VENDA DE IMÓVEL EM PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
DIFERIMENTO DE ENTREGA DE IMÓVEL
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
SUSPENSÃO DA ENTREGA
LEIS TEMPORÁRIAS COVID19
Sumário

1.–Sendo o pedido de diferimento da entrega judicial da casa de morada da família do insolvente formulado depois de encetada a fase da liquidação e no decurso desta, tendo já sido realizada a venda do bem imóvel, impõe-se o indeferimento dessa pretensão se o insolvente não provar verificar-se o condicionalismo previsto no art. 863.º, nº3 do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 861.º, nº6 do mesmo diploma, sendo o regime processual civil aplicável aos autos de insolvência nos termos do art. 17.º, nº1 do CIRE.

2.–No entanto, mantém-se em vigor o regime de suspensão da diligência de entrega judicial prevista no artº 6º-E, nº7, alínea b), da Lei nº 1-A/2020, de 19/3, na redação dada pela Lei nº 13-B/2021 de 05-04, preceito que não foi revogado pelo Dec. Lei nº 66-A/2022 de 30-09, nem cessou por caducidade, pelo que esse regime opera desde que se mostre verificado o respetivo condicionalismo, isto é, que o imóvel cuja entrega está em causa constitua a casa de morada da família do insolvente, a quem compete o respetivo ónus de alegação e prova (art. 342.º, nº1 do CPC).

3.– Grosso modo, a casa de morada da família corresponderá à residência habitual do executado/insolvente (cfr. o art. 82.º, nº1 do Cód. Civil), onde este tem centrada a sua vida, com permanência, constituindo o centro da sua vida familiar, independentemente do número de pessoas que componham o respetivo agregado.

4.–Alegando o insolvente que tem a casa de morada da família em duas frações do mesmo prédio urbano, ambas destinadas a habitação e com as caraterísticas evidenciadas na factualidade dada por assente, sendo inequívoco que se tratam de duas frações independentes uma da outra, mas provando-se que essa caraterização só vale quanto a uma das frações – porquanto, relativamente à outra, os autos não fornecem elementos que, com a suficiente consistência, suportem a alegação do apelante –, a suspensão da entrega judicial só se coloca relativamente àquela fração, mas não já quanto a esta.

5.–Mesmo que assim se não entendesse, e em argumentação subsidiária, sempre se chegaria à mesma conclusão; efetivamente, a admitir-se que o insolvente tenha a sua residência nas duas frações, então impunha-se considerar que o alcance de proteção da norma só se estenderia a uma delas, não sendo lícito ao insolvente beneficiar da referida medida à custa dos credores e com sacrifício injustificado destes: no balanceamento entre o interesse público que está na base do regime de suspensão aludido – mormente o interesse em obstar à progressão da pandemia – e o interesse dos credores, conclui-se que aquele se queda perfeitamente assegurado pela suspensão da entrega de (apenas) uma das frações.

6.–Mostra-se adquirido na doutrina e jurisprudência que o direito à habitação consagrado no art. 65.º da CRP se perspetiva no âmbito da atuação do Estado, tendo em vista prestações do Estado e não dos particulares; incumbe ao Estado a adoção de políticas que favoreçam a oferta pública e privada de habitação, não o devendo fazer, primacialmente, por via de limitações ao direito de propriedade que, de qualquer forma, estão sempre sujeitas ao crivo dos princípios da equidade e proporcionalidade.

Texto Integral

Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa


I.–RELATÓRIO

1.–AS, apelante, foi declarado insolvente por sentença proferida em 12.02.2015, a requerimento de CEMG, tendo sido fixada ao insolvente a seguinte residência:
Rua …, n°., V____S____ (…).
2.–Em 17.01.2017, no apenso C, o administrador da insolvência apresentou auto de apreensão, do qual resulta a apreensão de 1/2 da propriedade das frações AC e AL, e a meação do insolvente, integrada por dois outros imóveis, as frações AB e AM.
3.–Em 29.07.2021 o administrador da insolvência informou a realização, em 14.04.2021, em conjunto com o processo 18880/13.8T2SNT, das escrituras de venda das frações "AB”, "AC” e "AL”, referindo ainda que a fração "AM” foi declarada invendável pela colega do referido processo 18880/13.
Juntou cópias das escrituras públicas referidas, documentando:
(i)-A venda, em 14.04.2021, em conjunto com o processo de insolvência n.° 18.880/13.8T2SNT, a S, S.A., das fracções "AB”, segunda cave esquerda destinada a habitação, e "AC”, segunda cave direita, destinada a habitação, do prédio sito na Avenida do (…) M___ A____, descrito na CRPredial de Q____ sob o n.° (…) da freguesia de M___A____.
(ii)-A venda, em 14.04.2021, em conjunto com o processo de insolvência n.° 18.880/13.8T2SNT, a EAM - S.A., da fracção "AL”, terceira cave, garagem H, do prédio sito na Avenida do (…), M____ A____, descrito na CRPredial de Q____ sob o n.° (…) da freguesia de M____A____.
Com base nesta informação, por despacho de 27.09.2021, foi declarada finda a liquidação.
4.–Em 31.01.2022, no processo principal, EAM - SA, pediu a entrega efetiva das frações "AB”, "AC” e "AL”.
Por despacho de 02.02.2022 a questão foi remetida para os administradores da insolvência, a quem incumbia ter providenciado pela entrega dos imóveis em devido tempo.
