com intenção de usar o Messenger do Instagram para, através dele, convencer a ofendida a encontrar-se com o mesmo a sós, bem sabendo a idade que esta tinha, com o propósito de manter com esta actos sexuais e relações sexuais de cópula completa, o que sucedeu por duas ocasiões.

32. Ao ter actuado das formas descritas, o arguido agiu com intenção de usar o Messenger do Facebook para, através dele, convencer a ofendida a encontrar-se com o mesmo a sós, bem sabendo a idade que esta tinha, com o propósito de manter com esta actos sexuais e relações sexuais de cópula completa, encontros esses que lograram concretizar no dia 30-01-2023 e 06-02-2023.

33. Ao actuar do modo descrito, o arguido agiu ardilosamente, convencendo-a de que mantinha uma relação de namoro com a mesma e que a iria ajudar, com o propósito concretizado de privar os ofendidos DD e EE da sua liberdade de locomoção, cujas idades conhecia, para os conduzir para um local reservado, e aí manter com a ofendida DD, actos sexuais e relações sexuais com a mesma, sem o conhecimento e consentimento dos seus progenitores.

34. Ao actuar do modo descrito, o arguido agiu com o propósito, concretizado de satisfazer os seus instintos libidinosos e a sua lascívia, e aproveitando-se da ingenuidade, imaturidade, inexperiência e incapacidade de defesa em razão da idade da ofendida, bem sabendo que os mesmos eram idóneos a incomodá-la e a afectar, como afectaram, os seus sentimentos de recato e de pudor sexual, com apenas catorze anos de idade, circunstância essa que bem conhecia e que, por causa dessa idade, aquela não tinha capacidade e o discernimento necessário a uma livre decisão, e que esses actos prejudicavam o normal desenvolvimento da personalidade da menor na esfera sexual e, desse modo, a ofendia na sua liberdade e desenvolvimento sexual, no seu sentimento de timidez e vergonha.

35. O Arguido agiu sempre forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.

*** II.III - Apreciação do mérito do recurso

Retiramos da leitura global da motivação de recurso, com reflexo nas conclusões da mesma extraídas, que o recorrente:

A) Questiona a decisão sobre a factualidade considerada indiciada no despacho recorrido e, bem assim, a motivação da formação de tal juízo indiciário.

B) Como decorrência de tal impugnação, defende que os autos não contêm elementos que permitam considerar indiciados todos os factos que lhe foram imputados e que os que encontram sustentação probatória nos autos não se subsumem aos tipos legais de aliciamento de menores para fins sexuais, de rapto agravado e de atos sexuais com adolescentes agravados.

C) Questiona a existência dos perigos a que alude artigo 204º do CPP e que sustentaram a aplicação da prisão preventiva.

D) Questiona a legalidade da aplicação da medida de coação de prisão preventiva em virtude de, na sua ótica, tal medida se revelar desadequada e desproporcional, atendendo à factualidade indiciada, não tendo sido respeitados os princípios estabelecidos pelo artigo 193º do CPP, revelando-se, no seu entender, adequada e suficiente a aplicação de uma medida de coação menos gravosa, designadamente a medida de proibição de contactos e, no limite, a obrigação de permanência na habitação.

Todas as questões suscitadas pelo recorrente e que acabámos de enunciar, emergem como corolários da questão central que constitui o objeto do recurso, qual seja a da verificação da existência dos pressupostos legais da medida de coação de prisão preventiva que lhe foi aplicada.

Analisemos então se lhe assiste razão.

*

A) Da impugnação da matéria de facto indiciada no despacho recorrido e da existência de indícios fortes da prática de factos.

Tendo por referência a estatuição legal relativamente aos «indícios suficientes» constante do artigo 283.º, nº 2.º do CPP, na qual se estabelece que os mesmos se verificarão “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança”, o conceito de «fortes indícios» da prática de certo tipo de ilícitos, como requisito da prisão preventiva, terá que corresponder a uma alta probabilidade de ao sujeito, por força deles, vir a ser aplicada uma pena.

Entende o recorrente que os autos não revelam a existência de indícios da prática dos crimes que lhe foram imputados no despacho de apresentação para 1º interrogatório judicial.

Tal como nos ensina Paulo Pinto de Albuquerque “A CRP e a lei distinguem vários graus de convicção no processo penal”, exigindo-se a convicção relativa à existência de “indícios fortes” para aplicação da medida de coação de prisão preventiva e de proibição de condutas, aplicadas nos autos ao recorrente. (1).

Tendo por referência a estatuição legal relativa aos «indícios suficientes» – estabelecendo-se no artigo 283.º, nº 2.º do CPP que os mesmos se verificarão “sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança” – o conceito de «fortes indícios» da prática de certo tipo de ilícitos, como requisito da aplicação das medida de coação de prisão preventiva e de proibição de condutas previstas nos artigo 202º e 200º do CPP, terá que corresponder a uma alta probabilidade de ao arguido, por força deles, vir a ser aplicada uma pena. Com toda a clareza, escreve Paulo Pinto de Albuquerque que “indícios fortes são as razões que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória» (2)

