PROCESSO DE INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
CONVICÇÃO DO JULGADOR QUANTO À PROVA DE UM FACTO
BENS A PARTILHAR
Sumário

I - Provando-se que num mesmo dia e num período temporal de cerca de 15 minutos foram efetuadas transferências, pelo sistema multibanco, no montante de €2.000,00, €2.500,00, €2.500,00, €2.500,00, €2.500,00 e €2.417,00, para uma conta de um dos ex-cônjuges e que uma testemunha, irmão desse ex-cônjuge, afirmou ter sido ela a fazer essas transferências, a partir de uma conta bancária sua, e que tal quantia correspondeu a metade do montante que a mãe da testemunha e desse ex-cônjuge tinha deixado como herança,  a convicção do tribunal deve formar-se nesse sentido – artigo 607.º, n.º 4, do CPC –, caso inexistam quaisquer factos que coloquem em dúvida esta explicação, porquanto esta surge como a única (explicação) que permite compreender racionalmente estes factos históricos, isto é, a existência daquelas transferências, naquelas circunstâncias.
II - Não se alegando separação de facto entre os cônjuges, os bens comuns a partilhar em inventário subsequente ao divórcio são apenas aqueles que eram comuns à data da propositura da ação de divórcio (n.º 1 do artigo 1798.º do Código Civil).

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,


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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


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(…)

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Recorrente …………………..AA

Recorrido…………………… BB


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I. Relatório

a) O presente recurso insere-se num processo especial de inventário subsequente ao divórcio entre recorrente e recorrido e vem interposto do despacho que decidiu a reclamação apresentada pela recorrente AA contra a relação de bens apresentada pelo recorrido enquanto cabeça de casal.

Nos termos sintetizados na decisão recorrida, a reclamação é dirigida, além do mais, à verba n.º 1, alegando-se que não é bem comum, pois é uma conta bancária titulada pela interessada e os dinheiros ali depositados advieram-lhe por doação de sua mãe, primeiro, e por óbito daquela, depois, cumprindo ainda subtrair €6.800,00 euros aí depositados pela recorrente já depois de instaurada a ação de divórcio.

Além disso, a Reclamante alegou que a relação de bens omitia dois créditos que o património comum tinha sobre o cabeça de casal, pois este procedeu ao levantamento/transferência da quantia de €15.138,30 duma conta bancária comum existente no Banco 1..., com o n.º ..., que fez inteiramente sua e usou em seu exclusivo interesse e benefício. Acresce ainda que entre junho e dezembro de 2020, o cabeça de casal pagou parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe, no montante total de € 1.500,00, através da referida conta bancária.

A decisão que recaiu sobre esta reclamação foi a seguinte:

«Desta forma, improcede a reclamação à relação de bens, devendo ser corrigida a verba n.º 1 da relação de bens, passando a constar com a seguinte redacção:

Verba n.º 1

Conta bancária de depósito com o IBAN  ...47 da “Banco 2..., S.A.”, que à data de 21.08.2020, apresentava um saldo de € 27.765,54.

Relativamente à falta de relacionamento de dois créditos do património comum sobre o cabeça de casal, do levantamento/transferência duma conta bancária comum no Banco 1..., com o nº ..., da quantia de € 15.138,30 e de € 1.500,00.

A conta bancária referida é um bem comum.

Não houve lugar a produção de prova testemunhal sobre estes factos.

Dos documentos juntos aos autos não nos é permitido concluir que o cabeça de casal fez tais transferências para uma conta própria.

Logo, a interessada deveria ter feito prova que os valores ali depositados não eram bens comuns e não o fez.

Como tal, presumindo a lei a comunicabilidade dos bens móveis – artigo 1725º do Código Civil - improcede a reclamação à relação de bens.

Custas do incidente pela interessada reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 2 UC´s (artigo 527º do Código de Processo Civil).»

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte de AA, cujas conclusões são as seguintes:           

«A. A única testemunha ouvida nestes autos disse, a propósito da transferência de dinheiros para a conta da aqui recorrente, sua irmã, que existia na Banco 3... uma conta bancária da mãe de ambos mas que, para que a pudessem movimentar se algo acontecesse à mãe, era também titulada por estes seus dois filhos (e seus únicos herdeiros), na qual de tempos a tempos depositava algumas economias daquela a seu pedido. Que nunca ali depositou qualquer quantia sua ou da sua irmã, aqui recorrente. E acrescentou que por óbito da mãe transferiu a totalidade do saldo para uma conta sua e, daí, metade de tal quantia para a conta da sua irmã, aqui recorrente – cfr. a gravação deste depoimento (no ficheiro informático com a designação 20230209095242_2957088_2870715.wma) nomeadamente nas passagens compreendidas entre os minutos 00:01:40 e 00:02:02, entre os minutos 00:03:28 e 00:06:12, e entre os minutos 00:17:24 e 00:21:31.

B. Daí que a esse propósito na sentença recorrida se tenha deixado consignado que esta testemunha “explicou que o dinheiro existente na conta bancária por si titulada, juntamente com a sua irmã e mãe, sempre foram as poupanças da mãe, que este próprio depositava a pedido da mãe. Nunca a irmã, aqui interessada, lhe pediu ou efectuou depósitos nesta conta com dinheiro dela. Só depois do falecimento da mãe é que dividiu o dinheiro com a irmã, transferindo o dinheiro para a sua conta e posteriormente metade para a irmã”, acrescentando-se, de seguida que “Não se duvida da veracidade destas declarações”.

C. Do confronto dos talões “Multibanco” juntos à reclamação da relação de bens como Docs. 5 a 10 (confirmados pela referida testemunha) e dos extractos aí juntos como Docs. 11 e 12 com a descrição feita pelo cabeça-de-casal, na relação de bens, da “Verba 1” constata-se que em todos o IBAN da conta é o  ...47. Ou seja, a conta para a qual foram feitas aquelas transferências é a conta indicada na relação de bens como “Verba 1”.

D. Terá, pois, sido por lapso ou por falta de compreensão do que foi dito por aquela testemunha que na sentença recorrida se tenha questionado que a conta para a qual foram transferidas as verbas por aquela testemunha seja a conta que o cabeça-de-casal identifica como “Verba 1” da relação de bens que apresentou. Ou que se tenha referido (salvo o devido respeito, sem que tal faça qualquer sentido) que “Não se provou qualquer facto em concreto que permita concluir que em tal conta (a mencionada como “Verba 1” da relação de bens) eram depositadas poupanças da mãe, que lhe competia provar. Aliás, muito se estranhava que a interessada partilhasse a conta bancária em que recebe o seu vencimento com a conta bancária da mãe e irmão, o que é de todo inverosímil” – o que nunca ninguém sustentou; nem mesmo aquela testemunha.

E. A mencionada testemunha não referiu que depositava as economias da mãe na conta da sua irmã (aqui recorrente), na qual esta recebia o seu salário! O que disse (e a Meritíssima Juiz a quo não terá percebido) foi que a pedido da mãe depositava as suas (dela, mãe) poupanças numa conta desta mas que, par que pudesse ser movimentada caso algo acontecesse à mãe, era também titulada por ele e pela sua irmã (aqui recorrente). Conta essa que era da “Banco 3...” (logo, não podia ser a conta da irmã identificada como “Verba 1” uma vez que esta é da “Banco 2...”) e que após o óbito da sua mãe transferiu a totalidade do saldo dessa conta para uma conta sua (dele, depoente) e desta transferiu metade desse valor para a conta da sua irmã – a referida conta identificada como “Verba 1” da relação de bens aqui apresentada.