O insolvente opôs-se, em 16.02.2022, relativamente às frações "AB” e "AC”, alegando que as mesmas correspondem à sua casa morada de família, pedindo ainda “a notificação das entidades publicas e privadas, assistenciais de forma a serem encetadas as diligencias adequadas ao realojamento do insolvente, numa habitação, publica ou privada, condigna, por se entender que estes princípios jurídicos, em caso de conflito de interesses, deverão, sobrepor-se aos direitos dos credores” [[1]].
Por despacho proferido em 07.03.2022, EAM foi considerada parte ilegítima para requerer a entrega das frações "AB” e "AC” e o insolvente advertido de que lhe incumbe providenciar pela entrega, bem assim como dirigir-se às entidades que sejam competentes à prestação do auxílio que considere necessário [[2]].
5.–Por requerimentos de 11.04.2022 apresentados no apenso D (liquidação), SA, S.A. veio requerer a entrega efetiva das frações "AB” e "AC”, referindo ainda que com referência à alegação da casa morada de família, “tratando-se de duas fracções distintas, a entrega efectiva poderá ficar suspensa quanto a uma – a que efectivamente for local de morada da família – e seguir contra a outra”.
Termina indicando que:
“Assim, face ao exposto requer-se:
Que seja o insolvente notificado para que identifique em qual das fracções se situa a sua morada de família”.
No mesmo dia, EAM pediu a entrega da fração "AL”.
Por despacho de 11.05.2022, no processo principal, após insistência quanto ao suprimento de insuficiências do respetivo requerimento inicial, foi admitido o pedido de exoneração do passivo restante deduzido pelo insolvente.
Em 13-06-2022 foi proferido (no apenso D), despacho com o seguinte teor:
“Admitindo, face à posição assumida em 23.05.2022, que o despacho do tribunal possa não ter sido inteiramente claro, esclarece-se o Sr. Administrador(a) de Insolvência que o tribunal pretende saber é o que determinou a não realização das entregas no momento próprio, mais concretamente:
1.-Quem são os ocupantes dos imóveis cuja entrega é agora requerida;
2.-A que título os ocupantes se mantiveram nos mesmos após a venda;
3.-Se houve constituição de depositário no âmbito da apreensão e em caso afirmativo a sua identidade e razão de ser da nomeação;
4.-As diligências de desocupação e entrega realizadas na sequência das vendas efectuadas;
5.-O que determinou a não entrega dos imóveis aos adquirentes, na sequência da respectiva venda.
Notifique”.
Na sequência do que, em 27-06-2022, o administrador da insolvência, veio informar como segue:
“(…), Administrador do insolvente AS, notificado por V. Exª para:
(…)
Na sequência de lapso interpretativo do signatário, cumpre-lhe dizer o seguinte:
Conforme consta amiúde do presente processo, quer em variados requerimentos, quer nos relatórios, a condução da liquidação foi toda realizada pela Digníssima colega Administradora do processo número 18830/13.8T2SNT, J1.
Nesse sentido foi remetido pelo signatário à sua ilustre colega um email no dia 15/6/2022, ao qual a mesma respondeu devidamente, o que se enaltece, permitindo assim responder à solicitação de V. Exª, cfr. documento número 1 que se junta.
1.-Quem são os ocupantes dos imóveis cuja entrega é agora requerida;
O ocupante dos imóveis é o ex-cônjuge da insolvente, Sr. AS, sendo que a insolvente não reside nos mesmos há oito anos.
2.-A que título os ocupantes se mantiveram nos mesmos após a venda;
A insolvente veio informar ser “alheia à ocupação dos imóveis” e que a fechadura tinha sido trocada pelo Sr. AS.
3.-Se houve constituição de depositário no âmbito da apreensão e em caso afirmativo a sua identidade e razão de ser da nomeação;
Não houve constituição de depositário no âmbito da apreensão.
4.-As diligências de desocupação e entrega realizadas na sequência das vendas efectuadas;
Foi enviada carta registada à insolvente a 04-05-2022 (RF569615104PT), Sra. MG, para que desocupasse os imóveis, tendo a mesma vindo dar as informações prestadas nos supra aludidos pontos 1. e 2., após o que se enviaram três cartas registadas (RF569615339PT), (RF569615342PT) e (RF569615356PT), ao Sr. AS, para que desocupasse os referidos imóveis.
5.-O que determinou a não entrega dos imóveis aos adquirentes, na sequência da respectiva venda.
No seguimento do envio das três cartas ao Sr. AS, veio o seu mandatário informar, por carta registada de 31-05-2022 (RH909687833PT), que o seu cliente “não tem condições para cumprir o solicitado e proceder à imediata entrega do imóvel e das respetivas chaves” – documento nº1, pelo que se vai diligenciar de acordo com o proferido no apenso C, nos autos do processo nº 18880/13.8T2SNT, nos despachos de 24-02-2022 (Refª 135785127) e de 06-05-2022 (Refª 137286077) – cf. requerimento de 18-05-2022 (Refª 42286086), a este propósito – documentos nº2, nº3 e nº4.
Junta: Um documento
É O QUE CUMPRE INFORMAR V. EXA.”
Por despacho proferido em 06.07.2022 foi fixado o prazo de 10 dias para o insolvente proceder à desocupação e entrega ao administrador da insolvência dos imóveis, ou acordar com este prazo razoável para a desocupação e entrega dos mesmos [[3]].
Em 21.07.2022, o insolvente apresentou proposta na qual se comprometeu a entregar as três frações autónomas até dezembro de 2022 [[4]].
Por despacho proferido em 07.10.2022 foi admitido o diferimento da desocupação, até 31.12.2022 [[5]].
