EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
ALIMENTOS A EX-CONJUGE
CRÉDITO DE ALIMENTOS
RENDIMENTO INDISPONÍVEL
Sumário

I – Se relativamente aos alimentos atinentes a filhos menores integrados no agregado familiar do insolvente há lugar ao seu acautelamento em sede de fixação do rendimento indisponível por via da previsão do ponto i) da alínea b) do nº3 do art. 239º do CIRE, já quanto a todas as restantes situações de alimentos haverá que ter em conta o disposto no art. 93º do CIRE;
II – De tal preceito decorre que se o crédito por alimentos sobre o insolvente fixado por decisão anterior for relativo a período anterior à declaração de insolvência, pode ser exercido contra a massa insolvente, reclamando-se o mesmo na insolvência e sendo o mesmo pago nesta sede, sendo que em sede de exoneração do passivo restante poderá usufruir da distribuição do remanescente do rendimento disponível nos termos previstos no art. 241º nº1 alínea d) do CIRE;
III – Já quanto a crédito de alimentos fixado por decisão anterior relativo a período posterior à declaração de insolvência, diz-se naquele art. 93º que o mesmo só pode ser exercido contra a massa insolvente se nenhuma das pessoas referidas no art. 2009º do C. Civil estiver em condições de os prestar, devendo, em tal caso, o juiz fixar o respectivo montante; isto é, ainda que o insolvente, nesta situação “residual”, continue a ser responsável por tal crédito, há que ser fixado “ex novo” o seu montante - desde logo, de acordo com as suas possibilidades, como previsto no art. 2004º do C. Civil, pois estas, naturalmente, com a sua situação de insolvência, são com certeza diferentes das que existiam quando foi proferida a anterior decisão que os fixou.
IV – Não tendo sido proferida na insolvência a decisão judicial prevista naquele art. 93º e pretendendo o insolvente, em sede de fixação do rendimento indisponível que tem lugar na exoneração do passivo restante, a atribuição daquela quantia para por si próprio proceder ao pagamento de alimentos à ex-mulher, está o mesmo a querer pagar através da massa insolvente um crédito que, por via da exigência prevista naquele art. 93º, nem sequer está decidido que exista.
V – Ainda que tal decisão tivesse tido lugar, durante o período de cessão próprio da exoneração do passivo restante tal crédito apenas poderia ser pago através do fiduciário, pois, como se prevê no art. 239º nº4 alínea e), durante tal período o devedor fica obrigado a “não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores”.
VI – Sendo o crédito de alimentos à ex-mulher do insolvente de enquadrar nos termos que se vieram de referir, é de concluir que o mesmo não é de equacionar como uma qualquer despesa a cargo do devedor e, como tal, insusceptível de integrar as “outras despesas” previstas no ponto iii) da alínea b) do nº3 do art. 239º do CIRE.

Texto Integral

Processo nº53/21.8T8AVR.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 2)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

Nestes autos de insolvência de pessoa singular, em que, a requerimento de um seu credor, veio a ser declarado a insolvência de AA, veio o insolvente, por requerimento de 23/3/2021, requerer a exoneração do passivo restante.
Alegou para tal, designadamente, que está divorciado desde 2 de Maio de 2007, tem um filho maior, é portador de deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 60%, aufere mensalmente de reforma a quantia líquida de cerca de € 2.779,00 e que tem de despesas mensais:
- a quantia de 900 euros, a título de alimentos devidos à ex-cônjuge (fixada em sentença homologatória proferida em 5/12/2011 na acção ordinária de alimentos definitivos nº419/11.1T2OBR, que correu termos no Juízo de Família e Menores da Comarca do Baixo Vouga, Aveiro, cuja cópia juntou), cujo pagamento alegou não ter vindo a cumprir a partir de Dezembro de 2015 em virtude de penhora entretanto efectuada na reforma por si auferida com efeito a partir de tal mês (conforme documento – notificação de penhora – que juntou) mas que pretendia iniciar logo que cessada tal penhora;
- a quantia de 583 euros em habitação;
- a quantia de 480 euros em alimentação;
- e a quantia de cerca de 110 euros com a prática de golf.