F. Em absoluta conjugação com o depoimento daquela testemunha estão também os documentos juntos à reclamação da relação de bens sob os números 5 a 12 – os talões “Multibanco” comprovativos dessas transferências e dois extractos dos quais as mesmas constam.

G. Provado ficou também que a soma dos valores de cada uma dessas transferências conduz ao valor total transferido nesse dia de €14.417,00 – é o que, uma vez mais, resulta quer dos mencionados documentos 5 a 12 quer do depoimento da testemunha em causa, que confirmou tais documentos.

H. Assim, ao invés de não ter dado como provado que “Os dinheiros depositados na conta referida em 3. advieram de doação da mãe de AA e da herança, após a sua morte” a decisão recorrida deveria ter dado como provado que “Dos dinheiros depositados na conta referida em 3., a quantia de € 14.417,00 foi recebida pela interessada AA após a morte da sua mãe, através de transferências bancárias efectuadas pelo seu irmão e como a sua quota-parte na herança deixada por aquela”, devendo aquela decisão sobre a matéria de facto ser alterada em consonância.

I. Estando-se, assim, no que toca àqueles € 14.417,00, perante bens que advieram à ora recorrente já depois do casamento em virtude de sucessão, por óbito da sua mãe (ou, quando assim se não entendesse e na pior das hipóteses, por doação do seu irmão), então esses quantitativos, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 1722.º do Código Civil, são bens próprios dela, interessada e aqui recorrente, não podendo ser partilhados e devendo, por isso, ser excluídos da “Verba 1” daquela relação de bens.

J. A ora recorrente alegou, no requerimento que apresentou de reclamação à relação de bens, que já após a entrada em juízo da petição inicial de divórcio (ocorrida em 26 de Janeiro de 2020), depositou na (ou transferiu para a) sua conta identificada como “Verba 1” da relação de bens, as quantias sucessivas de €3.200,00 (em 22 de Novembro de 2020), de €2.000,00 (em 1 de Dezembro de 2020) e de €1.600,00 (em 30 de Janeiro de 2021).

K. Para prova de tal facto a ora recorrente juntou então, como Doc. 13, um “Comprovativo de Movimentos de Conta” emitido pela Banco 2..., S. A. (Banco da conta em causa) que ilustra precisamente e sem margem para dúvidas, tais movimentos, seus valores e datas.

L. A um tal documento foi atribuído, pelo Tribunal a quo, crédito e valor probatório bastante para dar como provado que “A conta referida em 3. (isto é, a conta de que aqui se fala e à qual se reporta aquele documento) tinha depositada, à data de 21.08.2020 e até 15.09.2020, a quantia de €27.765,54”, pois que foi com base num tal documento que foi fundada a convicção para dar este facto como provado.

M. Se àquele documento foi dado crédito (valor probatório) bastante para que se dessem como provados aquele factos, não se vê por que razão não lhe haja de ser dado valor probatório bastante para que se dê como provado que, conforme oportunamente se alegou, “Já após .../.../2020 – data da entrada em juízo do processo de divórcio – a interessada AA depositou ou transferiu para a sua conta indicada na relação de bens apresentada como “Verba 1”, a quantia total de €6.800,00” – razão pela qual deve o Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 662.º do Código de Processo Civil, aditar também esse aos factos tidos por provados na decisão de que aqui se recorre.

N. Tendo aquele valor de €6.800,00 sido auferido pela aqui recorrente após a data de entrada em juízo da acção de divórcio e retrotraindo-se os efeitos patrimoniais do divórcio entre os cônjuges à data da proposição da acção de divórcio (que, como resulta dos autos, ocorreu em .../.../2020), nos termos do disposto na parte final do n.º 1 do art. 1789.º do Código Civil, então aquele quantitativo é um bem próprio da recorrente, razão pela qual não pode ser partilhado, devendo, em consequência, ser subtraído à “Verba 1” da relação dos bens a partilhar apresentada nos autos.

O. Provou-se nos autos que o cabeça-de-casal, ora recorrido, transferiu e levantou duma conta comum do casal existente no Banco 1... a quantia total de €15.138,30. Isto é, o cabeça-de-casal retirou esse quantitativo da disponibilidade da interessada, aqui recorrente, que, com tais transferências e levantamentos deixou de poder aceder a esse dinheiro.

P. Os dinheiros depositados em conta titulada pelos dois membros dum casal presume-se bem comum, quer por força do disposto no art. 1725.º do Código Civil quer por força dessa contitularidade da conta bancária em causa (no caso vertente, aliás, nem o próprio cabeça-de-casal pôs, nunca, em causa o carácter comum dos quantitativos existentes naquela conta).

Q. Tendo ficado provado que o cabeça-de-casal retirou tal montante de €15.138,30 do património comum, caber-lhe-ia, para escapar à obrigação de devolução de tal montante ao património comum, demonstrar que os usou ou aplicou em proveito comum do casal, demonstração essa que não fez.

R. Por assim ser, deverá ser aditada à relação de bens uma verba autónoma analisável num crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal no mencionado valor de €15.138,30.

S. Na reclamação à relação de bens que apresentou, a ora recorrente alegou que o cabeça-de-casal, aqui recorrido, retirou daquela mesma conta comum (do Banco 1...) onde se encontravam depositados apenas dinheiros comuns de ambos os agora ex-cônjuges, diversas outras quantias, durante os meses de Junho a Dezembro de 2020, para pagamento de parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe, num total de €1.500,00

T. Com o requerimento em que fez tal alegação a ora recorrente juntou documentos bancários (ali numerados como Docs. 16 a 18 e cuja genuinidade não foi posta em causa) dos quais resulta a retirada, pelo cabeça-de-casal, daqueles valores da indicada conta bancária comum.

U. O cabeça-de-casal, na resposta que apresentou àquela reclamação, referiu que “É verdade que o cabeça de casal entre junho e dezembro de 2020 transferiu mensalmente a quantia de 200,00€ da conta conjunta do Banco 1... e onde é creditado mensalmente o seu vencimento, pelo que tais quantias forma pagar (querendo dizer-se “foram pagas”) com o mesmo” (sendo “tais quantias” as referentes ao pagamento, como se alegou, de parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe; isto é, o cabeça-de-casal diz – confirma, confessa – que o pagamento dessa mensalidade foi feito com tais quantias retiradas dessa conta.

V. Face ao exposto deveria ter sido dado com provado na decisão de que aqui se recorre (e deve o Tribunal da Relação proceder agora a essa alteração, nos termos do já referido art.662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) que “O cabeça-de-casal, para pagamento de parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe, procedeu à transferência duma conta bancária comum no Banco 1..., com o n.º ..., de outras quantias, agora no total de €1.500,00, nos seguintes valores parcelares:

a) Em 15-06-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00;

b) Em 06-07-2020 retirou daquela conta a quantia de €300,00;

c) Em 18-08-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00;

d) Em 06-10-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00;

e) Em 02-11-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00;

f) Em 26-11-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00; e

g) Em 28-12-2020 retirou daquela conta a quantia de €200,00.”.

W. Uma vez mais, sendo os montantes em causa bens comuns a ambos os agora ex-cônjuges (quer por força da presunção contida no art. 1725.º do Código Civil, quer por força da contitularidade da conta quer, por último, por força do reconhecimento que assim é por parte do aqui recorrido) e tendo-se demonstrado que os mesmos foram retirados à disponibilidade  da interessada, aqui recorrida, co-titular de tais valores, para serem usados para pagamento de parte da mensalidade do lar de idosos em que se encontrava a mãe do ora recorrido, terá de se reconhecer a existência dum crédito do casal, nesse valor, sobre a pessoa que o movimentou ou levantou – o cabeça-de-casal, aqui recorrido.