6.–Em 14.12.2022 o insolvente apresentou requerimento com o seguinte teor:
“AS, insolvente, nos autos à margem referenciados, tendo acordado a entrega voluntária dos apartamentos apreendidos nos autos até ao próximo dia 31/12/2022 e tendo sido notificado pelo Douto Tribunal, para entregar o locado, onde reside, vem, em conformidade com essas premissas, expor e requerer o seguinte:
1-O insolvente de boa fé comprometeu-se a entregar a residência apreendida nos autos até ao próximo dia 31/12/2022;
2-Desde então e ainda anteriormente ao referido requerimento, o insolvente tem procurado, insistentemente, uma residência arrendada para habitar, o que ainda, não conseguiu por não existirem no mercado de arrendamento rendas compatíveis com a actual capacidade económica do insolvente;
3-Por outro lado, a filha do insolvente, foi despejada, da casa onde morava por falta de pagamento de rendas, por ter ficado desempregada e como tal impossibilitada de realizar o pagamento atempado das rendas;
4-Em face do sucedido, o insolvente, albergou a sua filha e o seu neto, com apenas dois anos de idade, (cfr. se prova, pelo Assento de Nascimento nº… do ano de 2020, emitida pelo C.R. Civil de Queluz que se junta, como Doc.Nº1) na referida residência, até que, ambos consigam encontrar uma casa arrendada com uma renda acessível de acordo com a sua capacidade económica;
5-Portanto, neste momento, na referida residência, residem o insolvente, a sua filha e o neto menor de idade do insolvente, razão pela qual, estas três pessoas, não tendo residência para viverem, não poderão ser expulsas da casa no dia 31/12/2022, ficando a viver na rua;
6-Além do mais, o insolvente, continua, doente e de baixa médica, conforme se prova, pelo Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, que se junta, como Doc.Nº2;
Atendendo à situação de extrema gravidade e de necessidade urgente de realojamento do insolvente e do seu agregado familiar, requer-se auxilio ao Tribunal de forma a que sejam notificadas as entidades competentes, designadamente, a Camara Municipal de S___ e a Segurança Social de S____, de forma a diligenciarem o realojamento desta família, o que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 861º nº6 do CPC, «havendo que ter consciência que está em causa a casa de morada de família dos executados, que são seres humanos, com família, com filhos menores». In. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. – Proc. Nº153/15.3T8CHV – Relator: Maria João Matos
No caso em que se suscitam sérias dificuldades no realojamento dos Executados, o que o Tribunal “a quo” entendeu verificar, a lei determina que “o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes” – Artigo 861.º n.º 6 do CPC. In. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. – Proc. Nº153/15.3T8CHV – Relator: Maria João Matos
7-É pressuposto da diligência que se encontre assegurada uma habitação social aos Recorrentes, porquanto, a rácio do referido preceito legal reside na dignidade da pessoa humana.
8-É a salvaguarda de direitos fundamentais de ordem social e familiar (o direito à habitação consagrado no artigo 65.º da Constituição da República), tal como no processo executivo sob os artigos 736º e ss., pela impenhorabilidade de determinados rendimentos, como forma de garantir o mínimo indispensável à satisfação das necessidades básicas do devedor e a da sua família.
9-Outra fosse a interpretação estaríamos a violar de forma grosseira o disposto no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa, o que constituiria uma inconstitucionalidade.
10-“A situação de carência económica do executado, que veja vendida em acção executiva a sua casa de morada de família, tem de ser resolvida através de mecanismos da área da assistência social, accionados nos termos do art. 861º, n.º 6, in fine, do C.P.C.; In. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. – Proc. Nº153/15.3T8CHV – Relator: Maria João Matos
Em face do exposto, atento os factos e os motivos invocados, designadamente, em face do estado de saúde e das sérias dificuldades no realojamento do insolvente, e do seu agregado familiar composto por uma criança com dois anos de idade,
·Requer-se ao Tribunal, que sejam notificadas as entidades competentes, designadamente, a Camara Municipal de S____ e a Segurança Social de S____, de forma a diligenciarem o realojamento desta família, o que se requer, ao abrigo do disposto no artigo 861º nº6 do CPC, «havendo que ter consciência que está em causa a casa de morada de família dos executados, que são seres humanos, com família, com filhos menores». In. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. – Proc. Nº153/15.3T8CHV – Relator: Maria João Matos.
·Consequentemente, logo que o realojamento do insolvente e desta família seja assegurado, pelas entidades assistenciais, o insolvente, entregará imediatamente os apartamentos apreendidos à massa insolvente, o que respeitosamente se requer”.
Junta documentos.
S. SA opôs-se.
Sobre esse requerimento recaiu a decisão recorrida, proferida em 25-01-2023, com o seguinte segmento dispositivo:
“Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos:
1.–Indeferir o requerimento apresentado em 14.12.2022 pelo Insolvente;
2.–Fixar o derradeiro prazo de 30 dias para o Insolvente proceder à entrega voluntária dos imóveis por si ocupados, aos adquirentes ou ao Administrador(a) de Insolvência;
3.–Desde já autorizar o Administrador(a) de Insolvência a, findo o prazo agora fixado, se os imóveis não tiverem sido entregues, requerer o auxílio da força pública para desocupação e entrega dos mesmos aos adquirentes, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 828.° e 861.°, n.°s 1 e 6, do CPC, e 17.° e 150.°, n.°s 1, 4 e 5, do CIRE.
4.–Advertir o Sr. Administrador(a) de Insolvência para, caso venha a designar data para entrega coerciva dos imóveis, dar cumprimento ao disposto no art.° 861.°, n.° 6, do CPC quanto à comunicação antecipada do facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes, bem assim como, na execução da diligência, ter em consideração o disposto no art.° 863.°, n.°s 3 a 5, do CPC.
