REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
NATUREZA MISTA
Sumário

Com a atual redação dada pela Lei 94/2017 de 23.8 ao Código Penal, entrada em vigor em 23.11.2017, ou seja, já em vigor aquando da decisão condenatória, o regime de permanência na habitação veio a consagrar-se também como forma de execução da pena, e não apenas como pena de substituição, cuja única natureza resultava da anterior redação dada ao art.º 44º Código Penal.
As alterações introduzidas no Regime de Permanência na Habitação (RPH) pela Lei 94/2017 de 23.08, implicam dever considerar-se ter o RPH atualmente natureza mista, do ponto de vista dogmático: de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional; de mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão, uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do art. 43º, nº 1, al. c), do Código Penal.
A averiguação da pretensão do requerente e do momento processual em causa determinará a natureza do que está em causa. Se se trata de decidir da possibilidade de aplicar uma pena de substituição ou das consequências de incumprimento da mesma, ou se se trata de decidir acerca do regime de cumprimento de pena, já em fase de cumprimento de execução da pena.
No primeiro caso, compete ao tribunal da condenação a respetiva decisão, no segundo caso compete ao TEP.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:
I

[i] No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 116/18.7 PAABT, do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Central Criminal de …, Juiz …, por acórdão proferido em 08.06.2021, transitado em julgado em 25.07.2022, [na sequência de Acórdão proferido em 09.11.2021, por este Tribunal da Relação de Évora, que no que importa manteve nos seus precisos termos a decisão da primeira instância relativamente à arguida/condenada ora recorrente], entre muitos outros arguidos/condenados, foi decidido impor à condenada AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelos artigos 21º, nº 1 e 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01 (Regime Jurídico do Tráfico e Consumo de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas), com referência às Tabelas anexas ao mesmo diploma I-A e I-B, a pena de 2 (dois) anos de prisão, que cumpre actualmente. [cfr. ofício com a referência nº …] Em 14.10.2022, a condenada AA, “regularmente notificada do mandato de condução para cumprimento de pena de prisão efetiva”, apresentou nos autos supra identificados requerimento solicitando ao Tribunal da condenação, “preenchidos os pressupostos para aplicação do artigo 44.º o cumprimento do remanescente da pena em regime de permanência na habitação” – [cfr. requerimento com a referência nº …].

[iii] Apreciando aquele requerimento, por despacho proferido em 08.11.2022, pelo Tribunal da condenação foi decidido:

“(…)

A arguida AA veio requerer, pelos fundamentos que constam no seu requerimento, que o remanescente da pena de 2 anos de prisão que lhe foi aplicada, seja cumprida em regime de permanência na habitação.

Alega para o efeito, em síntese que, tendo sido condenada na pena de dois anos e ainda que não tenha sido ainda liquidada sua pena, restar-lhe-ão cumprir, fruto dos descontos a operar nos termos e para os efeitos do artigo 80.º do CP, seis meses de pena.

Mais alega que, considerando estar cumpridos ¾ da pena em que efetivamente foi condenada não se justifica a sua reclusão quer por razões de logistica prisional, quer porque estarão já preenchidas parte das exigências de prevenção especial positiva.

Mais refere que, a arguida tem que cuidar dos seus netos, filhos de dois arguidos recluídos para cumprimento de prisão efetiva à ordem dos presentes autos: O Sr. BB e a Sr.ª CC.

O Ministério Público pronunciou na douta promoção de 18-10-2022 [Ref.ª …], alegando em síntese que, face ao regime estabelecido no art.º 43º, n.º 1, alínea b), do CP, se lhe afigura que estarão reunidos os requisitos para o cumprimento do remanescente da pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sendo que nessa situação não se aplica a liberdade condicional (art.º 43º, n.º 5, do CP).

