ACIDENTE DE VIAÇÃO.
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO.
CULPAS CONCORRENTES.
RESPONSABILIDADE PELO RISCO
Sumário

I- O artigo 3º, 3 do CPC não obriga que o Senhor Juiz informe as partes previamente à decisão, dos argumentos que vai utilizar na decisão sobre a matéria de facto.
II- Montante da indemnização por danos patrimoniais e morais, decorrentes de acidente de viação.
III- Custo de parqueamento do veículo e perdas por não uso do veículo.
IV- Danos resultantes de dupla colisão entre veículos.
V- Responsabilidade civil pelo risco, concorrência de culpas e respectivo grau.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

i)-

Em 18 de Setembro de 2021 veio AA, casado, residente na Rua ..., ..., intentar a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, demandando A..., COMPANHIA DE SEGUROS, SA., com sede na Rua ..., ..., pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização pelos danos sofridos, na quantia total de € 23.990,91 (vinte e três mil, novecentos e noventa euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora legais, contados desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento, bem como a sua condenação como litigante de má fé.
O valor global da indemnização reclamada pelo Autor corresponde, a título de danos patrimoniais, às quantias de €2.250,27 (dois mil duzentos e cinquenta euros e vinte e sete cêntimo) e de € 711,41 (setecentos e onze euros e quarenta e um cêntimos), respectivamente, para reparação do veículo e substituição de componentes, e a título de danos emergentes à quantia global de € 19.699,23 (dezanove mil, seiscentos e noventa e nove euros e vinte e três cêntimos), bem como a título de danos não patrimoniais, à quantia de €1.330,00 (mil e trezentos e trinta euros), bem como no valor de realização da inspecção obrigatória, a liquidar.

Para tal e em síntese alega: no dia 20-10-2019, pelas 16h15 a EN ...7, Km 66,700 perto do Cruzamento para ..., freguesia ..., concelho ..., ocorreu um acidente entre o veículo de que é proprietário e que naquela data era conduzido pela filha de matrícula ..-..-TJ e o veículo de matrícula ..-..-ES tendo este embatido duas vezes na traseira, por não ter respeitado a distância de segurança entre veículos.
Junta procuração e documentos.

A Ré foi citada, contestou, concluindo pela improcedência da acção.
Juntou procuração e documentos.

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Foi dispensada a audiência prévia; foi fixado o valor da acção; o processo foi saneado; foi identificado o objecto do litígio; foram enunciados os temas da prova, sem reclamações.

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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com gravação dos trabalhos.

Foi realizada inspecção ao local, tendo, designadamente juntos documentos fotográficos a preto-e-branco relativos ao local do sinistro – cfr. fls. 110 verso a 116 verso.

ii)-

Com a ref. citius 88079979 e em 10 de Maio de 2022 lavrou-se douta sentença.

Nela deu-se como provado o seguinte complexo de factos:

1. O Autor é proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Renault, modelo ... e matrícula ..-..-TJ (de ora em diante identificado pela matrícula ..-..-TJ), segurado na Companhia de Seguros B..., portador da apólice n.º ...02, válida até 02.05.2020.
2. O veículo ligeiro de passageiros, de marca Seat, modelo ..., de matricula ..-..-ES (de ora em diante identificado pela matrícula ..-..-ES), é propriedade de BB, segurado na A... S.A., com a apólice n.º ...56 válida até 27.01.2020.
3. O veículo de matrícula ..-..-ED, de marca Mercedes Benz (de ora em diante identificado por ..-..-ED), propriedade de CC era, à data dos factos, conduzido por DD, segurado na Companhia de Seguros C..., com a Apólice no ...75.
4. No dia 20-10-2019, pelas 16:15h na EN ...7, Km 66,700, no sentido ..., perto do Cruzamento para ..., freguesia ..., concelho ..., o veículo ..-..-TJ era conduzido, com consentimento do Autor, pela sua filha EE.
5. Antes do cruzamento para ..., no sentido ... existe uma curva com menos de 50m de visibilidade em toda a extensão da faixa, seguindo-se uma recta com pendente descendente e nova curva à esquerda, sendo a partir daquele cruzamento a velocidade máxima permitida de 70Km/h.
6. Nesse local e contemporâneo à circulação do veículo ..-..-TJ encontravam-se a circular, no mesmo sentido ..., o veículo com matrícula ..-..-ES, conduzido pelo FF, e o veículo com matrícula ..-..-ED, conduzido por DD, bem como ainda se encontrava o veículo de marca Ford Focus branco, conduzido por GG.
7. No momento em que o veículo ..-..-TJ se encontrava a passar junto do cruzamento e após terminada a curva, o veículo que circulava à sua frente e que era conduzido por GG deslocou-se de forma abrupta para a berma por ter um pneu furado.
8. A circular, no mesmo sentido e atrás do veículo ..-..-TJ, circulava o veículo ..-..-ED e atrás deste o veículo ..-..-ES.
9. O veículo ..-..-ES quando desfaz a curva que antecede o cruzamento para ..., no sentido de marcha dos veículos, é surpreendido pela presença do veículo ..-..-ED imobilizado na hemi-faixa com as luzes de travão accionados, acto imediato, accionou o travão do seu veículo, contudo este perde tracção e acaba por embater na traseira do veículo ..-..-ED.
10. Na sequência do embate e sem ter possibilidade de controlar o veículo por se encontrar com a direcção bloqueada e seguido no sentido da pendente existente (...), o veículo continuou a mover-se passando pelo veículo ..-..-ED e acabou ficar imobilizado na hemi-faixa atrás do veículo ..-..-TJ, após ter embatido na traseira deste, e à frente do veículo conduzido por GG, imobilizado na berma.
11. O veículo do ..-..-TJ foi atingido na parte traseira, tendo o primeiro embate decorrido do impacto provocado pelo veículo ..-..-ED e que ocorre antes do impacto provocado pelo veículo ..-..-ES neste último.
12. O veículo ..-..-ED, na sequência do embate com o veículo ..-..-TJ ficou com danos na sua frente, cujo valor de reparação em peritagem se fixou em € 741,42 (setecentos e quarenta e um euros e quarenta e dois cêntimos), nomeadamente:
a. pára-choques;
b. grelha do radiador;
c. capot;
d. pintura.
13. Em 22-10-2019, o Autor participou o acidente à Ré.
14. Em 25-10-2019, a Ré procedeu à peritagem ao veículo ..-..-TJ, cujo relatório se dá aqui por reproduzido:
14. Na sequência dos embates sofridos, o veículo ..-..-TJ apresenta as seguintes patologias descritas no relatório de peritagem que aqui se dá por reproduzidas, cujo valor de reparação ascende a € 2.250,27 (já com IVA incluído).
15. O veículo ..-..-TJ não está em condições de poder circular legalmente na via pública.
16. Desde a data do acidente que o veículo ..-..-TJ se encontra parado e depositado, na oficina «D..., Lda.», sita na Zona Industrial ..., para onde foi levado no dia do sinistro, pelo próprio Autor.
17. A Ré, por carta datada de 29-10-2019, deu conhecimento ao Autor, quer do orçamento para reparar, quer da averiguação do acidente, a fim de tomar posição quanto à sua responsabilidade.
18. Em 06-12-2019, remete carta ao Autor, assinada pelos mesmos funcionários, informando-o do estado do procedimento de regularização do acidente.
19. Por carta de 27-02-2020, a Ré informou o Autor de que não assumia a responsabilidade.
20. A Ré, após comunicar que não assumiu a responsabilidade, encaminhou a participação do Autor à companhia de seguros C..., seguradora do veículo, tendo esta comunicado ao Autor, em carta datada de 10-08-2020, que entendia não ser o veículo ..-..4-ES responsável pelos danos.
21. Na sequência duma reclamação do ora Autor, a Ré, por carta de 30-04 2020, esclareceu o fundamento da sua declinação da responsabilidade.
22. A viatura ..-..-TJ precisa de substituir os 4 pneus ressequidos, as escovas do
limpa-para-brisas ressequidas, a bateria completamente descarregada, óleo, filtros do combustível, do ar, do habitáculo e do óleo, bem como a limpeza interior e exterior do mesmo num valor total orçamentado de €711,41 (já com IVA incluído);
23. A oficina onde se encontra o veículo ..-..-TJ apresentou orçamento, por solicitação do Autor, em nome da Ré no valor de € 4 339,44 (quatro mil, trezentos e trinta e nove euros e quarenta e quatro euros) referente ao parqueamento.
24. O valor do IUC dos anos de 2020 e 2021, no valor de €43,27 por ano, num total de €86,54 (oitenta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos).
25. O Autor pagou o prémio do seguro em 2019, sendo o valor de €105,90 (cento e cinco euros e noventa cêntimos) correspondente ao período de 20-10-2019 até ao seu vencimento em 02-05-2020.
26. O seguro vencido nos anos de 2020 e 2021 tinha o valor de € 205,40 e no valor de € 199,54, respectivamente, num total de €404,94.
27. O Autor pagou o valor de €117,41 (cento e dezassete euros e quarenta cêntimos) para a obtenção da cópia do Auto de participação do acidente.
28. O veículo ..-..-TJ ainda não foi objecto de inspecção obrigatória.
29. O Autor sofreu e continuar a sofrer, diariamente, a angústia de não ver o seu carro reparado, bem como o de assistir a toda a passividade da Ré como se nada tivesse acontecido.
30. O Autor tinha dispensado o veículo ..-..-TJ à sua filha, EE, condutora habitual do veículo, para que o usasse nas suas deslocações pessoais e profissionais, que semanalmente faz entre ... e ... e vice-versa.
31. Uma vez que o veículo ainda não foi reparado e se encontra na oficina,
EE teve de recorrer à utilização de meios alternativos de transportes alterando a sua rotina diária e despendendo mais tempo nas viagens, passando a deslocar-se de autocarro ou comboio, sendo o Autor quem a vai buscar à Estação de comboios de ... ou a ..., estações estas as mais próximas de ..., e, em ..., passou a andar de táxi ou de transporte VDE;
32. Em finais de Junho 2020, a filha comprou um veículo de marca ... por indicação do Autor, tendo este contribuído com o valor de €6.000,00, (seis mil euros) correspondente a 60 mensalidades, no valor mensal de €100,00, pelo contrato de locação financeira celebrado.
33. Em 27-09-2021, a Ré foi citada da presente acção.

Nela deu-se como não provado que:

1. O veículo ..-..-TJ foi embatido, por duas vezes consecutivas, com dois toques na traseira, pelo veículo ..-..-ES, o qual circulava no mesmo sentido e atrás do veículo do Autor.
2. O veículo ..-..-ES interveniente e que provocou os danos no veículo ..-..-TJ, descontrolou-se, após se ter, abruptamente, deslocado para a berma da estrada, quando seguia a sua marcha.
3. Após o embate do veículo ..-..-ES na traseira do veículo do Autor, aquele mesmo foi, por sua vez, embatido pelo veículo ..-..-ED, que seguia na mesma direcção, daquele.
4. Os embates descritos no número anterior aconteceram por motivos alheios ao conhecimento da condutora veículos ..-..-TJ, a não ser o facto de aqueles condutores dos veículos ..-..-ES e ..-..-ED, não terem, com certeza, respeitado quer a distância necessária entre si, quer ainda, o veículo ..-..-ES, a distância necessária do veículo do aqui Autor, quer a velocidade a que aqueles seguiam.
5. A condutora do veículo ..-..-TJ seguia a uma velocidade reduzida, mas constante e sem paragens, atendendo, exactamente, ao facto de se tratar de uma estrada com muito movimento e sinuosa.
6. A condução por parte do veículo ..-..-ES foi de tal forma imprudente, descuidada e desgovernada, que teve como resultado o embate.
7. Em função dos actos da Ré, o Autor é hoje uma pessoa mais reactiva, desconfiada, ansiosa e céptica, já que viu frustradas todas as expectativas de resolução do sinistro de forma célere, de forma a poder prosseguir com a sua vida e sem prejudicar a família, sem ter que adquirir outra viatura e sem ter que recorrer a tribunal.
8. O veículo ..-..-TJ era, ainda, utilizado (pelo menos, nos dias em que a sua filha estava em ...), pelo filho do Autor, estudante de Medicina em ... e, também, pela sua esposa, professora, sendo, assim, necessário ter sempre um outro veículo disponível para as deslocações de todos aqueles.
9. Por não estar disponível o veículo ..-..-TJ o filho do Autor, pelo menos uma vez por mês, passou a ter que se deslocar, também, de comboio entre ... e ... (onde o Autor o ia buscar) e vice-versa;
10. O veículo era, ainda, utilizado em deslocações para consultas médicas, e, também, em férias e passeios de lazer, por todos os membros do agregado familiar do Autor, e que tiveram de ser alterados e adequados aos interesses dos quatro elementos da família.