Notifique, inclusive a Administrador(a) de Insolvência do processo de Insolvência n.° 18880/13.8T2SNT, e dê conhecimento ao referido processo”.
7.–Não se conformando o insolvente apelou formulando as seguintes conclusões:
“13°
No entanto, o tribunal recorrido, no despacho recorrido de 25.01.2023, decidiu:
1.-“Indeferir o requerimento apresentado em 14.12.2022 pelo Insolvente”;
2.-“Fixar o derradeiro prazo de 30 dias para o Insolvente proceder à entrega voluntária dos imóveis por si ocupados, aos adquirentes ou ao Administrador(a) de Insolvência;
3.-Desde já autorizar o Administrador(a) de Insolvência a, findo o prazo agora fixado, se os imóveis não tiverem sido entregues, requerer o auxílio da força pública para desocupação e entrega dos mesmos aos adquirentes, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 828.º e 861.º, n.ºs 1 e 6, do CPC, e 17.º e 150.º, n.ºs 1, 4 e 5, do CIRE”.
4.-” Advertir o Sr. Administrador(a) de Insolvência para, caso venha a designar data para entrega coerciva dos imóveis, dar cumprimento ao disposto no art.o 861.º, n.º 6, do CPC quanto à comunicação antecipada do facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes, bem assim como, na execução da diligência, ter em consideração o disposto no art.o 863.º, n.ºs 3 a 5, do CPC.”
14°
O tribunal recorrido, ordenou que o insolvente procedesse à imediata entrega das fracções, no prazo de 30 dias, permitindo ao AI requerer o auxílio da força pública para a desocupação, sem a prévia valoração da situação socioeconómica do insolvente, que provou estar há longos meses doente e residir na habitação com a sua filha e neta com dois anos de idade.
15°
O tribunal recorrido não se inteirou tal como devia e seria sua obrigação acerca das condições de saúde e económicas precárias em que o insolvente se encontra, nem tão pouco do seu respectivo agregado familiar onde se encontra inserida uma menor com dois anos de idade, uma vez que o insolvente, continua da presente data doente, cfr. se prova pelo certificado de incapacidade para o trabalho de 24-01-2023 a 22-02-2023, que se junta, como Doc.N°1.
16º
Dentro de dias, o insolvente, a sua filha e a sua neta, não poderão ser “escorraçados” e colocados na rua, numa situação de “sem abrigo”, por tal decisão/despacho, tomada sem mais, ofender e violar, claramente, além da legislação invocada, ainda, os básicos princípios do direito, ou seja o principio da dignidade da pessoa humana e da protecção de uma criança menor de idade, além de violar o direito à habitação, previsto no artigo 65° do CRP.
17°
Além do mais, deverá o Tribunal da Relação, revogar o despacho proferido a 25.01.2023, pelo tribunal “a quo”, por violação do disposto nos artigos 861° n°6 e 863° n°3 a 5, uma vez que o despacho recorrido ordena a prévia entrega das fracções onde o insolvente reside com o seu agregado familiar, com auxilio da força publica e só posteriormente é que notifica o AI para comunicar as dificuldades de realojamento às entidades assistenciais e à Câmara Municipal, quando o disposto no n°6 do artigo 861° do CPC, exige que essas comunicações sejam realizadas antecipadamente e não posteriormente, o que lhes retira todo e qualquer efeito e utilidade, devendo, nesta medida, o despacho recorrido ser revogado, fazendo-se, assim, JUSTIÇA.
18°
Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Junho de 2016 (proc 277/14.4TBMCM-E. P1)
I- É aplicável aos insolventes singulares o benefício do diferimento da desocupação da casa de habitação previsto nos arts. 864o e 865 do Cód. do Proc. Civil, por força da remissão operada nos arts. 50o, no 5 do CIRE e 862o do Cód. do Proc. Civil. II- O prazo de diferimento da desocupação destina-se a permitir ao requerente que se encontra em situação de particular carência ou dificuldade, e que terá necessariamente que desocupar o local, um último prazo minimamente razoável para obter um alojamento alternativo. III- O pedido de diferimento da desocupação do imóvel apresentado pelos insolventes não pode ser rejeitado, sem apreciação da situação económica e social destes, apenas com fundamento no período de tempo entretanto decorrido após a sua adjudicação ao credor reclamante."
19°
Estamos, claramente, “in casu” perante, razões sociais imperiosas, por o insolvente se encontrar doente, tendo consequentemente o despacho recorrido, violado, ainda, o disposto nas alíneas a) e b), do n°2, do art. 864°, do Código de Processo Civil, aplicável por força do n° 5, do art° 150°, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
20°
Estamos perante situações excecionais, que justificam que o legislador, imponha aos proprietários do imóvel o retardar do cumprimento da obrigação de entrega do imóvel, por motivos que se prendem com a dignidade humana e atenta a protecção da dignidade da pessoa humana e do direito à habitação, previsto no artigo 65° do CRP.