Naquele seu requerimento requereu ainda que fosse ressalvado no despacho inicial o valor necessário para o cumprimento daquela obrigação de alimentos, uma vez que, segundo ali alegou, a ex-cônjuge não trabalha, não aufere rendimentos decorrente de profissão, nem tem direito a reforma ou a qualquer subsídio.
Em 26/4/2021 a Sra. Administradora da Insolvência ofereceu o relatório a que se refere o artigo 155º do CIRE e a lista provisória de credores na qual discrimina um passivo que ascende no total (incluindo capital e juros) a € 1.481.092,05.
Não foi deduzida qualquer oposição ao pedido de exoneração do passivo restante.
Sobre aquele requerimento foi proferido em 6/1/2022 o seguinte despacho:
O insolvente deduziu pedido de exoneração do passivo restante.
Não houve oposição dos demais interessados.
Apreciando e decidindo:
Analisados os elementos juntos aos autos, não se vislumbra a existência de qualquer motivo, nos termos das várias alíneas do art. 238.º/1 do CIRE, que possa justificar decisão de indeferimento liminar.
Com efeito, verifica-se que o pedido foi apresentado tempestivamente, não existem sinais da prestação de informações falsas por parte do requerente antes do início do processo de insolvência, nem de que tenha beneficiado anteriormente da exoneração, sendo ainda certa a inexistência de elementos que denunciem a prática de infracções relevantes, a nível criminal ou no âmbito do processo de insolvência, ou de culpa do requerente na criação ou no agravamento da situação de insolvência.
No mesmo sentido, depõe a circunstância de, por decisão que transitou em julgado, a insolvência ter sido qualificada de fortuita.
Por outro lado, não se denuncia a ocorrência de atraso relevante na apresentação à insolvência da qual tenham resultado prejuízos para os credores.
Na fixação do sustento minimamente digno do devedor (e do rendimento disponível para cessão), importa sobretudo considerar as suas condições de vida (está reformado, auferindo a pensão de reforma no valor mensal de € 2.779,00), os encargos relevantes que tem de suportar (mormente, as despesas de saúde, acrescidas em função da idade e da incapacidade permanente de 60%, e habitacionais, por viver numa casa de hóspedes, sendo certo, porém, que a pensão devida ao cônjuge não pode, pelo menos integralmente e sem mais, sobrepor-se aos direitos insatisfeitos dos credores, o mesmo ocorrendo, manifestamente, com os dispêndios com a prática de golf), o valor bastante elevado das dívidas (no global de cerca de € 1.000.000,00) e a ausência de património apreendido, por ora, que possa servir para o seu pagamento, ainda que residual.
Em tal fixação, tudo ponderado, e considerando ainda as regras relativas à penhora, por aplicação do disposto nos arts. 738.º do CPC e 17.º do CIRE, é justificado e equitativo reservar para o sustento mínimo mensal um pouco mais de metade da pensão de reforma (52,5%), aproximando-o de 2SMN por mês, e o valor restante (47,5%) para os credores, sendo certo que a superioridade deste último, por comparação com os valores de uma penhora (1/3), facilmente se compreende por agora estar em causa uma execução universal, com créditos de valor especialmente elevado, e ainda ao montante relevante da pensão auferida pelo devedor.
O momento da produção de efeitos da admissão liminar é definido para o trânsito em julgado desta decisão, por ser a solução mais ajustada ao disposto no art. 230.º/1, al. e), do CIRE, e a que melhor se coaduna com a celeridade pretendida neste âmbito e com os interesses de devedor e credores.
Pelo exposto, admito liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.