X. Deverá, pois, ser aditada à relação de bens uma verba autónoma analisável num novo crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal agora no valor de €1.500,00.»

c) O cabeça de casal contra-alegou, sendo as respetivas conclusões as seguintes:

«1 – Bem andou a Meritíssima Juiz a quo ao decidir como decidiu no douto despacho ora recorrido, devendo assim manter-se o despacho ora recorrido.

2 – In casu, o ónus da prova recai sobre a Reclamante, ora Recorrente, a qual não logrou fazer prova dos factos alegados na sua reclamação à relação de bens comuns.

3 – De relevar toda a prova documental junta aos autos pelo Recorrido, designadamente: auto de arrolamento de bens comuns; extratos das contas comuns do extinto casal da Banco 1... - conta poupança e conta à ordem; documentos bancários juntos pela Banco 1... e, ainda, os recibos de vencimentos da Recorrente juntos pela sua entidade patronal ..., que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.

A – Quanto à alegada exclusão da quantia de €14.417,00 da verba 1 da relação de bens comuns pela Recorrente, face à prova produzida, resulta cabal que a Recorrente não fez prova de que a citada quantia é bem próprio desta.

4 – Resulta do ponto 3 da matéria de facto provada, que a conta bancária nº PT50. ...47 da Banco 2..., S.A., agência de ..., é titulada pela Recorrente AA.

5 – Do ponto 4 da matéria de facto provada, a conta referida em 3 tinha depositada, à data de 21.08.2020 e até 15.09.2020, a quantia de € 27.765,54.

6 – Ainda do ponto 5 da matéria de facto provada, resulta que a interessada ora recorrente AA auferia na conta identificada em 3 da Banco 2... o seu vencimento da ..., desde, pelo menos, o ano de 2017 até 30/01/2021.

7 – Ora, da conjugação da matéria de facto provada nos pontos 1, 2, 3, 4 e 5, conjugados com os recibos de vencimento da Recorrente juntos pela entidade patronal, é forçoso concluir, como assim concluiu o Tribunal a quo que todos os vencimentos da Recorrente AA desde 2017 até 15/09/2020 eram depositados na conta por esta titulada da Banco 2....

8 – Resulta comprovado documentalmente que, à data da propositura da ação de divórcio - 26/08/2020, o saldo da conta da Banco 2... identificada no ponto 3 dos factos provados era de € 27.765,54, sendo bem comum a relacionar na verba nº1 da relação de bens apresentada nos autos.

9 – Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a Mª Juiz a quo bem entendeu o depoimento da única testemunha indicada pela Recorrente, seu irmão e cabeça de casal por óbito da mãe, CC, conforme se passa a citar:

“O depoimento da testemunha CC, irmão da interessada, explicou que o dinheiro existente na conta por si titulada, juntamente com a sua irmã e mãe, sempre foram poupanças da mãe, que este próprio depositava a pedido da mãe. Nunca a irmã, aqui interessada, lhe pediu ou efetuou depósitos nesta conta com dinheiro dela. Só depois do falecimento da mãe é que dividiu o dinheiro a irmã, transferindo o dinheiro para a sua conta e posteriormente metade para a irmã. Não incluiu esta verba na relação de bens que apresentou por óbito de sua mãe porque desconhecia a sua necessidade. (…)

Mais refere o Tribunal a quo: (…) Não se dúvida da veracidade das declarações, mas certamente se reporta a outra conta bancária, pois não foi confrontado com qualquer evidência que se tratava da mesma conta bancária.”

10 – Ora, do depoimento da testemunha CC, resulta apenas o seguinte:

- alega a existência de uma conta comum em vida da mãe, titulada por esta e  seus dois filhos, a testemunha CC e a interessada AA.

- alega que nessa conta a testemunha CC depositava as alegadas poupanças da mãe a pedido desta;

- alega nunca a interessada AA transferiu ou depositou na alegada conta comum dinheiros desta;

- alega que, após o óbito da mãe, a testemunha CC alegadamente dividiu o dinheiro com a sua irmã, tendo transferido para uma conta sua todo o dinheiro e, posteriormente transferiu metade para a conta da irmã, ora interessada.

11 – Dos documentos juntos aos autos em 11/10/2022 pela testemunha CC - Participação do Imposto de Selo por óbito da mãe, falecida em .../.../2016, não consta qualquer quantia monetária em conta bancária da falecida.

12 – A Recorrente em momento algum faz prova da existência da alegada conta bancária titulada pela mãe, seu irmão e a própria, nem o respetivo saldo à data do óbito daquela, alegadamente da Banco 3... (não obstante o Recorrido ter requerido a sua junção);

13 – Igualmente não faz prova da alegada transferência de dinheiros da conta comum (alegadas poupanças da mãe) efetuada pelo seu irmão e testemunha CC para a conta deste da Banco 3..., tal como não fez prova das alegadas transferências monetárias por parte do seu irmão, CC, da conta deste para a conta da interessada A..., S.A. identificada no doc. 13 junto à sua reclamação.

14 – Por sua vez, os talões multibanco de transferências juntos à reclamação sob os documentos 5 a 11 datam de 31/12/2016 e o documento 12 não identifica a titularidade e o número de conta bancária em causa; sendo que, o documento 13 junto à reclamação respeita a um extrato de conta datado de 10/06/2020 a 30/01/2021, do qual não resulta aí comprovado as mencionadas transferências.

15 – Acresce que, do confronto dos talões multibanco e do extrato de conta juntos à reclamação sob os docs. 5 a 10 e 13 respetivamente, resulta cabal tratarem-se de datas muito distintas, com uma diferença temporal de cerca de quatro anos.

16- Resulta comprovado documentalmente que, desde inicio o ano de 2017 até 30/01/2021 a Recorrente recebeu na conta identificada em 3 e 4 dos factos provados os seus vencimentos mensais da ..., conforme conta do ponto 5 da matéria de facto provada (aliás, num total da soma dos vencimentos de € 53.456,66).

17 – Pelo que, bem decidiu o Tribunal a quo ao dar como não provado, designadamente, os factos constantes do 1º parágrafo da matéria de facto não provada, ou seja:

“- Os dinheiros depositados na conta referida em 3. advieram de doação da mãe de DD e da herança, após a sua morte.”; não assistindo razão à Recorrente em tudo o que de contrário alega e que se impugna para todos os efeitos legais.

18 – Os factos novos ora alegados em sede de recurso (eventual doação da referida quantia pelo seu irmão/testemunha CC) não pode ser considerada por este douto Tribunal, por se tratar de facto não alegado no momento próprio, e em total contradição ao depoimento da própria testemunha, pelo que se impugna para todos os efeitos legais.

B – Quanto à alegada exclusão da quantia de € 6.800,00 da verba 1 da relação de bens comuns, outra não poderia ser a decisão do Tribunal a quo senão ao decidir como decidiu no despacho ora recorrido; não assistindo igualmente razão à Recorrente quanto a esta matéria, o que se impugna para todos os efeitos legais.

19 – Consta do ponto 2 da matéria de facto provada, que a ação de divórcio do extinto casal deu entrada no Tribunal em .../.../2020 (e não 26 de Janeiro de 2020 conforme alega a Recorrente).

