ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
INDIVISBILIDADE DA COISA
PARCELAS SOBRANTES DE PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO
Sumário

1. Os comproprietários não são obrigados a permanecer na indivisão (art.º 1412º, n.º 1, do CC).
2. Trata-se de um direito de dissolução da compropriedade, que normalmente se exercita mediante a divisão em substância da coisa, mas que também pode realizar-se através da partilha do seu valor (ou preço); sendo a coisa indivisível, poderá ser adjudicada a algum ou a alguns dos consortes, inteirando-se os outros a dinheiro; na falta de acordo sobre a adjudicação, é vendida - podendo os consortes concorrer à venda -, repartindo-se o produto da venda (cf. art.º 929º, n.º 2, do CPC).
3. Existirá indivisibilidade da coisa - ainda que, após expropriação, restem duas ou três parcelas sobrantes -, se inviável divisão em conformidade com a (igual) quota de cada um dos comproprietários (a proporção que lhes pertence no prédio objeto de divisão).

Texto Integral


Apelação 2033/16.6T8FIG.C1
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Alberto Ruço
                 Vítor Amaral


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                (…)


     *


            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            I. Em 20.12.2016, AA[1] e marido BB, instauraram a presente ação especial de divisão de coisa comum contra CC e mulher DD (1ºs Réus), EE, FF e mulher GG e HH e mulher II (2ºs Réus) e JJ[2] e marido KK (3ºs Réus), pretendendo pôr termo a situação de compropriedade existente (na proporção de 1/3 para os AA., 1/3 para os 1ºs Réus e 1/3 para os 2ºs Réus) sobre o prédio identificado no art.º 10º da petição inicial (p. i.)[3] - prédio  rústico inscrito na matriz da freguesia ... sob o art.º ...48[4] e descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º ...14 -, invocando a sua indivisibilidade legal.

            Não obstante os Réus não terem colocado em causa a indivisibilidade do prédio[5], foi oficiosamente suscitada a questão (cf. despacho de 16.01.2018 – fls. 92[6]) e determinada a realização de perícia singular que concluiu que “o prédio indicado no art.º 10º da petição inicial não é suscetível de ser dividido” (cf. relatório junto em 05.6.2018/fls. 147 e seguintes).

            Visando determinar a configuração e área do prédio, foi determinada a realização de um levantamento topográfico [tendo por objecto, nomeadamente: a representação de cada uma das parcelas que sobraram após a expropriação; a área de cada uma dessas parcelas; a concreta localização e área ocupada pela edificação nele existente; a sobreposição do prédio a dividir nas cartas do PDM ..., com legenda que indique qual a classificação do solo de cada uma delas - cf. despacho de 08.12.2018/fls. 162], que veio a ser junto com o respetivo relatório (a 02.9.2022/fls. 251).

            Não foi possível conciliar as partes, inclusive, quanto à adjudicação do imóvel.

            Entretanto, os 1ºs Réus pronunciaram-se no sentido da divisibilidade do imóvel em dois prédios distintos (conforme “Relatório Técnico” que juntaram, datado de julho de 2022 / fls. 257).

            Notificados os mesmos Réus “para, em 15 dias, procederem à junção de um dos seguintes documentos: alvará de loteamento, certidão camarária comprovativa de que os requisitos do destaque estão presentes ou que as normas aplicáveis estão cumpridas, ou informação prévia favorável ao loteamento” (cf. fls. 265/despacho de 30.9.2022), vieram depois dizer, designadamente, que a edilidade afastou “a possibilidade de uma operação de loteamento ou de destaque porquanto tal previa a existência de uma conduta voluntária do proprietário(s), não sendo o caso dos presentes autos tendo em conta que o referido prédio foi expropriado”; “Assim, o que o  Município certifica e atesta é que o prédio em causa, por ser atravessado por arruamento público, encontra-se fisicamente dividido em duas parcelas separadas, distintas e autónomas”; “o imóvel (...) encontra-se fisicamente dividido e autonomizado”; “existe parecer favorável da Autoridade Tributária no sentido de serem atribuídos dois artigos matriciais distintos para cada parcela, estando os requerentes a aguardar pelo documento comprovativo de tal” (cf. requerimento de 17.11.2022; sublinhado nosso).

