SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
PRESCRIÇÃO DA PENA
Sumário

Sendo certo que a pena de substituição de suspensão da execução de pena de prisão tem que ser determinada e aplicada na sentença ou acórdão, apenas a revogação da pena de substituição determinará o cumprimento da pena principal imposta.
Porque assim, o prazo de prescrição da pena principal de prisão só se inicia após a revogação da pena de substituição - da pena de suspensão da execução da pena de prisão decretada -, que ditará e determinará a execução daquela.

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:
I

[i] No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 129/15.0 GBABT, do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo Central Criminal de …, Juiz …, por acórdão transitado em julgado em 9.11.2018, ao condenado AA, (devidamente identificado nos autos), foi imposta, pela prática em autoria material de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alínea a), 2, 4) e 5, do Código Penal, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social que priorizasse os seguintes objectivos: (1) sujeição do mesmo a avaliação psicológica e psiquiátrica e acompanhamento médico e serviço a indicar pela Direcção Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais; (2) acompanhamento em consulta por psicólogo e/ou médico da especialidade; (3) frequência das consultas se estas forem consideradas necessárias em resultado da referida avaliação e (4) aquisição de competências para gerir emocional e psicologicamente o processo de gestão e divisão do património comum do casal composto pelo arguido e pela vítima.

[ii] Por decisão proferida em 10.11.2022, precedida de audição do condenado, no âmbito do procedimento prevenido no artigo 495º, do Código de Processo Penal e bem assim de audição do técnico da Direcção Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais, o Tribunal de primeira instância decidiu o seguinte:

“1.Relatório

Por acórdão, transitado em julgado em 9 de Novembro de 2018, AA foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p.p. pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a), 2, 4 e 5, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; a qual foi suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova, assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social, prevendo, além do mais, os seguintes objectivos: (1) sujeição do mesmo a avaliação psicológica e psiquiátrica e acompanhamento médico e serviço a indicar pela Direcção Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais, (2) acompanhamento em consulta por psicólogo e/ou médico da especialidade, (3) frequência das consultas se estas forem consideradas necessárias em resultado da referida avaliação e (4) aquisição de competências para gerir emocional e psicologicamente o processo de gestão e divisão do património comum do casal composto pelo arguido e pela vítima - cfr. acórdão com a ref.ª 79193882.

*

Compulsados os autos, verifica-se que AA, para além da aludida condenação, tem os seguintes antecedentes criminais:

- Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular n.º 224/16.9… e transitada em julgado, AA foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, perpetrado na pessoa de BB, p. p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros) – cfr. certificado de registo criminal com a ref.ª ….

- Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular n.º 256/19.5… e transitada em julgado, AA foi condenado pela prática do crime violência doméstica, previsto e punido artigo 152º, nº 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), nº 4 e nº 5 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de pisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período e sujeita ao cumprimento das seguintes regras e deveres de conduta: i. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; ii. Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; iii. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência; iv. Não contactar, de qualquer forma, ou aproximar-se da assistente. – cfr. certificado de registo criminal com a ref.ª ….

*

No âmbito do mencionado processo judicial com o n.º 256/19.5… e com respeito ao crime que mereceu punição foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…) 3. Ainda que pernoitando em quartos diferentes, a vítima (BB) e o arguido mantiveram a residência em comum na aludida Rua da …, N.º…, no …, …, até ao dia 15.11.2019, data em que aquela saiu de casa, pelos factos infra narrados.

4. Na realidade, a hora não concretamente apurada do dia 14.11.2019, no interior da residência supra, no decurso de uma discussão que encetou com a vítima, o arguido disse-lhe “há mulheres que matam homens com espingarda, mas também há homens que matam mulheres com espingarda”, querendo com isto dizer que a havia de matar.

5. No dia 15.11.2019, cerca das 18H00, no interior da residência de ambos e ordenou-lhe, vociferando, que fosse desmanchar a cama onde o mesmo dormia e que pertencia à filha do casal, que agora a reclamava, facto que havia originado a discussão do dia anterior.

6. Conhecendo a personalidade agressiva do arguido e antevendo uma escalada de gravidade no seu comportamento, a vítima pegou no seu telemóvel para acionar a presença da GNR, intento que foi de imediato coartado pelo arguido, que lhe retirou o aparelho.

7. Impedida de pedir ajuda, a vítima fugiu em direção à porta de saída da residência, que não alcançou, porque o arguido lhe desferiu um puxão que a projetou para o solo, onde caiu de costas.

8. Instintivamente, a vítima levantou-se e encetou nova fuga, em direção à cozinha onde, uma vez mais, não chegou, atento novo puxão desferido pelo arguido, seguido de queda no solo.

9. Ainda assim, a vítima, mantendo o propósito de fuga ao arguido, voltou a levantar-se e a fugir em direção a um dos quartos da residência.