Mais refere, porém, que, a única questão que se pode colocar é a de saber se não tendo sido fixado inicialmente no Acórdão condenatório este tipo de cumprimento de pena, posteriormente o mesmo pode ser fixado, já que para que isso aconteça é necessário que o tribunal chegue à conclusão que por meio do regime de permanência na habitação se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, o que implica um juízo de prognose favorável a esse tipo de cumprimento, sendo também certo que a decisão já transitou em julgado, o que implicará que o poder jurisdicional para apreciar esta questão se terá esgotado.

Conclui ainda que, caso se venha a entender que é ainda possível apreciar esta questão, pois não se trata da medida da pena de prisão, mas sim da sua forma de cumprimento, o Ministério Público nada tem a opor ao requerido, promovendo ainda, nessa situação, que se solicite à DGRSP a elaboração do respetivo Relatório.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o art.º 43.º do Código Penal que:

«1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;

b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º

2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.

3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:

a) Frequentar certos programas ou atividades;

b) Cumprir determinadas obrigações;

c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;

d) Não exercer determinadas profissões;

e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;

f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.

5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.»

Com a actual redação do citado preceito legal dada pela Lei 94/2017 de 23.8 ao Código Penal, entrada em vigor em 23.11.2017, ou seja, já em vigor aquando da decisão condenatória, o regime de permanência na habitação veio a consagrar-se também como forma de execução da pena, e não apenas como pena de substituição, cuja única natureza resultava da anterior redação dada ao art.º 44º Código Penal.

As alterações introduzidas no Regime de Permanência na Habitação (RPH) pela Lei 94/2017 de 23.08, implicam dever considerar-se ter o RPH atualmente natureza mista, do ponto de vista dogmático [nesse sentido, veja-se o acórdão da Relação de Évora de 18-02-2020, Proc. 240/17.3GHSTC.A.E1]: de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional [cfr. art.º 43.º, n.º 1, al. a), do CPP]; de mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão, uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena, a uma pena remanescente de prisão não superior a 2 anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º [cfr. art.º 43.º, n.º 1, al. b), do CPP] ou, em consequência, da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão (cfr. art. 43º, nº 1, al. c), do Código Penal).

No caso concreto, a arguida requerente foi condenada na pena de 2 anos de prisão, por acórdão proferido nos presentes autos, transitado em julgado.

A arguida esteve sujeita à medida de coacção de prisão preventiva de 17-12-2019 a 08-06-2021, portanto durante um período de 1 ano, 5 meses e 22 dias, sendo que tal medida de coacção foi declarada cessada no dia da leitura do acórdão proferida em 1.ª instância (cfr. acta de leitura do acórdão de 08-06-2021 – Ref.ª …).

Ou seja, aquando da prolação do acórdão proferido em 1.ª instância a arguida já estava nas condições processuais em que agora funda o seu requerimento.

Compulsado o acórdão proferido em 1.ª instância verifica-se que o Tribunal Colectivo ponderou (na página 57) quanto à aplicação do art.º 43.º, do Código Penal, nos seguintes termos:

«Já quanto aos arguidos DD e AA, o Tribunal não antevê a enunciada esperança fundada e patente no regime da suspensão. Quanto ao primeiro, pelo facto de a última pena de prisão suspensa na sua execução não ter servido de advertência suficiente, conquanto o arguido veio a praticar factos da mesma natureza e durante o decurso da suspensão. Quanto à segunda, pelas razões bem patentes no instituto da reincidência e que fazem perigar qualquer vislumbre que a suspensão cumpra o almejado desiderato de manter a arguida longe da prática de crimes. Ademais, não se vislumbra que a possibilidade aberta pelo disposto no artigo 43.º, do Código Penal, tenha adequação ao caso vertente, conquanto as finalidades da punição poderão sair defraudadas com o cumprimento da pena de prisão efetiva em regime de permanência na habitação, dado que só com a prisão efetiva e no estabelecimento prisional se realizará de forma plena as fortes necessidades de prevenção especial que ambos os arguidos carecem.» (sublinhados nossos)