            Por seu lado, os AA. vieram então dizer que apenas se poderá considerar “a existência de um só prédio na presente ação, situação existente à data da propositura da ação” (cf. requerimento de 23.11.2022).

            A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, por sentença de 22.12.2022, decidiu reconhecer a compropriedade do prédio inscrito na matriz da freguesia ... sob o art.º ...48º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...14; o volume das quotas (na proporção de 1/3 para os autores, 1/3 aos segundos[7] réus e 1/3 para os segundos réus) e a indivisibilidade do prédio.

Inconformados, os 1ºs Réus apelaram formulando as seguintes conclusões:

            1ª - A sentença em crise declara a indivisibilidade de um prédio que se encontra fisicamente dividido em duas parcelas separadas distintas e autónimas.

            2ª - Tal divisão, conforme é espelhada no relatório pericial, que atesta que o prédio se encontra dividido em três parcelas, não pode ficar limitada à apresentação de alvará de loteamento, certidão camarária comprovativa de que os requisitos do destaque estão presentes ou que as normas aplicáveis estão cumpridas, ou informação prévia favorável ao loteamento, por forma ao prédio ser divisível.

            3ª - A Divisão de Urbanismo da Câmara Municipal ..., atestou que o referido prédio, por ser atravessado por arruamento público, encontra-se fisicamente dividido em duas parcelas separadas, distintas e autónomas.

            4ª - Tal certificação será suficiente para declarar que o imóvel objeto dos presentes autos é passível de divisão.

            5ª - Efectivamente e como já foi referido, o prédio em questão foi expropriado sendo hoje e à data da instauração da ação de divisão de coisa comum, atravessado por uma rodovia pública.

            6ª - Está assim o mesmo dividido em 3 parcelas (P1, P2 e P3) encontrando-se as parcelas P1 e P2 a norte e em espaço misto de uso silvícola com aptidão agrícola, sendo que na parcela P1 se encontra murada em todo o seu perímetro, uma moradia devidamente licenciada com a área de 754 m2 e a parcela P2 com a área de 3148 m2.

            7ª - Por sua vez a parcela P3 que tem a área de 811 m2 insere-se em espaço habitacional tipo 1.

            8ª - Assim a sentença em crise teria de se pronunciar favoravelmente sobre a divisibilidade de um prédio, que se encontra pelo menos, dividido em 2 parcelas distintas.

            Rematam, pedindo que seja declarada a “divisibilidade” do prédio em questão “nos moldes acima mencionados”.

            Os AA. responderam concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa conhecer e/ou reapreciar se é ou não de afirmar a divisibilidade da coisa comum, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 925º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC).


*

            II. 1. A 1ª instância considerou ainda provado:[8]

            1) O prédio descrito na CRP sob o n.º ...14 e inscrito na matriz da freguesia ... sob o art.º ...48[9] tem a área total de 4 713 m2 e é atravessado pela Rodovia urbana hoje designada Av. ....

            2) Uma área de 754 m2 situada a Norte encontra-se murada em todo o seu perímetro e nela está inserida uma moradia com a superfície coberta de 164 m2, devidamente licenciada. De acordo com o Plano Diretor Municipal (PDM) tal área insere-se em Espaço Misto de Uso Silvícola com aptidão agrícola em Zona de alta perigosidade de incêndio.

            3) A restante área situada a Norte da Rodovia urbana - 3 148 m2 - encontra-se sem ocupação, em estado natural, com vegetação rasteira espontânea. De acordo com o PDM tal área insere-se em Espaço Misto de Uso Silvícola com aptidão agrícola, em Zona de alta perigosidade de incêndio.

            4) A Norte o prédio é servido por arruamento pavimentado em mau estado de conservação e sem passeio, e é servida por infraestruturas urbanísticas com iluminação pública, rede elétrica de baixa tensão, abastecimento de água, e rede de comunicações.

            5) De acordo com o PDM a área situada a Sul da Rodovia – 811 m2 – insere-se em solo urbano / espaço habitacional do tipo I.