Em consequência, determino que durante os cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, o rendimento disponível do insolvente se considera cedido ao fiduciário, com exclusão dos créditos indicados nas als. a) e b) do art. 239.º/3 do CIRE, fixando-se o sustento mensal minimamente digno do insolvente no valor correspondente a 52,5% de todos os seus proventos líquidos, sendo o restante o rendimento disponível para cessão.
Como fiduciário, fica designada a administradora da insolvência.
Notifique, sendo o insolvente com indicação dos deveres que sobre ele recaem, previstos no art. 239.º/4 e 5 do CIRE e a Sra. fiduciária para cumprimento do disposto no art. 241.º do mesmo diploma.
Registe e publicite a nomeação de fiduciário (arts. 38.º/2 e 4 e 240.º/2 do CIRE). DN.

De tal despacho, na parte em que na fixação do rendimento disponível do insolvente não foi considerada a pensão de alimentos de 900 euros mensais devida à ex-cônjuge, veio o insolvente interpor recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da decisão que, admitindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante do insolvente, fixou como valor necessário para o sustento minimamente digno do devedor, o montante correspondente a 52,5% de todos os seus proventos líquidos, sendo o restante o rendimento disponível para cessão ao fiduciário.
II. No entanto, em tal desiderato o Tribunal violou o disposto nos artigos 239.º, n.º 3, alínea b) iii e 244º nº 2 alínea a) do CIRE, na medida em que impunha-se, contrariamente ao que foi doutamente decidido, concluir pela fixação como valor necessário para o sustento minimamente digno do devedor, o montante correspondente a 52,5% de todos os seus proventos líquidos acrescido do pagamento do valor da pensão de alimentos devida à ex-cônjuge € 900,00.
III. Ora, o n.º 3 do art.º 239, por sua vez, dispõe que integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, que não estejam incluídos nas exclusões das alíneas a) e b) desta norma, a saber: a) Os créditos a que se refere o art.º 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) Do que seja razoavelmente necessário para: i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional; iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.
IV. No que concerne à determinação do que deva considerar por mínimo necessário ao sustento digno do devedor, a opção legislativa passou pela utilização de um conceito aberto, a que subjaz o reconhecimento do princípio da dignidade humana, necessariamente assente na noção do montante que é indispensável a uma existência condigna, a avaliar face às particularidades da situação concreta do devedor em causa, impondo-se, uma efectiva ponderação casuística no juízo a formular no que respeita à fixação do quantitativo excluído da cessão dos rendimentos – neste sentido, cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 8/03/2012, in www.dgsi.pt.
V. Tarefa que no caso concreto, salvo douta opinião em sentido diverso, não foi devidamente levada a cabo, até porque tendo em consideração os factos decorrentes da petição inicial e os documentos juntos, foi omitida no douto despacho recorrido a pensão de alimentos que milita a favor de entendimento divergente do da douta sentença.
VI. Pelo que requer que seja ressalvado no despacho inicial o valor necessário para o cumprimento da obrigação de alimentos. Com efeito, a ex-cônjuge não trabalha, não aufere rendimentos decorrente de profissão, nem tem direito a reforma ou a qualquer subsídio.
VII. Dado que, sem o pagamento da pensão de alimentos, não tem a sua ex-cônjuge rendimento para fazer face às suas despesas do dia-a-dia. Pelo que, constituirá o recebimento da pensão de alimentos por parte do requerido, a sua única fonte de sustento mensal.
VIII. Razões pela quais, entende dever ser ressalvado no despacho inicial o valor necessário para o cumprimento da obrigação de alimentos, ou seja, nos termos da sentença proferida o valor mensal de € 900,00 – novecentos euros. Em conformidade, aliás, com o artigo 245.º nº 2 do CIRE
IX. A obrigação de prestar alimentos nasce, assim, das relações familiares e dos vínculos de solidariedade que contribuem para a união desta, pelo que a extinção destes créditos e a consequente afectação daquele vínculo por via da exoneração do passivo restante repugnaria à consciência moral (fundamento extrajurídico que justifica a excepção).