Desta forma, verifica-se que, já existiu uma pronúncia expressa deste tribunal quanto à inadequação da aplicação do regime de permanência na habitação no caso concreto da arguida AA, motivo pelo qual, se decidiu que só a aplicação de uma pena de prisão efectiva e no estabelecimento prisional realizará de forma plena as fortes necessidades de prevenção especial de que esta carece, por acórdão de 1.ª instância, confirmado em acórdão da Relação de Évora proferido em recurso, que se encontra presentemente transitado em julgado, mostrando-se assim esgotado o poder jurisdicional quanto à uma eventual aplicação do regime de permanência na habitação.

Ainda que, assim não se entendesse, sempre se dirá que, desde a prolação do referido acórdão em 08-06-2021 até à presente data não foram carreados para os autos quaisquer elementos que nos permitam concluir pela atenuação das exigências de que a arguida carece, afigurando-se-nos que se mantêm, em concreto, as fortes necessidades de prevenção especial que estiveram subjacentes à aplicação da referida pena de prisão efectiva.

Termos em que pelos fundamentos expostos se indefere o requerimento formulado.

Notifique.

D.N.

(…)”.

[iv] Inconformada com a decisão, dela recorreu a condenada AA, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões:

“5.º

Não parece ser de acolher a fundamentação do Tribunal a quo!

6.º

O MP ofereceu parecer ao requerido pronuciando-se favorávelmente quanto ao pedido da arguida.

7.º

O Tribunal a quo idefere o requerido com fundamento em ter-se já pronunciado quanto à questão da permanência na habitação, aqundo prolação do Acórdão condenatório.

8.º

Contudo, fez recair juízo decisório sobre pedido e questão diferente da que agora se requer, quer quanto à forma, quer quanto à substância...quer ainda quanto ao fundamento, pelo que não pode essa pronucia formar caso julgado quanto ao requerido pela arguida AA.

9.º

Assim se nos afigura porque, o suscitado no Ac. Condenatório tinha que ver com pedido de substituição da pena, agora o pedido e requerido tem que ver com a sua execução.

10.º

Veja-se que, o Tribunal decidiu no Ac. Condenatório se a arguida devia ver-lhe substituida pena de prisão por permanência na habitação, o que se fixa nos e para os termos do artifo 43.º do CP.

11.º

Agora e de forma diferente a arguida vem requerer que o remanescente da sua pena seja cumprido em regime de permenância na habitação nos termos do artigo 44.º n.º 1 al. b), alegando ainda e como fundamento o disposto no n.º 2 al. e) do mesmo artigo, isto é, ter a ser cargo os seus três netos menores..filhos de BB e CC, ambos condenados no mesmo Ac..

12.º

Existe pois erro notório na apreciação do requerido, seja na parte de enquadramento juridico, quando não distingue conceitos básicos de permanência na habitação enquanto pena de substituição e dorma de execução de pena, seja na parte de facto, pois que, o requerido agora é substancialmente diferente do que foi requerido em sede de audiênmcia de discusssão e julgamento, pelo exato motivo e fundamento relevado no requerimento apresentado: existirem menores ao cuidado exclusivo da requerente arguida agora, não se verificando essa circunstância na altura.

13.º

Pelo exposto, mas principlamente porque o requerido se dirige à execução da pena da arguida, o fundamento mobilizado pelo Tribunal a quo de que não tem já poderes de cognição sobre o requerido e que estaria já formado trânsito em julgado quanto a esta questão não acolhe qualquer racionalidade juridica, encontrado-se a questão requerida muito para lá dos limites do trânsito em julgado do Ac. Condenatório.

15.º

No mesmo sentido vai o MP, quando na promoçaõ de 18 de outubro de 2022 dispõe:

A arguida AA veio requerer, pelos fundamentos que constam no seu requerimento, que o remanescente da pena de 2 anos de prisão que lhe foi aplicada, seja cumprida em regime de permanência na habitação.