10. Uma vez no quarto, quando tentava trancar a porta, foi impedida pelo arguido, que forçou a entrada, apagou a luz, pegou no edredom da cama e colocou-o na face da vítima, pressionando-o ao mesmo tempo que lhe sussurrou ao ouvido “acabo com a tua vida hoje”, “sua porca”, “sua puta”, “sua vaca”, “sua porquinha”, “podias ter uma vida rica, mas tens uma vida de merda”.

11. Não obstante a resistência da vítima, que se foi debatendo e esquivando ao intento de asfixia mantido pelo arguido, este renovou aquele ato, pelo menos, por mais duas vezes.

12. O arguido cessou o comportamento supra quando ouviu a campainha e percebeu que era uma Patrulha da GNR que se encontrava à porta, acionada pela filha do casal, que havia efetuado uma chamada telefónica, para um telemóvel que a mãe havia escondido naquele quarto, chamada que a vítima atendeu e manteve ativa.

13. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, a vítima sofreu dores e lesões, nomeadamente uma equimose arroxeada na região frontal esquerda da face, com 2 cm de diâmetro e uma equimose arroxeada, na face posterior da face do terço inferior do braço, com 6x3 cm.

14. Tais lesões determinaram um período de doença fixável em 5 (cinco) dias, com afetação da capacidade de trabalho geral e de trabalho profissional, em 2 (dois) dias.

15. O arguido agiu com intenção de molestar fisicamente a vítima, com quem foi casado, bem sabendo que dessa forma provocava ofensas no corpo e na saúde daquela, como pretendia e conseguiu.

16. Ao proferir as expressões descritas a 10., o arguido estava ciente de que proferia palavras que eram de molde a ofender a honra, bom-nome e consideração da vítima, sua ex-mulher, o que o quis e conseguiu.

17. Ao proferir a expressão descrita a 4., que sabia ser idónea para o efeito, pois se refere a uma situação ocorrida no Município de …, sobeja e publicamente conhecida, o arguido provocou medo e inquietação na vítima.

18. Tudo logrou valendo-se da sua superioridade física e praticando os factos no interior da residência comum, assim tirando vantagem da ausência de terceiros que os pudessem presenciar e impedi-los, como quis e conseguiu.

19. O arguido quis e conseguiu maltratar física e psiquicamente a vítima, criando-lhe sentimentos de medo, instabilidade, tristeza, humilhação e vergonha, que a levaram a abandonar a residência, em busca, designadamente, de segurança.

20. O arguido agiu sempre de forma voluntária, livre e consciente, bem sabendo que as condutas eram proibidas e punidas por lei” – cfr. certidão com a ref.ª ….

*

Nesta sequência, tomaram-se declarações ao arguido, que se limitou a invocar a debilidade do seu estado de saúde para justificar o seu comportamento, mas acabou por reconhecer que, a despeito do ordenado na decisão condenatória, o acompanhamento médico da sua patologia tem sido irregular e praticamente inexistente.

Por sua vez, o Sr. Técnico de Reinserção Social CC corroborou a informação vertida no relatório social apresentado, sendo o qual o arguido “Considera-se bastante doente, passando grande parte do tempo no seu domicílio, sendo apoiado por familiares, nomeadamente a nível das refeições. Na comunidade a situação é conhecida, encontrando-se a imagem do arguido conotada com o isolamento social. O condenado separou-se, entretanto, da vítima, tendo afirmado que nunca mais teve contacto com ela. AA manteve contacto regular com o técnico da DGRSP que acompanhou a execução da medida, verbalizando sempre disponibilidade em cumprir o plano de acompanhamento estipulado”. – cfr. relatório social com a ref.ª … e auto de declarações com a ref.ª ….

*

No contexto do incidente de incumprimento encetado, atentos os problemas de saúde invocados pelo arguido, procedeu-se à recolha de documentação clínica do Centro Hospitalar do … - Unidade de … e do Centro de Saúde de …. Concomitantemente, o arguido veio juntar aos autos registo fotográfico da medicação que invoca tomar – cfr. ref.ªs …, … e ….

Esta documentação evidencia que o arguido, apesar de sentir doente e seguir abundante terapêutica medicamentosa, recorreu a esparsa observação clínica nos últimos três anos nas unidades de saúde da sua área de residência (às quais referiu que recorria em exclusividade), pelo que manifestamente tem descurado o acompanhamento eficaz a sua problemática, designadamente ao nível da saúde mental.

*

O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena de prisão a que o arguido foi condenado nestes autos.

Cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação

Em conformidade com o disposto no artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”

No entanto, salienta Maia Gonçalves que “a condenação por crime doloso cometido durante o período de suspensão deixou de provocar automaticamente a revogação da suspensão, contrariamente à solução tradicional, tanto na vigência do CP de 1986 como na da versão originária do Código de 1982. Tudo depende agora tão só do condicionamento estabelecido no nº 1, o qual se aplica a todas as modalidades da suspensão da execução da pena de prisão” (cfr. Código Penal Português, Anotado e Comentado, 15ª edição, pág. 212).