Haverá, assim, indícios fortes da prática de uma infração criminal quando se encontra sólida e inequivocamente indiciada a existência do ilícito e quando, concomitantemente, ocorrem suspeitas sérias da sua imputação ao arguido. Pese embora se encontre inserido na fase processual de inquérito − titulada pelo Ministério Público − o interrogatório judicial de arguido detido não visa prosseguir fins de investigação, assumindo antes a natureza de ato jurisdicional com funções eminentemente garantísticas patenteadas nas cautelas de que se reveste a sua regulamentação processual constante do artigo 141º do CPP. Da mesma resulta que o primeiro interrogatório judicial de arguido detido se apresenta como um ato em que o arguido surge como sujeito processual, e não como objeto da investigação, estabelecendo-se a obrigatoriedade de cumprimento do princípio do contraditório e “[no] qual o juiz de instrução deve tentar minorar, na medida do possível, a desigualdade inicial de que partem Ministério Público e arguido quanto ao conhecimento dos factos investigados e da prova recolhida”. (3) Enquadrada nesta perspetiva jurisdicional garantística, apresenta-se de primordial relevância a asserção segundo a qual na comunicação dos factos ao arguido estabelecida pelo artigo 141º, nº 4 do CPP não poderá partir-se presunção da sua culpabilidade, mas antes da presunção da sua inocência, só assim se assegurando o respeito pelo disposto no artigo 32º, nº 2 da CRP.

Na situação em análise, no despacho de apresentação para 1º interrogatório judicial ao arguido vinham imputados factos integradores da prática de dois crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo artigo 176º-A, nºs. 1 e 2 do Código Penal, de dois crimes de rapto agravado, p.e p. pelos artigos 161.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 alínea a) conjugado com o artigo 158.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal e dois crimes de atos sexuais com adolescentes agravados, previsto e punido pelos artigos 173.º, n.º1 e 177.º, n.º 1, alínea c) do CP.

*

A primeira questão a conhecer, conforme acima demos nota, respeita à verificação dos indícios probatórios que permitam considerar fortemente indiciada a concreta factualidade imputada ao arguido.

Desde já se adianta que, pese embora tenhamos analisado cuidadosamente as considerações apresentadas pelo recorrente para fundamentar a sua discordância quanto ao juízo probatório exposto no despacho recorrido, cremos que não lhe assiste razão, pois que os indícios probatórios contidos nos autos relativos ao recorte fáctico que nos mesmos se discute permitem, a nosso ver, confirmar os termos da fixação factológica constante do despacho recorrido. Registamos que tal despacho, pese embora, a nosso ver, se encontre elaborado de forma demasiado esquemática – revelando-se parco quer na exposição das razões que sustentaram a fixação do acervo factológico imputado ao arguido, quer na sua subsunção às normas penais incriminadoras – contém, ainda assim, a fundamentação suficiente para que possamos avaliar o juízo crítico subjacente à decisão plasmada no elenco dos factos que o tribunal considerou indiciados.

Conforme é sabido, é ao julgador que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas – no cado dos autos, atendendo à fase processual em que nos encontramos, dos indícios – o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis. Segundo tal princípio processual penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Tal liberdade de apreciação da prova assenta em pressupostos valorativos e obedece aos critérios da razão, da lógica, da experiência comum e dos conhecimentos científicos disponíveis, tendo por referência a pessoa média suposta pela ordem jurídica, pelo que, de forma alguma, poderá confundir-se com arbítrio.

Como assinala Figueiredo Dias (4), a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade meramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova), e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, capaz de se impor aos outros. Deste modo, importa reter que o princípio da livre apreciação da prova consignado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal não representa a possibilidade de uma apreciação puramente subjetiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação, antes pressupõe uma cuidada valoração objetiva e crítica e, em boa medida, objetivamente motivável, de harmonia com as regras da lógica, da razão, da experiência e do conhecimento científico.

Pretendendo pôr em causa o juízo indiciário constante do despacho recorrido, o recorrente afirma não conterem os autos indícios fortes da autoria dos factos e explica as razões pelas quais, no seu entendimento, tais indícios deveriam ter conduzido a decisão diversa no que à factualidade imputada diz respeito.

Mas não tem razão. O tribunal “a quo” justificou a sua decisão nos termos que aqui novamente se convocam, e que são os seguintes: “(…) V – Análise crítica dos indícios que fundamentam a imputação A prática dos factos pelo arguido resulta fortemente indiciada pelos depoimentos já prestados pelos menores, os quais apesar da respectiva juventude mostram-se objectivas e isentas, sendo coerentes com os elementos e diligências realizadas pelo órgão de polícia criminal que levaram à localização dos menores desaparecidos. O arguido admitiu parcialmente os factos, admitindo os contactos de natureza sexual com a menor DD mas afirmando que apenas a pretendia ajudar, o que se afigura absolutamente incoerente mas revela o raciocínio do arguido e o seu carácter predador. Foram assim considerados os seguintes elementos de prova: TESTEMUNHAL: DD, melhor identificado a fls. 145.EE, melhor identificado a fls. 168. DOCUMENTAL, todos documentos constantes dos autos, nomeadamente: Informação de pessoa desaparecida de fls. 4 a 5. Certidão de fls. 6 a 11. Pesquisas de fls. 13 a 14, fls. 79 Aditamento de fls. 17 a 20. Fotogramas de fls. 21 a 25. Informação de escola de fls. 29 a 35. certificado do registo criminal de fls. 43. Auto de diligencias iniciais de fls. 67 a 70.Dados de localização de fls. 82 a 93. Auto de revista e apreensão de fls. 119 a 120. Auto de busca e apreensão de fls. 121 a 122. Reportagem fotográfica de fls. 123 a 130. Auto de apreensão de fls. 134 a 135. Reportagem fotográfico de fls. 136 a 139. Ficha de registo automóvel de fls. 140. Pesquisa de fls. 141. Auto de exame directo de fls. 183 a 188. Assentimentos de nascimento de fls. 198 a 199. (…)”.