A arguida foi condenada na pena de 2 anos de prisão.

Por sua vez, esteve sujeita à medida de coação de prisão preventiva durante 1 ano e 6 meses. Por isso, face ao desconto no cumprimento da pena, por força do estabelecido no art.º 80º, do CP, a arguida terá só a cumprir 6 meses de prisão.

Por outro lado, face aos descontos a efetuar no cumprimento da pena, a arguida já terá cumprido ¾ da pena, o que, à partida, fundamentaria a concessão da liberdade condicional.

Face ao regime estabelecido no art.º 43º, n.º 1, alínea b), do CP, afigura-se-nos que estarão reunidos os requisitos para o cumprimento do remanescente da pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sendo que nessa situação não se aplica a liberdade condicional (art.º 43º, n.º 5, do CP).

A única questão que se pode colocar é a de saber se não tendo sido fixado inicialmente no Acórdão condenatório este tipo de cumprimento de pena, posteriormente o mesmo pode ser fixado, já que para que isso aconteça é necessário que o tribunal chegue à conclusão que por meio do regime de permanência na habitação se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, o que implica um juízo de prognose favorável a esse tipo de cumprimento, sendo também certo que a decisão já transitou em julgado, o que implicará que o poder jurisdicional para apreciar esta questão se terá esgotado.

Contudo, caso se venha a entender que é ainda possível apreciar esta questão, pois não se trata da medida da pena de prisão, mas sim da sua forma de cumprimento, o Ministério Público nada tem a opor ao requerido, promovendo ainda, nessa situação, que se solicite à DGRSP a elaboração do respetivo Relatório.

Termos em que se roga ao Venerandos Juízes

julguem procedente o presente recurso e revoguem a decisão e despacho recorrido, concedendo à requerente condenada o Direito de cumprir a pena em que foi condenada em permanência na habitação durante o período remanescente e por cumprir.

Assim a Justiça”.

[v] Admitido o recurso interposto [cfr. despacho exarado em 20.03.2023] e notificados os devidos sujeitos processuais, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância respondeu ao recurso, extraindo da respectiva peça as seguintes conclusões:

“1ª – A arguida recorreu, pois, no seu entender considera que o despacho recorrido que indeferiu o seu requerimento, com fundamento em que o acórdão condenatório, já transitado em julgado, se pronunciou sobre a matéria em causa, lavrou em erro notório na apreciação do que foi requerido, pois o acórdão condenatório tinha que ver com o pedido de substituição da pena, e o pedido indeferido teve que ver com a sua execução, com fundamento em ter a cargo os seus três netos menores, filhos de BB e CC, ambos condenados pelo mesmo acórdão.

2ª - Considera que o que foi requerido se dirige à execução da pena, pelo que, o fundamento do Tribunal a quo de que já não tem poderes de cognição, face à formação do trânsito em julgado, não pode colher, pois a questão requerida está para lá dos limites do trânsito em julgado do acórdão condenatório.

3ª - Na promoção que efetuamos, em 18-10-2022, acerca desta matéria, sustentamos que como a recorrente tinha sido condenada na pena de 2 anos de prisão, e esteve sujeita à medida de coação de prisão preventiva durante 1 ano e 6 meses e, por força do estabelecido no art.º 80º, do Código Penal, teria que cumprir só 6 meses de prisão, afigurava-se-nos que, face ao regime estabelecido no art.º 43º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, estariam reunidos os requisitos para o cumprimento do remanescente da pena em regime de permanência na habitação.

4ª - Mas também sustentamos que a questão que se podia colocar era a de saber se não tendo sido fixado inicialmente no acórdão condenatório este tipo de execução da pena, o mesmo poderia ser fixado posteriormente, já que para isso acontecer era necessário que o tribunal chegasse à conclusão que por meio do regime de permanência na habitação se realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.