A este propósito, "importa não olvidar que a suspensão da pena de prisão insere-se numa filosofia jurídico-penal assente num princípio de subsidiariedade da pena privativa de liberdade e que pressupõe que, no momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando, pois uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades de punição e, consequentemente, a ressocialização do arguido – em liberdade!” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1998, in CJ, tomo II, pág. 253).

A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é, pois, clara e determinante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer "correcção”, “melhora” ou – ainda menos – “metanoia” das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Decisivo é aqui o “conteúdo mínimo) da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência” (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 519).

Pressuposto formal da sua aplicação é que a medida da pena de prisão aplicada (em concreto) não seja superior, actualmente, a cinco anos. Pressuposto material é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido: a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Aliás, nunca será de mais lembrar que a suspensão de uma pena não prejudica os fins da prevenção criminal, sendo a ameaça da sua execução um factor que pode ser altamente dissuasor de novas violações criminais (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, in BMJ n.º 425, pág. 331 e ss).

Assim, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão possível evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de protecção dos bens jurídicos. A função de socialização constitui actualmente o vector mais relevante da prevenção especial. A medida das necessidades de socialização do agente é, pois, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena (neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 1995, in CJ, tomo II , pág. 210 e ss).

Assim, a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só implicará a revogação da suspensão se a prática desse crime infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, quer dizer, a esperança fundada de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 357), pois que então não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão.

No caso sub judice, verifica-se, desde logo, que o arguido foi condenado pela prática precisamente de crime de violência doméstica, visando a mesma vítima, no decurso do período da suspensão; havendo absoluta coincidência em relação ao crime a que o mesmo foi condenado nos presentes autos.

Acresce que, do que nos foi possível avaliar, o arguido encontra-se perante um quadro disfuncional, o que associado a problemas de saúde mental completamente desacompanhados, que o tem colocado num contexto de quase exclusão social e profissional.

Na verdade, compulsados os autos, verifica-se que, não obstante tenha sido condenado em pena de prisão, o arguido não tomou consciência de que tinha que aproveitar o período de suspensão da execução da mesma para transformar a sua vida, iniciando, com êxito um processo de reintegração social, empenhando-se em colmatar os seus problemas de saúde e em adoptar um comportamento conforme ao dever ser de molde a que os seus actos ilícitos não se renovassem e com a sua inserção no contexto profissional.

Sucede que, o arguido não acatou os projectos de inserção social delineados especificamente para o mesmo na medida em que persistiu em praticar actos lesivos da dignidade humana da sua ex-cônjuge.

A personalidade revelada pelo arguido cria, assim, a convicção no Tribunal de que estaremos perante um verdadeiro caso de insucesso das finalidades de punição uma vez que o arguido se limitou a invocar os seus problemas de saúde como justificação para as suas condutas, não revelando qualquer interiorização do desvalor das condutas ilícitas por si assumidas.

Assim, entendemos que apenas a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido será apta a desencadear um processo onde o sistema prisional, no cumprimento da finalidade última da punição penal, pode vir a ser bem sucedido.

Ademais, a natureza do crime praticado pelo arguido no decurso do período de suspensão e a personalidade revelada pelo mesmo justificam a opção pela pena privativa da liberdade, afigurando-se que a manutenção da suspensão da execução da pena de prisão poria em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 333).

Neste contexto, é nosso entendimento que o arguido deve cumprir a pena de prisão em que foi condenado na medida em que o prognóstico que foi feito quanto ao seu percurso existencial se encontra, no momento, marcado por um fortíssimo insucesso e que o arguido, após a condenação sofrida nestes autos, voltou a praticar exactamente o mesmo tipo de crime, dirigido à mesma vítima, violando bens jurídicos relevantes.

Aliás, a condenação do arguido em pena de prisão efectiva pela prática de crime no decurso da suspensão consubstancia mais um elemento que permite concluir que já se encontram esgotadas as possibilidades de uma socialização do arguido em liberdade.

A ponderação de todos estes elementos, permite-nos concluir que o juízo de prognose favorável está definitivamente infirmado e, por conseguinte, deverá ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão a que o arguido foi condenado.

3. Dispositivo

Face ao exposto, o Tribunal decide revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado AA nos presentes autos e, em consequência, determinar o cumprimento pelo mesmo da pena de prisão fixada na decisão condenatória.

Notifique o Ministério Público, o arguido e o defensor do mesmo.

Após trânsito, remeta boletim à Direcção de Serviços da Identificação Criminal, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 5.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, e comunique ao aludido processo comum singular n.º 256/19.5….”.

[iii] Inconformado com esta decisão, dela recorreu o condenado, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões:

83.º

O presente recurso tem por objecto o acordão, que determinou a revogação da suspensão de uma pena de prisão, em três anos e seis meses, que foi suspensa na sua execução, por igual tempo.