X. quanto a eventuais despesas extraordinárias deverão ser atendidas pelo tribunal com recurso ao disposto na al. iiI) que determina a exclusão de outras despesas ressalvadas pelo juiz, a requerimento do devedor.
XI. Os credores dos créditos de alimentos são vistos como os mais sensíveis e ao retirar-lhes esses créditos, colocará causa uma política pública de apoio à família tão fundamental como a política de libertar o devedor dos seus encargos financeiros excessivos.
XII. E assim sendo o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que fixe como valor necessário para o sustento minimamente digno do devedor, o montante correspondente a 52,5% de todos os seus proventos líquidos, acrescido do pagamento do valor da pensão de alimentos devida à ex-cônjuge € 900,00.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há apenas uma questão a tratar: apurar se ao rendimento indisponível fixado deve acrescer o montante de € 900,00, correspondente à pensão de alimentos devida à ex-cônjuge do insolvente.

**
II – Fundamentação

Em vista do tratamento da questão enunciada, aos dados referidos no relatório desta peça há ainda que acrescentar os seguintes:
- a ex-cônjuge do insolvente, BB, em 20/8/2021, propôs, por apenso aos presentes autos de insolvência, uma acção de verificação ulterior de créditos (apenso nº53/21.8T8AVR-C) em que pediu o reconhecimento de crédito sobre a insolvência no montante global de € 113.564,08, no qual se inclui a quantia de € 57.600,00, a título de prestações de alimentos devidas pelo insolvente e vencidas desde Novembro de 2015 até à declaração de insolvência, e a quantia de € 6.189,63, a título de juros de mora calculados à taxa de 4% incidentes sobre aquelas prestações;
- em 17/5/2022 foi naquela acção proferida sentença, entretanto já transitada em julgado, que reconheceu tal crédito global e com a natureza de crédito comum.
Analisemos então a pretensão do recorrente.
Pretende este que fique na sua disponibilidade, integrando-se no rendimento indisponível a si fixado em sede de exoneração do passivo restante, o quantitativo correspondente à pensão de alimentos que se encontra obrigado a pagar à sua ex-mulher – de 900 euros – por sentença homologatória proferida em 5/12/2011 na acção ordinária de alimentos definitivos acima identificada, por via da consideração do disposto no ponto iii) da alínea b) do nº3 do art. 239º do CIRE (onde se prevê a exclusão do rendimento disponível para cessão de “Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor”).
Mas não lhe pode ser reconhecida razão.
Se relativamente aos alimentos atinentes a filhos menores integrados no agregado familiar do insolvente há lugar ao seu acautelamento em sede de fixação do rendimento indisponível por via da previsão do ponto i) da alínea b) do nº3 do art. 239º do CIRE, já quanto a todas as restantes situações de alimentos haverá que ter em conta o disposto no art. 93º do CIRE[1], onde se preceitua que “O direito a exigir alimentos do insolvente relativo a período posterior à declaração de insolvência só pode ser exercido contra a massa se nenhuma das pessoas referidas no artigo 2009º do Código Civil estiver em condições de os prestar, devendo, neste caso, o juiz fixar o respectivo montante”.
De tal preceito decorre que se o crédito por alimentos sobre o insolvente fixado por decisão anterior for relativo a período anterior à declaração de insolvência, pode ser exercido contra a massa insolvente, reclamando-se o mesmo na insolvência e sendo o mesmo pago nesta sede, sendo que em sede de exoneração do passivo restante poderá usufruir da distribuição do remanescente do rendimento disponível nos termos previstos no art. 241º nº1 alínea d) do CIRE.
No caso vertente, em que está em causa, como se referiu, pensão de alimentos a cargo do insolvente para com a sua ex-mulher fixada por sentença homologatória proferida em 5/12/2011, a própria credora de tais alimentos veio, na acção própria supra identificada, pedir o reconhecimento de tal crédito quanto a alimentos vencidos e não pagos até à declaração de insolvência, o que lhe foi reconhecido por sentença já transitada.