20 – No ponto 4 da matéria de facto provada, o Tribunal a quo deu como provada a quantia de € 27.765,54 sendo bem comum do extinto casal - saldo de conta da Banco 2... identificada no ponto 3 da matéria de facto provada, à data da propositura da ação de divórcio do extinto casal, junto pela própria Recorrente sob o doc. 13 à sua reclamação.

21 – Na supra citada quantia de €27.765,54, não estão incluídas as transferidas para a referida conta da Banco 2... de €3.200,00 (22 de Novembro de 2020), €2.000,00 (01 de Dezembro de 2020) e de €1.600,00 (30 de Janeiro de 2021), conforme resulta comprovado do teor do referido doc. 13.

22 – Não obstante, resulta comprovado pelo Recorrido que a Recorrente transferiu várias quantias da conta à ordem comum do Banco 1... diretamente para a conta da Banco 2... identificada em 3 da matéria de facto provada – Cfr. extratos de duas contas comuns, a prazo e à ordem, da Caixa Económica Montepio Geral (Documentos 2, 3, 4 e 5 juntos à Resposta do Recorrido à Reclamação da interessada).

23 – Tal como provado documentalmente (cfr. Extratos bancários) os levantamentos efetuados Recorrente da mesma conta à ordem comum da Caixa Económica Montepio Geral através do seu cartão multibanco, conforme confirma documentalmente o próprio Banco e levantamento efetuado ao balcão do mesmo da agência do ..., cujo documento está assinado pela própria interessada AA (cfr. documentos juntos pelo Banco aos autos a fls. (…).)

C – Quanto ao alegado aditamento à relação de bens duma verba consistente num crédito do casal sobre o cabeça de casal, no montante de €15.138,30;

igualmente bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela improcedência do alegado crédito, porquanto além de não ser devida tal quantia, não se produziu prova nesse sentido, como, aliás, bem se concluiu no despacho ora recorrido.

24 – No ponto 6 da matéria de facto provada, o Tribunal a quo deu como provado que o cabeça de casal transferiu da conta comum do Banco 1... com o nº ... a quantia total de €15.138,30 correspondente à soma das quantias mencionadas nas alíneas a) a j).

25 – O que só concluiu por figurar o nome do Recorrido nos respetivos movimentos/transferências mencionadas no extrato de conta a prazo comum (designada “Conta Particulares”) com o nº ... do Banco 1..., o qual é o 1º titular; porquanto não foi produzida prova quanto a tal alegação da ora Recorrente (cfr. Extrato junto sob o doc. 2 à Resposta do Recorrido à Reclamação. (a Recorrente juntou à Reclamação apenas uma folha do extrato sob o doc. 14).

26 – O Recorrido juntou aos autos os extratos da supra citada conta a prazo nº... do Banco 1..., (“Conta Particulares”) sob o doc. 2 junto à Resposta à reclamação da interessada, donde resulta ser o ora Recorrido o 1º titular;

E, ainda, sob os docs. 3 e 4, os extratos da conta à ordem comum do mesmo Banco (associada à identificada conta a prazo) com o n.º ... designada “Conta Função Pública Ordenado” da qual resultam creditadas todas as quantias transferidas e mencionadas no referido extrato da conta a prazo e junto pela Recorrente sob o documento 14; que a mesma não impugnou por bem saber e conhecer.

Tudo conforme extratos e descrito/comprovado no artigo 43, 44 e 45 da Resposta à reclamação que aqui se dá por reproduzido para efeitos legais.

27 – Do confronto dos supra citados extratos de contas do Banco 1..., não resulta provado que tais transferências foram efetuadas para uma conta própria do Recorrido, antes pelo contrário; não tendo sido produzida qualquer prova pela ora Recorrente.

Sem prejuízo,

28 – Dos extratos das contas do Banco 1... juntos pelo Recorrido (cfr. Documentos 2, 3, 4 e 5 juntos ao articulado de resposta à reclamação) e documentos juntos ao processo pelo Banco 1... a fls. (…), prova-se que a interessada AA, ora Recorrente, efetuou diversas transferência da conta à ordem comum do Banco 1... para a conta por si titulada da Banco 2... supra citada e levantamentos com o seu cartão multibanco, bem como levantou a quantia de € 3.450,00 (após transferência de € 3.500,00 da conta a prazo para a conta à ordem do Banco 1... e que alega falsamente ter sido o Recorrido quem levantou esta quantia), conforme documentos juntos pelo Banco e documento bancário assinado pela própria junto pelo Recorrido sob o doc. 5 na sua Resposta à reclamação; e que não foi impugnada.

Tudo num total de € 8.650,00 conforme consta descriminado no artigo 30, 43,  44 e 45 da Resposta à reclamação que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos; encontrando-se mutuamente compensados.

29 – Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o Recorrido prova documentalmente que todas as transferências indicadas no doc. 14 junto pela reclamante, Recorrente, foram creditadas na conta à ordem associada e comum do extinto casal. - cfr. Extratos das duas contas do Banco 1... junto aos autos a fls. (…).

30 – Tal como se comprovou documentalmente que a Recorrente transferiu para a conta por si titulada da Banco 2... identificada no ponto 3 da matéria de facto provada e levantou parte delas com cartão multibanco e ao balcão (cfr. artigos 22 a 49 do articulado de Resposta à reclamação e que aqui se dão pro reproduzidos para os devidos efeitos, em particular os artigos 30, 41, 43, bem como documentos juntos sob os docs. 2, 3, 4 e 5).

(Ainda assim, não se inibiu de alegar ter sido o Recorrido quem efetuou tais levantamentos, bem sabendo ter sido a própria.)

31 – Face ao exposto, bem andou o Tribunal a quo ao referir no despacho proferido que:

“Não houve lugar a produção e prova testemunhal sobre estes factos.

Dos documentos juntos aos autos não nos é permitido concluir que o cabeça de casal fez tais transferências para uma conta própria.”

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, conforme supra alegado, com as legais consequências.

Mais se requer, nos termos do artigo 646º do C.P.C. que o presente recurso seja instruído (…)»

II. Objeto do recurso.

1 -  A primeira questão colocada pelo recurso respeita à impugnação da matéria de facto.

A recorrente pretende que «… ao invés de não ter dado como provado que “Os dinheiros depositados na conta referida em 3. advieram de doação da mãe de AA e da herança, após a sua morte” a decisão recorrida deveria ter dado como provado que “Dos dinheiros depositados na conta referida em 3., a quantia de €14.417,00 foi recebida pela interessada AA após a morte da sua mãe, através de transferências bancárias efectuadas pelo seu irmão e como a sua quota-parte na herança deixada por aquela”, devendo aquela decisão sobre a matéria de facto ser alterada em consonância.» - conclusão H).

Pretende ainda que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, se declare provado que «J.  (…) após a entrada em juízo da petição inicial de divórcio (ocorrida em 26 de Janeiro de 2020), depositou na (ou transferiu para a) sua conta identificada como “Verba 1” da relação de bens, as quantias sucessivas de €3.200,00 (em 22 de Novembro de 2020), de €2.000,00 (em 1 de Dezembro de 2020) e de €1.600,00 (em 30 de Janeiro de 2021).»

E, por fim, que se acrescente à relação de bens uma verba autónoma como um crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal no valor de €1.500,00, quantia que representa o total dos montantes que o cabeça-de-casal, retirou daquela da conta comum do Banco 1... onde se encontravam depositados apenas dinheiros comuns de ambos os agora ex-cônjuges, durante os meses de Junho a Dezembro de 2020, para pagamento de parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe.