84.º

O arguido cumpriu na sua totalidade, tudo aquilo que lhe foi proposto pela DGRSP, como se pode constatar da audição da gravação da testemunha senhor CC.

85.º

O arguido, vive já há bastante tempo, sem ter qualquer contacto com a vitima.

86.º

O arguido, tem inúmeros problemas de saúde, o que foi corroborado pela testemunha acima referenciada, que referiu que o mesmo se encontrava quase sempre acamado, apenas levantando-se para as entrevistas e contactos.

87º

Ademais, os documentos junto aos autos, referentes a medicamentos, a maior parte deles, sujeitos a consultas médicas, prova que o arguido, tinha consultas regulares, relativas ao seu estado de saúde.

88.º

O arguido tem o apoio da sua família, conforme testemunhou a testemunha acima identificada.

89.º

Estando assim inserido, no seio familiar.

90.º

Não tem qualquer contacto com a vitima, estando assim afastado qualquer perigosidade.

91.º

Está bastante debilitado fisicamente.

92.º

Não existem assim razões, para que se proceda à revogação da suspensão da pena.

93.º

A ponderação de todos os elementos, ora transcritos, permite-nos concluir que, de facto, o juízo de prognose da tribunal da segunda condenação, se mantém e foi reforçado, uma vez que o arguido e vítima, deixaram de viver juntos.

94.º

E que o arguido, intuiu no sentido de reconhecer, o seu comportamento anómalo.

95.º

Todos os elementos, constantes nos autos, documentos e prova testemunhal, deveriam ter levado o tribunal a quo, a interpretar de forma contrária á que manifestou nos presentes autos.

96.º

O tribunal a quo, deveria ter retirado a conclusão, de que não estão esgotadas todas as tentativas de ressocialização do arguido e do cumprimento do fim das penas, tanto mais que, apenas o crime cometido no prazo da suspensão da pena, é relevante, mas que apenas aconteceu, porque nessa altura vivam juntos.

97.º

Os elementos probatório existentes nestes autos, nomeadamente, os inúmeros documentos respeitante a medicamentos, e a prova testemunhal atrás mencionada, poderia e deveria ter levado a que, o tribunal a quo, entendesse que se mantêm as condições para a suspensão da pena, ou até para a usa extinção.

98.º

Quando a testemunha, atrás mencionada, refere que não vê qualquer inconveniente, na extinção da pena, a instancias da meritíssima juiz, pensamos que o tribunal a quo, poderia e deveria ter decidido de outra forma.

99.º

Este testemunho do técnico da DGRSP, em tribunal, deveria ter sido relevado, uma vez que o mesmo, acompanha o arguido, à já bastante tempo a esta parte.

100.º

O tribunal a quo, pura e simplesmente, fez tábua rasa, do relatório deste técnico, e das suas declarações em tribunal, como atrás se pode constatar.

101.º

É claro que, se o tribunal ponderasse as provas existentes nos autos, e não apenas na verificação de um novo come no prazo da suspensão da pena, poderia e deveria, ter decidido, de acordo com a prognose do tribunal da segunda condenação.

102.º

Pelo que, o tribunal a quo, apenas alicerçou a sua decisão, na pratica pelo arguido do segundo crime, quando ambos viviam na mesma casa, descurando por completo, a restante prova dos autos, nomeadamente, a documental e o depoimento do técnico da DGRSP.

103.º

Mostrando-se assim claramente violados, os artigos 55,56 e 57 do CP, pois o tribunal a quo, efectuou uma interpretação errónea, do normativo legal.

104.º

Ademais, parece-nos que, estarmos perante um caso de prescrição, uma vez que, a condenação do arguido na primeira pena de prisão suspensa, transitou em julgado em 9 de Novembro de 2018, (Condenação em 3 anos e 6 meses de prisão) pelo que o período de suspensão da pena, terminou em Maio de 2022.

105.º

O prazo de prescrição é de 4 anos e conta-se a partir do dia em que transitar em julgado a decisão que aplicou a pena.

106.º

Pelo que a pena aplicada pelo tribunal a quo, deverá ser declarada extinta, aliás como o técnico de reiteração social, suportou em declarações ao tribunal.

107.º

O arguido, penitencia-se por ter cometido um segundo crime.

108.º

Em circunstâncias muito especiais, que estão plasmadas nestes autos.

109.º

De resto, cumpriu tudo o que lhe foi proposto pela DGRSP, como testemunha mencionada, referiu ao tribunal, não se compreendendo como é que, o tribunal a quo, concluiu da forma como o fez.

110.º

O tribunal a quo, poderia e deveria ter decidido, que efectivamente o arguido, cumpriu, aquilo que foi determinado, pela DGRSP, não violando o normativo preconizado no artigo no artigo 56 do CP.

111.º

Tendo esta interpretação, deveria ter concluído o tribunal a quo, que o arguido estava em condições, para que pudesse usufruir do regime da suspensão da pena, não se violando assim os normativos dos artigos 55,56 e 57 do CP.