Analisada a prova produzida nos autos, constatamos que a motivação transcrita – embora parca, reiteramos – consigna fidedignamente o teor das declarações do arguido em sede de primeiro interrogatório judicial e dos depoimentos anteriormente prestados pelas vítimas, cujo conteúdo se encontra reduzido a escrito a fls. 160 (quanto à menor DD) e 206 (quanto ao menor EE) do relatório elaborado pela Polícia Judiciária e que veio a ser junto aos autos em 08.02.2023. O conteúdo de tais declarações e depoimentos, suportado pelos registos de mensagens de telemóvel trocadas, analisados à luz das regras da experiência comum que deverão nortear a apreciação crítica da prova, nos termos acima explanados, permite, a nosso ver, considerar fortemente indiciada a factualidade elencada na decisão recorrida.

Com efeito, quanto aos factos objetivos, quer os atinentes aos enganos em que, voluntariamente, o arguido o fez incorrer a menor DD, quer os relativos aos contactos com os menores – nos dois momentos em que se encontraram fisicamente e, quanto à menor DD, também através de conversas prévias nas redes sociais – o próprio arguido assume a sua prática, confirmando a descrição que de tais factos foi feita por aqueles (5). No que tange aos propósitos visados com tais comportamentos objetivos, a inverosimilhança das justificações apresentadas pelo recorrente que, incontornavelmente, se extrai da análise de toda a situação por si criada marcada pelos sucessivos enganos nos quais fez assentar o seu relacionamento com a menor DD – mormente as mentiras quanto ao seu nome, quanto à sua idade e quanto à sua profissão – não deixam dúvida de que o que verdadeiramente aquele pretendia era ganhar a confiança da menor para com a mesma estabelecer contactos de natureza sexual, conforme, aliás, veio a suceder.

Assim, analisada toda a prova constante dos autos (documental e testemunhal) e concretamente indicada no despacho recorrido – testemunhal: DD, melhor identificado a fls. 145.EE, melhor identificado a fls. 168 e documental, todos documentos constantes dos autos, nomeadamente: Informação de pessoa desaparecida de fls. 4 a 5. Certidão de fls. 6 a 11. Pesquisas de fls. 13 a 14, fls. 79 Aditamento de fls. 17 a 20. Fotogramas de fls. 21 a 25. Informação de escola de fls. 29 a 35. certificado do registo criminal de fls. 43. Auto de diligencias iniciais de fls. 67 a 70. Dados de localização de fls. 82 a 93. Auto de revista e apreensão de fls. 119 a 120. Auto de busca e apreensão de fls. 121 a 122. Reportagem fotográfica de fls. 123 a 130. Auto de apreensão de fls. 134 a 135. Reportagem fotográfico de fls. 136 a 139. Ficha de registo automóvel de fls. 140. Pesquisa de fls. 141. Auto de exame direto de fls. 183 a 188. Assentimentos de nascimento de fls. 198 a 199 – nenhuma censura nos merece o juízo indiciário aí realizado, afigurando-se-nos que o exame crítico dos elementos probatórios disponíveis se encontra realizado de forma correta.

Não concordamos, pois, com a alegação do recorrente no sentido de que:

“(…)1.O Recorrente não aceita nem se conforma com a douta decisão proferida porquanto a mesma foi proferida sem que a prova que suporta os indícios de crime em discussão tenha sido devidamente analisada. (…) 14. Assim, não obstante a douta decisão ter sido construída com um propósito de condenação assente num móbil sexual, pervertido e criminoso do Recorrente, na verdade, nada na prova apresentada e respetivos indícios, assim o faz crer.”

Afigura-se-nos, ao invés, que o que legitimamente fez o tribunal “a quo” foi analisar os factos objetivos, articulá-los de acordo com um critério lógico e, com auxílio das regras da experiência comum, realizar as devidas inferências, sendo que estas lhe permitiram chegar à autoria dos factos por parte do arguido. Tal não significa naturalmente que numa fase mais adiantada do processo a prova complementar a produzir não possa vir a evidenciar alterações da matéria de facto indiciada mais ou menos significativas. A nosso ver, porém, nesta fase, os autos permitem sustentar indiciariamente, com uma base probatória credível, o acervo factológico tido por indiciado.

Sublinhamos que, pese embora as inferências relativamente à verificação de factos, sobretudo ao nível dos elementos subjetivos dos tipos, não possa consubstanciar-se num juízo conclusivo de culpabilidade, os indícios relativos aos factos relevantes deverão valorar-se no seu exato contexto, estabelecendo-se entre eles as conexões lógicas e razoáveis que a sua conjugação permite, sem desprezar as presunções simples ou naturais e, obviamente, sem extrapolar de tais conexões factos ou acontecimentos não suportados pelas regras da lógica ou da razoabilidade. E foi, a nosso, ver, o que foi feito na decisão sindicada no recurso. Resta, pois, concluir que as circunstâncias de facto que fortemente se indiciam na presente fase processual, reveladas pelos indícios existentes nos autos, permitem concluir que o arguido foi o autor dos factos que lhe foram indiciariamente imputados na decisão recorrida, improcedendo nesta parte a tese propugnada no recurso.