2 - Em segundo lugar, em sede de direito, cumpre verificar:

(a) Se os mencionados €14.417,00, são uma quantia própria da recorrente por a ter recebido em virtude de sucessão, por óbito da sua mãe (ou, quando assim se não entendesse e na pior das hipóteses, por doação do seu irmão) - alínea b) do n.º 1 do art. 1722.º do Código Civil, cumprindo excluir essa verba n.º 1 da relação de bens.

(b) Se o valor de €6.800,00 auferido pela aqui recorrente após a data de entrada em juízo da ação de divórcio seja considerado bem próprio – parte final do n.º 1 do art. 1789.º do Código Civil – pelo que não pode ser partilhado e deve ser subtraído à “Verba 1” da relação dos bens.

(c) Se a quantia de €15.138,30, presumindo-se bem comum, por força do disposto no art. 1725.º do Código Civil e por força da contitularidade da conta bancária em causa, deverá ser aditada à relação de bens como um crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal no mencionado valor de €15.138,30.

(d) Se deve ser aditada uma verba à relação de bens com a quantia €1.500,00, como crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto

1 -  a) Vejamos se deve ser declarado provado que «Dos dinheiros depositados na conta referida em 3., a quantia de €14.417,00 foi recebida pela interessada AA após a morte da sua mãe, através de transferências bancárias efectuadas pelo seu irmão e como a sua quota-parte na herança deixada por aquela”, devendo aquela decisão sobre a matéria de facto ser alterada em consonância.»

A recorrente invoca o testemunho do seu irmão CC e prova documental.

Quanto à prova documental, diz que os talões do multibanco juntos com a reclamação, como documentos 5 a 11, mostram que as verbas neles mencionadas foram transferidas/depositadas na conta com o IBAN  ...47, que é o da conta referida nessa «Verba n.º 1» da relação de bens.

O Recorrido argumenta que a Recorrente não fez prova das transferências bancárias efetuadas da conta da mãe dela para a conta do seu irmão e da conta deste último para a mencionada conta da Reclamante. Acrescenta que os talões do multibanco são de 31 de dezembro de 2021 e não identificam a conta bancária de onde saiu o dinheiro.

Por conseguinte, não pode proceder, por falta de prova, a pretensão da recorrente.

b) Afigura-se que procede a impugnação nesta parte, pelas seguintes razões:

(I) À partida dir-se-ia que não seria difícil fazer prova desta factualidade, pois bastaria juntar os extratos das diversas contas e mostrar o percurso do dinheiro até à sua entrada na conta  ...47, da Banco 2... (...).

Apesar disso, a convicção forma-se no sentido de que a quantia em questão, que entrou na conta bancária acabada de referir, teve como proveniência a herança da mãe da Recorrente

(II) Em primeiro lugar, temos o depoimento da testemunha CC, irmão da Recorrente, que afirmou isso mesmo, isto é, que após a morte da mãe da Recorrente ele transferiu para a irmã metade do dinheiro que a mãe havia deixado em herança, resultante exclusivamente das suas poupanças.

Referiu ter sido o cabeça de casal da herança deixada pela sua mãe – minuto 06:34 – e que foi ele quem fez essas transferências – minuto 02:00 - «um tempo após a morte da minha mãe – minuto 02.14 - «em janeiro … 2015…em 2016, …janeiro» - minuto 02:33/03:00.

Referindo-se aos talões de multibanco (de fls. 97 a 103 destes autos (Docs. 5 a 10 da reclamação de bens) disse o seguinte:

«Havia uma conta que era da minha mãe, minha e da minha irmã, estava em nome dos três. Após o falecimento da minha mãe eu transferi o dinheiro para a minha conta e da minha conta para a conta da minha irmã» – minuto 03:45/04:02.

Referiu que transferiu primeiro para a sua conta e desta para a conta da sua irmã porque não tinha cartão de multibanco para transferir diretamente da conta da mãe para a da sua irmã – minuto 11:45.

Relativamente à quantia transferida para a conta da irmã disse:

«Não posso precisar o número exato, mas eram 14 mil e qualquer coisa euros» - minuto 04:32/04.38.

Confirmou ter feito as transferências a que se referem os talões de multibanco – minutos 05:18/05:53. «Fui eu que fiz» - minuto 06:09.

A conta era constituída por poupanças da «reformazita que ela tinha» - minuto 14:36 – mas a reforma da sua mãe não era creditada nessa conta – minuto 14.53. A mãe trabalhou na agricultura – minuto15:11. Não soube dizer o montante da reforma – minuto 14:37 – não tinha outros rendimentos além da reforma e da atividade agrícola – minuto 15:00.

Não depositava a reforma diretamente na conta em questão – minuto 17:04; a sua mãe ia juntando o dinheiro e dava-lho para ele o depositar nessa conta –minuto 17:18.

Minuto 17:47 – Que dinheiro é que ela depositou dela nessa conta?

Minuto 18:07 – «Eu e a minha irmã depositávamos dinheiro nessa conta porque a minha mãe queria ter algum dinheiro para o funeral e alguma eventualidade que pudesse vir acontecer na vida dela… ir para um lar.»

À pergunta sobre se a testemunha e a irmã depositavam dinheiro próprio nessa conta, respondeu – minuto 18:30, 20:06 e 21:33 – que nessa conta apenas depositavam as poupanças da sua mãe, que essa conta já existia antes da mãe enviuvar, em nome dos três – minuto 19:05; o seu pai tinha uma conta só dele – minuto 19:13.

Resulta deste depoimento que o dinheiro existente nessa conta era constituído apenas por verbas entregues pela mãe para a testemunha, e porventura a sua irmã, fazerem os respetivos depósitos.

Cumpre referir que não se detetou qualquer razão ou motivou, por outras palavras, qualquer necessidade, para a testemunha ou a sua irmã depositarem dinheiro próprio nessa conta.

Em segundo lugar, verifica-se que dos talões do multibanco (documentos 5 a 11 da reclamação) consta a conta de onde saiu o dinheiro, na terceira linha escrita a partir de cima, tratando-se da conta n.º  ...95, tendo como destinatário a conta da Recorrente, com o n.º  ...47.

É certo que não se mostra nos autos se a conta n.º  ...95 era titulada pelo irmão da Recorrente, mas também não se mostra que não era.

Também é certo que na audiência de 9 de fevereiro de-2023 o aqui cabeça de casal requereu que «…para um bom esclarecimento dos factos, que a testemunha (CC) venha juntar ao processo de facto, os extratos de conta, que foi requerido nesse sentido, em face de que não há qualquer documento junto ao próprio nesse sentido, uma vez que não participou às finanças, à data do óbito, o saldo de conta bancária em causa, que seria titulado pela mãe.»

A testemunha não veio aos autos juntar qualquer documentação.

Mas também é certo que a testemunha não é parte interessada nos autos e a sua inatividade não pode ser valorada negativamente no sentido de prejudicar a formação da convicção de que aquelas verbas provieram da herança da mãe da Recorrente (cumpre anotar que a testemunha durante a inquirição manifestou impaciência, enfado, e formulou protestos inabituais quando lhe eram formuladas perguntas às quais entendia já ter respondido ou cujas respostas estavam implícitas no que já havia dito).

Prosseguindo.