5ª - Dissemos também que em virtude de a decisão condenatória já ter transitado em julgado, tal implicava que o poder jurisdicional para apreciar esta questão estaria esgotado.

6ª - O despacho recorrido considerou que com as alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei n.º 94/2017, de 23-08, o regime de permanência na habitação consagrou-se também como forma de execução da pena, e não apenas como pena de substituição, cuja única natureza resultava da anterior redação dada ao art.º 44º, do Código Penal.

7ª – Face ao que constava do acórdão condenatório, já transitado em julgado, no que respeitava à aplicação do art.º 43º, do Código Penal, à arguida, e tendo o mesmo sido afastado, o despacho recorrido indeferiu o cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação, por se mostrar esgotado o poder jurisdicional quanto a esta matéria.

8ª – O despacho recorrido considerou ainda que na hipótese de assim não se entender, como desde a data da prolação do acórdão condenatório até à presente data, não tinham sido carreados para os autos quaisquer elementos que permitissem concluir pela atenuação das exigências de que arguida carece, a aplicação da pena de prisão efetiva mantinha-se.

9ª – Assim, face ao remanescente da pena de prisão a cumprir – 6 meses -, poderá justificar-se que a execução da pena em regime de permanência na habitação.

10ª– Contudo, considerando que o regime de permanência na habitação em vigor desde 23-11-2017, estabelecido no art.º 43º, do Código Penal, consagrou este também como uma forma de execução da pena, e tendo o acórdão condenatório que se pronunciou sobre esta matéria já transitado em jugado, afigura-se-nos que se mostra de facto esgotado o poder jurisdicional para apreciar a mesma.

11ª - Não se nega a posição sustentada pela arguida, nomeadamente atendendo ao curto período de tempo que terá que cumprir de remanescente da pena, com a imediata apreciação da concessão da liberdade condicional, o que poderá fundamentar que a execução da pena de prisão seja feita em regime de permanência na habitação, pois, nesse contexto, é possível concluir que será um meio de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades dessa execução.

12ª - Em todo o caso, tendo o acórdão recorrido já se pronunciado sobre esta forma de execução da pena, e tendo o mesmo transitado em julgado, temos que admitir que se mostra difícil sustentar que seja possível uma nova pronuncia sobre esta matéria, face ao esgotamento do poder jurisdicional quanto à mesma.

*

Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, deve o recurso interposto pela arguida ser julgado conforme for de justiça e correto entendimento de V. Exas.”.

[vi] Remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, alegando, em síntese, que “(…) O acórdão condenatório pronunciou-se e condenou a recorrente numa pena de prisão efectiva; essa é a pena executar, por efeito do caso julgado, devendo previamente liquidar-se o tempo de prisão a cumprir, atento o desconto do tempo em que recorrente esteve sujeita a prisão preventiva, e ordenar-se a passagem de mandados de detenção.

Tudo isto é da competência material para apreciar o requerido, cuja nulidade deverá ser declarada e relegado o conhecimento para apreciação pelo TEP competente.”.

[vii] Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido usado o direito de resposta.

Foi efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais.

Foi realizada a conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II

Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

Vistas as conclusões do recurso em apreço, verificamos que a única questão aportada ao conhecimento desta instância é a seguinte:

(i) - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na matéria de direito porquanto o remanescente da pena de prisão de 2 (dois) anos em que a arguida foi condenada por acórdão transitado em julgado e que, ademais, cumpre actualmente, deveria ter sido permitido o seu cumprimento em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 44º, do Código Penal.

III

Apreciando a suscitada questão, ressalvado sempre o devido respeito por diferente entendimento, afigura-se-nos que a recorrente labora em manifesta confusão.

Vejamos.