B) Da qualificação jurídica dos factos indiciados

Ao arguido vem imputada a prática dos seguintes crimes:

- Dois crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo artigo 176º-A, nºs. 1 e 2 do CP.

- Dois crimes de atos sexuais com adolescentes agravados, previsto e punido pelos artigos 173.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea c) do CP.

- Dois crimes de rapto agravado, p.e p. pelos artigos 161.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 alínea a) conjugado com o artigo 158.º, n.º 2, alínea e) do CP.

As normas legais incriminadoras dispõem da seguinte forma:

“Artigo 176.º-A

Aliciamento de menores para fins sexuais

1 - Quem, sendo maior, por meio de tecnologias de informação e de comunicação, aliciar menor, para encontro visando a prática de quaisquer dos atos compreendidos nos nºs 1 e 2 do artigo 171.º e nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo anterior, é punido com pena de prisão até 1 ano.

2 - Se esse aliciamento for seguido de atos materiais conducentes ao encontro, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos.”

*

“Artigo 173.º

Atos sexuais com adolescentes

1 - Quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que ele seja praticado por este com outrem, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até 2 anos.

(…)”

*

“Artigo 177.º

Agravação

1 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:

(…)

c) For pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez.”

*

“Artigo 161.º

Rapto

1 - Quem, por meio de violência, ameaça ou astúcia, raptar outra pessoa com a intenção de:

(…)

b) Cometer crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima;

(…)

é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

2 - Se no caso se verificarem as situações previstas:

a) No n.º 2 do artigo 158.º, o agente é punido com pena de prisão de três a quinze anos;(…)”

*

“Artigo 158.º

Sequestro

(…)

2 - O agente é punido com pena de prisão de dois a dez anos se a privação da liberdade:

(…)

e) For praticada contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez;”

*

E o que dizer então da subsunção dos factos indiciariamente imputados ao arguido às normas incriminadoras acima transcritas realizada – ou implicitamente realizada, uma vez que a tal respeito nada se escreveu! – na decisão recorrida?

Quanto aos crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, nenhuma dúvida temos de que os factos indiciados se lhe subsumem, pois que foi por meio de tecnologias de informação e de comunicação que o arguido, por duas vezes, aliciou a menor DD, através de vários enganos, para com o mesmo se encontrar, visando a prática de atos de natureza sexual, tendo-se ainda apurado que ao referido aliciamento se seguiram atos materiais conducentes aos encontros, que, aliás, vieram a concretizar-se em dois momentos distintos.

Os crimes de atos sexuais com adolescentes, ao contrário do que propugna o recorrente, encontram-se, a nosso ver, igualmente preenchidos, embora sem a agravação prevista no 177.º, n.º 1, alínea c) do CP.

Estatui o artigo 173º, nº 1 do CP que pratica o crime de atos sexuais com adolescentes quem “sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que ele seja praticado por este com outrem, abusando da sua inexperiência”. Sabendo-se que o bem jurídico protegido através da norma transcrita é a autodeterminação sexual – sendo certo que, face à idade da vítima, as condutas aqui censuradas poderão ter consequências graves no desenvolvimento da sua personalidade – o ato sexual de relevo será todo o comportamento que, “de um ponto de vista predominantemente objetivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado diretamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a liberdade de autodeterminação sexual de quem a sofre ou pratica” (6).

Ora, as condutas do arguido indiciadas nos autos – concretamente as descritas nos pontos 16, 17, 18, 20, 21, 22, 28 e 29 (7) – não poderão deixar de integrar-se no conceito de “ato sexual de relevo” que constitui o cerne do elemento objetivo do tipo previsto e punido no artigo 173º do CP. Na verdade, contrariamente ao que defende o recorrente, os beijos na boca da ofendida, a colocação das mãos em várias partes do corpo da mesma, nomeadamente, na nuca, no pescoço, nos braços, nas nádegas, nas coxas e nas costas, acariciando-as e apalpando-as enquanto a menor se encontrava na cama com aquele, revestem-se de contornos com um cariz sexual explícito. Tais condutas são objetivamente censuráveis, por referência aos sentimentos gerais da comunidade e constituem uma ofensa séria e grave da intimidade e liberdade da vítima, com 14 anos à data da prática dos factos.

Já quanto à agravação, considerando que o juízo de agravação da conduta atendendo à idade da vítima, consagrado no artigo 177.º, n.º 1, alínea c) do CP, está contido na previsão do crime de atos sexuais com adolescentes constante do artigo 173º, n.º 1 do mesmo Código, tais crimes deverão ser imputados ao arguido na sua forma simples e não agravada, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração. Com efeito, tal como vem sendo entendido na doutrina e na jurisprudência nacionais, a proibição da dupla valoração ocorre quando as circunstâncias agravantes correspondam a uma mesma dimensão da ilicitude ou da culpa (8), o que manifestamente sucede na situação dos autos quanto aos crime em análise, pois que implicando o preenchimento do tipo legal p. e p. no artigo 173º do CP que a vítima seja adolescente, não poderá agravar-se tal crime precisamente com a circunstância de o mesmo ter sido praticado contra “contra pessoa particularmente vulnerável, em razão de idade”, ou seja com uma adolescente de 14 anos, conforme prevê o artigo 177º, nº 1, alínea c) do CP. Estamos, assim, perante a proibição da dupla valoração da mesma circunstância, pois que são idênticos os fundamentos da incriminação e a motivação do legislador para a agravação.