21°
requer-se, ao Tribunal, a notificação, prévia à obrigação de entrega e desocupação, das entidades publicas e privadas, assistenciais de forma a serem encetadas as diligencias adequadas ao realojamento do insolvente e agregado familiar, numa habitação, publica ou privada, condigna, por se entender que estes princípios jurídicos, em caso de conflito de interesses, deverão, sobrepor-se aos direitos dos credores;
(…)
Termos em que,
Atento os factos e os motivos invocados, requer-se:
·Decisão que ordene a revogação do despacho proferido a 25.01.2023, pelo tribunal “a quo”, por violação do disposto nos artigos 861° n°6 e 863° n°3 a 5 do CPC, uma vez que o despacho recorrido ordena, em 30 dias, a previa entrega das fraçções onde o insolvente reside com o seu agregado familiar, com auxilio da força publica e só posteriormente é que notifica o AI para comunicar as dificuldades de realojamento às entidades assistenciais e à Câmara Municipal, quando o disposto no n°6 do artigo 861° do CPC, exige, justamente, o contrário, ou seja, que essas comunicações sejam realizadas antecipadamente e não posteriormente, o que lhes retira todo e qualquer efeito e utilidade, além, do tribunal recorrido não ter sequer, ainda que indiciariamente, indagado acerca das condições económicas e sociais imperiosas em que se encontra o insolvente, que continua, presentemente, doente e incapacitado para o trabalho, tendo consequentemente o despacho recorrido, violado, ainda, o disposto nas alíneas a) e b), do n°2, do art. 864°, do Código de Processo Civil, aplicável por força do n° 5, do art° 150°, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, devendo, nesta medida, o despacho recorrido ser revogado, suspendendo-se a entrega da fracções, devendo, as entidades competentes assistenciais, auxiliarem, com urgência, o realojamento do insolvente e do seu agregado familiar, acautelando-se, assim, o principio da dignidade da pessoa humana e do direito a uma habitação digna, fazendo-se, assim, JUSTIÇA”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar.
II.–FUNDAMENTOS DE FACTO
Para além das vicissitudes processuais supra indicadas em 1 a 5, que a primeira instância considerou relevantes para a decisão, esta Relação dá ainda por assente, ao abrigo do disposto nos arts. 607.º, nº4, 2ª parte, ex vi do disposto no art. 663.º nº2 e 662.º nº1 do CPC, o circunstancialismo que a seguir se indica, ponderando os elementos constantes dos autos e ora referidos:
1.–O insolvente, à data com 38 anos, casou-se com MG, em 20-07-1998, casamento dissolvido por divórcio decretado por sentença de 09-03-2010 [[6]].
2.–GM nasceu a 12-03-2020 e é filho de JC e de SS, sendo o insolvente seu avô [[7]].
3.–Entre 25-11-2022 e 24-12-2022 o insolvente estava incapacitado para o trabalho, por “doença natural”, conforme certificado emitido em 05-12-2022 e no qual o médico respetivo fez consignar que o insolvente “pode sair” [[8]].
4.–Entre 24-01-2023 e 22-02-2023 o insolvente estava incapacitado para o trabalho, por “doença natural”, conforme certificado emitido em 27-01-2023 e no qual o médico respetivo fez consignar que o insolvente “só pode ausentar-se do domicílio para tratamento” ou com “autorização médica” [[9]].
5.–A mencionada fração “AB” corresponde à 2º Cave esquerda do prédio sito na Av. do …, nº (…), M____A____-....-..., destina-se a habitação, “com terraço e arrecadação nº 3 na 2ª cave”, com a “Tipologia/Divisões 3” com a permilagem de 46,5000, Área bruta privativa: 127,8000 m2 e Área bruta dependente: 50,3000 m2; está inscrita na matriz desde 1994 e tem o “Valor patrimonial actual (CIMI): €96.950,00”, determinado em 2012[[10]], correspondendo à verba nº1 do auto de apreensão/arrolamento realizado pelo administrador da insolvência em 26-03-2015 e aí identificada (apenso C).
6.–A mencionada fração “AC” corresponde à 2º Cave direita do mesmo prédio, destina-se a habitação, com terraço e é composta por 3 assoalhadas, cozinha, dispensa 2WC, hall e terraço; tem o “valor patrimonial actual de 90.613,95€” conforme o mesmo auto de apreensão, estando aí identificada sob a verba nº2 [[11]].
7.–A venda das frações apreendidas nos autos foi feita, conforme deliberação da assembleia de credores, no processo de insolvência da ex-cônjuge do ora insolvente, cuja insolvência foi decretada em primeiro lugar e pela administradora aí nomeada [[12]].
8.–Na informação prestada pelo administrador da insolvência em 29-07-2021, este refere que a administração do condomínio do prédio em causa informou o administrador da insolvência que, com referência às aludidas frações e ainda à fração “AL” (garagem), entre a data da declaração de insolvência e a data em que foram realizadas as vendas das frações aludidas “estavam em dívida quotas de condomínio no valor de € 5.942,72”, devendo no processo proceder-se ao pagamento de metade desse valor – “uma vez que o insolvente era apenas co - proprietário do imóvel” -, pagamento que, no entanto, o administrador refere ainda não ter efetuado.
9.–Foram vendidas à sociedade S. SA:
- A fração “AB” pelo preço de 34.400,00€;
- A fração “AC” pelo preço de 42.700,00€;
E foi vendida à sociedade EAM SA, a fração “AL” (correspondente à terceira cave-garagem H) pelo preço de 3.160,00€ [[13]].
10.–Por documento emitido em 01-02-2022 a autoridade Tributária e Aduaneira de Sintra certificou que o insolvente “tem o seu domicílio fiscal em: Av. … (…)2, Cave Direita, M____ A____, - Q____” [[14]].
11.–O insolvente procedeu ao pagamento das seguintes quantias aos SMAS, por fornecimento de água:
(i)- 17,65€, sendo a “morada de abastecimento – Av. …, (…) 2CV DT, M____A____”, conforme fatura emitida em 03-01-2022, alusiva ao período de faturação de 30-12-2021 a 28-01-2022, junta pelo insolvente com o requerimento de 16-02-2022;
(ii)- 7,37€, sendo a “morada de abastecimento – Av. …, (…) 29 2ª CV EQ, M____A____”, conforme fatura emitida em 01-02-2022, alusiva ao período de faturação de 30-12-2021 a 28-01-2022, junta pelo insolvente com o mesmo requerimento.