Os talões do multibanco embora pouco legíveis (certamente devido à má qualidade da impressão no original) permitem verificar que no dia 31 de dezembro de 2016, entre as 19:00 e as 19:20 horas foram efetuadas 6 transferência da conta n.º  ...95, para a conta da Recorrente, com o n.º  ...47, a saber: €2.000,00, €2.500,00, €2.500,00, €2.500,00, €2.500,00 e €2.417,00, somando estas parcelas €14.417,00.

Ora, estando o tribunal perante esta factualidade histórica, como a pode explicar?

Explicar esta factualidade é torna-la compreensível face às regras da experiência próprias do comportamento humano, da ação humana.

[Antes de prosseguir cumpre efetuar um pequeno parêntesis:

Existe uma conexão lógica entre a ação e a intenção de um agente humano: se tenho a intenção A, faço acontecer B, pois estou convencido, segundo as minhas crenças baseadas na experiência quotidiana ou em noutra fonte de saber, que fazendo B satisfarei a intenção A.

A relação lógica consiste nisto: não é possível pensar B (a ação) sem pensar A (a intenção).

Por outras palavras, é incompreensível pensar a ação B e, ao mesmo tempo, desligá-la de uma intenção prévia, no caso, da intenção A.

É como se perguntássemos a alguém que acabou de se dirigir a um marco de correio: «Porque colocaste a carta no marco do correio?» e nos respondesse, «Por nenhuma razão, não sei por que o fiz!»

Por conseguinte, uma ação humana, tal como um evento da natureza, nunca é um produto saído do nada, mas sim expressão de algo que é prévio ou contemporâneo.

Esse algo é uma intenção que, por sua vez, tem origem em desejos ou necessidades da pessoa que atua, próprios ou alheios, e serve uma finalidade.

Sendo assim, explicar uma ação consiste, repete-se, em encontrar um fim perseguido pela pessoa que agiu, em relação ao qual a ação é instrumental.

Por outras palavras, explicar uma ação humana que sabemos ter ocorrido ou se alega ter ocorrido, é apresentar uma razão que satisfaça uma necessidade, um desejo ou um qualquer interesse da pessoa que agiu e uma intenção correspondente que lhe dê execução através dos movimentos físicos, corporais, que o agente considera adequados para alcançar a satisfação desse desejo, interesse ou finalidade.]

Como explicar, então, aquele conjunto de transferência, num só dia e no espaço de cerca de um quarto de hora, de uma conta para a conta da Recorrente?

Seguramente que não se tratou de salários auferidos pela Recorrente, pois ela recebia o seu salário nessa conta, mas os valores salariais, como se vê de fls. 181 a 227 destes auto de recurso, entre 31-12-2016 e 30-04-2022, oscilaram entre o mínimo líquido de €926,74 (em 31-12-2016), €760,74 em 31-07-2021 e €2.117,34 (com subsídio de férias) em 30-06-2020.

Não há nos autos notícias de que a Recorrente exercesse qualquer outra atividade remunerada.

O Recorrido, cabeça de casal, seu ex-marido também não indicou qualquer outra origem alternativa para aquelas transferências efetuadas naquele ano, num só dia e num espaço de tempo de cerca de 15 minutos.

Porém, a explicação dada pela testemunha CC, como acima se deixou extratado, permite compreender estes factos históricos, isto é, a existência aquelas transferências. As mesmas foram realizadas porque correspondiam a metade do dinheiro deixado como herança pela mãe da testemunha e também mãe da Recorrente.

Faz sentido.

Ora, na falta de um qualquer fato ou factos que coloquem em dúvida esta explicação, a convicção do tribunal deve formar-se de acordo com o depoimento da testemunha CC e documentação que corrobora as suas declarações.

(III) Por conseguinte, será alterada a matéria de facto ficando o facto provado n.º 4 com esta redação:

«A conta referida em 3. tinha depositada, à data de 21.08.2020 e até 15.09.2020, a quantia de €27.765,54, mas dos dinheiros depositados nesta conta a quantia de €14.417,00 foi recebida pela interessada AA após a morte da sua mãe, através de transferências bancárias efetuadas pelo seu irmão e como a sua quota-parte na herança deixada por aquela.»

Suprime-se nos factos não provados o segmento: «- Os dinheiros depositados na conta referida em 3 advieram de doação…» 

2 – A Recorrente pretende, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, que se declare provado que «J.  (…) após a entrada em juízo da petição inicial de divórcio (ocorrida em 26 de janeiro de 2020), depositou na (ou transferiu para a) sua conta identificada como “Verba 1” da relação de bens, as quantias sucessivas de €3.200,00 (em 22 de novembro de 2020), de €2.000,00 (em 1 de dezembro de 2020) e de €1.600,00 (em 30 de janeiro de 2021).»

Consta, efetivamente, do extrato bancário da conta n.º  ...47, cuja cópia se encontra a fls. 104 verso (doc. 13) que estas verbas foram transferidas para essa conta nas datas indicadas.

Porém, não se consegue saber se foi a Recorrente quem fez essas transferências ou se foi outra pessoa.

Pelo exposto, apenas pode constar da matéria de facto que essas transferências foram feitas.

Assim contará dos factos provados o seguinte:

«4/A - Após a entrada em juízo da petição inicial de divórcio, em 26 de janeiro de 2020), foram depositadas na conta identificada como “Verba 1” da relação de bens, as seguintes quantias:  €3.200,00 (em 22 de novembro de 2020), €2.000,00 (em 1 de dezembro de 2020) e €1.600,00 (em 30 de janeiro de 2021).»

3 – A Recorrente pretende ainda que se dê como provado que o cabeça-de-casal retirou diversas outras quantias com as quais procedeu, durante os meses de junho a dezembro de 2020, ao pagamento de parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe, no total de €1.500,00:

a) Em 15-06-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

b) Em 06-07-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €300,00;

c) Em 18-08-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

d) Em 06-10-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

e) Em 02-11-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

f) Em 26-11-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00; e

g) Em 28-12-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00.

Esta matéria deve ser declarada provada porquanto o Recorrido a confessou.

O recorrido disse na resposta à reclamação que tinha feito essas transferências.

Mas se não fosse esta declaração não se conseguia saber apenas pelos documentos quem tinha feito as transferências e respetivo destinatário.

O Recorrido também referiu que as retirou do seu vencimento, que aí era depositado.

E efetivamente consta da conta n.º  ... (Banco 1...) de «BB» era uma «Conta Função Pública Ordenado» - cfr. fls. 147 e seguintes destes autos de recurso.

Deste modo, dada a indivisibilidade da confissão (artigo 360.º do Código Civil: «Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexatidão.»

Por isso, deve declarar-se também provado que as quantias foram retiradas do vencimento do recorrido.

Acrescenta-se mais um facto provado com este teor:

«7 -  O cabeça-de-casal retirou da conta n.º  ... (Banco 1...) e do seu vencimento que aí era depositado, diversas outras quantias com as quais procedeu, durante os meses de Junho a Dezembro de 2020, ao pagamento de parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe, no total de €1.500,00:

a) Em 15-06-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

b) Em 06-07-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €300,00;

c) Em 18-08-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

d) Em 06-10-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

e) Em 02-11-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

f) Em 26-11-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00; e

g) Em 28-12-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00.»

1. Matéria de facto – Factos provados

1. BB e a interessada AA celebraram casamento no dia 04.09.1994, no regime de bens adquiridos, sem convenção antenupcial.

2. O ex-casal divorciou-se por sentença proferida e transitada em julgado em 26.05.2021, no processo nº 3228/20...., tendo a ação de divórcio dado entrada em tribunal em 26.08.2020.