*

Aplicado o direito aos factos, atentos os pedidos, foi a acção julgada a final parcialmente procedente e por via disso se
- condenou a ré A..., S.A. a pagar ao autor AA o montante de € 1 925,09 (mil, novecentos e vinte cinco euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% (ou outra que entre em vigor) a contar desde a data de citação até efectivo e integral pagamento que, em 10-05-2022, € 47,47 (quarenta e sete euros e cêntimos), o que perfaz o total de € 1 972,56 (mil, novecentos e setenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos);
- absolveu a ré A..., S.A. do demais peticionado pelo autor, incluindo do pedido de condenação como litigante de má fé.

As custas ficaram pelo Autor em 91,98% e pela Ré em 8,02%.

iii)-

Inconformado recorre o Autor, recurso de apelação que subiu imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O Apelante apresenta as seguintes conclusões:

1- O recorrente entende que a douta sentença recorrida enferma de lapso ou erro de julgamento que, a confirmar-se, tornará a condenação líquida a pagar pela Ré ao Autor em valor superior;
2- O recurso tem por objecto a douta decisão de 1.ª instância que pôs termo à causa na parte em que (i) absolveu a recorrida do pagamento ao recorrente a título de indemnização pelos danos sofridos da quantia pedida na P.I. num total de €23.990,91 (vinte e três mil, novecentos e noventa euros e noventa e um cêntimos), correspondente à seguinte descriminação: (II) A título de danos patrimoniais as quantias de €2.250,27 (dois mil duzentos e cinquenta euros e vinte e sete cêntimo e de €711,41 (setecentos e onze euros e quarenta e um cêntimos), respectivamente, para reparação do veículo; (iii) A titulo de danos emergentes a quantia global de €19.699,23 (dezanove mil, seiscentos e noventa e nove euros e vinte e três cêntimos); (iv) A titulo de danos não patrimoniais, a quantia de €1.330,00 (mil e trezentos e trinta euros); (v) acrescidas tais quantias de juros de mora legais, contados desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento; (vi) Ao pagamento da Inspecção, cujo valor se desconhece e que será apurado em liquidação de sentença; (vii) A titulo de litigante de má-fé, caso venha a ser condenado, a quantia a arbitrar; (viii) Caso assim se não entenda, e, sem prescindir o A. ser indemnizado de acordo com as regras da equidade e da experiência comum, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais nos termos expostos da P.I.., devendo tais quantias ser acrescidas de juros de mora legais, contados desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento.
3- Nos termos da douta sentença de que se recorre, a recorrida foi condenada a pagar ao recorrente apenas a quantia de €1.925,09 (mil, novecentos e vinte cinco euros e nove cêntimos), sendo 35% do valor peticionado, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% (ou outra que entre em vigor) a contar desde a data de citação até efectivo e integral pagamento que, em 10-05-2022, € 47,47 (quarenta e sete euros e cêntimos), o que perfaz o total de € 1 972,56 (mil, novecentos setenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos), tendo sido absolvida de tudo o demais peticionado pelo recorrente e em consequência tendo sido este e a recorrida condenados em custas na proporção do respectivo decaimento, que se fixou em 91,98% e 8,02%, respectivamente;
4- Incide sobre matéria de facto e matéria de direito.
5- O desacerto da sentença prende-se com a circunstância de não terem sido considerados todos os danos que são dados como provados na esfera da recorrente.
6- O Presente Recurso tem como objecto: (i) A impugnação da matéria de facto e de direito; (II) A Falta de fundamentação quanto aos factos dados como provados e não provados; (iii) A Existência de manifesto erro de julgamento por terem sido dados como provados factos que obtiveram prova em sentido diverso, assim como factos não provados, até porque os meios probatórios existentes nos Autos, bem como a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de julgamento, impunham decisão diversa; (iv) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. (v) O facto de existir contradição entre matéria de facto dada como provada e não provada e a decisão final, contraditória com a prova produzida, tendo o tribunal “a quo” valorado de modo flagrantemente deficiente a prova produzida, considerando até, simultaneamente provados e não provados os mesmos factos e factos contraditórios, o que causa a nulidade da Sentença nos termos do artº 615 nº 1 alínea c) do CPC. (vi) Por ter havido uma incorrecta interpretação e aplicação das disposições e princípios legais do Código Civil.
(vii) Da responsabilidade da Ré e o critério/método utilizado para atribuir a esta uma contribuição de 35% pelo risco do veículo ..-..-ES (o veículo que embateu no do Autor) para os dados sofridos pelo Autor, nos termos do Artº 506º nº 1 do CC; (vii) Dos danos e da privação de uso. (viii) O facto de o MMº Juiz a quo ter construído uma versão diferente da ocorrência do acidente, utilizando a Lei de Newton para justificar a mesma;
7- Dão-se como provados factos sobre os danos tidos pelo Autor sem que depois aos mesmos tenha sido dado qualquer relevância para o apuramento da indemnização a pagar pela Ré e sem que tenha sido indicado ou devidamente fundamentado o método que levou ao apuramento de 35% de responsabilidade por parte da Ré sem que fundamente de quem é a culpa dos restantes 65%.
8- O facto 5. dado como provado deve ser alterado e passar a ter a seguinte redacção: ”Antes do cruzamento para ..., no sentido ... a estrada encontra-se em forma recta com boa visibilidade e que antecede a curva à direita que tem menos de 50m de visibilidade em toda a extensão da faixa, seguindo-se uma pequena recta onde se situa à esquerda um cruzamento para ..., tudo em pendente descendente com traço continuo e sinais verticais de proibição de ultrapassagem e de curva contra-curva à esquerda, sendo que antes da chegada à curva que antecede o cruzamento para ... a velocidade máxima assinalada verticalmente e permitida é de 70Km/h, com proibição de ultrapassagem.”
9- Os factos dados como provados e constantes da sentença sob os nºs 8., 9., 10., 11. e 12., devem os quatro primeiro ser alterados e o quinto eliminado, sendo os mesmos determinantes para a solução de Direito a dar ao presente pleito, passando a ter a seguinte redacção:
- 4.1.8. A circular, no mesmo sentido e atrás do veículo ..-..-TJ, circulava o veículo ..-..-ES e atrás deste o veiculo ..-..-ED .
- 4.1.9. O veículo ..-..-ES quando desfaz a curva à direita que antecede o cruzamento para ..., no sentido de marcha dos veículos, é surpreendido pela presença do veículo ..-..-ED imobilizado na hemi-faixa com as luzes de travão accionados, e, sem conseguir travar atempadamente nele embate na sua traseira, ultrapassa este pela esquerda e tomando, novamente a faixa á direita acaba por embater na traseira do veículo ..-..-TJ.
- 4.1.10. Na sequência do embate o veículo ..-..-ES continuou a mover-se saindo fora da sua faixa, passando o veiculo onde embateu ( ..-..-ED ) e acabou imobilizado na hemi-faixa atrás do veículo ..-..-TJ, após ter embatido na traseira deste e já à frente do veículo conduzido por GG, que estava imobilizado na berma.
10- - 4.1.11. O veículo ..-..-TJ foi embatido na parte traseira por duas vezes consecutivas, com dois toques na traseira, pelo veículo ..-..-ES.
11- - 4.1.12. deve ser eliminado, porquanto nos presentes autos para além do veículo ..-..-ED não ter embatido no veículo ..-..-TJ, também, não estava aqui em causa os danos por ele sofridos.
12- Os factos dados como não provados, terão que ser dados como provados e acrescer aos provados, com a redacção que se segue:
- 4.2.1. - ser eliminado, porque está inserido na redacção do 4.1.11, acima transcrita,
- 4.2.2. O veículo ..-..-ES interveniente e que provocou os danos no veículo ..-..-TJ, embateu na traseira daquela quando já se encontrava a circular na sua faixa de rodagem.
- 4.2.3. O veículo ..-..-ES que embateu na traseira do veículo do Autor, o veículo ..-..-TJ, tinha primeiramente batido na traseira do veículo ..-..-ED e tendo a Ré assumido a responsabilidade do embate e pago ao proprietário do veículo, o pai do condutor, o valor de 2. 800€.
- 4.2.4. Os embates descritos no número anterior aconteceram por motivos alheios ao conhecimento da condutora do veículo ..-..-TJ, a não ser o facto de aqueles condutores dos veículos ..-..-ES e ..-..-ED, não terem, com certeza, respeitado quer a distâncianecessária entre si, quer ainda, o veículo ..-..-ES, a distância necessária do veículo do aqui Autor, quer a velocidade a que aqueles seguiam.
- 4.2.6. A condução por parte do veículo ..-..-ES foi de tal forma imprudente, descuidada e desgovernada, que teve como resultado o embate quer no veículo ..-..-ES quer depois no veículo ..-..-TJ que tem precisamente e como únicas cores bem visíveis do embate sofrido a cor preta do veículo ..-..-ES e não qualquer outra.
13- Dá-se como provados factos que depois na motivação se altera a sua interpretação construindo uma versão do acidente completamente diferente e utilizando para a construção dessa versão a terceira Lei de Newton, introduzindo um facto novo sem que as partes sobre tal lei se pudessem pronunciar;
14- Não é dada qualquer relevância aos factos dados como provados 4.1.22, 4.1.23, 4.1.29 e 4.1.32 e que dizem respeito aos danos tidos no veículo pelo A., quer pela paragem desde há cerca de 3 anos na oficina, (4.1.22), quer do parqueamento de há 3 anos na oficina (4.1.23), quer dos danos não patrimoniais sofridos pelo A. ao longo de todo este processo em que o veículo se encontra por reparar (4.1.29), quer pelo facto de ter dispendido um valor mensal de 100,00€ para pagamento de uma mensalidade do carro adquirido por sua filha, fruto da paragem forçada da viatura embatida e por reparar ..-..-TJ;
15- O Tribunal a quo acabou por aplicar a percentagem de 35% (percentagem de responsabilidade da recorrida pelo risco) a uma parte apenas do dano total;
16- Não existindo qualquer razão substantiva que permita justificar a omissão no tratamento da parte dos danos que não provados mas não foram tidos em linha de conta no apuramento final;
17- A presente acção foi intentada com base na responsabilidade civil extracontratual pela culpa e cuja responsabilidade foi transferida para a Ré pelo proprietário do veículo ..-..-ES;
18- Não existe nexo de causalidade entre a conduta da condutora do veículo lesado do A. ao prosseguir a sua marcha e o facto de o seu veículo ter sido embatido na traseira pelo veículo ..-..- ES e que foi o que provocou o acidente.
19- O Mmº Juiz a quo entendeu que tal responsabilidade era pelo risco, sem deixar que o A. se pronunciasse sobre tal questão;
20- Resulta da prova produzida e apurada que a responsabilidade civil devi ser calculada pela culpa, já que o A., o lesado, em nada concorreu para o acidente;
21- O acidente ocorreu devido aos riscos próprios do veículo ..-..-ES, aliado à falta de prudência do condutor daquele, que após um embate num outro veículo, sai da sua faixa de rodagem (anda pela esquerda) e ao tomar a faixa da direita embate na traseira do veículo conduzido pela filha do A.
22- Facto este que não pode ser justificado pela Lei de Newton como o MMº Juiz a quo faz e muito menos sem que o A. se pudesse pronunciar;
23- Estamos perante uma situação de culpa provada imputável ao comportamento tido pelo condutor do veículo ..-..-ES o que implica decisão no sentido da responsabilização pela totalidade dos danos que foram provocados no Autor lesado (artº 483º do CC)
24- O ónus da prova quanto à verificação das circunstâncias de condução integra a esfera jurídica da recorrida (v. art. 342º, 2 do CCiv).
25- A impugnação é ainda suportada pelo depoimento das seguintes testemunhas, cujos depoimentos se transcrevem quanto às passagens relevantes e com as especificações legalmente exigíveis:
- Depoimento prestado pelo Sr. Agente da GNR HH: Veja-se a gravação do dia 21.02.2022, com início às 10:55:01 e fim às 11:09:17, (…);
- EE: Veja-se a gravação do dia 21.02.2022, com início às 11:09:18 e fim às 12:01:36, (…);
- FF, condutor do veículo Seat Ibiza ..-..-ES que embateu na traseira do Autor - Veja-se a gravação do dia 21.02.2022, com início às 12:01:37 e fim às 12:33:31, (…); de DD, no depoimento prestado com inicio em 14:04:18 a 14:33:35, (…); de II, com inicio a 14:33:37 e fim a 14:56:00, (…);
26- A impugnação é ainda suportada PELOS DOCUMENTOS JUNTOS COM A p.i., NOMEADAMENTE O AUTO DE PARTICIPAÇÃO E FOTOS.