112.º

Perante a produção de prova, o tribunal a quo, poderia e deveria, ter concluído, que o arguido, estaria em condições de poder aguardar o fim da pena em liberdade, mediante a prorrogação da suspensão da pena, ou então declarar a extinção da pena pelo decurso do prazo.

113.º

Requerendo-se a reapreciação da prova gravada nos presentes autos, referente ás delaraç~es da testemunha técnico da DGRSP, ficando assim provado que, o ora recorrente, cumpriu tudo o que lhe foi proposto.

114.º

A decisão de revogação da suspensão da pena, viola os imperativos legais preconizados pelos artigos, 55,56 e 57 do CP.

115.º

Devendo a decisão do tribunal a quo, ser alterada e ser concedido ao arguido a possibilidade de prorrogação da suspensão a pena ou a mesma ser declarada extinta.

FAZENDO ASSIM A COSTUMADA JUSTÇA.”.

[iv] Admitido o recurso interposto e notificados os devidos sujeitos processuais, a Digna Magistrada do Ministério Público respondeu ao mesmo, alegando, em síntese conclusiva:

“1. AA foi condenado, por acórdão de 25 de Setembro de 2018 e transitado em julgado no dia 9 de Novembro de 2018, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova.

2. O arguido veio a ser condenado por sentença de 28 de Outubro de 2020, transitada em julgado, pelo mesmo crime que lhe foi imputado nestes autos, de violência doméstica, praticado contra a mesma vítima, nos dias 14 e 15 de Novembro de 2019, em pleno período de suspensão da execução da pena imposta nestes autos, no âmbito do Processo n.º 256/19.5….

3. No contexto do incidente de incumprimento encetado, AA pouco adiantou para além do aludido facto de “ser doente” e o Sr. Técnico de Reinserção Social, ao invés do propugnado no recurso, não logrou explicar o seu parecer, vertido no competente relatório, no sentido de que “o condenado verbalizou sempre disponibilidade para o cumprimento dos objetivos estipulados no plano de acompanhamento”, quando é certo que ali também consignou que fora condenado por crime da mesma natureza.

4. No que tange os inúmeros problemas de saúde de AA, a documentação clínica junta aos autos, oficiosamente solicitada pelo tribunal, reveste parca relevância comprovante, visto que apenas dá conta da falta de observação clínica do arguido nos últimos três anos.

5. Ao contrário do pretendido pelo recorrente, as considerações do Técnico da DGRSP, por conclusivas e enxutas – como, de resto, já fora o relatório por si subscrito, datado de 25 de Maio de 2022 –, não encerram qualquer virtualidade de fundar o mencionado juízo de prognose favorável, porquanto a verbalização da disponibilidade de AA para o cumprimento dos objetivos estipulados no plano de acompanhamento não só não se materializou em actos concretamente descritos pela DGSRP, como falhou rotundamente com o cometimento do mesmo crime contra a mesma vítima.

6. O mesmo se diga da afirmação perfeitamente anódina do Técnico da DGRSP, reiteradamente citada no recurso, no sentido de não ver inconveniente na extinção da suspensão.

7. Nem o arguido, nem o Técnico da DGRSP apresentaram quaisquer argumentos que permitissem inferir o esbatimento das elevadas necessidades de prevenção especial e concitar a previsão de que AA se deixaria influenciar pela mera censura dos factos e pela ameaça da prisão.

8. Da leitura da norma do artigo 56.º do CPenal emerge que a revogação da suspensão da execução da pena não ocorre automaticamente, em face da infracção dos deveres ou regras de conduta ou do plano de reinserção social ou do cometimento de crime, no prazo da suspensão, pelo qual o arguido venha a ser condenado: impõe-se que essa infracção e/ou esse cometimento contendam com o desiderato ressocializador que norteou a aplicação da pena de substituição.

9. Revertendo ao caso dos autos, cumpre salientar que apesar de haver sido condenado nestes autos em pena de prisão suspensa e de estar ciente de que se violasse novamente os comandos penais, mormente o do artigo 152.º do CPenal, podia ter de cumprir prisão efectiva, o arguido não se absteve de cometer o mesmo crime, contra a mesma vítima, no prazo da pena de substituição, permitindo concluir que a iminência de tal prisão não o afastou da sua prática e que, na sequência da oportunidade que lhe foi dada neste processo, mais não restava ao tribunal que impor o cumprimento efectivo dessa pena.

10. Os factos entretanto conhecidos nestes autos, atinentes ao Processo n.º 256/19.5…,, não são minimamente propícios a uma “nova” prognose favorável quanto à sensibilidade do arguido à pena, concluindo-se que a pena suspensa que lhe foi imposta perdeu a virtualidade de elemento dissuasor da prática de crimes, mormente daquele a que a suspensão se reportou.