*

No que concerne aos crimes de rapto agravado, punidos com pena de prisão de 3 a 15 anos nos termos estatuídos pelo artigo 161º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea a) do CP, demanda a sua importância para o objeto do recurso – conquanto são estes os únicos dos crimes imputados ao arguido que, atendendo às respetivas molduras penais e considerando o disposto no artigo 202º, nº 1 do CPP, consentem a aplicação da medida de coação de prisão preventiva – que nos detenhamos um pouco na análise dos elementos integradores pressupostos do seu preenchimento.

Tem vindo a doutrina e a jurisprudência portuguesa a estabelecer, em termos amplamente consensuais, que o bem jurídico protegido pelo crime de rapto, tal como no sequestro, é a liberdade ambulatória da vítima, ou seja, o elemento nuclear de ambos radica na privação da liberdade de locomoção ou de movimento.

A conduta ativa e objetiva integradora do crime de rapto consiste na deslocação de alguém de um lugar para outro, contra ou sem a sua vontade, inexistindo rapto sem tal deslocação não consentida. No rapto, ao contrário do sequestro, estamos perante um crime de execução vinculada, uma vez que o tipo exige a sua comissão por meio de “violência, ameaça ou astúcia”, e de um crime de intenção, constituindo elemento do tipo o dolo específico reportado a uma das finalidades indicadas na norma incriminadora. (9)

Encontramo-nos, pois, perante a proteção da liberdade física da vítima. Porém, a tríplice forma de se concretizar o rapto, ou seja a deslocação da pessoa de um lado para o outro realizada por meio de “violência ameaça ou astúcia”, impõe que se questione se a privação da liberdade física pode ser conseguida através de um meio que determine a perda da liberdade de decisão e, consequentemente, a inexistência de vontade real do raptado, o que poderá suceder se aquele for vítima de engano causado por astúcia.

No acórdão do STJ datado de 05.06.2014 (10), o Conselheiro Souto de Moura explana proficientemente a questão acima enunciada, ou seja, a questão da relevância da astúcia no condicionamento da vontade da vítima e da suficiência da vontade assim viciada para o preenchimento do crime de rapto, nos termos que pela sua clareza, assertividade e importância para a situação que nos ocupa, passamos a transcrever nas partes que se nos afiguram mais relevantes:

“(…) Dir-se-á, então, que existe rapto quando não há qualquer manifestação de vontade da vítima sobre a ação do agente, porque essa vontade ou não existe ou não pode manifestar-se ("bebé", pessoa inconsciente), quando a vontade é expressa de facto contra a ação do agente, ou ainda quando essa vontade foi viciada, por ação do agente.

Então, interessa no caso saber, se um menor normal de 11 anos [no caso do acórdão estava em causa o rapto de um menor de 11 anos] tem vontade atendível quanto à sua liberdade ambulatória, no sentido de merecer proteção jurídico-penal.

A resposta tem que ser afirmativa, em primeiro lugar porque esse menor dispõe de uma capacidade suficiente para se autodeterminar,(…).

Do dolo do agente pode fazer parte (al. b) do nº 1 da previsão típica) a intenção de cometer crime contra a liberdade e autodeterminação da vítima, o qual, se for o de abuso sexual de criança, prescinde completamente da vontade da vítima, porque há uma proteção absoluta da criança menor de 14 anos. Mas, no crime de rapto, essa intenção de abusar sexualmente (concretamente do menor), esgota-se ao nível do dolo específico. O bem jurídico do crime de rapto é a liberdade ambulatória, pelo que será abusivo transferir para este crime a irrelevância da vontade da vítima, tal como ocorre no crime de abuso sexual de criança.(…)

A manipulação da vontade da vítima não passa afinal de uma forma especial de astúcia.

Vejamos então o que acontece em relação ao preenchimento deste último elemento.

(…) E assim, se o menor não manifestou a sua vontade contra a deslocação a que estivesse a ser sujeito, e podia tê-lo feito, só haverá crime de rapto se tiver sido enganado. Já decorre do que atrás se disse que não é possível negar a um menor de 11 anos, normal, uma vontade própria. E só havendo vontade própria é que pode admitir-se, como se admite, a suscetibilidade de essa vontade ser manipulada. O menor pode ser enganado se for induzido em erro pelo raptor.(…) (11)

*

Terá sido este o caso na situação que nos ocupa? Não temos dúvidas que sim.

O engano ou erro consiste numa falsa representação da realidade provocada pelo agente que interessa à formação da vontade da vítima. No caso dos autos os factos indiciados dão-nos conta da condução da menor DD a vários enganos, ardilosamente causados pelo arguido – dizendo-lhe, entre o mais, que se chamava JJ (quando na verdade se chamava AA); que tinha 21 anos (quando na verdade tinha 36); que era inspetor da Polícia Judiciária (quando na verdade era vigilante) – com vista a fazê-la aderir ao seu plano de que a menor, agindo no convencimento de que entre os dois existia uma relação de namoro, consigo viesse a praticar atos de natureza sexual.