Pretende a revogação da sentença recorrida.

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Contra-motiva a Ré Seguradora expondo deste modo:

1 - Em primeiro lugar a A... S.A., ora recorrida, consigna que, sempre, contrata e litiga de boa-fé. Aliás, nos presentes autos isso mesmo foi apreciado e decidido pelo tribunal a quo.
2 - Em segundo lugar, independentemente do teor das participações feitas pelos seus segurados e terceiros, a A..., ora Recorrida, tem a obrigação de averiguar como os sinistros terão ocorrido e avaliar os danos que os mesmos produziram.
3 - O pagamento de eventuais indemnizações só pode ser assumido pela Ré na medida em que resulte provada da referida averiguação a responsabilidade dos seus segurados na produção dos danos.
4 - No âmbito do acidente de viação ora ajuizado, a averiguação concluiu que o segurado da A... não era responsável pelos danos eventualmente sofridos pelo Recorrente.
5 - A Recorrida repudia, veemente, a linguagem utilizada pelo Autor, ao longo de todo este processo – quer na fase de regularização extra-judicial do sinistro, quer no presente processo judicial –, pretendendo impor, sem fundamento, a sua versão dos factos, de modo a obter uma indemnização que não é justa, nem lhe é devida.
6 - Nas alegações e conclusões do recurso a que se responde, na ausência de fundamentos sérios e credíveis para a alteração da decisão em sentido que lhe seja mais favorável, faz repetidas insinuações – desprovidas de fundamento e ofensivas para a Justiça, o Tribunal e a ora Recorrida – no sentido de o Meritíssimo Juiz a quo ter tentado “impor uma versão dos factos”, “inventa uma colisão do veiculo 3”, ou haver “uma completa sintonia entre as perguntas feitas pelo MMº Juiz a quo e pela ilustre mandataria da Ré”.
Ora,
7 - Ao Recorrente não assiste razão, desde logo, porque a decisão proferida não se limita a acolher a versão do acidente trazida a estes autos pela Ré/Recorrente sendo, antes, resultado da extensa prova produzida nos autos.