11.Conceder uma nova oportunidade ao arguido, mediante a implementação de medidas impositivas ou a prorrogação do regime de suspensão da pena, seria mais do que um sinal de excessiva indulgência do tribunal, constituiria verdadeiro incentivo ao desprezo pela Justiça e pelos tribunais, uma e outros hoje já tão descredibilizados por força de factores exógenos.

12. Ao cumprimento da pena de prisão efectiva não se opõe a circunstância de, no âmbito do Processo n.º 256/19.5…, ter sido aplicada ao arguido nova pena de substituição, porquanto, tratando-se de tribunais de idêntica hierarquia, o juízo de prognose favorável formulado na segunda condenação não se impõe, de modo algum, a este tribunal, dotado de autonomia para, em face das circunstâncias do caso concreto e da ressonância ética e social desta sorte de condutas, pôr cobro àquilo que, com evidência impositiva, surge como um sentimento de impunidade do arguido.

13. À luz do disposto nos artigos 122.º, n.ºs 1 e 2, 126.º, n.ºs 1, alínea a), 2 e 3, ambos do CPenal, a contagem do prazo de quatro anos de prescrição da pena suspensa teve início no dia 9 de Novembro de 2018, interrompeu-se até 25 de Maio de 2022, terminando a 9 de Novembro de 2024.

14. À data do despacho recorrido, a pena suspensa não se mostrava prescrita.

15. O despacho recorrido não padece de nenhum vício, nem está ferido de qualquer nulidade.

Termos em que, negando provimento ao recurso, farão Vossas Excelências, como sempre, JUSTIÇA.”.

[v] Remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no âmbito do qual, concluindo, entende que “deveria ter sido prorrogado o prazo da suspensão da pena e determinado o efectivo cumprimento do acompanhamento psicológico e psiquiátrico do arguido oficiando-se à Administração Regional de Saúde da zona que em colaboração com a Reinserção Social diligenciasse a marcação dessas consultas, para avaliação e eventual tratamento, ficando esta responsável pelo acompanhamento do arguido às mesmas, com a solene advertência deste que se não respeitar o determinado se revogará a suspensão da pena de prisão.”.

[vi] Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, e o recorrente ofereceu articulado de resposta sufragando “na integra, as conclusões finais do mesmo parecer” ao qual adere.

[vii] Foi efectuado o exame preliminar.

Foi realizada a Conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II

Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação [(cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82)].

Vistas as conclusões do recurso em apreço, verificamos que as questões aportadas ao conhecimento desta instância são as seguintes:

(i) - Se a pena imposta ao condenado se mostra extinta por prescrição;

(ii) - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de direito, porquanto revogou a decretada suspensão da execução da pena de prisão imposta ao condenado nos termos do disposto no artigo 56º, nº 1, alínea b), do Código Penal, sem que tal se justificasse;

III

Apreciando a primeira editada questão, [(i)], da prescrição da pena imposta ao condenado, vejamos:

Como já deixámos editado, o condenado mostra-se incurso na pena de prisão de 3 anos e 6 meses, cuja execução foi suspensa por igual período, sujeita a regime de prova [assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social que priorizasse os seguintes objectivos: (1) sujeição do mesmo a avaliação psicológica e psiquiátrica e acompanhamento médico e serviço a indicar pela Direcção Geral de Reinserção e dos Serviços Prisionais; (2) acompanhamento em consulta por psicólogo e/ou médico da especialidade; (3) frequência das consultas se estas forem consideradas necessárias em resultado da referida avaliação e (4) aquisição de competências para gerir emocional e psicologicamente o processo de gestão e divisão do património comum do casal composto pelo arguido e pela vítima], que lhe foi imposta pela prática em autoria material de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alínea a), 2, 4 e 5, do Código Penal, por acórdão transitado em julgado em 9.11.2018.

Por decisão proferida em 10.11.2022, a decretada suspensão da execução da pena de prisão foi revogada e determinado o cumprimento pelo condenado da pena de prisão que lhe foi imposta de 3 anos e 6 meses.

Estabelece o artigo 122º, do Código Penal, sob o título “Prazos de prescrição das penas” que:

“1- As penas prescrevem nos prazos seguintes:

a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;

b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;

c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;

d) Quatro anos, nos casos restantes.

2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118.º”.

Estatui o artigo 125º, do Código Penal, sob a epígrafe “Suspensão da prescrição” que:

“1- A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;

b) Vigorar a declaração de contumácia;

c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou

d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.

2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.”.

E dispõe o artigo 126º, do mesmo diploma legal, sob o título “Interrupção da prescrição” que: “1- A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se: a) Com a sua execução; ou b) Com a declaração de contumácia. 2- Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. 3 - A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade.”.

Afigura-se-nos consensual que quer a pena principal, quer a pena de substituição [in casu de suspensão da sua execução], estão sujeitas a modificação extintiva pelo decurso do tempo, isto é, por prescrição. Esta mais não é que uma forma de extinção de direitos e dos correspondentes deveres em consequência do seu não exercício durante um determinado período de tempo – v.g. artigo 298º, do Código Civil.