            2. Concluiu, depois, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo que em conformidade com o PDM ... em vigor (publicado em DR, 2ª série – n.º 164 de 24.8.2021, através do Aviso n.º ...21) uma parte do imóvel situa-se em solo urbano classificado “espaço habitacional do tipo I” (área de 811 m2), e outra parte fora do perímetro urbano, em Espaço Misto de Uso Silvícola com aptidão agrícola (área de 3902 m2), sendo que uma área de 754 m2 situada a Norte em espaço Misto de Uso Silvícola com aptidão agrícola encontra-se murada em todo o seu perímetro e nela está inserida uma moradia com a superfície coberta de 164 m2, devidamente licenciada.

            3. Cumpre apreciar e decidir.

            Na ação 127/08....[10] movida pelos 3ºs Réus contra os AA. e os 1ºs e 2ºs Réus na presente ação, os 3ºs Réus (aí, AA.) invocaram a formação de diversos lotes de terreno, perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, que consideraram pertencentes aos (aí) demandados, como indicaram, ao passo que eles mesmos (3ºs Réus/AA.) seriam donos do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...39 [aludido em II. 1. 2) e II. 2. 2ª parte, supra]; pediram, nomeadamente, a condenação dos Réus a reconhecerem que o prédio descrito nos artigos 9º, n.º 2 e 15º da p. i. se encontrava dividido pelo decurso do tempo, em 6 lotes de terreno, perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, pertencendo os lotes n.ºs 3 e 5, à 1ª, 2ºs e 3ºs Réus, os lotes n.ºs 2 e 6 aos 4ºs Réus e os lotes n.ºs 1 e 4 aos 5ºs Réus, bem como a reconhecerem os AA. como donos e legítimos possuidores do dito prédio urbano.

            A ação veio a ser contestada, apenas, pelos 4ºs Réus (AA. na presente lide), que concluíram pela sua absolvição dos pedidos; reconvindo, pediram, designadamente, que os AA. (3ºs Réus nos presentes autos) fossem condenados a reconhecer que aqueles eram donos e legítimos possuidores de 1/3 indiviso do prédio identificado no art.º 9º da p. i., sob o n.º 2, e “ser atribuído aos Réus o direito de ficar com a obra construída pelos Autores, mediante o pagamento a estes da quantia de € 150 000”.

            Por sentença de 14.02.2012, o Tribunal julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo os Réus do pedido, porquanto, além do mais, «(...) não foram constituídos sobre tal prédio, por via da usucapião, direitos de propriedade exclusivos a favor de nenhum dos seus comproprietários (...)»; julgou a reconvenção parcialmente procedente, declarando os reconvintes AA e marido BB, comproprietários, na proporção de um terço indiviso, do prédio inscrito na matriz sob o art.º ...48, com a área de 7890 m2, condenando os reconvindos JJ e marido a reconhecê-los como tal.

            Os AA. JJ e marido recorreram, mas a sentença veio a ser confirmada por acórdão da R... de 03.7.2012, transitando em julgado.

            4. Na referida ação ficou provado, nomeadamente:[11]

            a) Por escritura pública, de 24.3.1988, LL, MM, na qualidade de procuradora de AA e marido, BB, NN, na qualidade de procurador e em representação de EE e marido, OO, e CC e mulher, DD, declararam que são os únicos interessados na partilha dos bens deixados por óbito de PP e que os prédios a partilhar são os seguintes, situados na freguesia ...:

                        - Terra de cultura, vinha e árvores de fruto sita no ..., inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...07, com a área de 1728 m2, e descrito na CRP ... sob o n.º ...88;

                        - Terra de cultura com vinha e árvores de fruto, sita na ..., inscrito na respetiva matriz sob o art.º ...48º, com a área de 7890 m2, e descrito na CRP ... sob o n.º ...88.

            b) A aquisição dos prédios referidos em a)/ e encontra-se inscrita na CRP ... a favor de CC, casado com DD, EE, casada com OO, e AA e marido BB, na proporção de 1/3 para cada um, por partilha de herança de CC.

            c) No ano de 2002, a Câmara Municipal ... expropriou uma parcela de 3460 m2 do prédio indicado em a)/, pelo preço de 11 589 447$00, que foi dividido pelos Réus AA, BB e EE.