QUANTO À ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

8 - A alteração que o Recorrente pretende, relativamente ao ponto 4.1.5, carece de fundamento porquanto não resulta da prova produzida nos autos e, em alguns segmentos, é contrária à mesma.
9 - As imagens constantes do presente recurso, sejam “retiradas do Google Maps”, sejam “fotos da estrada”, não foram antes juntas aos autos, nem sujeitas ao contraditório, nem permitem tirar as conclusões pretendidas pelo Recorrente.
10 - Assim, como tal, não poderão ser apreciadas. Quod non est in actis, non est in mundo.
11 - E basta atentarmos na fotografia número 10, constante da Acta de inspecção ao local para, objectivamente, verificarmos que atendo o sentido ..., a sinalização que impõe um limite de velocidade de 70 Km/hora está colocada após o cruzamento para ... e não antes.
12 - Relativamente à sinalização vertical de “proibição de ultrapassagem”, a Recorrida desconhece onde a mesma se encontra porquanto não foi visualizada em sede de inspecção judicial.
13 - Porém, tendo em conta que não foi alegado nos autos, nem resultou da prova, que algum dos veículos intervenientes no acidente tenha efectuado ou tentado efectuar qualquer manobra de ultrapassagem, tal sinalização é, de todo, inócua para a decisão a proferir.
14 - Relativamente ao concreto local da colisão, resultou da inspecção judicial um desacordo quanto ao local onde se imobilizaram os veículos intervenientes face ao assinalado pelo guarda participante e pelos condutores envolvidos no acidente.
15 - Esta realidade está plasmada na Acta da referida diligência, nomeadamente nas legendas às fotografias n.º 3, 4, 7, 8 e 11.
16 - É totalmente falso que o Meritíssimo Juiz a quo tenha, em sede de inspecção, pretendido fazer uma localização dos veículos, no local do acidente, diferente da que consta do croqui.
17 - Como bem resulta da acta desta diligência, o Juiz a quo limitou-se a questionar, quer ao Guarda Participante, quer aos três condutores presentes, para que identificassem o local onde cada um dos veículos ficou imobilizado.
18 - O Guarda Participante afirmou que a identificação que fazia naquele lugar estava de acordo com o croqui da participação de acidente, embora este desenho não estivesse à escala e no local não estivessem os veículos para confirmar o “terceiro ponto” das suas medições.
19 - A verdade é que tal identificação não foi coincidente, nomeadamente com a identificação feita pela condutora do veículo do Autor – mas tal diferença não pode ser da responsabilidade do Tribunal que até teve o cuidado de anotar diversas fotografias identificando a posição indicada por cada uma das testemunhas.
20 - Quanto ao ponto exacto da colisão, nenhuma testemunha o conseguiu identificar.
21 - Não se entende, por isso, com que fundamento o Recorrente fala de omissão de pronúncia quanto “ao concreto local da colisão”.
22 - A decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto constante nos pontos 4.18.8, 4.1.9, 4.1.10, 4.1.11 e 4.1.12 também não merece qualquer censura, uma vez que está de acordo com os depoimentos que, de forma isenta e credível, foram prestados em audiência e é consentânea com as regras da experiência e os basilares princípios e leis da física – a que o tribunal não pode deixar de atender quando é chamado a decidir quanto ao modo como ocorre um acidente de viação.
23 - A alteração pretendida pelo Recorrente centra-se, essencialmente, no depoimento prestado pela testemunha EE – filha do Autor e condutora do veículo TJ – o qual, além das incongruências que apresentou (salientadas na decisão recorrida), é contrariado, nomeadamente, pelo testemunho de GG.
24 - Não se pode descurar que o recurso não visa a reapreciação do julgamento à luz da interpretação eleita pelo recorrente, atentos os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
25 - Com efeito, ao recorrente não é lícito, a coberto do inconformismo com a decisão proferida em primeira instância, obter novo julgamento, junto do tribunal superior, impondo a sua interpretação dos factos e da prova produzida.
26 - O que o recurso visa é a sindicância da bondade do decidido, lutando contra decisões arbitrárias, desagregadas de qualquer correspondência com a prova produzida, à luz das regras norteadoras da prova – realidade que não se verifica nos presentes autos.
27 - Porém, este Venerando Tribunal só estará em condições de concluir pela bondade da decisão recorrida se tiver oportunidade de ouvir e analisar, pormenorizadamente, a integralidade dos depoimentos prestados, na sessão de julgamento realizada no dia 21 de Fevereiro 2022, não só por EE mas também por FF, DD, II e GG.
28 - Da conjugação destes depoimentos é inquestionável que:
- Atrás do veículo ..-..-TJ, circulava o veículo ..-..-ED (Mercedes Benz) e atrás deste o veículo ..-..-ES (Seat Ibiza);
- O veículo ..-..-ES quando desfaz a curva que antecede o cruzamento para ..., no sentido de marcha dos veículos, foi surpreendido pela presença do veículo ..-..-ED imobilizado na hemi-faixa com as luzes de travão accionadas;
- De imediato, o condutor da ES accionou o travão do seu veículo, contudo, perde
tracção e acaba por embater na traseira do veículo ..-..-ED.
- Na sequência do embate, perde o domínio sobre o veículo (cuja direcção sentiu bloqueada), o qual continuou a mover-se passando pelo veículo ..-..-ED e acabando imobilizado na hemi-faixa atrás do veículo ..-..-TJ, após ter embatido na traseira deste;
- Imediatamente após a ocorrência do acidente:
- O veículo TJ – propriedade do Autor – apresentava danos na sua traseira;
- O veículo ES – Seat Ibiza - conduzido pelo FF, apresentava danos apenas na sua frente;
- O veículo ED – Mercedes Benz – apresentava danos na parte frontal e também na traseira;
29 - O condutor deste veículo ED – DD –, como bem analisou o tribunal a quo, prestou um depoimento comprometido, marcado por uma memória selectiva, sempre preocupado em não se recordar de qualquer facto que pudesse levar à imputação de responsabilidades sobre si mesmo, na ocorrência deste acidente.
30 - Esta testemunha confirmou a localização dos danos no veículo que conduzia, nomeadamente na parte frontal, mas não foi capaz de identificar o objecto/veiculo em cujo embate os terá originado.
31 - Por ser muito relevante para a apreciação do recurso, transcrevemos aqui parte deste depoimento desta testemunha (DD), gravado na sessão de julgamento de 21 Fevereiro 2022 (14:04:18 – 14:33:35 – Ficheiro (…):
“ (…)
00:11:35 MERITÍSSIMO JUIZ: Então o que é que se lembra, o que é que se recorda?
00:11:36 DD: Nós vínhamos sentido ..., neste caso para a ..., ... para ser preciso e eu recordo-me que vi um carro, que ia um carro à minha frente e que, que o vi travar e que ele parou no meio da estrada e que eu parei também. Mas nem tive tempo de ligar os quatro piscas e depois só senti o embate na traseira e depois fui projectado contra um carro que estava à frente, porque o meu banco do meu carro partiu e eu fiquei e eu lembro-me de acordar olhar para, para o teto. Eu saí, saí do carro e, e estava lá uma se… um senhor que é aquele que estava a dizer que ia mudar o pneu e disse que no carro onde eu tinha embatido, que fugiu. Pronto, e depois… pronto e depois eu lembro-me de ver o carro do FF à minha frente, ver, ver o tal Renault. Pronto e depois veio a polícia, veio os bombeiros, eu fui para ..., chamei o meu pai, como ele era o dono do carro.
00:12:33 MERITÍSSIMO JUIZ: Para ir lá, prossiga, sim.
00:12:34 MANDATÁRIA DA RÉ: Senhor DD, portanto, o senhor viu um carro travar à frente…
00:12:37 DD: Sim.
00:12:38 MANDATÁRIA DA RÉ: E travou também?
00:12:40 DD: Sim.
00:12:41 MANDATÁRIA DA RÉ: Sabe que carro era esse?
00:12:43 DD: Não…
00:12:45 MANDATÁRIA DA RÉ: Consegue-nos dar algum elemento?
00:12:47 DD: Não lhe consigo ser preciso porque, porque já na altura do, quando eu fui contactado por esses tais senhores, que eram da A..., eles também insistiram comigo. Eu não me recordo, porque não me adianta…
00:13:00 MANDATÁRIA DA RÉ: Não se recorda. Olhe, ó senhor DD, mas diga-me um, uma coisa, esse carro já vinha a circular à sua frente?
00:13:04 DD: Já.
00:13:06 MANDATÁRIA DA RÉ: Já circulava?
00:13:08 DD: Sim.
00:13:10 MANDATÁRIA DA RÉ: E nesse… e há quanto tempo é que ele circulava à frente dele, à sua frente melhor dizendo?
00:13:16 DD: Sei lá…
00:13:20 MANDATÁRIA DA RÉ: Não sabe há quanto tempo?
00:13:22 DD: Não. Não sei há quanto tempo.
00:13:23 MANDATÁRIA DA RÉ: É que, é estranho vir um carro à nossa frente e nós não termos memória de coisa alguma, nem da cor, nem de, de nada.
00:13:38 DD: Se calhar, pá, não me lembro mesmo.
(…)
00:14:01 MERITÍSSIMO JUIZ: Sim (imperceptível). Eu faço por aqui. Melhor assim, não é? (imperceptível) de facto. Recorda-se de ter visto esta traseira deste carro?
00:14:11 DD: Essa traseira eu recordo-me depois quando saí do carro e vi o FF encostado a esse carro.
00:14:15 MERITÍSSIMO JUIZ: O que eu estou a perguntar é, aquilo que a senhora doutora está-lhe a perguntar é, estava a conduzir, nós estivemos no local. Antes da, da, da primeira curva à direita e da contracurva, naquele espaço entre aquelas duas curvas em que ocorreu o acidente…
00:14:31 DD: Hum?
00:14:32 MERITÍSSIMO JUIZ: Há uma pequena recta e, portanto, estavam a cir… estava a circular…
00:14:34 DD: Sim.
00:14:35 MERITÍSSIMO JUIZ: Não se recorda nessa altura quem é que era o carro que ia à sua frente, qual era a cor?
00:14:38 DD: Não.
00:14:39 MERITÍSSIMO JUIZ: Se ia um, dois carros? Também não, então não sabe-me dizer se era este carro, se não era este carro?
00:14:41 DD: Não. Eu tenho…
00:14:43 MERITÍSSIMO JUIZ: Só se recorda de ver este carro já depois do acidente, é isso?
00:14:45 DD: Sim. Porque, porque, eu lembro-me na altura de, de, de, de, de até terem, o, lá da A... ter posto em causa que eu estivesse…
00:14:52 MERITÍSSIMO JUIZ: Mas ó, ó senhor…
00:14:55 DD: …batido no…
00:14:56 MERITÍSSIMO JUIZ: DD, o, o…
00:14:57 DD: …nesse carro.
00:14:59 MERITÍSSIMO JUIZ: Agora, agora peço que se concentre, já disse no fundo o contexto, aquilo que (imperceptível) da A.... Aquilo que a A... pensa ou deixa de pensar, neste momento é absolutamente irrelevante. O que importa aqui é o tribunal apreciar o que é que aconteceu. Daquilo que é a sua memória, daquilo que é o seu conhecimento do que foi percepcionado. Aquilo que são juízos que outras pessoas fizeram sobre aquilo, declarações que prestou em tempos, para o tribunal não interessa. O que interessa é aquilo que nos está a dizer agora e aquilo que se lembra ou não se lembra, está bem?
00:15:28 DD: Sim.
00:15:30 MERITÍSSIMO JUIZ: Portanto, esqueça lá essa parte da A.... Diga lá?
00:15:32 DD: Não me recordo de ver esse carro à minha frente.
00:15:33 MERITÍSSIMO JUIZ: Pronto.
00:15:35 DD: Só, só…
00:15:37 MERITÍSSIMO JUIZ: Ou seja, mas sabe que viu um carro à sua frente?
00:15:39 DD: Sim.
00:15:40 MERITÍSSIMO JUIZ: Só não se recorda da marca, da cor…
00:15:42 DD: Por isso, por isso, por isso é que quando eu saí do carro, o, o senhor disse que o carro onde eu tinha batido tinha fugido, por isso, ó pá, eu, eu confiei porque na verdade eu não sabia…
00:15:51 MERITÍSSIMO JUIZ: Mas isso foi alguém que disse, não foi aquilo que o senhor DD (imperceptível).
00:15:54 DD: Exactamente.
00:15:56 MERITÍSSIMO JUIZ: Na sua perspectiva, e corrija-me se eu estiver errado, o senhor estava a conduzir…
00:15:59 DD: Sim, estava…
00:16:01 MERITÍSSIMO JUIZ: Disse, disse no momento da inspecção que estaria, já não sei se disse a 60…
00:16:06 DD: 60,70, por aí, sim, talvez.
00:16:07 MERITÍSSIMO JUIZ: 60,70, que fez a curva e depois foi confrontado, não é? Com um veículo, isto, acho que não tinha dito lá em cima, parado no meio da, da estrada, é isso?
00:16:17 DD: Não. Eu vi, eu lembro-me de o ver a travar e a parar no meio da estrada. E, e eu travei, parei também, só que depois senti o embate.
00:16:24 MERITÍSSIMO JUIZ: O embate, quando é que sentiu o embate?
00:16:26 DD: Senti, mal que eu parei, senti logo o embate na traseira.
00:16:29 MERITÍSSIMO JUIZ: Na traseira. E chegou a bater à, à frente desse tal carro que estava parado? Não se lembra, mas quando saiu do carro, qual era a parte que estava danificada do seu carro?
00:16:41 DD: Os dois. É que a parte da, do meu carro está muito danificada. Estava, o carro foi…
00:16:44 MERITÍSSIMO JUIZ: Também, também bateu à frente, é isso?
00:16:46 DD: Pois, por isso, lá está e depois, mesmo no local eu fui ver e não notava nada que tivesse sido o meu carro nesse carro. Porque eu até pus isso em causa a mim mesmo, que, que sou condutor e que… e fez-me um bocado de confusão, como é que tipo, tenho a minha frente toda danificada, não sei se existe fotografias disso.
00:17:10 MERITÍSSIMO JUIZ: Pois, não sei, mas…
00:17:11 DD: Eu, eu acho que tenho ainda. Se existe…
00:17:15 MERITÍSSIMO JUIZ: Ou seja, só para, no fundo, olhando para os danos deste carro, olhando para os seus danos, não consegue na sua…
00:17:22 DD: Não pode, não pode…
00:17:23 MERITÍSSIMO JUIZ: …na sua cabeça pensar como é que, tendo o seu carro ficado no estado em que ficou, ter sido o senhor a bater neste, é isso?
00:17:27 DD: Não pode ter sido. Se fosse o meu carro a bater nesse carro, esse carro tinha ficado sem traseira.
00:17:33 MERITÍSSIMO JUIZ: Pronto. Mas no fundo, é isso agora que eu quero que fique claro, não conse… não sabe qual foi o carro em que bateu, mas tem a certeza que, ou deve ter batido à frente porque, nem se apercebeu da dinâmica, não é? Não tem memória, mas quando saiu do carro, viu que o carro estava batido atrás e à frente?
00:17:52 DD: Exactamente. Por isso é que eu sei que bati à frente. Agora, posso-lhe dizer, se o meu carro tivesse batido no Renault, o Renault…
00:18:01 MERITÍSSIMO JUIZ: Não tinha ficado assim.
00:18:03 DD: …não tinha ficado assim. Eu não sei se você tem possibilidades de ver fotografias, eu não sei.
00:18:06 MERITÍSSIMO JUIZ: Pronto. Mas agora vai, vai, vai continuar, senhora doutora? (imperceptível).
00:18:13 MANDATÁRIA DA RÉ: Ó senhor DD, com a devida vénia. Então, nessa circunstância, o senhor não sabe onde é que bateu com a frente do seu carro, é isso?
00:18:17 DD: Exactamente. Não lhe consigo ser preciso, porque não sei mesmo. Estou mesmo, estou mesmo a ser sincero e, e os meus pais ficaram um bocado chateados comigo porque disseram que eu, que eu ia a dormir. Não, não, não sei mesmo. Foi distracção.
00:18:32 MANDATÁRIA DA RÉ: Foi distracção?
00:18:34 DD: Sim, foi, foi distracção minha não saber que carro é que ia à minha frente.
(…)
00:23:22 MERITÍSSIMO JUIZ: Mas diga-me uma coisa senhor DD, agora, já está outra vez a ter, a ter o mesmo lapso que quando foi no início da inspecção. Mas o carro do senhor FF estava batido atrás, ou não?
00:23:30 DD: Não.
00:23:32 MERITÍSSIMO JUIZ: Não sabe?
00:23:34 DD: Só estava batido à frente.
00:23:36 MERITÍSSIMO JUIZ: Está batido à frente. Pois, já está outra vez a laborar no equívoco (imperceptível). Senhora doutora, quando quiser.
00:23:42 MANDATÁRIA DA RÉ: O carro do senhor FF só está batido à frente?
00:23:44 DD: Sim, tenho ideia disso.
00:23:49 MANDATÁRIA DA RÉ: Ó senhor DD, então, de acordo com o que acaba de dizer, no fundo mantém a, a versão que deu naquela altura à, à, às autoridades? Tem que existir um outro carro, é isso?
00:23:58 DD: É, é que eu, lá está, eu dou esse fundamento, porque foi aquilo que me disseram e porque também observei o carro e acho que não, tem que, ó pá, é a minha opinião e, e vale o que vale. Mas se fosse o meu carro a bater naquele carro, aquele carro tinha ficado sem traseira.
00:24:24 MERITÍSSIMO JUIZ: Senhora doutora, mas aqui é no fundo já um juízo, que vamos ser nós…
00:24:25 MANDATÁRIA DA RÉ: Sem dúvida.
00:24:27 MERITÍSSIMO JUIZ: …a ter que fazer, não é?
00:24:28 MANDATÁRIA DA RÉ: Sem dúvida, mas…
00:24:29 MERITÍSSIMO JUIZ: Na verdade a testemunha não, aquilo que é a percepção dela, ela não sabe dizer em que carros é que bateu.
00:24:31 MANDATÁRIA DA RÉ: Ok.
00:24:34 DD: Eu, eu sou mecânico de camiões e, e já vi muitos acidentes de, tanto de camiões, como de ligeiros, ó pá, é a minha, é a minha perce… percepção quanto profissional da área. Porque este carro é mais plásticos e, e o meu é mais ferro, aquilo é, é ferro.
00:24:52 MANDATÁRIA DA RÉ: Ó senhor DD, mas quando eu estava a dizer que mantém o que está aqui, o, o, o meu sentido era, era, era outro. Portanto, o senhor não tem dúvida alguma que bateu, a frente do seu carro bateu em algum lado?
00:25:01 DD: Isso tenho, isso tenho a certeza que o meu carro bateu em algum lado. Aonde, não sei.
00:25:08 MANDATÁRIA DA RÉ: Não sabe. E, e, e que segundo aquilo que já disse há pouco, a, a frente estava bastante danificada?
00:25:14 DD: Exactamente.
(…)”
32 - E abstemo-nos de transcrever aqui mais excertos deste ou de outro depoimento porquanto é impossível transcrever as reticências, hesitações ou inseguranças que nortearam, essencialmente, os depoimentos dos três condutores intervenientes no acidente. Como já referimos supra, só a audição e análise integral destes depoimentos permite decidir, com serenidade e justiça, o mérito da sentença.
33 - As dúvidas manifestadas pelos mesmos são tão notórias que, em tempos, pelo menos, DD chegou a descrever a existência de um quarto veículo envolvido no acidente!
34 - Dúvidas não restam que bem andou o tribunal a quo quando não atribuiu a este depoimento a credibilidade que o ora Recorrente tenta demonstrar.
Acresce,
35 - O Recorrente insiste na alegação que a Recorrida pagou uma indemnização ao proprietário do veículo Mercedes Benz, pretendendo que o Tribunal retire dessa atitude uma conclusão quanto à responsabilidade pelo acidente ajuizado.
36 - Ora, desde logo, resulta do depoimento da testemunha DD que a A... não indemnizou este condutor por eventuais danos que o acidente lhe possa ter causado:
“ (…)
00:06:05 MERITÍSSIMO JUIZ: Sofreu danos corporais?
00:06:06 DD: Sim.
00:06:08 MERITÍSSIMO JUIZ: Ou seja, ficou doente com…
00:06:09 DD: Sim, fiquei por causa das costas. Eu fui para o hospital, estive, fui para o hospital quando saí ali de ambulância…
00:06:16 MERITÍSSIMO JUIZ: Hum-hum.
00:06:17 DD: Para o hospital, estive lá até às 4 da manhã, 3, 4 da manhã.
00:06:19 MERITÍSSIMO JUIZ: Então, quer dizer que ainda ficou de baixa um período (imperceptível), é isso?
00:06:22 DD: Sim. Eu não tenho a certeza se chegou a um mês e meio. Um mês tenho a certeza. E, e nunca fui, nunca fui remunerado acerca disso, porque a A..., o carro era do meu pai, mas eu costumava, eu costumo conduzir os carros da casa e a A... disse que, que não me pagava os danos corporais porque eu é que fui culpado porque não dei espaço de segurança ao carro da frente.
(…)
00:09:01 MERITÍSSIMO JUIZ: Não tinha culpa. Mas então depreende, e corrija-me se estiver errado, então não foi ressarcido, não recebeu nenhuma indemnização?
00:09:09 DD: Eu acho que o meu pai recebeu do, do carro. Era dele, é normal que tivesse sido ele
00:09:15 MERITÍSSIMO JUIZ: Do carro.
00:09:16 DD: …a receber do carro.
00:09:19 MERITÍSSIMO JUIZ: Mas acha, tem a certeza, ouviu falar, o seu pai falar?
00:09:21 DD: Eu ouvi falar. Mas eu de, ou seja, do carro acho que ficou tratado. Agora, de, do, da parte do, do, da minha parte…
00:09:30 MERITÍSSIMO JUIZ: Sim?
00:09:32 DD: Do, de eu ter, dos medicamentos, de, das deslocações eu nunca recebi nada sobre isso.
(…) ”
37 - Mesmo que assim não fosse, cabe a este Tribunal apreciar a prova e decidir, nomeadamente, quanto à culpa na produção do acidente. Não está o Tribunal vinculado às conclusões de um processo de averiguações levado a cabo por uma qualquer seguradora.
Este é, apenas, mais um argumento sem fundamento do Recorrente!
38 - Da análise, quer dos depoimentos, quer dos danos apresentados por cada um dos veículos intervenientes, resulta inquestionavelmente, que o veículo conduzido por DD embateu no carro que circulava à sua frente – o carro propriedade do Autor.
39 - Só a verificação deste embate explica que a condutora do TJ tenha reduzido de tal forma a sua velocidade, ou até imobilizado o veículo, de modo a que um terceiro veículo se tenha aproximado, embatido no ED, entrado em despiste e embatido, eventualmente, uma segunda vez, no TJ.
40 - Se em momento anterior ao embate do ES no ED nada tivesse “atrapalhado” a circulação do TJ, mesmo que este se deslocasse a 50/60 km/hora, com toda a certeza, já se teria afastado do ponto onde o ED diz ter-se imobilizado na hemi-faixa de rodagem.
41 - Acompanhamos a douta sentença que assim descreve a sucessão dos acontecimentos:
“Ora, o embate ocorrido entre o veículo ..-..-ES e o ..-..-TJ ocorre em momento posterior ao choque entre aquele e o veículo ..-..-ED (cf. 4.1.9.). Foi na sequência deste embate que o condutor perdeu o domínio do seu veículo e seguindo a pendente da estrada seguiu marcha onde acabou por embater no veículo ..-..-TJ (cf. 4.1.10.).
42 - Assim, o elo necessário ao estabelecimento da cadeia de eventos tem como causa o primeiro embate, todavia foi a acção de um terceiro (..-..-ED) que constitui a causa primária do embate sofrido pelo veículo ..-..-TJ e que antecede o embate deste pelo veículo ..-..-ES. A partir do primeiro embate e à distância em que se encontrava o veículo ..-..-TJ não era exigível ao condutor qualquer comportamento que pudesse ser idóneo a mitigar o perigo de ofensa a danos de terceiros. JJ perdeu o controlo do seu veículo decorrente de uma manobra inusitada do veículo ..-..-ED que se apresentou imobilizado (ou quase) após uma curva de escassa visibilidade (artigo 19.º, do Código da Estrada: 4.1.4., 4.1.5., 4.1.6., 4.1.7.).
43 - A presença do veículo ..-..-ED apresentou-se como um obstáculo no meio da hemi-faixa em que circulava, pelo que o princípio-regra estabelecido no artigo
18.º, do Código da Estrada, em face a visibilidade existente na curva (artigo 19.º, do Código da Estrada) não se aplica na medida em que as características da via tornam muito difícil antecipar um obstáculo e realizar uma manobra evasiva quando surge um obstáculo inopinado sem que haja possibilidade, nem seja exigível prever, o vislumbre de tal poder vir a ocorrer. Entramos no domínio do erro tolerável, porquanto não se pode exigir a um condutor nas circunstâncias em que se encontrava JJ no local e na forma como circulava apresentar um domínio sobre o veículo acima do standard do homem diligentemente prudente e com reflexos acima da média. É em face da admissibilidade de erros na circulação rodoviária que se tornou necessário ao legislador consagrar a responsabilidade objectiva.”
44 - Em coerência com a matéria de facto provada, cuja alteração pretendida não encontra fundamento no acervo probatório dos autos, não deve ser atendida a alteração dos pontos 4.2.1, 4.2.2, 4.2.3, 4.2.4 e 4.2.6 nos termos pretendidos pelo
Recorrente.
45 - Da fundamentação à decisão da matéria de facto resulta que o Tribunal a quo apreciou criteriosamente todos os depoimentos prestados, a participação do acidente de viação elaborada pela GNR com as explicações sobre o croqui apresentadas pelo participante na inspecção judicial, e demais documentos juntos, nomeadamente, fotografias, para formar a sua convicção.
46 - No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, consagrado no Art.º 607º do C.P.C., segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido. Só não será assim se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
(…)
47 - No caso dos presentes autos, o Tribunal a quo decidiu, fundamentadamente, toda a matéria controvertida não resultando desta decisão qualquer erro e ou contradição, não podendo, por isso, a mesma ser alterada!
Em função dessa matéria de facto, ao abrigo do disposto no Artigo 506º do Código Civil, o Tribunal a quo fundamentou exaustivamente a apreciação que faz da conduta de cada um dos intervenientes no acidente salientando-se aqui o seguinte segmento da decisão:
“Ora, os três veículos apresentam massas próximas atento o segmento de veículo, pelo que a interpretação a fazer ao segmento do n.º 1, do citado artigo, «... é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos...» e o n.º 2, «Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos» deve ser integrado pelo regime legal de seguro obrigatório e a função que este desempenha na socialização do perigo.
Uma vez que não se encontra demonstrada a culpa do condutor do veículo ES, nem que tenha existido qualquer contribuição ou concorrência pela condutora do veículo TJ, e tratando-se de veículos potenciador de riscos para o tráfico rodoviário, a não quantificação do dano gerado pelo veículo ES não pode deixar de se atender ao quadro global da sucessão de eventos.
O exercício impõe que se sopese o risco gerado por este último em face do veículo ED considerando, pois, a cadeia causal de eventos que desembocou nos danos sofridos pelo Autor teve a participação de ambos os veículos, com graus diferentes de contribuição. A ambos deverão ser imputados os danos resultantes do acidente, ainda que distribuídos em razão do risco que cada um potenciou e materializou.
(…)
Ora, teremos que estabelecer um juízo de perigosidade do veículo ES na proporção do impacto por si gerado, considerando o momento e fase final do acidente (cf. 4.19., 4.1.10., 4.1.11.), pelo que se afigura como adequado  estabelecer uma contribuição de 35% a cargo da esfera de risco do veículo ..-..-ES para os danos sofridos pelo Autor, nos termos do artigo 506.º, n.º 1, do Código Civil.”
48 - À Recorrida não pode ser imputada a responsabilidade pelo risco inerente à circulação do veículo automóvel ..-..-ED, com intervenção activa na produção do no acidente, uma vez que o mesmo não é por si seguro.
49 - Ao decidir condenar a Recorrida, em função desta “contribuição de 35% a cargo da esfera de risco do veículo ..-..-ES”, no pagamento do montante de € 1.925,09 (mil, novecentos e vinte e cinco euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar desde a data de citação até efectivo e integral pagamento, o Meritíssimo Juiz a quo apreciou “summo rigore” toda a prova produzida nestes autos, não violando qualquer disposição legal nem omitindo a valoração das regras da experiência.