Assim, quanto a tal crédito por alimentos anteriores à declaração de insolvência, o seu eventual pagamento, total ou parcial, seguirá aquele caminho.
Mas já quanto a crédito de alimentos fixado por decisão anterior e relativo a período posterior à declaração de insolvência – como é o que está em causa no recurso, pois pretende-se que, já depois da declaração de insolvência e durante o período de cessão que decorre em sede de exoneração do passivo restante, se atribua ao insolvente montante pecuniário correspondente à pensão de alimentos fixada nos termos supra referidos –, diz-se naquele art. 93º que o mesmo só pode ser exercido contra a massa insolvente se nenhuma das pessoas referidas no art. 2009º do C. Civil estiver em condições de os prestar, devendo, em tal caso, o juiz fixar o respectivo montante.
Isto é, ainda que o insolvente, nesta situação “residual”, continue a ser responsável por tal crédito, há que ser fixado “ex novo” o seu montante. Desde logo, de acordo com as suas possibilidades, como previsto no art. 2004º do C. Civil, pois estas, naturalmente, com a sua situação de insolvência, são com certeza diferentes das que existiam quando foi proferida a anterior decisão (no caso dos autos, a sentença homologatória acima referida) que fixou tais alimentos.
Como se vê dos autos, não foi proferida qualquer decisão judicial subsumível à previsão daquele art. 93º.
Ora, não tendo sido proferida na insolvência a decisão judicial prevista naquele art. 93º e pretendendo o insolvente, em sede de fixação do rendimento indisponível que tem lugar na exoneração do passivo restante, a atribuição daquela quantia para por si próprio proceder ao pagamento dos alimentos à ex-mulher, está o mesmo a querer pagar através da massa insolvente – pois abrangendo esta todo o património do devedor à data da declaração de insolvência bem como os bens e direitos que ele adquire na pendência do processo (art. 46º nº1 do CIRE), nela se inclui a reforma no montante mensal de € 2.779,00 que o insolvente aufere – um crédito que, por via da exigência prevista naquele art. 93º, nem sequer está decidido que exista.
Por outro lado, diga-se, ainda que tal decisão tivesse tido lugar, durante o período de cessão próprio da exoneração do passivo restante – pois é o que está em causa no recurso (já que depois de tal período o insolvente retoma autonomia total para dispor dos seus bens) – tal crédito apenas poderia ser pago através do fiduciário, pois, como se prevê no art. 239º nº4 alínea e), durante tal período o devedor fica obrigado a “não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores”.
Efectivamente, como se refere no acórdão desta mesma Relação de 16/1/2018[2], para caso idêntico ao destes autos, “as dívidas por alimentos não são créditos que possam merecer um tratamento distinto dos restantes créditos, nem conduzir a um privilegiamento dos respectivos titulares relativamente a outros credores. Ao que acresce que a declaração de insolvência tende à desresponsabilização dos devedores de alimentos, desde que os respectivos credores possam obter, de outra fonte, a satisfação do seu direito”.
Assim, sendo o crédito de alimentos à ex-mulher do insolvente de enquadrar nos termos que se vieram de referir, é de concluir que o mesmo não é de equacionar como uma qualquer despesa a cargo do devedor e, como tal, insusceptível de integrar as “outras despesas” previstas no ponto iii) da alínea b) do nº3 do art. 239º do CIRE.
Deste modo, em conformidade com o que veio de expor, há que julgar improcedente o recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
*
Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
**
III – Decisão
Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
***
Porto 8/5/2023
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
________________
[1] Neste sentido, vide o Acórdão desta mesma Relação de 24/9/2020 (proc. nº303/18.0T8AVR-F.P1; rel. Paulo Duarte Teixeira; disponível em www.dgsi.pt).
[2] Proferido no processo nº2559/14.6T8VNG-G.P1, rel. Rui Moreira, disponível em www.dgsi.pt.