12.–O insolvente procedeu ao pagamento das seguintes quantias à Iberdrola, por fornecimento de eletricidade:
(i)-69,19€, alusiva ao período de 09-12-2021 a 09-01-2022, conforme fatura emitida em 12-01-2022, enviada ao insolvente, para a morada “Av. do …, (…), CV DT, M____A____- ....--...-Q____” e junta pelo mesmo com o requerimento de 16-02-2022;
(ii)-27,62€, alusiva ao período de 18-11-2021 a 19-01-2022, conforme fatura emitida em 26-01-2022 enviada ao insolvente para a morada “Av. do …, (…), CV DT, M____A____-....-...-Q____” e junta pelo mesmo com esse requerimento;
(iii)-8,12€, alusiva ao período de 09-12-2021 a 09-01-2022, conforme fatura emitida em 12-01-2022 e enviada ao insolvente, para a morada “Av. do …, (…) CV EQ, M____A____-....-...-Q____”, junta pelo mesmo com esse requerimento.
III–FUNDAMENTOS DE DIREITO
1.–Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, ponderando a pretensão formulada no requerimento apresentado pelo insolvente em 14-12-2022, cumpre decidir se há fundamento para sobrestar na entrega judicial de dois imóveis ocupados pelo insolvente, para o que releva apreciar:
– Da verificação do condicionalismo previsto nos números 3 a 5 do art. 863.º do CPC, atenta a remissão feita no art. 861.º, nº6 do mesmo diploma, sendo o regime processual civil aplicável aos autos de insolvência nos termos do art. 17.º, nº1 do CIRE, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem;
–Se está em vigor o regime de suspensão previsto na alínea b) do nº 7 do art. 6.º- E da lei nº 1-A/2020 de 19-03, na redação introduzida pela Lei nº13-B/2021 de 05-04;
–Se os imóveis ocupados devem ser qualificados como constituindo a casa de morada da famíliado insolvente;
–Se o insolvente deve entregar esses imóveis, que carateriza como constituindo “os apartamentos apreendidos para a massa insolvente”, apenas e só assegurado que se mostre, pelo Estado, o seu “realojamento” [[15]].
2.–Avança-se já que essa pretensão, nos termos em que foi formulada, não tem cabimento legal, abstraindo-nos até, por ora, da questão alusiva à ocupação de duas frações, o que não significa que a entrega das frações possa ser concretizada nos moldes determinados pela primeira instância.
Como resulta da factualidade relevante supra indicada, está em causa a entrega de imóveis que já foram objeto de liquidação no processo de insolvência, tendo as frações em causa (“AB” e “AC”) sido vendidas, pelo que o pedido tem em vista obstar à entrega das frações ao adquirente dos bens.
O regime processual consagrado para a fase da liquidação, seja esta realizada no âmbito da execução (singular) para pagamento de quantia certa, seja no âmbito da insolvência, não se compadece com a formulação de pedidos de diferimento da desocupação como o que ora está em análise, motivado por razões atinentes a uma situação económica de carência do insolvente e/ou de mera debilidade do seu estado de saúde, que não assuma gravidade extrema [[16]]. Assim, o adquirente do bem em venda coerciva tem direito a receber os bens que adquire livre de ónus e encargos, devendo o bem ser entregue acompanhado do título de transmissão (art. 824.º do Código Civil e art. 827.º, nº1 do CPC); nos termos do art. 828.º do CPC, o adquirente pode agir contra o detentor no próprio processo, podendo este obstar à entrega apenas por via do mecanismo a que alude o art. 861.º, nº6 do CPC – atenta a remissão feita no citado preceito para o regime do referido art. 861.º do CPC–, com a consequente possibilidade de suspensão da diligência executória no estrito condicionalismo indicado nos números 3 a 5 do art. 863.º do CPC.
Ora, atenta a factualidade assente, não há elementos que permitam concluir que a efetivação da entrega seja suscetível de colocar “em risco de vida a pessoa que se encontra no local, por razões de doença aguda”, sendo os factos provados – cfr. a factualidade dada por assente por esta Relação, sob os números 3 e 4 – manifestamente insuficientes para assim se concluir.
Para o efeito assinalado é juridicamente irrelevante a situação de debilidade em que o insolvente se possa encontrar, quer económica, quer em termos pessoais, no que à sua saúde concerne, como também não é juridicamente relevante que vivam também nas frações outros familiares seus (filha e neto), mesmo que se tivesse apurado esta factualidade, cujo ónus de alegação e prova impende sobre o apelante (art. 342.º, nº1 do Cód. Civil) e que, manifestamente, no caso, não logrou satisfazer.
Assim, não têm cabimento as comunicações pretendidas pelo insolvente, que só se justificariam se se verificasse o condicionalismo previsto no art. 863.º, nº 3, para além, claro está, do que consta da segunda parte do nº 6 do art. 861.º, todos do CPC. Concordando-se igualmente com a primeira instância quanto refere que “[o] procedimento previsto no art.° 861°, n.° 6, do CPC, na parte relativa à comunicação antecipada às câmara municipal e entidades assistenciais, por seu turno, não constitui fundamento de suspensão da entrega, nem desobriga quem esteja sujeito à obrigação de entrega do ónus de diligenciar pela obtenção de habitação, incluindo o recurso às entidades assistenciais. Prevendo a norma, unicamente, o dever, a cargo de quem proceda à execução de medida de entrega coerciva, verificada que esteja a situação aí referida de dificuldade no realojamento, de comunicar à Câmara e às entidades assistenciais, com referência a essa situação, a data em que a diligência irá ser realizada”.