Pugna pelo acerto da sentença recorrida (facto e direito).


*
*

No 1º grau sustentou-se não padecer a sentença de qualquer nulidade.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo.
“Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir.

III - OBJECTO DO RECURSO 

As questões que se colocam ao julgador através da presente apelação consistem em:
- saber quais os factos a ter em conta;
- conhecer do mérito da causa.

IV- mérito do recurso

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Saber quais os factos a ter em conta

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O Autor traz aos autos a seguinte versão do acidente, em suma: é dono do veículo automóvel de passageiros TJ, um Renault Laguna, que, conduzido pela sua filha EE, seguia, no cumprimento das regras estradais, pela Estrada ..., sentido ..., no dia 20 de Outubro de 2019, pelas 16 horas e 15 minutos, quando ao km 66,7 no cruzamento do ..., ..., o veículo ES, ligeiro de mercadorias, marca Seat Ibiza, conduzido por FF, e seguro na Ré, que seguia atrás do veículo TJ, embateu na traseira do TJ, por duas vezes consecutivas, inesperadamente e desgovernado, por não respeitar a distância de segurança entre veículos.
Acrescenta que após o embate do ES na traseira do TJ, o ES foi por sua vez embatido por um outro veículo, que seguia na mesma direcção dos veículos referidos, e atrás do ES, de matrícula ED, marca Mercedes-benz, conduzido por DD.
O embate do ES no TJ provocou danos no TJ e consequentemente perdas ao Autor, de que pretende ser ressarcido.
Aponta como veículo responsável pela produção do sinistro o ES, um Seat Ibiza.
 
Remete para a participação policial do acidente, que junta.

Nessa participação a versão da filha do ora Autor coincide com a versão trazida ao processo.
A versão do condutor do veículo ES já refere que o ES bateu no carro que seguia imediatamente à sua frente; que ao bater ficou sem direcção; que o ES se despistou e bateu num Renault Laguna (o TJ) que seguia no mesmo sentido.
A versão do condutor do ED, um ligeiro de passageiros, já é a seguinte: um carro parou, e eu parei; o carro que vinha atrás do meu bateu com a sua frente na traseira do ED; o ED bateu num carro que estava à frente do ED e que se pôs em fuga.
O auto da participação do acidente refere este 4º veículo, mas não o identifica nem ao seu condutor. Cfr. fls. 17 verso a 27.  

A Ré na sua contestação aceita ser a seguradora do ES, refere ter mandado fazer uma peritagem ao factos e que a mesma concluiu pela não responsabilidade do condutor do ES na produção do acidente em causa, onde intervieram quatro veículos, sendo que um se terá posto em fuga.
Relativamente ao circunstancialismo de modo e lugar em que o acidente terá ocorrido, remete para a prova a produzir.

Já em audiência o condutor do ES, FF, referiu ter avistado uma luz vermelha de travão de veículo à frente do seu; que travou o ES, mas que não impediu que o ES batesse no ED; que perdeu o domínio do ES e que este deslizou e ainda foi embater no TJ. 
Em audiência verificou-se que FF, condutor do ES, é amigo de DD, condutor do ED, e que viajavam em companhia.
Portanto, esta testemunha depôs de modo a escalonar os veículos pela seguinte ordem: num primeiro momento TJ, ED, ES e num segundo momento, ou momento final TJ, ES e ED: Admite que o veículo que conduzia, o ES, embateu na traseira do ED e que depois deslizou e ainda foi bater “ao de leve” no veículo do Autor, o TJ.
 
Em audiência o senhor agente autuante (HH) confirmou o croqui por ele elaborado. Não presenciou o acidente. Quando chegou ao local os veículos estavam parados. Confirmou o teor do auto.
No auto os veículos estão alinhados pela seguinte ordem: TJ, ES e ED.

Em audiência a testemunha EE, condutora do TJ, depõe de modo a explicar com segurança como aconteceu o alegado primeiro embate na traseira do TJ, mas deixou de ser rigorosa e compreensível na explicação que deu quanto ao alegado segundo embate sofrido na traseira do TJ. Na petição os dois embates na traseira de TJ são imputados ao ES, veículo segurado na Ré.
Parece colocar os veículos pela seguinte ordem: TJ, ED. Mas não sabe qual foi o veículo que deu o “segundo toque” no TJ.

Em audiência a testemunha DD, condutor do ED, refere que viu luzes. Que parou. Que o ED foi embatido pelo veículo que seguia atrás do seu, o ES. Admite que o seu veículo ainda bateu noutro veículo que desconhece.
Admite ainda outro veículo a circular no mesmo sentido de todos estes, mas que não foi embatido.
Não aceita que o veículo que conduzia tenha batido no TJ, porque, se assim fosse, dado o seu veículo ser “de ferro” e o do Autor “de plástico”, a traseira deste último teria ficado toda desfeita, o que se não verifica.
Trata-se de um depoimento muito incompleto, mas nota-se que a testemunha não conseguiu dizer mais do que disse, por se não lembrar. Nota-se – do nosso ponto de vista - que a testemunha se esforçou por dizer o que sabia.
Esta versão comporta a presença de outro veículo, um 4º veículo, que seguia atrás do ES.
Alinha os veículos pela seguinte ordem: TJ, ED, ES, e 4º veículo, que se terá posto em fuga.

Em audiência a testemunha II, que viajava no ES, ao lado do condutor, lembra-se de ver o ED, o carro do DD, a travar, e admite que o ES bateu no TJ por duas vezes. 
Depõe de modo a alinhar os veículos pela seguinte ordem: TJ, ES e ED.
Coloca o ES a passar o ED. Admite que este, antes que o ES batesse em algum veículo, tenha passado para a frente do ED.

Em audiência a testemunha GG explica que conduzia um ligeiro Ford Focus de cor branca, no local, no sentido de todos os veículos referidos, mas antes destes circularem. Que teve um furo num pneu. Que sinalizou a emergência e que se colocou na berma, ocupando parte da faixa de rodagem mas de modo a permitir a circulação.
É este o primeiro veículo que a condutora do TJ visualiza.
Este veículo não sofreu qualquer embate. 