            d) Relativamente ao mesmo prédio, a Câmara Municipal ..., em ofício de 07.3.1998, enviado a CC, refere “o terreno localiza-se em zona rural em que é possível a construção em lotes com área mínima de 3000 m2 de moradias unifamiliares com 0,3 m3/m2”.

            e) À data da aludida escritura de partilha cada um dos Réus já havia construído no prédio referido em a)/ a sua casa de habitação.

            f) No ano de 1989, os AA. iniciaram a construção da sua casa de habitação numa parcela de terreno do prédio indicado em a)/.

            g) Após a construção desta casa, restaram sensivelmente 900 m2 do prédio referido em a)/onde é possível a construção de uma área média habitável de 400 m2 e cerca de 100 m2 para garagens ou instalações técnicas.

            h) Em 17.5.2007, a Ré AA instaurou inventário para partilha da herança aberta por óbito de PP e que corre seus termos com o n.º 1213/07.....

            i) Ao longo dos anos, o Réu CC, pai da A. JJ, foi apresentando várias soluções de divisão aos seus irmãos, consubstanciadas nos documentos de fls. 80 e 81, da sua autoria e por ele manuscritos.

            5. Nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa (art.º 1412º, n.º 1, do Código Civil/CC). O prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco anos; mas é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção (n.º 2).

            A divisão é feita amigavelmente ou nos termos da lei de processo (art.º 1413º, n.º 1).

            Relativamente à divisão de coisa comum, preceitua a lei adjetiva (CPC):

       - Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas (art.º 925º).

       - Os requeridos são citados para contestar, no prazo de 30 dias, oferecendo logo as provas de que dispuserem (art.º 926º, n.º 1). Se houver contestação ou a revelia não for operante, o juiz, produzidas as provas necessárias, profere logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294º e 295º; da decisão proferida cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (n.º 2). Se, porém, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número anterior, manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum (n.º 3). Ainda que as partes não hajam suscitado a questão da indivisibilidade, o juiz conhece dela oficiosamente, determinando a realização das diligências instrutórias que se mostrem necessárias (n.º 4). Se tiver sido suscitada a questão da indivisibilidade e houver lugar à produção de prova pericial, os peritos pronunciam-se logo sobre a formação dos diversos quinhões, quando concluam pela divisibilidade (n.º 5).

       - Se não houver contestação, sendo a revelia operante, ou aquela for julgada improcedente e o juiz entender que nada obsta à divisão em substância da coisa comum, são as partes notificadas para, em 10 dias, indicarem os respetivos peritos, sob cominação de nenhuma delas o fazendo, a perícia destinada à formação dos quinhões ser realizada por um único perito, designado pelo juiz (art.º 927º, n.º 1). As partes são notificadas do relatório pericial, podendo pedir esclarecimentos ou contra ele reclamar, no prazo de 10 dias (n.º 2). Seguidamente, o juiz decide segundo o seu prudente arbítrio, podendo fazer preceder a decisão da realização de segunda perícia ou de quaisquer outras diligências que considere necessárias, aplicando-se o disposto nos artigos 294º e 295º (n.º 3).

       - Se não tiver sido suscitada a questão da indivisibilidade, mas a perícia concluir que a coisa não pode ser dividida em substância, seguem-se os termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior, com as necessárias adaptações (art.º 928º).

       - Fixados os quinhões, realiza-se conferência de interessados para se fazer a adjudicação; na falta de acordo entre os interessados presentes, a adjudicação é feita por sorteio (art.º 929º, n.º 1). Sendo a coisa indivisível, a conferência tem em vista o acordo dos interessados na respetiva adjudicação a algum ou a alguns deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes. Na falta de acordo sobre a adjudicação, é a coisa vendida, podendo os consortes concorrer à venda (n.º 2).

            6. A Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, na parte final da decisão recorrida, rematou dizendo que a compropriedade é aceite pelas partes, assim como o volume das respetivas quotas.