Em suma, concorda-se inteiramente com o raciocínio exposto, a esse propósito, na decisão recorrida [[17], nada opondo o apelante de pertinente em ordem a infirmar o juízo valorativo da primeira instância.
3.–Ainda que se trate de questão que o apelante não suscitou, postura (omissiva) que, saliente-se, manteve em sede de recurso, o certo é que a primeira instância avançou ainda – e bem, atento o disposto no art. 5.º, nº3 do CPC – com fundamentação acrescida para recusar a pretensão formulada e determinar a entrega coerciva das duas frações, ainda que, quanto a este fundamento, não se partilhe o entendimento sufragado pela primeira instância.
Está em causa apreciar da obrigação de entrega da casa de morada da família pelo insolvente, no âmbito do processo de insolvência, na sequência da apreensão do património do insolvente e posterior liquidação, sendo certo que a questão se coloca de igual forma no âmbito da ação executiva, em face da lei nº 1-A/2020 de 19-03, que estabeleceu um conjunto de medidas que o legislador configurou como de “resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-COV-2”, caraterizando-as como “[m]edidas excecionais e temporárias”.
A Lei foi objeto de inúmeras alterações, relevando para o caso a alteração introduzida pela Lei nº13-B/2021 de 05-04 que, procedendo à décima alteração àquela lei, veio aditar o art. 6.-E, com a seguinte redação, na parte que ora interessa, redação que ainda hoje se mantém, a saber:
Artigo 6.º-E
Regime processual excecional e transitório
1–No decurso da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, as diligências a realizar no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal regem-se pelo regime excecional e transitório previsto no presente artigo.
(…)
7–Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
a)- O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
b)-Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c)- Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
(…)
8-Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.
(…) [[18]].
O Dec. Lei 66-A/2022 de 30-09, com a declaração de Retificação n.º 28/2022 de 28-10-2022 e que entrou em vigor em 1 de outubro de 2022 (art. 6.º), “[d]etermina a cessação de vigência de decretos-leis publicados, no âmbito da pandemia da doença COVID-19”.
O art. 1.º do referido diploma, com a epígrafe “[o]bjeto”, dispõe:
“O presente decreto-lei:
a)-Considera revogados diversos decretos-leis aprovados no âmbito da pandemia da doença COVID-19, determinando expressamente que os mesmos não se encontram em vigor, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pelo presente decreto-lei;
b)-Procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 145/2009, de 17 de junho, na sua redação atual, que estabelece as regras a que devem obedecer a investigação, o fabrico, a comercialização, a entrada em serviço, a vigilância e a publicidade dos dispositivos médicos e respetivos acessórios e transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 2007/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro;
c)-Procede à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 12/2021, de 9 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 79/2021, de 24 de novembro, que assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (UE) 910/2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno, na sua redação atual”.
O art 2.º (“[n]orma revogatória”), preceitua que “[n]os termos da alínea a) do artigo anterior consideram-se revogados”, seguindo-se, sob as alíneas a) a wwww) a identificação expressa de todos os diplomas em causa, daí não constando qualquer referência à Lei nº 1-A/2020 de 19-03, mormente ao aludido art. 6.º -E, nº7, alínea b).
À questão atinente à vigência do aludido regime que fixou a suspensão das diligências de entrega judicial da casa de morada de família, no âmbito da ação executiva e do processo de insolvência, a primeira instância respondeu concluindo que “a norma do art.° 6-°.E, n.° 7, al. b), da Lei n.° 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção dada pela Lei n.° 13-B/2021, de 5 de Abril, caducou por força da cessação da situação de alerta, com a consequente cessação da situação de suspensão aí prevista”. Basicamente, entendeu-se que a norma aludida é uma lei temporária, vigorando apenas enquanto se mantiver a “situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”, o que já não acontece porquanto não foi prorrogada a situação de alerta.
Discorda-se deste entendimento.
É certo que a cessação da vigência da lei só ocorre por revogação ou por caducidade (art. 7.º do Cód. Civil).
“A caducidade stricto sensu dá-se por superveniência de um facto (previsto pela própria lei que se destina a vigência temporária) ou pelo desaparecimento, em termos definitivos, daquela realidade que a lei se destina a regular” [[19]].
O ponto é que, tendo-se por evidente que não ocorreu hipótese de revogação, nem expressa, nem tácita, já não podemos ter como seguro, ao contrário do propugnado pela primeira instância que, sendo a Lei nº 1-A/2020 um exemplo de lei temporária, tenha cessado a situação excecional de pandemia da qual depende a sua vigência.
Posteriormente à prolação da decisão recorrida, a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 05-05-2023, deixou de considerar a Covid-19 uma emergência sanitária global. O anúncio foi feito pelo respetivo diretor-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, indicando que não se pode dizer que é o fim da pandemia, porque a ameaça subsiste, mas passou a considerar-se que nesta fase não representa uma emergência para a saúde pública global [[20]].
Ora, é o legislador que deve sinalizar essa situação, sendo que foi particularmente expressivo quando fez consignar no preâmbulo deste diploma como segue:
“Concomitantemente, importa ter presente que a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 consubstanciou-se num número significativo de decretos-leis com medidas aprovadas com o objetivo de vigorar durante um período justificado.