A prova documental e testemunhal não se mostra – do nosso ponto de vista – de todo linear a explicar a sequência dos veículos em circulação no local, a sequência dos embates, as velocidades dos veículos intervenientes e bem assim os tempos de reacção necessários para os respectivos condutores reagirem aos acontecimentos por modo a terem ficado parados no local como nos mostra o croqui. 

A testemunha DD (condutor do ED) chamou a atenção no seu depoimento para a elevada resistência dos matérias de que é feito o ED, um veículo da marca Mercedes, em comparação com a menor resistência dos materiais de que é construído o TJ, um Renault Laguna.
Porém, esse critério não se mostra inteiramente válido, uma vez que os danos que o ED apresenta na sua frente – cfr. documentos fotográficos de fls. 135 -, são de pequena monta, quando comparados com os danos da traseira do TJ que se podem ver a fls. 23 verso e 24, e que igualmente são de pequena monta.

Na 1ª instância colocam-se os veículos a circular pela seguinte ordem: TJ, ED, ES.
Dá-se como provado que o TJ é embatido numa primeira vez,  na traseira pela dianteira do ED, e por uma segunda vês pela dianteira do ES, com este já “em deslise”.
Dá-se como provado que o veículo ..-..-ES quando desfaz a curva que antecede o cruzamento para ..., no sentido de marcha dos veículos, é surpreendido pela presença do veículo ..-..-ED imobilizado na hemi-faixa com as luzes de travão accionados. Acto imediato, o condutor do ES accionou o travão do seu veículo, contudo este perde tracção e acaba por embater na traseira do veículo ..-..-ED.
Na sequência do embate da frente do ED na traseira do ES, o condutor deste ficou sem possibilidade de controlar o veículo por se encontrar com a direcção bloqueada e por seguir no sentido em que a estrada tem uma pendente descendente, o que favorece a velocidade. Então, o ES continua a mover-se, passa pelo veículo ..-..-ED, bate na traseira do TJ e acaba por ficar imobilizado na hemi-faixa atrás do veículo ..-..-TJ. Como mostra o croqui policial.

Coloca-se o veículo da testemunha GG parado, ocupando parte da berma, para ser reparado do furo no pneu.

Na 1ª instância privilegiam-se os depoimentos testemunhais do condutor do ES, FF, e de II, que o acompanhava.

Conclui-se desse modo depois de aturada compatibilização entre documentos, depoimentos e testemunhais e dinâmicas dos veículos intervenientes.

Reitera-se a segurança inabalável da versão dada como provada, face às provas produzidas e analisadas em conjunto, reiterando lógica, concatenação e convicção de que os factos ocorreram como referido.

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Consultadas as provas documentais, ouvidas as gravações, conferida a motivação da decisão sobre a matéria de facto, verificamos tratar-se de uma decisão plausível, fundamentada no conjunto das provas produzidas, crivada pela experiência, que beneficiou na imediação e oralidade da prova pessoal, e sobretudo da riqueza da inspecção ao local, acto em que se procurou saber da localização do sinistro, da localização das viaturas envolvidas durante e após os embates, e se colheram as várias versões do acontecido, procurando a tudo dar um sentido compreensível e explicável.
O julgamento decorreu de forma elevada, com um desempenho meticuloso, demonstrando alto critério na apreciação da prova
 
A reapreciação da prova serve sobretudo para alterar os erros mais evidentes cometidos, e se na Relação se alcançar diferente convicção, pois, decidir então de acordo com esta outra convicção.

No caso, justifica-se a decisão tomada, é a acertada, está de acordo com a convicção colhida, está justificada com o conjunto de todas as provas produzidas, e não se alcança na Relação outra convicção, face ao que não se pode deixar de manter o sentido da decisão impugnada.

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O Apelante insiste em que o acidente ocorreu devido aos riscos próprios do veículo ..-..-ES, aliado à falta de prudência do condutor daquele, que após um embate num outro veículo, sai da sua faixa de rodagem (anda pela esquerda) e ao tomar a faixa da direita embate na traseira do veículo conduzido pela filha do A.
Facto este que não pode ser justificado pela Lei de Newton.
Estamos perante uma situação de culpa provada imputável ao comportamento tido pelo condutor do veículo ..-..-ES o que implica decisão no sentido da responsabilização pela totalidade dos danos que foram provocados no Autor lesado (artº 483º do CC).

Mas essa versão do sinistro não s mostra plausível e segura face à prova produzida.
Recordemos que o Senhor Juiz do 1º grau se deslocou ao local do acidente, tomou medições, refez a s posições das viaturas, refez a dinâmica do acidente, verificou a pendência da estrada e o quadro espacial onde os acontecimentos tiveram lugar.

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Improcede a pretensão do Apelante em ver alterada a decisão sobre a matéria de facto.
Portanto, mantemos o elenco de factos apurado na 1ª instância.
Não oferece contradição. Não padece de ambiguidade, nem cabe oficiosamente alterá-lo.


Dos vícios da sentença


O nosso processo civil consagra uma separação fundamental entre facto e direito. De um lado temos o julgamento da matéria de facto, a que se refere o disposto no artigo 607º, 4 (até “convicção”) e 5 do CPC, na redacção da Lei 41/2013, e que obriga a análise crítica das provas e fundamentação dos factos que julga provados e não provados. Nessa actividade o juiz aprecia as provas de livre apreciação. É o chamado princípio da livre apreciação das provas, constante do nº 5. De acordo com este princípio, a prova é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos. Ou seja, as provas são livremente valoradas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, respondendo o julgador de acordo com a sua convicção, excepto se a lei exigir para a prova do facto, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Só neste caso está o julgador obrigado a observar a hierarquização legal.

No caso o Senhor Juiz proferiu decisão sobre matéria de facto e fundamentou-a.

Na fundamentação das respostas de facto o juiz pode manifestar a sua estranheza perante certa prova; a sua compreensão perante outra, etc., desde que elucide o percurso lógico-dedutivo que tomou para alcançar sobre cada facto, ou núcleo de factos, ou conglomerado de factos, a convicção a que chegou.
Esta elucidação tem relevo para as partes perceberem a lucubração prosseguida pelo juiz e para que essa decisão possa ser sindicada, designadamente em sede de recurso.
O juiz nessa fundamentação pode socorrer-se de todos os recursos ao seu dispor; da sua experiência; dos seus conhecimentos técnicos ou empíricos.
Pode recorrer às leis da física, desde que o expresse e o explique.
Até porque o juiz é o perita peritorum, o perito dos peritos.

O Apelante pretende que o Senhor Juiz adiantasse às partes que ia empregar as leis de newton (Física) para perceber a dinâmica do acidente.
Mas não tem razão.
O Senhor Juiz decidiu questões de facto. Sobre essas questões – as que dizem respeito à dinâmica do acidente – as partes produziram as provas que entenderam e controlaras a produção de provas uma da outra. Produziram alegações sobre a matéria de facto e de direito.
O artigo 3º, 3 do CPC não obriga que o Senhor Juiz informe as partes previamente à decisão, dos argumentos que vai utilizar na decisão sobre a matéria de facto.

A fundamentação pode ser mais ou menos profunda, mais ou menos circunstanciada. Essencial é que lógica, abarque toda a factualidade, e resulte clara e segura.

Só há nulidade de sentença quando esta fundamentação inexista em absoluto – artigo 615º, 1, b) do CPC.

O Apelante alega que o Senhor Juiz não fundamenta a incoerência que encontra no depoimento da condutora do veículo o Autor – o TJ.

Mas não tem razão.

O Senhor Juiz explica que a testemunha EE circulava com precaução; a 60 Kms/h; que foi surpreendida pela manobra de encostar à direita do Ford Focus branco de GG; que o veículo que conduzia sofreu dois impactos seguidos; o primeiro impacto dá-se depois de cruzar com o Ford Focus; que não desacelerou o TJ; que o primeiro embate terá sido efectuado pelo ES, pois que viu este veículo pelo espelho retrovisor; que só travou depois do segundo embate.
O Senhor Juiz interroga-se então, nas páginas 157 verso a 159 verso, considerando outros depoimentos e a dinâmica das várias massas em movimento, e ainda a pendente da estrada, como podia o veículo ES ter força suficiente para, depois de embater no ED, não perder velocidade, e alcançar ainda o TJ, passando pelo ED.
O Senhor Juiz conclui que inexistiu um veículo que se pôs em fuga, e que circularia entre o TJ e o ED.
Conclui que o ES embateu no ED, concatenando os elementos documentais e os depoimentos das testemunhas FF e II.
Explica que a energia cinética do ES após embater no ED era insuficiente por si só para o levar a embater no TJ.
Conclui que o veículo de GG não foi embatido.

Retira que o depoimento de EE não oferece credibilidade quando refere que o ES embate no TJ, sem considerar de premeio o embate do ED no TJ.
Esclarece que a “versão” que se pode ler no croqui da participação do acidente não está correcta, uma vez que o senhor agente não assistiu ao acidente e que quando chegou ao local foi confrontado com os veículos estacionados segundo uma determinada ordem, concluindo sem mais e perante isso, que sendo o ES o mais próximo do TJ, fora o ES a causar os danos que o TJ apresenta.

O Senhor Juiz emite a convicção segura – cfr. fls. 159 verso, fim – de que:

O Tribunal não ficou com dúvidas que em face da posição que cada um dos veículos seguia e onde ficaram imobilizados, em especial a sua ordem ..-..-TJ (EE) – ..-..-ES (DD) – ..-..-ES (JJ), perante um obstáculo existente na cadeia de eventos e que foi primeiro percepcionado pela condutora do veículo ..-..-TJ causasse um evento em cadeia do qual o terceiro veículo quando colide com o primeiro resulta já do facto de o segundo ter primeiro embatido no ..-..-TJ.

O Senhor Juiz manifesta até estranheza pelo facto de a seguradora do ED não ter sido demandada nesta acção.

Posto isto, cabe dizer que o ponto está profusamente fundamentado.

Inexiste a nulidade apontada.

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O Autor foi admitido a prestar declarações de parte. Prestou-as. Cfr. despacho de admissão a fls. 74 verso e 75; acta a fls. 119.
O seu objecto é integrado por factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo – cfr. artigo 466º, 1 do CPC.

O Apelante acusa o decisor de não ter dado relevo ao teor das declarações prestadas.

Mas não tem razão.

As declarações de parte são de livre apreciação – cfr. artigo 466º, 3 do CPC

O Senhor Juiz considerou-as. Basta ver a pág. 152 da sentença recorrida. Trata-se mesmo do primeiro meio de prova elencado.
O Senhor Juiz considerou estas declarações de parte sobretudo no tocante ao dano: angústias e sofrimento do Autor, conforme fls. 161 verso no ponto 4.3.10 da sentença recorrida.
Porém as declarações de parte do Autor não têm relevo sobre a temática da produção e dinâmica do sinistro pelo simples facto de não ter assistido ao mesmo.

Inexiste a nulidade apontada.

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Do mérito da causa

O Autor intenta a presente acção pretendendo da Ré, seguradora do veículo ..-..-ES, ser indemnizado apresentando como fonte da obrigação de indemnizar a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos emergente de acidente de viação que alega ter sido causado pelo referido veículo por ter embatido no seu, de matrícula ..-..-TJ, em violação das regras estradais.

Não se consideraram verificados os pressupostos da responsabilidade civil subjectiva, isto é, baseada na culpa, do condutor do ES – e da respectiva seguradora – face aos danos do TJ.

Não se provou a culpa do condutor do ES na produção do acidente dos autos. Cfr. artigo 483º, 1 do CC.

Como só existe responsabilidade civil independentemente de culpa nos casos especificados na lei – cfr. nº 2 do referido artigo -, passou-se à indagação da existência desta responsabilidade por via da circulação dos veículos. Cfr. sentença recorrida, ponto 5.3.1.2, a pág. 166.