Como se afirma no aresto deste Tribunal da Relação de Évora, de 18.02.2020, proferido no processo nº 240/17.3 GHSTC.A.E1, em que a aqui relatora interveio como adjunta, disponível em www.dgsi.pt/jtre e citado na decisão recorrida, “Com a actual redação dada pela Lei 94/2017 de 23.8 ao Código Penal, entrada em vigor em 23.11.2017, ou seja, já em vigor aquando da decisão condenatória, o regime de permanência na habitação veio a consagrar-se também como forma de execução da pena, e não apenas como pena de substituição, cuja única natureza resultava da anterior redação dada ao art.º 44º Código Penal.

As alterações introduzidas no Regime de Permanência na Habitação (RPH) pela Lei 94/2017 de 23.08, implicam dever considerar-se ter o RPH atualmente natureza mista, do ponto de vista dogmático: de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional; de mera modalidade ou forma de execução da pena de prisão, uma vez que pode ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, nos termos do art. 43º, nº 1, al. c), do Código Penal.

Não estando a arguida, como acontece nestes autos, em cumprimento de pena de prisão e requerendo que a pena seja cumprida em regime de RPH, está-se perante a apreciação deste regime na sua vertente de pena de substituição, sendo competente o Tribunal da condenação para apreciação desse requerimento.

Com efeito, quer o arguido, que ainda não tenha sido condenado, caso em que esperará ou requererá a substituição da prisão por RPH, a decidir pelo tribunal da condenação, nos termos do art.º 43º do Código Penal, quer após condenação em que não tenha ainda iniciado o cumprimento da pena, nos termos do art.º 371º-A do Código de Processo Penal, quer no caso de, tendo sido o RPH, o regime escolhido em sede de condenação, se verifique alguma das circunstâncias previstas no art.º 44º do Código Penal, deverá o tribunal da condenação apreciar e decidir da substituição de uma pena de prisão não superior a 2 anos por este regime, assim como da eventual verificação dos pressupostos de revogação do mesmo, nos termos do art.º 44.º do Código Penal.

Em todas estas situações há que fazer apelo à natureza deste regime, enquanto pena de substituição.

Ora, dispõe, então, o art.43º do Código Penal, na redação introduzida pela referida Lei nº94/2017, sob a epígrafe “Regime de permanência na habitação”:

1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;

b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º;

c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º

2 - O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.

3 - O tribunal pode autorizar as ausências necessárias para a frequência de programas de ressocialização ou para atividade profissional, formação profissional ou estudos do condenado.

4 - O tribunal pode subordinar o regime de permanência na habitação ao cumprimento de regras de conduta, suscetíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinadas a promover a reintegração do condenado na sociedade, desde que representem obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir, nomeadamente:

a) Frequentar certos programas ou atividades;

b) Cumprir determinadas obrigações;

c) Sujeitar-se a tratamento médico ou a cura em instituição adequada, obtido o consentimento prévio do condenado;

d) Não exercer determinadas profissões;

e) Não contactar, receber ou alojar determinadas pessoas;

f) Não ter em seu poder objetos especialmente aptos à prática de crimes.

5 - Não se aplica a liberdade condicional quando a pena de prisão seja executada em regime de permanência na habitação.

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08, o regime agora previsto no artigo 43º do Código Penal passou a constituir, como já se disse, não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão.

Por isso, admite-se agora expressamente que o condenado em pena de prisão efetiva não superior a dois anos possa cumprir a pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir.

A nova lei traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado. Foi, inclusivamente, na senda desse pensamento, que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se (através da ampliação do respetivo campo de aplicação) o regime de permanência na habitação.

Este regime de permanência na habitação tem potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa – assim satisfazendo as exigências de prevenção geral – e facilitar a ressocialização do arguido, sem estender, de forma gravosa, as consequências da punição ao seu agregado, assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa.

O regime de permanência na habitação tem justamente por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento parcial ou continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral.