Afigura-se-nos igualmente incontornável que o prazo prescricional a considerar no caso em apreço é o prevenido no transcrito artigo 122º, nº 1, alínea d), do Código Penal, isto é, de 4 anos.

Dos termos da peça recursiva, ainda que não suficientemente esclarecedores, afigura-se-nos que o reclamado “caso de prescrição” se refere à pena principal de prisão imposta ao recorrente no âmbito dos presentes autos e não à pena de substituição cujo termo ocorreria, se incidentes no decurso dela não sobreviessem, em 09.05.2022.

E, sendo certo que a pena de substituição de suspensão da execução de pena de prisão tem que ser determinada e aplicada na sentença ou acórdão, apenas a revogação da pena de substituição determinará o cumprimento da pena principal imposta.

Porque assim, somos do entendimento que o prazo de prescrição da pena principal de prisão só se inicia após a revogação da pena de substituição - da pena de suspensão da execução da pena de prisão decretada -, que ditará e determinará a execução daquela. Como se lê no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 25.09.2012, proferido no processo nº 2787/04.2 PBSTB.E1, em que a aqui relatora interveio como adjunta, e disponível em www.dgsi.pt/jtre, “I. A pena de prisão com execução suspensa está sujeita a prazo de prescrição autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída. II. Estando sujeito às causas de suspensão e de interrupção estabelecidas nos arts. 125.º e 126.º do Código Penal, e sendo de quatro anos nos termos do art. 122.º, n.º 1, alínea d), do mesmo Código, prescreve se o processo estiver pendente quatro anos contados desde a data em que se completou o período da suspensão inicialmente fixado e sem posterior prorrogação deste. III. Assim é porque entre a data do trânsito da sentença e o decurso do período de suspensão, a pena não pode legalmente ser iniciada, ficando suspenso o prazo da prescrição da pena.”. Ou, como se lê no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 26.10.2010, no processo nº 25/93.0 TBSNT-A.L1-5, acessível em www.dgsi.pt/jtrl, “V. A suspensão da execução da pena como pena de substituição que é pressupõe que a sentença que a aplica determine, previamente, a pena de prisão principal (de prisão) concretamente aplicável ao caso e que vai ser substituída e só a revogação da suspensão determinará o cumprimento dessa pena principal (de prisão). VI. Assim, só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal. VII - Para além dos casos previstos na Lei n.º 31/2004, de 22 de Julho (crimes de genocídio, contra a humanidade e de guerra), não existem penas imprescritíveis. Por isso, também as penas de substituição, como verdadeiras penas que são, encontram-se sujeitas ao decurso da prescrição. VIII. Da natureza da suspensão da execução da pena de prisão como verdadeira pena autónoma, de substituição, decorre a sua necessária sujeição a prazo prescricional, autónomo do prazo de prescrição da pena principal substituída, sendo aquele prazo o de 4 anos a que se refere o artigo 122.º, n.º1, alínea d), do C. Penal. IX. Esse prazo prescricional da pena suspensa, conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do art. 122.º, n.º2, do C.P., mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º, do C.P., nomeadamente com a sua execução, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão. Quer isto dizer que a pena suspensa prescreve se o processo estiver pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do artigo 57.º nºs 1 e 2 do C. Penal.”.

Assim, em face de tudo o que se deixa exposto, afigura-se-nos por demais evidente que não só a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, [cujo termo, sem incidentes, ocorreria em 09.05.2022], não se mostra prescrita, como a pena principal de prisão, aquela que, repete-se, se nos afigura que o recorrente reclama ser “caso de prescrição”, também prescrita não se revela, ademais quando relativamente a esta o decurso do prazo de prescrição apenas se iniciou com o despacho que a revogou e ora colocado em crise pelo recorrente, tudo sem prejuízo do prevenido no artigo 126º, nº 3, do Código Penal.

Apreciando, agora, a segunda editada questão, [(ii)], trazida ao conhecimento deste Tribunal ad quem pelo recorrente, vejamos.

Estatui o artigo 56º, do Código Penal, sob a epígrafe “Revogação da suspensão”, que:

“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou

b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.”.

São, pois, três os fundamentos legais da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, a saber: (a) a infracção grosseira dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social; e/ou (b) a infracção repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social; e/ou (c) o cometimento de crime pelo qual o agente seja condenado durante o período de suspensão da execução da pena.

Sabido que a suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição, em sentido próprio, na medida em que, para além de ter carácter não institucional já que cumprida em liberdade, pressupõe ainda a prévia determinação da medida da pena de prisão, e cuja finalidade político-criminal é o afastamento do delinquente da prática de novos crimes ou seja, a “prevenção da reincidência” – v.g. Professor Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pág. 343.