Em causa os seguintes factos provados:

8. A circular, no mesmo sentido e atrás do veículo ..-..-TJ, circulava o veículo ..-..-ED e atrás deste o veículo ..-..-ES.
9. O veículo ..-..-ES quando desfaz a curva que antecede o cruzamento para ..., no sentido de marcha dos veículos, é surpreendido pela presença do veículo ..-..-ED imobilizado na hemi-faixa com as luzes de travão accionados, acto imediato, accionou o travão do seu veículo, contudo este perde tracção e acaba por embater na traseira do veículo ..-..-ED.
10. Na sequência do embate e sem ter possibilidade de controlar o veículo por se encontrar com a direcção bloqueada e seguido no sentido da pendente existente (...), o veículo (ES) continuou a mover-se passando pelo veículo ..-..-ED e acabou ficar imobilizado na hemi-faixa atrás do veículo ..-..-TJ, após ter embatido na traseira deste, e à frente do veículo conduzido por GG, imobilizado na berma.
11. O veículo do ..-..-TJ foi atingido na parte traseira, tendo o primeiro embate decorrido do impacto provocado pelo veículo ..-..-ED e que ocorre antes do impacto provocado pelo veículo ..-..-ES neste último.

Face a esta factualidade o Senhor Juiz na sentença recorrida retira que o ES embate no TJ, porque o veículo conduzido por FF representava na altura um risco para a circulação de terceiros, não se tendo provado ocorrer para tal, ou causa de força maior ou culpa de terceiro.

Retira que o condutor ou o utilizador do ES, veículo seguro na Ré, responde pelos riscos próprios do veículo – ao abrigo do disposto no artigo 503º do CC.

Esta responsabilidade objectiva transfere-se para a seguradora Ré.

Corroboramos o acerto desta hermenêutica.

Depois o Senhor Juiz passou na sentença recorrida a verificar pedido a pedido se se verificavam os demais pressupostos da responsabilidade civil.

Recordando, o valor global da indemnização reclamada pelo Autor corresponde, a título de danos patrimoniais, às quantias de €2.250,27 (dois mil duzentos e cinquenta euros e vinte e sete cêntimos) e de € 711,41 (setecentos e onze euros e quarenta e um cêntimos), respectivamente, para reparação do veículo e substituição de componentes, e a título de danos emergentes à quantia global de € 19.699,23 (dezanove mil, seiscentos e noventa e nove euros e vinte e três cêntimos), bem como a título de danos não patrimoniais, à quantia de €1.330,00 (mil e trezentos e trinta euros), bem como no valor de realização da inspecção obrigatória, a liquidar.

No que tange aos peticionados danos patrimoniais no valor de €2.250,27, a sentença recorrida considerou a factualidade de:
 
24. O valor do IUC dos anos de 2020 e 2021, no valor de €43,27 por ano, num total de €86,54 (oitenta e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos).
25. O Autor pagou o prémio do seguro em 2019, sendo o valor de €105,90 (cento e cinco euros e noventa cêntimos) correspondente ao período de 20-10-2019 até ao seu vencimento em 02-05-2020.
26. O seguro vencido nos anos de 2020 e 2021 tinha o valor de € 205,40 e no valor de € 199,54, respectivamente, num total de €404,94.
28. O veículo ..-..-TJ ainda não foi objecto de inspecção obrigatória.

Sustentou-se – bem – que os prejuízos reclamados não decorrem do facto danoso – de o ES ter batido no TJ nas circunstâncias provadas -, uma vez que o cumprimento destas obrigações reais emerge do estatuto do direito de propriedade do veículo TJ, quer o veículo esteja ou não em circulação.

Retirou não serem susceptíveis de serem indemnizados.

Quanto ao montante peticionado relativamente ao custo do parqueamento do TJ o Senhor Juiz, fundamentando, arbitrou com base na equidade – cfr. artigo 466º, 3 do CC – o montante de € 1.300,00 correspondente ao produto do número de dias que mediaram o acidente e a comunicação da Ré, à razão diária de 10 euros. Cfr.
factos 4. e 19. da matéria de facto.

O Autor invoca custos em benefício de sua filha para a aquisição de outro veículo que pudesse substituir o sinistrado na utilização que sua filha fazia dele, alegando que contribui com € 100,00 mensais para a aquisição de um outro veículo automóvel para esta dada a “paragem forçada” do TJ – mas na sentença posta em crise ponderou-se que essa disponibilidade de contribuição do Autor para com sua filha não resulta de um prejuízo emergente das lesões decorrentes do acidente, e negou a pretensão.

Em 27. deu-se por provado que: O Autor pagou o valor de €117,41 (cento e dezassete euros e quarenta cêntimos) para a obtenção da cópia do Auto de participação do acidente. O Autor pretende ser ressarcido deste valor.
A sentença recorrida, fundamentando, entendeu não se estar perante um dano decorrente do facto danoso.

Nos artigos 38º e 40º da petição inicial o Autor pede seja indemnizado por custos com manutenção e substituição de peças.
Porém, como se explicou na sentença recorrida, só resultam do sinistro para o TJ os danos constantes dos repetidos duas vezes números 14 dos factos provados.
Só a matéria provada é susceptível de ser considerada.
No mais o peticionado improcede por falta de prova.
Não se está perante um dano decorrente do facto danoso.

Fundamentadamente entendeu-se – por não ter sido provado - qualquer lucro cessante, não haver lugar ao reconhecimento deles.

Sobre indemnização pela privação do uso do TJ por parte do Autor, atentos os pontos 30., 31. e 32. -, arbitrou-se motivadamente a quantia de € 1.950,00 – com recurso à equidade artigo 466º, 3 do CC -, o que corresponde a 130 dias, decorridos desde a data do acidente à comunicação da Ré de não assunção de responsabilidade (ponto 19. da mat. facto) a à razão diária de € 15,00.

Sobre danos não patrimoniais fundamentou a sentença recorrida de modo a – fls. 170 verso a 171 verso – de modo a concluir não serem no caso merecedores da tutela do direito nos termos do artigo  496º, 1 do CC.

Neste sentido escreveu-se nomeadamente:

O Autor alega que a Ré se recusou a reconhecer a responsabilidade contra o que para si eram indícios mais do que evidentes da responsabilidade do veículo segurado.
Como se viu, em particular, no julgamento da matéria de facto, o acidente ocorre em situação tudo menos claras. Assim, considerando a correspondência endereçada (factos provados 17., 18., 19., 20., 21.) e as diligências realizadas, a conduta da Ré não foi violadora das normas legais previstas para a regularização do sinistro (artigo 36.º, do Regime Do Sistema De Seguro Obrigatório De Responsabilidade Civil Automóvel), ou tão pouco contrárias ao princípio da boa fé.
Compreende-se que assumindo uma representação dos factos como o fez, o Autor (e que se vieram a não provar em 1., 2., 3., 4., 6.) tenha interpretado a conduta da Ré como de regozijo pela impunidade ou prepotência da sua conduta; todavia ao direito não cabe tutelar expectativas ou sentimentos, antes direitos e interesses legítimos, pelo que teria que ser demonstrada a ilicitude da conduta da Ré. Nomeadamente, a violação do citado artigo 36.º, Regime Do Sistema De Seguro Obrigatório De Responsabilidade Civil Automóvel.
Como decorre dos factos 1., 2., 3., 4. e 6., a Ré comunicou por escrito o andamento do processo mensalmente e participou, de motu proprio, quando conclui pela não responsabilidade do veículo.
Aliás, entre o dia de participação do sinistro (facto 13.), a comunicação de exclusão de responsabilidade (4.1.9.) não decorreram mais de 3 meses (128 dias), assim como o facto de ter decorrido mais de um mês (artigo 36.º, n.º 1, alínea e), do Regime) não deixa de ser atendível em face das circunstâncias estranhas em que o acidente ocorreu (a este respeito o n.º 8 prescreve: «Os prazos previstos no presente artigo suspendem-se nas situações em que a empresa de seguros se encontre a levar a cabo uma investigação por suspeita fundamentada de fraude.»)
Ou seja, não resulta qualquer dano indirecto merecedor de tutela do direito, sem prejuízo das consequências subjectivas sofridas, a comunidade não valora a ansiedade e angústia pelo protelar de um processo de regularização de um acidente e necessidade de propositura de acção, que são antes decorrências naturais do Estado de Direito.
E depois:
A pessoalização de um processo, considerando o objecto do mesmo, corresponde a uma visão do autor que não tem respaldo para a consciência da comunidade e para a vida em sociedade. Os processos judiciais e tutela jurisdicional são um corolário do Estado de Direito decorrente da monopolização da violência pelo Estado.
Ter que recorrer aos tribunais e com eles correr as angústias e ansiedades do tempo do processo e da decisão fazem parte das exigências da vida em sociedade, não se podendo tutelar sensibilidades que não se coadunam com a necessidade de tolerar e respeitar os tempos da justiça. Tal lesão, inegável que aconteça para quem reclama a tutela do direito, é uma particularidade do Autor que não encontra, nem pode encontrar, tutela generalizada, porquanto por mais importante ou relevante que seja o seu processo, é um incomodo necessário num Estado de Direito e com o qual os cidadãos têm que aceitar e se conformar.
Em momento algum, as vicissitudes do processo de regularização e situação económica do Autor justificam uma excepcionalidade merecedora de tutela como reclamada, pelo que nem tão pouco os danos sofridos são merecedores de tutela do direito porquanto os incómodos decorrentes da privação do veículo acidentado alocaram-se à situação da filha estando reconhecido que há tutela dos danos por privação de uso, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil.
Logo, não são os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor merecedores de tutela do direito, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil.

No que se concorda inteiramente.

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O Senhor Juiz na sentença recorrida passou a indagar sobre a imputação dos danos à esfera de risco inerente à circulação do ES, veículo seguro na Ré.

Sobre o ponto escreve nomeadamente:

No fundo, estamos a aferir a partir de um universo paralelo qual seria o resultado que adviria dos outros elementos ou causas concorrentes, omitindo-se a conduta protagonizada pelos condutores dos veículos ..-..-TJ (EE) – ..-..-ES (JJ) – ..-..-ED (DD).
Ora, a dinâmica dada como provada (cf. factos 4., 5.,.6., 7., 8., 9., 10. e 11.) revela que para o acidente ocorrido concorreram mais do que uma conduta, tendo os três condutores dos veículos sido agentes da causa natural da ocorrência do acidente. Todavia, o Autor não logrou provar que da conduta do condutor do veículo (ES) ou do risco proveniente deste e segurado pela Ré que os danos existentes no veículo ..-..-TJ fossem imputados àquele.
Se é certo que o veículo ..-..-ES embateu no veículo ..-..-TJ, o mesmo ocorre num segundo impacto (colisão) ficando por demonstrar em que medida esta incrementou a lesão que se consubstanciou nos danos peticionados pelo Autor, quando o primeiro impacto foi com maior força em face dos danos apresentados pelo veículo ..-..-ED (cf. 4.1.12.) e por não ter este embatido em mais nenhum objecto ou veículo.
Do que se trata é determinar se para efeitos jurídicos, um dano deve ser imputado à esfera de responsabilidade (eventualmente) obrigado à indemnização, no caso da esfera de risco emergente do veículo dirigido por FF.
Logo, aferir o juízo abstracto de idoneidade para a produção do dano. Se se revela apropriado a produzir tal resultado, ou seja, se é facto típico e idóneo a produzir este género de dano. Há dois efeitos a verificar para concluir pela causalidade do facto ao dano imputado: favorece ou é um resultado típico do dano (positivo) e se é de todo indiferente para o surgimento do dano (negativo).
Entremos, mais uma vez, no domínio do ónus da prova e da sanção na falta de prova necessária a promover o reconhecimento do interesse tutelado pela norma. Uma vez que se trata de factos constitutivos da obrigação de indemnização era ao Autor que recai o ónus de concretizar os elementos de facto de suporte à conclusão de um juízo de adequação de que da conduta e risco do veículo segurado pela Ré foi causa adequada e previsível dos danos emergentes do acidente.
Na verdade, o risco dos veículos após o momento gerado após a colisão que antecederam ao embate de ..-..-ES é equivalente, porquanto a cadeia de eventos foi a montante do embate e perante forças que são idóneas a causar os danos no veículo ..-..-TJ e não o embate na sequência do fim de momento da colisão que antecedeu e que envolveu o veículo ..-..-ED cuja seguradora não é parte nos presentes autos.
Apesar da causalidade natural que pressupõe uma acção do veículo ES, em termos normativos o resultado apresentado no veículo ..-..-TJ não é passível de ser imputado à esfera de risco daquele. A conduta do condutor do veículo ..-..-ES não está numa relação de concomitância que concorra para a ocorrência do acidente, nem para os danos apresentados (cf. factos provados 13. e 14.), em particular porque a colisão do veículo ..-..-ED no veículo ..-..-TJ ocorre antes da intromissão no domínio de risco pelo veículo ..-..-ES.