       E concluiu, ainda, que o prédio não é divisível, atendendo ao disposto nos art.ºs 2º, al. i)[12], 4º, n.º 2, al. a)[13], 5º, n.º 1, 6º, n.ºs 1, 4, 5, 8 e 9[14], 41º[15] e 75º, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação/RJUE (aprovado pelo DL n.º 555/99 de 16.12), à proibição legal de fracionamento dos prédios rústicos em parcelas de área inferior à unidade de cultura (art.º 1376º, n.º 1, do CC[16])  e à posição da doutrina[17] e da jurisprudência[18], e considerando ainda, nomeadamente, que o prédio em causa não se situa na sua globalidade no perímetro urbano, que a área de unidade de cultura fixada para o local nos termos da Portaria n.º 219/2016, de 09.8, é de 2,5 hectares para terreno de regadio e de 4 hectares para terreno de sequeiro, que o prédio tem 4 713 m2 e não está demonstrada a possibilidade de destaque de qualquer parcela, nem foram juntos os documentos essenciais para o reconhecimento da divisibilidade do prédio (pese embora o “convite” formulado no despacho de 30.9.2022).

       7. Aparentemente, uma das questões principais (porventura, decisiva) do litígio das partes, prende-se com a existência de um prédio urbano (“benfeitoria”) implantado no prédio rústico objeto destes autos.

       No acórdão desta Relação proferido na ação mencionada em II. 3., supra, afirmou-se, nomeadamente, que “fica sem qualquer apoio a vertente do recurso em que os recorrentes [os 3ºs Réus na presente ação] sustentam terem demonstrado que procederam à edificação da casa inscrita na matriz sob o artigo ...39 da freguesia ..., a suas expensas e que a mesma lhes pertence [trata-se do prédio urbano indicado em II. 1. 2), 2. 2ª parte e II. 4. f), supra e que terá a artigo matricial atual n.º 5975 – cf. documento de fls. 71]”; “não foram alegados factos que permitam concluir que os recorrentes desconheciam que era alheio o solo sobre o qual foi construída a casa que pretendem ser sua”; “quedou indemonstrada a invocada divisão do prédio (...), os ora recorrentes careciam da autorização de todos os comproprietários do referido imóvel, não tendo tal facto sido por eles alegado”.

       Sabemos que sobre o imóvel referido em II. 1. 1) a 3), 5) e II. 4. a)/2º, supra, recaiu a expropriação dita em II. 4. c), supra - o que também subjaz à factualidade descrita em II. 1., supra -, mas desconhece-se o resultado das diligências eventualmente levadas a cabo tendentes a uma retificação ou modificação matricial e registral que traduza a realidade pós-expropriação (veja-se, a propósito, a parte final do requerimento dos 1ºs Réus/recorrentes de 17.11.2022).

       8. Seja como for, na presente ação, os AA., comproprietários, ancoram-se no princípio geral de que não são obrigados a permanecer na indivisão (art.º 1412º, n.º 1, do CC), podendo, em todo o tempo, exigir a divisão/partilha.[19]

       Trata-se de um direito de dissolução da compropriedade, que normalmente se exercita mediante a divisão em substância da coisa, mas que também pode realizar-se através da partilha do seu valor (ou preço).

       A divisão pode ser impossível, quer em virtude das prescrições da lei (art.º 1376º, n.º 1, do CC), quer pela própria natureza da coisa (art.º 209º do CC[20]), e nem por isso deixa de ter aplicação o direito que a lei civil substantiva confere ao comproprietário; nestas situações, a coisa poderá ser adjudicada a algum ou a alguns dos consortes, inteirando-se os outros a dinheiro; na falta de acordo sobre a adjudicação, é a coisa vendida - podendo os consortes concorrer à venda - (cf. art.º 929º, n.º 2, do CPC), repartindo-se (entre todos) o produto da venda.[21]

       9. Na situação em análise - como em qualquer outra na disponibilidade das partes -, os AA. e os Réus (1ºs e 2ºs Réus) poderão ainda concertar os respetivos interesses mediante uma qualquer solução tida (por todos) como razoável e adequada, de entre as quais, a decorrente da instauração dos presentes autos, com as vicissitudes já conhecidas e as possibilidades previstas na lei adjetiva referida em II. 5., supra, conjugadas, porventura, com outras normas (e práticas) que importam à boa decisão de qualquer litígio (cf., por exemplo, art.ºs 6º, 7º, 8º e 411º do CPC).