3. A conta bancária de depósito PT  ...47 da «Banco 2..., S.A.», agência de ..., é titulada pela interessada AA.

4. A conta referida em 3. tinha depositada, à data de 21.08.2020 e até 15.09.2020, a quantia de €27.765,54, mas dos dinheiros depositados nesta conta a quantia de €14.417,00 foi recebida pela interessada AA após a morte da sua mãe, através de transferências bancárias efetuadas pelo seu irmão e como a sua quota-parte na herança deixada por aquela.

4/A - Após a entrada em juízo da petição inicial de divórcio, em 26 de janeiro de 2020), foram depositadas na conta identificada como «Verba 1» da relação de bens, as seguintes quantias:  €3.200,00 (em 22 de novembro de 2020), €2.000,00 (em 1 de dezembro de 2020) e €1.600,00 (em 30 de janeiro de 2021).

5. A interessada AA recebia na conta n.º  ...47 da “Banco 2..., S.A.” o vencimento auferido ..., desde, pelo menos, o ano de 2017 até 30.01.2021.

6. O cabeça-de-casal procedeu ao levantamento/transferência duma conta bancária comum no Banco 1..., com o n.º ..., da quantia total de €15.138,30, nos seguintes termos:

a) Em 09-07-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de €200,00.

b) Em 23-08-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de €1.300,00.

c) Em 18-09-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de €600,00.

d) Em 09-10-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de €200,00.

e) Em 28-10-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de €1.000,00.

f) Em 30-10-2020 levantou ao balcão, daquela conta comum, a quantia de €7.000,00.

g) Em 02-11-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de €250,00.

h) Em 11-11-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de €3.500,00.

i) Em 13-01-2021 transferiu daquela conta comum a quantia de €400,00; e

j) Em 19-01-2021 transferiu daquela conta comum a quantia de €688,30.

7 – O cabeça-de-casal retirou da conta n.º  ... (Banco 1...) e do seu vencimento que aí era depositado, diversas outras quantias com as quais procedeu, durante os meses de junho a dezembro de 2020, ao pagamento de parte da mensalidade do lar de idosos onde se encontrava a sua mãe, no total de €1.500,00:

a) Em 15-06-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

b) Em 06-07-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €300,00;

c) Em 18-08-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

d) Em 06-10-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

e) Em 02-11-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00;

f) Em 26-11-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00; e

g) Em 28-12-2020 retirou daquela conta, para o referido efeito, a quantia de €200,00.

2. Matéria de facto – Factos não provados

- (Eliminado).

- (Eliminado).

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

Nos termos do n.º 1 do artigo 1798.º do Código Civil (Data em que se produzem os efeitos do divórcio), «Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.»

Ou seja, para os efeitos que aqui interessam, que consistem na determinação dos bens comuns a partilhar entre os ex-cônjuges, os bens comuns a considerar na partilha são aqueles que o eram na data em que foi instaurada a ação de divórcio, neste caso, os existentes (comuns) em .../.../2020.

[Neste sentido o Acórdão do S.T.J. de 18 de novembro de 2008 quando pondera: «3. Vejamos agora qual o significado de a lei estabelecer uma determinada data para os efeitos patrimoniais do divórcio.

Em relação ao nº 1 do artigo 1789º, refere RODRIGUES BASTOS (Notas ao Código Civil, vol. VI, 1998, pág. 227) que “esta regra tem especialmente em vista evitar que qualquer dos cônjuges, na pendência do processo, tome medidas pecuniárias susceptíveis de prejudicar o outro cônjuge, qualquer que seja o regime de bens do casamento”.

No mesmo sentido, apontam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. IV, 1987, pág. 561), quando dizem que “a manifesta intenção da lei, quanto a este primeiro aspecto, é a de evitar que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a proposição da acção, sobre valores do património comum” (cfr., no mesmo sentido, Pereira Coelho, Reforma do Código Civil, pág. 47).

Temos, assim, que o escopo do nº 1 do artigo 1789º é não permitir que, durante o processo de divórcio, qualquer dos cônjuges pratique actos com reflexo negativo no património comum que prejudiquem o outro.

Daqui se pode inferir que a fixação de uma data para a produção dos efeitos do divórcio, no tocante às relações patrimoniais entre os cônjuges, visa essencialmente as relações dos cônjuges, ou de qualquer deles, com terceiros, nomeadamente, evitar que um cônjuge possa vir a ser também responsabilizado por dívidas contraídas pelo outro (registe-se que são dívidas comuns do casal, da responsabilidade de ambos os cônjuges, as dívidas contraídas, perante terceiros, durante a vigência do casamento, na proporção de metade para cada um deles – artigos 1691º, a), e 1730º, nº 1, do Código Civil), bem como permitir que aos bens adquiridos ou rendimentos auferidos por cada um dos cônjuges não se aplique o regime da comunicabilidade (regimes da comunhão de adquiridos e da comunhão de bens – cfr. artigos 1724º e 1732º do Código Civil), não ficando a fazer parte do património comum.

Logo, qualquer negócio que um dos cônjuges faça após a data tida como a do início da produção dos efeitos patrimoniais do divórcio só a ele responsabiliza, nada tendo o outro a ver com isso (por exemplo, se se tratar da aquisição de um bem, este será um bem próprio do adquirente, independentemente do regime de bens do casamento).

De qualquer forma, os bens que ambos conjuntamente possuíam mantêm a natureza de bens comuns até à partilha, a fazer por acordo extrajudicial ou por inventário judicial, requerido ao abrigo do artigo 1404º do Código de Processo Civil.» - em www.dgsi.pt, identificado com o n.º 08A2620.

Também Augusto Lopes Cardoso, referindo-se ao disposto no artigo 1789.º do Código Civil:

«Deste modo, os bens advindos aos cônjuges, casados segundo o regime da comunhão geral, depois do ingresso em Juízo da acção de divórcio ou separação não têm que ser relacionados no inventário subsequente; como também deverão excluir-se deste processo os advindos depois daquela data em que cessou a coabitação conjugal nos termos prescritos do art. 1789.º-2» - Partilhas Litigiosas, Vol. III. Almedina/2018, pág. 328.

No mesmo sentido Paula Távora Vitor, quando refere, em anotação ao artigo 1789.º do Código Civil, que «Tal solução é particularmente relevante ao nível da determinação dos bens que, segundo o regime de bens, devem integrar o património comum, para efeitos de partilha…» - Código Civil Anotado, Livro IV Direito de Família, Coordenação de Clara Sottomayor, 2.ª Edição. Almedina/2022, pág. 559.

Bem como Rute Teixeira Pedro, quando diz, em anotação ao mesmo artigo do Código Civil: «Tal retroação aplicável apenas ás relações de natureza patrimonial entre os cônjuges – p. ex., à partilha do património comum, podendo refletir-se na qualificação de bens a (não) partilhar...» - Código Civil Anotado, Vol. II, Coordenação de Ana Prata. Almedina/2017, pág. 692]

Vejamos então as questões colocadas a este respeito, tendo em consideração o que acaba se ser dito.

1 – Se os mencionados €14.417,00 são uma quantia própria da recorrente AA por a ter recebido em virtude de sucessão, por óbito da sua mãe - alínea b) do n.º 1 do art. 1722.º do Código Civil.

A resposta a esta questão é afirmativa.

Resultou provado que a quantia em causa proveio da herança da mãe da Recorrente e como tal é bem próprio – al. b) do n.º 1 do artigo 1722.º do Código Civil: «1. São considerados próprios dos cônjuges: a) …; b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação.»