Mas a astúcia revelada pelos comportamentos do arguido vai mais longe e não se projeta apenas nos enganos reportados ao crimes fim, ou seja, aos crimes de natureza sexual, em vista dos quais o arguido praticou o rapto e que se vieram a concretizar na sua residência (12). Na verdade, os factos demonstram que o arguido, aproveitando e explorando a situação de debilidade e de fragilidade que os menores vivenciavam, criou ardilosamente uma realidade falsa na qual aqueles percecionaram um ambiente protetor e securizante, que, na sua ótica, lhes permitiria ficar a salvo das situações menos gratificantes às quais se encontravam expostos no seio familiar. Foi este precisamente o engano astuciosamente criado pelo arguido que manipulou a vontade dos menores no que diz respeito à deslocação para a casa daquele.

Em suma, entendida a astúcia como um ardil ou manobra fraudulenta, no contexto do ilícito de rapto, a mesma reclama que o agente engane a vítima não só sobre o propósito final da sua conduta, mas também sobre o significado e as consequências da concreta ação de ser deslocada de um local para outro, o que como já vimos, sucedeu na situação que nos ocupa.

Estas as razões pela quais entendemos que os factos indiciados integram a prática de dois crimes de rapto agravado p. e p. pelos artigos 161.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 alínea a) conjugado com o artigo 158.º, n.º 2, alínea e) do CP, nos termos constantes da decisão recorrida.

Não acompanhamos, pois, a análise fáctico jurídica apresentada pelo arguido no recurso, sendo certo que, atendendo às razões acima explanadas, nenhum mérito reconhecemos à argumentação ali expendida, concretamente a atinente à alegada errada apreciação dos indícios e à errada subsunção dos factos às normas penais incriminadoras.

***

C) Da existência dos perigos previstos no artigo 204º do CPP e mencionados no despacho recorrido necessários à aplicação da medida de coação de prisão preventiva.

A aplicação da medida de coação de prisão preventiva pressupõe a verificação de pelo menos um dos perigos previstos no artigo 204.º do CPP a saber:

«a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.»

Considerou o tribunal “a quo” haver perigo concreto de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova. (13)

Entende o recorrente que os autos não revelam a existência dos receios mencionados no despacho recorrido e que justificaram a aplicação da medida de coação de prisão preventiva. Assentemos em que os aludidos perigos deverão encontrar-se concretizados e revestir-se de uma dimensão razoável, sob pena de se desvirtuarem as razões subjacentes à sua previsão legal, o que levaria a que pudessem ser invocados em todos os casos, sem respeito pelos princípios constitucionais que os sustentam. O perigo de continuação da atividade criminosa tem em vista o juízo de prognose realizado relativamente à continuação da prática de crimes da mesma espécie e natureza dos que se indiciam no processo em que se faz a avaliação de tal perigo. Em tal juízo de prognose deverão valorizar-se a natureza e as circunstâncias relativas aos crimes que se investigam e avaliar a probabilidade da sua conexão com a atividade futura do arguido.

No caso em apreço, tal como se refere na decisão sob recurso, parece-nos evidente o perigo de continuação da atividade criminosa, levando em consideração a facilidade de manutenção dos contactos com os menores que foram vítimas dos crimes indiciados nos presentes autos, e de estabelecimento de novos contactos com outros adolescentes, pela mesma via, ou seja, através das novas tecnologias de comunicação, máxime através das redes sociais. De facto, a perversidade manifestada pelos comportamentos do recorrente censurados nos autos – que premeditadamente, e com vista lograr satisfazer os seus instintos libidinosos concretizados na prática de vários crimes de natureza sexual, teceu ardilosamente uma teia de enganos através da qual deu a conhecer à menor DD uma realidade falsa, assim tendo conseguido manipular a sua vontade, o que viabilizou a consumação dos dois crimes de rapto – decerto contribuirá para intensificar o perigo de continuação da atividade criminosa.

Acresce que nenhum elemento nos autos aponta no sentido de que o arguido propenda para alterar os seus comportamentos. Registamos que em sede de 1º interrogatório judicial o arguido optou por não assumir o propósito com que atuou, nem o desvalor das suas condutas, não tendo revelado qualquer tipo de consciência crítica, ou dado qualquer sinal do qual possamos minimamente retirar a sua capacidade de autocensura, o que reforça necessariamente a nossa convicção acerca da existência de perigo de continuidade da atividade criminosa quanto aos crime que lhe vêm imputados, incluindo quanto ao crime de rapto.

Relativamente ao perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente ao perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, nenhuma dúvida temos de que o mesmo se verifica. De facto, encontrando-se a investigação criminal ainda a decorrer e sendo a mesma do conhecimento do arguido, não podemos deixar de considerar verificado o perigo de que o mesmo desenvolva comportamentos que ponham em causa a aquisição, a conservação ou a veracidade das provas, designadamente abordando e intimidando os dois menores que foram as suas vítimas com o propósito de tentar condicionar os seus depoimentos. Julgamos, pois, que na situação vertente é intenso o perigo de perturbação do inquérito, com especial destaque para o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova atendendo à alta probabilidade de que o arguido diligencie pela intimidação das testemunhas essenciais no que tange aos seus futuros depoimentos.