O critério geral de substituição da pena é o de que o Tribunal deve preferir à pena de prisão uma pena de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, portanto, desde que a pena de substituição dê adequada e suficiente realização às finalidades de prevenção, geral e especial – cfr. artigo 40º, nº 1, do Código Penal.

Porque assim, a pena de substituição só deve ser recusada quando, sob o ponto de vista da prevenção especial de socialização, seja necessária ou mais conveniente a execução da pena de prisão. A prevenção geral, sempre presente, apenas assegurará o conteúdo mínimo de prevenção de integração, necessário à defesa do ordenamento jurídico, de tal forma que, desde que aconselhada a aplicação da pena de substituição à luz das exigências de socialização, ela só não será aplicada quando a execução da prisão se revele imprescindível à necessária tutela do bem jurídico e estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na validade da norma violada – v.g. ob. e loc. citados, pág. 333.

Visando a pena de substituição em apreço prevenir a “reincidência”, no sentido de prática, no futuro, de novos crimes, o Tribunal pode, se o entender conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou ao acompanhamento de regime de prova – cfr. artigos 50º, nº 2, 51º, 52º e 53º, do Código Penal.

Porque assim, bem se compreende que quer a infracção grosseira e/ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do regime de prova, bem como a prática de crime, doloso ou negligente, sendo irrelevante o tipo de pena aplicada, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão, contando que revelem que as finalidades que estiveram na base da decretada suspensão, não puderam, por meio dela, ser alcançadas e inviabilizaram de forma definitiva a prognose favorável em que se fundou a suspensão, ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter o condenado afastado da delinquência, a suspensão é revogada nos termos prevenidos no citado artigo 56º, do Código Penal.

Não se descure, contudo, como nota o ilustre Mestre, na ob. e loc. supra citados, pág. 355, que “o cometimento de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão sempre supõe.”.

Em todo o caso, importa não olvidar que a revogação da pena (de substituição) de suspensão não opera automaticamente, dependendo sempre da constatação de que o condenado, ao cometer o novo crime, invalidou de forma definitiva a prognose favorável em que se fundou a suspensão ou seja, a expectativa de, através da suspensão, se manter afastado da delinquência.

Postos estes considerandos, sem descurar que na decisão recorrida já se discorreu suficiente e acertadamente sobre o tema em apreço, dispensando-nos de acrescidos considerandos, temos por certo que o argumentário do recorrente não tem a virtualidade de colocar minimamente em crise os pressupostos de facto e de direito que foram elencados e apreciados na decisão recorrida.

Só por mero exercício de retórica, que se nos afigura impróprio, reeditaríamos o que na decisão recorrida já foi sobejamente dito.

E, dúvidas não temos que as razões fundantes da decisão tomada pelo Tribunal a quo impõem a conclusão que a decretada suspensão se revelou inadequada para realizar os fins em vista com a sua aplicação, denunciando uma deficitária sensibilidade por parte do condenado, ora recorrente, à pena, entendida esta como a susceptibilidade de ser por ela influenciado, e a existência de uma personalidade desconforme com a do cidadão fiel ao direito. Com efeito, afigura-se-nos inegável a quase absoluta inutilidade da advertência que constituiu a sua condenação em pena de prisão suspensa na sua execução. Como bem salienta a Digna Magistrada do Ministério Público, na primeira instância, “(…) cumpre salientar que apesar de haver sido condenado nestes autos em pena de prisão suspensa e de estar ciente de que se violasse novamente os comandos penais, mormente o do artigo 152.º do CPenal, podia ter de cumprir prisão efectiva, o arguido não se absteve de cometer o mesmo crime, contra a mesma vítima, no prazo da pena de substituição, permitindo concluir que a iminência de tal prisão não o afastou da sua prática e que, na sequência da oportunidade que lhe foi dada neste processo, mais não restava ao tribunal que impor o cumprimento efectivo dessa pena. (…)” [sublinhado nosso].

Vale o exposto por afirmar que não se vê no conspecto afirmado na primeira instância qualquer margem que permita outra conclusão que não seja a de que o juízo de prognose favorável ao recorrente que determinou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado se mostra definitivamente arredado, face à frustração da expectativa do seu afastamento da criminalidade.

Nestes termos, verificados que se mostram os pressupostos previstos no artigo 56º, nº 1, alínea b), do Código Penal, nenhuma censura nos merece, neste conspecto, a decisão recorrida.

Em face de tudo o que se deixa exposto, o recurso interposto é totalmente improcedente.

IV

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo condenado, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a sua condenação em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 (quatro) unidades de conta.

V

Decisão

Nestes termos, acordam em:

A) - Negar provimento ao recurso interposto pelo condenado AA e, em consequência, manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.

B) - Condenar o recorrente nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.

[Texto processado e integralmente revisto pela relatora e assinado electronicamente por ambos os subscritores (cfr. artigo 94º, nºs 2 e 5, do Código de Processo Penal)]

Évora, 25.05.2023

Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares

J. F. Moreira das Neves

Maria Clara da Silva Maia de Figueiredo