Por conseguinte, cumpre retirar, subtrair, esta quantia de €14.417,00 à verba n.º 1.

2 – Vejamos agora se o montante de €6.800,00 transferido para a conta da recorrente após a data de entrada em juízo da ação de divórcio deve ser considerado bem próprio dela, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 1789.º do Código Civil.

Como se referiu acima, o n.º 1 do artigo 1798.º do Código Civil determina que os efeitos do divórcio quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da ação, no caso dos autos, a .../.../2020.

Por isso, os bens que entraram na esfera patrimonial de cada ex-cônjuge após .../.../2020 são qualificados como bens próprios, salvo se se mostrar que são bens comuns por serem, por exemplo, bens sub-rogados no lugar de bens comuns (como será o caso, por exemplo, do produto da venda de um bem comum, vendido já depois da instauração da ação de divórcio e cujo preço foi transferido para a conta bancária de apenas um dos ex-cônjuges).

Relativamente a esta questão, provou-se que «Após a entrada em juízo da petição inicial de divórcio, em 26 de janeiro de 2020, foram depositadas na conta identificada na «Verba 1» da relação de bens, as seguintes quantias:  €3.200,00 (em 22 de novembro de 2020), €2.000,00 (em 1 de dezembro de 2020) e €1.600,00 (em 30 de janeiro de 2021).»

Esta conta era apenas titulada pela Recorrente (cfr. facto provado n.º 3), pelo que o dinheiro aí entrado após a instauração da ação tem de ser qualificado como bem próprio dela, dado que não há qualquer facto que indique que é comum.

Sucede, porém, que a quantia (comum) existente na dita conta bancária em 26 de janeiro de 2020 era/é a indicada na verba n.º 1, isto é, €27.765,54.

As quantias aqui mencionadas, no total de €6.800,00, foram depositadas depois de 26 de janeiro de 2020.

Sendo assim, não entram e não entraram na composição da «verba n.º 1» e como não entraram também não têm de sair.

Improcede, por isso esta questão recursiva.

3 – Se a quantia de €15.138,30 é bem comum por força da presunção estabelecida no artigo 1725.º do Código Civil e se, por essa razão, por força da contitularidade da conta bancária em causa, deverá ser aditada à relação de bens uma verba autónoma como crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal, no mencionado valor.

O artigo 1725.º do Código Civil estabelece que «Quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns.»

Sobre esta matéria provou-se o seguinte:

«6. O cabeça-de-casal procedeu ao levantamento/transferência duma conta bancária comum no Banco 1..., com o n.º ..., da quantia total de €15.138,30, nos seguintes termos:

a) Em 09-07-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de € 200,00.

b) Em 23-08-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de € 1.300,00.

c) Em 18-09-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de € 600,00.

d) Em 09-10-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de € 200,00.

e) Em 28-10-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de € 1.000,00.

f) Em 30-10-2020 levantou ao balcão, daquela conta comum, a quantia de € 7.000,00.

g) Em 02-11-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de € 250,00.

h) Em 11-11-2020 transferiu daquela conta comum a quantia de € 3.500,00.

i) Em 13-01-2021 transferiu daquela conta comum a quantia de € 400,00; e

j) Em 19-01-2021 transferiu daquela conta comum a quantia de € 688,30.»

Todas estas quantias faziam parte de uma conta bancária comum, a qual, nos termos prescritos no mencionado artigo 1725.º do Código Civil se considera bem comum.

É certo que não se sabe qual era o saldo desta conta em de 26 de janeiro de 2020, data da cessação das relações patrimoniais comunicáveis entre os ex-cônjuges, sendo nessa data o respetivo saldo comum, face à mencionada presunção.

Mas como se trata de uma conta titulada por ambos os ex-cônjuges considera-se que a respetiva quantia é de ambos em partes iguais porque não existem elementos factuais que mostrem ser de outro modo.

É o que resulta da segunda parte do n.º 2 do artigo 1403.º do Código Civil, onde se dispõe que «Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo».

Ou do disposto no artigo 516.º do Código Civil, onde se determina que «Nas relações entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.»

Efetivamente, como se ponderou no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10 de outubro de 1988, «Uma conta conjunta é uma conta de depósito aberta num estabelecimento bancário em nome de duas ou mais pessoas, que pode ser movimentada individualmente por qualquer dos titulares, tanto a crédito como a débito» (Sumário) e «Tal implica uma situação de solidariedade entre os depositantes, podendo qualquer deles levantar as quantias, uma vez obtido o acordo do Banco depositário (cfr. Ac. do S.T.J. de 5-3-87, Proc. n.º 73979, 2.ª sessão, in Tribuna da Justiça, n.º 29, pág. 26).

Para determinar o que nos depósitos cabe a cada um dos contitulares há que – não havendo, como não há, no caso em apreço, estipulação expressa – recorrer às normas que definem o regime da solidariedade entre credores» (do texto do referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa).

Sobre este ponto, Pires de Lima/Antunes Varela referiram que «Nada resultando da relação jurídica existente entre os credores ou os devedores solidários sobre a medida da comparticipação de cada um no crédito ou na dívida, funciona a presunção estabelecida neste preceito. Se, por exemplo, duas pessoas fizeram um depósito bancário em regime de solidariedade activa (…), presume-se, enquanto não se fizer prova noutro sentido, que cada um dos depositantes é titular de metade da conta (cfr. ac. do S.T.J., de 7 de Julho de 1977, no B.M.J., n.º 269, pág. 1\36 e segs.)» - Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição. Coimbra Editora/1982, pág. 502.

[Como se decidiu no Acórdão do STJ de 17 de junho de 1999, no processo identificado com o n.º 99B418, «Há presunção legal da compropriedade em partes iguais dos valores depositados em conta bancária de que são titulares inventariada e inventariante.»

Ou no Acórdão do STJ de 7 de julho de 1999, no processo identificado com o n.º 8B1186, I - Nas contas bancárias conjuntas resulta para cada um dos co-titulares da conta uma situação de credor solidário sobre a instituição de crédito depositária e, como tal, nas relações entre si não pode deixar de aplicar-se o regime da solidariedade quanto à participação nos respectivos créditos. II - Aplica-se pois a tais contas designadamente o disposto no artigo 516 do CCIV, pelo que, em caso de dúvida, é presumir que são iguais as participações de cada um.»]

É certo que o Recorrido alegou que nem todos os levantamentos foram feitos por si mesmo, mas sim pela Recorrente, mas tais afirmações não resultaram provadas.

O que consta da matéria provada é o teor acima exposto relativo ao facto provado n.º 6.

Face a ele, resulta que o Recorrido se apropriou da indicada quantia que era de ambos.

Por conseguinte, deve restituí-la para ser partilhada, procedendo nesta parte o recurso, o que implica que se acrescente na relação de bens uma verba com este teor:

«Crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal no montante de €15.138,30.»

4 -  Por fim, cumpre verificar se deve ser aditada à relação de bens uma verba    com a quantia €1.500,00, como crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal.

Nesta parte o recurso improcede porquanto não resultaram provados os respetivos factos.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e determina-se:

1 – A subtração da quantia de €14.417,00 à verba n.º 1 da relação de bens.

2 – A inclusão na relação de bens de uma verba com este teor: «Crédito do património comum sobre o cabeça-de-casal no montante de €15.138,30.»

3 - A improcedência do recurso quanto ao resto.

Custas na proporção de 78% pelo Recorrido e de 22% pela Recorrente.

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Coimbra, ...