***

C) Da ilegalidade da aplicação da medida de coação de prisão preventiva por preterição dos princípios consagrados no artigo 193º do CPP.

Como corolários do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no seu artigo 1.º, estabelece a Constituição da República Portuguesa, como direitos fundamentais:

- O direito à liberdade (artigo 27.º, nº 1), estatuindo que tal direito apenas poderá ser restringido na estrita medida do necessário para salvaguardar outros direitos constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, nº 2);

- O princípio da presunção de inocência dos arguidos (artigos 32.º, nº 2.º e 27.º, nº 1.º).

As medidas de coação impostas aos arguidos em processo penal constituem, necessariamente, uma restrição à liberdade pessoal de quem a elas é sujeito, sendo que têm como finalidade assegurar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu bom andamento, quer no que concerne à execução das decisões condenatórias.

Precisamente porque a aplicação das medidas de coação implica uma restrição de direitos fundamentais, a mesma deverá revestir-se das devidas cautelas, fazendo a lei, nos artigos 191º e seguintes do CPP, uma definição rigorosa e clara dos respetivos pressupostos e estatuindo que na aplicação de tais medidas deverão observar-se os princípios da legalidade ou tipicidade, da adequação, da necessidade e da proporcionalidade.

Assim, a aplicação de qualquer medida de coação pressupõe, desde logo, a verificação de um juízo de indiciação da prática de crime, fumus comissi delicti, e visa exclusivamente satisfazer exigências cautelares estritamente processuais, que resultem da verificação de algum dos perigos previstos nas alíneas do artigo 204.º do CPP.

Em concreto, a aplicação da medida de prisão preventiva – por ser a que mais fortemente restringe a liberdade das pessoas – depende da verificação dos requisitos comuns a todas as medidas de coação, previstos no artigo 204º do CPP e ainda de requisitos específicos, estabelecidos pelo artigo 202º do CPP, sempre sem prejuízo do preenchimento das “condições gerais de aplicação”, que encontram a sua previsão no artigo 192º do CPP.

Só poderá, pois, a medida de prisão preventiva ser aplicada para acautelar as necessidades processuais se as outras medidas legalmente previstas se revelarem inadequadas ou insuficientes, prevendo o artigo 202.º, nº 1.º do CPP, que a mesma só pode aplicar-se quando:

«a) Houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão com máximo superior a 5 anos;

b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;

c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão»;

Cumulativamente, deverá ainda verificar-se pelo menos um dos perigos previstos no artigo 204.º do CPP, a que acima aludimos.

*

Na sequência da promoção do Ministério Público, o Juiz de Instrução, levando em conta o quadro factológico indiciariamente apurado, concluiu que o arguido recorrente se constituiu como autor de dois crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo artigo 176º-A, nºs. 1 e 2 do Código Penal, de dois crimes de rapto agravado, p.e p. pelos artigos 161.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 alínea a) conjugado com o artigo 158.º, n.º 2, alínea e) do Código Penal e dois crimes de atos sexuais com adolescentes agravados, previsto e punido pelos artigos 173.º, n.º1 e 177.º, n.º 1, alínea c) do CP (14) e entendeu que a única medida de coação adequada e suficiente para garantir as exigências cautelares na situação vertente seria a de prisão preventiva, que decidiu aplicar conjuntamente com a medida de proibição de contactos com as vítimas.

Ora o recorrente, não pondo em causa a medida de proibição de contactos com as vítimas, considera não se encontrar justificada a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, pugnando pela aplicação de outra medida menos gravosa, no limite a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

Vejamos se tem razão.

Para fundamentar a decisão de sujeitar o recorrente à medida de coação de prisão preventiva o tribunal recorrido teve em consideração os crimes cuja prática fortemente se indicia, nos quais se inclui o crime de rapto agravado, que, atendendo à respetiva moldura penal – prisão de prisão de 3 a 15 anos – e considerando o disposto no artigo 202º, nº 1 do CPP, é o único dos crimes imputados ao arguido que consente a aplicação de tal medida de coação. E cuidou de justificar por que razão não aplicou ao arguido outras medidas de coação menos gravosas, nomeadamente a medida de obrigação de permanência na habitação com controlo através dos meios de vigilância eletrónica, nos termos previstos no artigo 201º do CPP.

Ora, analisando cuidadosamente toda a situação criada pelo arguido e refletida nos factos indiciariamente apurados, e, bem assim, a perversidade revelada pela sua personalidade que de tais factos decorre, é nossa convicção que os perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação do inquérito – nomeadamente o perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova – que importa acautelar, justificam a coartação da liberdade do arguido uma vez que só a privação da sua liberdade acautelará eficazmente que aquele não persista na prática dos comportamentos que visaram manipular a vontade das suas vítimas e que integraram a prática dos crimes de rapto e ainda que o mesmo não contacte as testemunhas com os fins de intimidação também mencionados na decisão.