A filosofia do preceito assenta numa evidente reação contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu n.º 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efetiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela rutura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral. Mas a ideia apoia-se também em considerações que transcendem o condenado. É, antes de mais, indesejável que se projetem sobre a família deste consequências económicas desastrosas, sendo ainda indesejável a rutura prolongada com o meio profissional e social.”.

E, como se lê no acórdão proferido em 24.01.2020, no processo 1400/18.5 TXLSB-C.L1-5, do Tribunal da Relação de Lisboa, disponível em www.dgsi.pt/trl, “Porém, estando o arguido, como acontece nestes autos, em cumprimento de pena de prisão em que, passados cerca de 7 meses sobre o início do cumprimento da mesma, requer que a pena seja cumprida em regime de RPH, tendo entrado em incumprimento da mesma, está-se perante a apreciação deste regime na sua vertente de regime de execução da pena e não de pena de substituição, já que neste caso e por maioria de razão, nesta última perspectiva, já houve decisão em 7.6.2019.

Como tal, compete ao TEP a apreciação do requerimento em causa, resultando do disposto no art.º 138º, n.º 2 CEPMPL que :

“2– Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.”

Trata-se, efectivamente, de um pedido de modificação e substituição do regime de cumprimento da pena de prisão em meio prisional pelo regime de cumprimento no modo de permanência na habitação.

Digamos, em conclusão, que a averiguação da pretensão da requerente e do momento processual em causa determinará a natureza do que está em causa. Se se trata de decidir da possibilidade de aplicar uma pena de substituição ou das consequências de incumprimento da mesma, ou se se trata de decidir acerca do regime de cumprimento de pena, já em fase de cumprimento de execução da pena.

No primeiro caso, compete ao tribunal da condenação a respectiva decisão, no segundo caso compete ao TEP.”.

Volvendo aos autos, estando já em vigor, desde 23.11.2017, a redacção conferida ao Código Penal pela Lei nº 9/2017, de 23.08, designadamente ao artigo 43º, do mencionado Código, o acórdão condenatório proferido em 08.06.2021 [e reafirmado pelo aresto deste Tribunal da Relação de Évora, de 09.11.2021, transitado em julgado em 25.07.2022], pronunciou-se (e bem!) pela possibilidade de aplicação das penas de substituição putativamente cabíveis ante a imposição à então arguida AA de pena de prisão no quantum de 2 (dois) anos, a saber a de suspensão da execução da pena de prisão imposta e a de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, excluindo pelos motivos constantes do aresto em causa e transcritos na decisão recorrida a aplicação de uma e de outra.

Porque assim, ante tudo o que se deixa exposto, a pretensão recursiva está manifestamente votada ao naufrágio, porquanto: (i) se pretendia através do requerimento objecto da decisão recorrida a aplicação da pena de substituição de execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, tal pretensão por evidente extemporaneidade e esgotamento do poder jurisdicional é improcedente; (ii) se pretendia, como se nos afigura, que a pena de prisão, [remanescente resultante do desconto da prisão preventiva que sofreu e que cumpre] imposta à condenada fosse cumprida em regime de permanência na habitação, tal pretensão deveria, outrossim, ter sido dirigida ao Tribunal de Execução de Penas competente, nos termos prevenidos no artigo 138º, nº 2, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Em face de tudo o que se deixa exposto, o recurso interposto é totalmente improcedente.

IV

Em vista do decaimento total no recurso interposto pela condenada, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a sua condenação em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 (cinco) unidades de conta.

V

Decisão

Nestes termos, acordam em:

A) - Negar provimento ao recurso interposto pela condenada AA;

B) - Condenar a recorrente nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.

[Texto processado e integralmente revisto pela relatora e assinado electronicamente por ambos os subscritores (cfr. artigo 94º, nºs 2 e 5, do Código de Processo Penal)]

Évora, 25.05.2023

Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares

J. F. Moreira das Neves

Maria Clara da Silva Maia de Figueiredo