       No entanto, os elementos disponíveis apontam para a indivisibilidade da coisa [ainda que, entretanto, se observe o adequado procedimento administrativo destinado a uma melhor ou correta identificação em sede matricial e registal, dada a diferente e atual configuração física sequente à expropriação[22]] ou a impossibilidade de encontrar uma divisão em conformidade com a (igual) quota de cada um dos comproprietários (a proporção que lhes pertence no prédio objeto de divisão).

       Daí, conclui-se que a sentença recorrida é correta e não merece censura.

       10. Dir-se-á, ainda, que, como vimos, o caso em análise comporta especificidades que - pesem embora as decisões proferidas[23] - continuam a reclamar a colaboração das partes[24] e adequada ponderação dos interesses em presença.      

       11. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.


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            III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pelos 1ºs Réus/apelantes.


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16.5.2023





[1] Falecida em .../.../2018, tendo sido habilitados como seus sucessores o A. e MM (cf. fls. 174 verso e 186).
[2] Falecida em .../.../2019, tendo sido habilitados como seus sucessores o 3º Réu e QQ (cf. fls. 203 e 213).
[3] “(...) procedendo-se à adjudicação ou venda do prédio (...) com repartição do respetivo valor.”
[4] A que corresponderá o atual art.º matricial rústico ...51 - cf. documento de fls. 46.
[5] Os 3ºs Réus, que apresentaram a contestação-reconvenção de fls. 55 verso - reconvencão não admitida por despacho de 16.01.2028, na base da figura do caso julgado e por não quadrar em qualquer das hipóteses previstas no art.º 266º, n.º 2, do CPC, confirmado por acórdão desta Relação de 25.9.2018 -, por decisão de 19.5.2022, foram julgados “parte ilegítima” e, em consequência, absolvidos da instância.
  Expendeu-se, na mesma decisão, designadamente, que foram os 3ºs Réus demandados na presente ação especial “na qualidade de eventuais titulares de crédito por benfeitorias, por terem edificado uma casa no prédio objeto dos autos. / Apesar de ter sido apresentada contestação pelos 3ºs Réus (e reconvenção, que foi rejeitada por decisão já transitada em julgado), não foi deduzido qualquer pedido de pagamento de benfeitorias, nem seria (...) esta forma especial de processo a adequada para efetivação do seu eventual direito. / Não sendo comproprietários, nem sendo invocada a efetiva titularidade de qualquer direito de onde se possa concluir que da procedência da ação advém prejuízo direto para os 3ºs Réus, estes carecem de legitimidade para figurar na lide como partes” (fls. 246 verso e 247).
[6] Determinou-se, nomeadamente, “a realização de uma perícia para aferir da (in)divisibilidade do bem e, em caso de divisibilidade, para formação dos diversos quinhões”, ao abrigo do disposto no art.º 926º, n.º 4, in fine, e n.º 5, do Código de Processo Civil.
[7] Existe lapso manifesto, porquanto se quis dizer “primeiros”.

[8] Com base nas certidões predial e matricial e nos relatórios periciais juntos aos autos (de 21.02.2018, 05.06.2018 e 02.09.2022).
[9] A que corresponderá o atual art.º matricial rústico ...51 - cf. documento de fls. 46.
[10] Cf., sobretudo, os elementos juntos ao apenso A.
[11] Idem.

[12] Que define as «Operações de loteamento», como “as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento”.

[13] Prevê que a operação de loteamento está sujeita a licença administrativa.

[14] Estabelecendo: 1 - Sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 4.º, estão isentas de controlo prévio: a) As obras de conservação; b) As obras de alteração no interior de edifícios ou suas frações que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas, da forma dos telhados ou coberturas ou que não impliquem a remoção de azulejos de fachada, independentemente da sua confrontação com a via pública ou logradouros; c) As obras de escassa relevância urbanística; d) Os destaques referidos nos n.ºs 4 e 5 do presente artigo. 4 - Os atos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano estão isentos de licença desde que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos. 5 - Nas áreas situadas fora dos perímetros urbanos, os atos a que se refere o número anterior estão isentos de licença quando, cumulativamente, se mostrem cumpridas as seguintes condições: a) Na parcela destacada só seja construído edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos; b) Na parcela restante se respeite a área mínima fixada no projeto de intervenção em espaço rural em vigor ou, quando aquele não exista, a área de unidade de cultura fixada nos termos da lei geral para a região respetiva. 8 - O disposto no presente artigo não isenta a realização das operações urbanísticas nele previstas da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de planos municipais, intermunicipais ou especiais de ordenamento do território, de servidões ou restrições de utilidade pública, as normas técnicas de construção, as de proteção do património cultural imóvel, e a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24º do DL n.º 73/2009, de 31.3, que estabelece o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional. 9 - A certidão emitida pela câmara municipal, comprovativa da verificação dos requisitos do destaque, constitui documento bastante para efeitos de registo predial da parcela destacada.