Nesta conformidade, concluímos que os mencionados perigos não apenas justificam a prisão preventiva – por esta se mostrar proporcional à gravidade dos crimes cometidos e à sanção que previsivelmente poderá vir a ser aplicada ao arguido – como as razões que a fundamentam tornam claramente inadequadas, quaisquer outras medidas de coação menos gravosas, incluindo a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, em virtude de a mesma não se revelar suficiente para impedir que o arguido volte a prevaricar, desde logo contactando as suas vítimas por telefone, por mensagens, nas redes sociais, ou por qualquer outro meio tecnológico que se revele adequado a tal desiderato, o que não só viabilizaria a continuação da atividade criminosa como prejudicaria gravemente a investigação. Em suma, nos termos que se deixaram expostos, consideramos que a decisão recorrida respeitou os critérios definidos na Constituição e na lei, mostrando-se a medida de coação de prisão preventiva, aplicada conjuntamente com a medida de proibição de contactos com as vítimas, conforme aos princípios, da adequação, da necessidade e da proporcionalidade e respeitada a natureza excecional e subsidiária da de tal medida, pelo que o recurso improcederá.

****

III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, em manter as medidas de coação aplicadas ao arguido, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelas signatárias)

Évora, 25 de maio de 2023.

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

Maria Margarida Bacelar

----------------------------------------------------------------------------------

1 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, pp. 346 (anotação 4 ao artigo 127º), Universidade Católica Editora, 2018

2 Paulo Pinto de Albuquerque, ob cit, pp. 347 (anotação 8 ao artigo 127º).

3 Citação extraída do Acórdão da Relação do Porto de 15.06.2016, relatado pelo Desembargador Ernesto Nascimento, disponível em www.dgsi.pt.

4 Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 204 e ss.

5 Com exceção do facto vertido no ponto 7., que, tendo sido relatado pela menor DD no âmbito da descrição do evoluir do seu relacionamento com o arguido – em termos de tal forma espontâneos e naturais que não nos permitem duvidar da sua autenticidade – foi negado por aquele.

6 Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, I, Coimbra Editora, 1999, pág. 447.

7 Têm tais pontos o seguinte conteúdo: “16. No momento em que se aproximou da ofendida que se encontrava de costas, o arguido agarrou-a por detrás, abraçando-a, encostando o seu corpo ao da ofendida, dando-lhe um beijo na face e agarrou as mãos da ofendida.

17. Em seguida, o arguido convenceu os ofendidos a entrarem no interior da viatura que conduzia, transportando-os até ao … da … e, em seguida, levou-os até ao … do …, onde almoçaram, sem o conhecimento e consentimento dos seus progenitores.

18. Após, o arguido transportou os ofendidos DD e EE até ao Miradouro …, onde o arguido aproximou-se novamente da ofendida, agarrando-a por detrás e dando-lhe beijos na boca.(…)

20. No dia 06-02-2023, o arguido com a intenção de deixar claro o seu propósito se encontrar com a ofendida, para a prática de actos sexuais com a mesma e, o arguido iniciou conversa com DD, agendando encontro com a mesma, no … da …, às 10h00, a qual acatou.

21. No momento em que avistou a ofendida, a qual se encontrava acompanhada por EE, o arguido dirigiu-se em direcção da mesma.

22. No momento em que se aproximou da ofendida, e com o propósito de satisfazer os seus instintos libidinosos, o arguido agarrou-a, abraçando-a, e deu-lhe um beijo na boca da mesma.(…)

28. Aí chegados, e com o propósito de manter relações sexuais com DD, o arguido disse à ofendida para a mesma se deitar na cama existente no seu quarto, a qual assentiu, dizendo-lhe que era virgem.

29. Após, o arguido deu beijos na boca da ofendida e colocou as mãos em várias partes do corpo da ofendida, nomeadamente, nuca, pescoço, braços, nádegas, coxas e costas, acariciando-as e apalpando-as.”

8 Neste sentido, se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do STJ de 18.01.2012, proferido no processo n.º 306/10.0JAPRT.P1.S1; de 13.11.2013, proferido no processo n.º 2032/11.4JAPRT.P1.S1 e de 18.09.2018, proferido no processo n.º 359/16.8JAFAR.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

9 Neste sentido, cfr. Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, páginas 434 a 436. Na Jurisprudência, cfr., entre outros, acórdão da Relação do Porto, de 03.11.2010, relatado pelo Desembargador Ângelo Morais; da Relação de Évora de 26.11.2013, relatado pelo Desembargador Carlos Berguete; da Relação de Évora de 20.10.2020, relatado pelo desembargador José Simão e da Relação de Lisboa de 06.06.2021, relatado pela Desembargadora Graça Santos Silva, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

10 Acórdão do STJ datado de 05.06.2014, relatado pelo conselheiro Souto de Moura, decidido por maioria, com voto de vencido da Conselheira Isabel Pais Martins, versando precisamente a questão da relevância da astúcia no condicionamento da vontade da vítima e a sua projeção no crime principal de rapto ou apenas no crime fim (de natureza sexual), disponível em www.dgsi.pt.

11 Negritos acrescentados.

12 Ao invés do que, de acordo com o voto de vencido lavrado no acórdão do STJ que vimos de citar, sucederia na situação aí em análise.

13 Registamos que, contrariamente ao invocado pelo recorrente, o despacho recorrido não sustentou a existência do perigo de fuga, pelo que também aqui nos não reportaremos ao mesmo.

14 Quanto a este tipo penal, vimos já que a indiciação deverá quedar-se pela prática dos crimes na sua forma simples, ou seja, sem agravação.