E depois:

Contudo, dito isto, o artigo 506.º, do Código Civil, não deixa de determinar um princípio distributivo do risco de circulação entre os agentes dos danos. Para este contribuem diferentes dimensões de risco consoante os veículos em colisão.
Nas palavras de SINDE MONTEIRO, quando o n.º 1, do artigo 506.º, do Código Civil, «... fala em repartir as responsabilidades na proporção em que o risco de cada um dos veículos «houver contribuído para os danos», (...) sugere (...) uma indagação das circunstâncias concretas que rodearam o acidente para se ver em que medida, de facto, o risco de cada um dos veículos contribuiu não só para a causação natural dos danos como para o acidente em si». Por isso, este autor afirma que «Há gradações, graus intermédios, que perturbam a harmonia de um esquema formalmente correcto. Há circunstâncias especiais que seguramente tocam o sentimento jurídico de quem tem de decidir perante casos concretos. E melhor será então, sem quebra dos princípios, atribuir ao juiz o poder ou a faculdade de as ter em conta» (cf. Estudos sobre a responsabilidade civil (Coimbra: Almedina, 1983) pp. 194-195).
É o que decorre da ratio do artigo 506.º, do Código Civil, como critério distributivo da alocação dos danos a imputar em razão da fonte de risco gerada no acidente.
Ora, os três veículos apresentam massas próximas atento o segmento de veículo, pelo que a interpretação a fazer ao segmento do n.º 1, do citado artigo, «... é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos...» e o n.º 2, «Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos» deve ser integrado pelo regime legal de seguro obrigatório e a função que este desempenha na socialização do perigo.
Uma vez que não se encontra demonstrada a culpa do condutor do veículo ES, nem que tenha existido qualquer contribuição ou concorrência pela condutora do veículo TJ, e tratando-se de veículos potenciador de riscos para o trafico rodoviário, a não quantificação do dano gerado pelo veículo ES não pode deixar de se atender ao quadro global da sucessão de eventos.
O exercício impõe que se sopese o risco gerado por este último em face do veículo ED considerando, pois, a cadeia causal de eventos que desembocou nos danos sofridos pelo Autor teve a participação de ambos os veículos, com graus diferentes de contribuição. A ambos deverão ser imputados os danos resultantes do acidente, ainda que distribuídos em razão do risco que cada um potenciou e materializou.
Posto isto, dos danos inventariados (cf. factos provados 13. e 14.), cumpre perguntar se os mesmos constituem condição necessária e que tal tenha resultado do curso normal de acontecimentos?
A esta primeira pergunta, a resposta é afirmativa porquanto a ocorrência de um embate dos veículos é idónea ao agravamento dos danos (cf. facto 9.), ainda que não seja a causa primária da sua ocorrência, concorre para a sua existência e, no limite, agravamento.
Depois, o resultado lesivo ter-se-ia verificado da mesma maneira se excluirmos a causa em questão (nomeadamente, o comportamento do condutor do veículo ..-..-ES)?
Neste domínio, com vimos, sem o embate do veículo ..-..-ES os danos ocorreriam em virtude do impacto do veículo ..-..-ED (cf. 4.1.11. em conjunto com 4.1.9.), pelo que apenas somente concorre de uma forma mais diminuta para o resultado apresentado.
Ora, teremos que estabelecer um juízo de perigosidade do veículo ES na proporção do impacto por si gerado, considerando o momento e fase final do acidente (cf. factos 9., 10. e 11.), pelo que se afigura como adequado estabelecer uma contribuição de 35% a cargo da esfera de risco do veículo ..-..-ES para os danos sofridos pelo Autor, nos termos do artigo 506.º, n.º 1, do Código Civil.

Por isso que, atenta a dinâmica do sinistro, vem assacada à esfera do risco do veículo ES, seguro na Ré, a quota-parte de 35% para os danos sofridos pelo Autor, nos termos do artigo 506º, 1 do CC.

Vendo então.

Em 11. vem provado que: O veículo do ..-..-TJ foi atingido na parte traseira, tendo o primeiro embate decorrido do impacto provocado pelo veículo ..-..-ED e que ocorre antes do impacto provocado pelo veículo ..-..-ES neste último.

Em 12. vem provado que: O veículo ..-..-ED, na sequência do embate com o veículo ..-..-TJ ficou com danos na sua frente, cujo valor de reparação em peritagem se fixou em € 741,42 (setecentos e quarenta e um euros e quarenta e dois cêntimos), nomeadamente:
a. pára-choques;
b. grelha do radiador;
c. capot;
d. pintura.

E em 14. que: Na sequência dos embates sofridos, o veículo ..-..-TJ apresenta as seguintes patologias descritas no relatório de peritagem que aqui se dá por reproduzidas, cujo valor de reparação ascende a € 2.250,27 (já com IVA incluído).

Parte-se do princípio que o ED bate com a sua frente apenas na traseira do TJ.
Parte-se do facto de que o TJ sofre dois embates, o primeiro provocado pela frente do ED, e o segundo provocado pela frente do ES, veículo seguro na Ré.

Os danos na traseira do TJ estão fotografados a fls. 23 verso e 24. Resumem-se aparentemente à mala empanada e moças no avental traseiro, como se confirma pelo relatório de peritagem de fls. 40. O orçamento da reparação é efectivamente de € 2.250,27, como se deu como provado, já incluindo o IVA.

O ES ficou com a frente bastante danificada, como se pode ver nas fotografias de fls. 22 verso e 23.

A frente do ED, pois foi ela que embateu na traseira do TJ-, apresenta danos de pequeno montante como se dá como provado em 12. e se pode ver pela fotografia de fls. 138 verso.

Para este raciocínio não podemos contar com as demais lesões que o ED apresenta, pois sabemos que se envolveu depois de embater no TJ, em embate com o ES. A frente do ES apresenta-se muito danificada, não sendo possível elucidar que danos correspondem a que batida.

Já vimos, a testemunha DD chamou à atenção no seu depoimento para a robustez do material de que é construído o ED, um veículo da marca Mercedes-Benz, em comparação com o material, rotulado de “plástico” do TJ.

Já vimos que, como os danos no TJ e na frente do ED são igualmente de pouca monta, este argumento não nos parece ser de peso.

No 1º grau, face aos disposto no artigo 506º, 1 do CC, considerou-se a dinâmica do evento como tendo sido preenchida com os veículos TJ, ED e ES. Considerou-se que a massa dos mesmos era idêntica.
Ponderou-se o contributo de cada um destes veículos para a produção dos danos do TJ em partes iguais, 100 a dividir por 3, o que dá 33,333, e daí o ter-se chegado ao percentual de 35 para o risco próprio do ES, veículo seguro na Ré.

As velocidades dos veículos TJ, ED e ES não foi ponderada. Mas temos o TJ que não embateu no veículo que seguia à sua frente e que encostou à berma de forma abrupta. Temos o veículo ..-..-ED imobilizado na hemi-faixa com as luzes de travão accionados, atrás do TJ, no qual batera. Temos o ES a travar, a perder a direcção, a bater no ED, ou a ser embatido por este…, mas a deslizar… e a embater na traseira do TJ.
O ES, apesar de tudo, apresenta-se na sua circulação com maior risco que os demais veículos envolvidos. Os TJ e ED envolveram-se e pararam na via. O ES é que, ou por uma questão de massa, menor aderência, menor obediência do carro aos comandos do condutor, pendência da via, etc., não se conseguiu imobilizar e ainda se envolveu em dois embates.

O risco associado à circulação do ES fixa-se em 45%.

Isto não significa que se desconsidere que o ES não se envolveu em igualmente dois embates. Mas o certo é que, face à prova, quando o condutor do ES dá com o ED, este estava imobilizado com as luzes de travão accionadas. Quando surge o ES, o risco associado à circulação do TJ e do ED estava relativamente circunscrito.
Aqui chegados temos como provados e computados como danos sofridos pelo Autor os seguintes montantes:
€ 2.250,27 referente ao custo de reparação do TJ;
€ 1.300,00 referente ao parqueamento do TJ;
€ 1.950,00 referente à privação do uso do TJ.
O que soma: € 5.500,27.
Como a quota-parte da contribuição do ES assacada à produção destes danos é de 45%., a Ré, seguradora do ES, foi condenada a pagar ao Autor o montante de € 2.475,12, acrescido de juros de mora. 

A sentença recorrida fundamentadamente não verificou conduta ofensiva da boa-fé imputável à Ré, susceptível de sanção.

*
A apelação procede em parte.

*

V-DECISÃO:

Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, indo alterada a sentença recorrida que passa a ter o seguinte dispositivo:

- condena-se a Ré A..., S.A. a pagar ao Autor AA o montante de € 2.475,12 (dois mil, quatrocentos e setenta e cinco euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora, vendidos e vincendos, à taxa supletiva legal para as operações civis, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
 
- absolve-se a Ré A..., S.A. do demais peticionado pelo Autor, incluindo do pedido de condenação como litigante de má fé.

As custas na 1ª instância ficam pelo Autor em 9/10 pela Ré em 1/10.

As custas na Relação ficam pelo Apelante, ora Autor em 2/5 e pela Ré em 3/5.

Valor da causa: € 23.990,91€ - cfr. fls. 73.

Coimbra, 16 de Maio de 2023.

(Rui António Correia Moura)                                

(João Moreira do Carmo)                      

Com voto de vencido os seguintes termos:

“Assinalo que o constante da página 27, 4ª parágrafo, 1ª linha, não é rigoroso, pois, como resulta dos factos provados 9. a 11.
O ES nunca foi embatido pelo ED, como aí se afirma. Na verdade, o TJ foi embatido 2 vezes, uma pelo ES e outra pelo ED. O ED foi embatido uma vez, pelo ES.
-os danos na traseira do TJ estão fotografados a fls. 23 verso e 24. e resumem-se aparentemente à mala empanada e mossas no avental traseiro, como se confirma pelo relatório de peritagem de fls. 40. O orçamento da reparação é de 2.250,27 €, já incluindo o IVA.
Mas o ES ficou com a frente bastante danificada, como se pode ver nas fotografias de fls. 22 verso e 23.
A frente do ED, pois foi ela que embateu na traseira do TJ, apresenta danos de pequeno montante como se dá como provado em 12. e se pode ver pela fotografia de fls. 138 verso.
Já vimos que os danos no TJ e na frente do ED são igualmente de pouca monta.
No 1º grau, face ao disposto no artigo 506º, 1, do CC, considerou-se a dinâmica do evento como tendo sido preenchida com os veículos TJ, ED e ES. Considerou-se que a massa dos mesmos era idêntica.
Ponderou-se o contributo de cada um destes veículos para a produção dos danos do TJ em partes iguais, 100 a dividir por 3, o que dá 33,333, e daí o ter-se chegado ao percentual de 35 para o risco próprio do ES, veículo seguro na Ré.
O que não se aceita, pois, face ao referido art. 506º, nº 1, 2ª parte, do CC, os danos forem causados somente pelo ED e ES, pelo que só eles são responsáveis pelo dano e estão obrigados a indemnizar.
As velocidades dos veículos ED e ES não foi ponderada. Mas temos o TJ que não embateu no veículo que seguia à sua frente e que encostou à berma de forma abrupta. Temos o veículo ED imobilizado na hemi-faixa com as luzes de travão accionados, atrás do TJ, no qual batera. Temos o ES a travar, a perder a direcção, a bater no ED, a deslizar e a embater na traseira do TJ. Dois embaters, por isso.
O ES, apesar de tudo, apresenta-se na sua circulação com maior risco que os demais veículos envolvidos. O TJ e ED envolveram-se e pararam na via.
O ES é que, ou por uma questão de massa, menor aderência, menor obediência do carro aos comandos do condutor, pendência da via, etc., não se conseguiu imobilizar e ainda se envolveu em dois embates.
O risco associado à circulação do ES não pode ser fixado, pois, em 45%.
Quando surge o ES, o risco associado à circulação do TJ e do ED estava relativamente circunscrito e o ES aumentou-o sensivelmente.
Daí que, no mínimo se considere igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores (nº 2, do aludido 506º).
Face à dinâmica do acidente, espelhada na matéria provada, não se aceita que o ED tenha contribuído com 55%, ao fixar-se a responsabilidade do ES em 45%. Como tentámos justificar sumariamente a responsabilidade do ES é, ao invés, sensivelmente superior ao do ED, pelo que fixaríamos a contribuição do ES para a ocorrência dos danos em 70%.”

(Fonte Ramos)