[15] Que preceitua que as operações de loteamento só podem realizar-se em áreas situadas dentro do perímetro urbano e em terrenos já urbanizados ou cuja urbanização se encontre programada em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território.
[16] Normativo que estabelece que os terrenos aptos para cultura não podem fracionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País.

[17] Citou-se Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2ª edição, Almedina, págs. 45, 52 e 99.

[18] Citando-se o acórdão desta Relação de 13.11.2018-proc. 5336/16.6T8VIS.C1, onde se conclui que “sem a prévia concessão de alvará de loteamento ou de licença de destaque, não poderá haver divisão, sendo condição da divisão do prédio a demonstração de que as autoridades competentes para o efeito tenham tido a intervenção imposta por lei, quanto mais não fosse através do procedimento correspondente ao pedido de informação prévia atualmente previsto no artigo 14º do RJUE” [consta do ponto 4. do sumário: «Baseando-se a divisibilidade de um prédio rustico na possibilidade de formação de lotes para construção, a mesma não pode ser reconhecida pelo tribunal sem que as partes juntem ao processo certidão comprovativa da viabilidade de tal operação urbanística.»], publicado no “site” da dgsi, aresto que se reporta a diversas decisões, em idêntico sentido, de outros tribunais superiores.  
[19] Vide Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II (reimpressão), Coimbra Editora, 1982, pág. 19, comentando disposições similares do Código de Seabra.

[20] Que assim reza: São divisíveis as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam.
[21] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1987, pág. 387.
[22] Nova realidade que (também) não consta da certidão junta aos autos referente ao registo da presente ação (cf. documento de fls. 110, de 07.02.2018), sendo obviamente insuficiente a mera junção aos autos do levantamento topográfico do prédio em compropriedade (fls. 251 verso) e respetivo “relatório da peritagem” (pese embora a sua relevância na fixação da matéria descrita em II. 1., supra), e/ou do “relatório técnico” de fls. 257 (neste, haverá lapso quanto às áreas das duas “parcelas sobrantes”).
   Veja-se, ainda, a parte final do requerimento dos 1ºs Réus/recorrentes de 17.11.2022.

   Acrescenta-se que, nos termos do art.º 13º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12.11), os proprietários e outros destinatários da norma, devem proceder à inscrição dos prédios na matriz ou, se já estão aí inscritos, atualizar a matriz, designadamente, quando: «uma dada realidade física passar a ser considerada como prédio; verificar-se um evento suscetível de determinar uma alteração da classificação de um prédio; modificarem-se os limites de um prédio»  [cf. alíneas a) a c) do seu n.º 1]; da alínea f) do mesmo n.º  decorre a obrigação de comunicar aos Serviços de Finanças a existência de prédios omissos na matriz e a necessidade de regularizar matricialmente as situações prediais.
[23] Cf. II. 3. e 4., e “nota 5”, supra

[24] Relevante, cremos, o seguinte excerto da resposta à alegação de recurso: «(...) Os recorrentes traçam um futuro eventual de, com base na realidade física existente, poder proceder-se à separação jurídica do prédio, o que sempre carecerá de colaboração futura dos comproprietários num procedimento administrativo urbanístico extrajudicial (...). / (...) Do procedimento expropriativo resultou a separação física do prédio dos autos em duas partes e não em três. As três partes a que alude a conclusão f) [“conclusão 6ª”, ponto I., supra] respeitam à dimensão gráfica das regras de ocupação do solo previstas no PDM ..., estando em causa a vocação edificativa do prédio e não a sua separação em parcelas. (...)»