Neste contexto, através do presente decreto-lei, procede-se à clarificação dos decretos-leis que ainda se encontram em vigor, bem como à eliminação das medidas que atualmente já não se revelam necessárias, através da determinação expressa de cessação de vigência de decretos-leis já caducos, anacrónicos ou ultrapassados pelo evoluir da pandemia.
Importa, contudo, garantir que as alterações promovidas a legislação anterior à pandemia pelos decretos-leis agora revogados não são afetadas. Assim, clarifica-se que a revogação promovida pelo presente decreto-lei tem os seus efeitos limitados aos decretos-leis aqui previstos, não afetando alterações a outros diplomas introduzidas por estes que agora se revogam.
Desta forma, ganha-se em clareza e certeza jurídica, permitindo aos cidadãos saber - sem qualquer margem para dúvidas - qual a legislação relativa à pandemia da doença COVID-19 que se mantém aplicável” (sublinhado nosso).
Afigurando-se-nos que se fosse vontade do legislador fazer cessar o aludido regime de suspensão tê-lo ia dito expressamente, atenta a proclamada intenção de clarificação, tanto mais que não podia ignorar outra iniciativa legislativa já pendente à data, em que expressamente se apontava no sentido da revogação do nº 7 do art. 6.º -E da Lei nº 1-A/2020.
Assim, à data em que o diploma foi publicado (30-09-2022) já tinha dado entrada na Assembleia da República (em 22-07-2022) o Projeto de Lei nº 240/XV/1ª proposto por um conjunto de deputados do PSD, com vista à “décima terceira alteração à lei n.º 1-A/2020, de 19 de março” [[21]], constando do projeto de lei os seguintes artigos:
“Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à décima terceira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença da COVID-19.
Artigo 2.º
Alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março
O artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.ºs 4-A/2020, de 6 de abril, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro, e 75-A/2020, de 30 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 6-D/2021, de 15 de janeiro, e pelas Leis n.ºs 4-B/2021, de 1 de fevereiro, 13-B/2021, de 5 de abril, e 91/2021, de 17 de dezembro, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 6.º-E
[…]
1– […].
2– […].
3–[…].
4–[…].
5–[…].
6–[…].
7–Revogado.
8–Revogado.
9–Revogado.
10–[…].
11–[…]” [[22]] [[23]].
Só assim se pode compreender, também, agora em momento posterior, uma outra iniciativa legislativa, encetada pelo Governo, por via da Proposta de Lei nº 45/XV/1, entrada na Assembleia da República em 2022-11-11 e admitida em 14-11-2022; a proposta baixou à 1ª Comissão em 14-11-2022 e foi aprovada por unanimidade em votação na reunião da Comissão em 11-01-2023, tendo sido votada na generalidade em 24-03-2023 [[24]], proposta com o seguinte conteúdo, na parte que ora interessa:
“Artigo 1.º
Objeto
A presente lei considera revogadas diversas leis aprovadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, determinando expressamente que as mesmas não se encontram em vigor, em razão de caducidade, revogação tácita anterior ou revogação pela presente lei.
Artigo 2.º
Norma revogatória
Nos termos do artigo anterior consideram-se revogadas:
a)- A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, que estabelece medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, com exceção do artigo 5.º;
(…)”
Em suma, propugna-se, pois, a orientação que vem sendo seguida, cremos que maioritariamente, pelos tribunais da Relação, no sentido de que o aludido regime de suspensão, que opera desde que se mostre verificado o respetivo condicionalismo, isto é, que o imóvel cuja entrega está em causa constitua a casa de morada da família do executado ou insolvente, a quem compete o respetivo ónus de alegação e prova (art. 342.º, nº1 do Cód. Civil), se mantém vigente [[25]] [[26]].
Concluindo-se que, a esta data e no quadro legislativo em vigor, ainda se mantém a medida de proteção aludida, pela qual o legislador determinou a suspensão das diligências de entrega coerciva da casa de morada da família, no âmbito da execução (singular ou universal), temos que a única ponderação acrescida que incumbe efetuar é a averiguação sobre se o imóvel a entregar constitui, ou não, a casa de morada da família do insolvente.
4.–O conceito (de casa de morada da família) não é delimitado pelo direito português, mas facilmente encontramos um conjunto de normas de tutela que o convocam [[27]], relevando essa aferição, no caso, no âmbito da tutela do direito à habitação consagrado no art. 65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que, inserido no Capítulo II (“[d]ireitos e deveres sociais”), sob a epígrafe “”[h]abitação e urbanismo”, dispõe que “[t]odos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar” (nº1) [[28]].
Afigurando-se que, grosso modo, esse local corresponderá à residência habitual do executado/insolvente (cfr. o art. 82.º, nº1 do Cód. Civil), onde este tem centrada a sua vida, com permanência, constituindo o centro da sua vida familiar, independentemente do número de pessoas que componham o respetivo agregado.
No caso, o insolvente alegou que tem a casa de morada da família em duas frações do mesmo prédio urbano, as indicadas frações “AB” e “AC”, ambas destinadas a habitação e com as caraterísticas supra evidenciadas – cfr. a factualidade dada por assente por esta Relação –, sendo inequívoco que se trata de duas frações do mesmo prédio, independentes uma da outra.
No entanto, consideramos que o insolvente não logrou provar, integralmente, essa alegação, devendo concluir-se que, tendo o insolvente o seu domicílio fiscal na “Av. … (…) Cave Direita, M___ A____-Q___” – cfr. o número 10 dos factos provados – só essa fração, correspondente à fração “AC” (cave direita), é que constitui a sua casa de morada da família, o que também resulta da circunstância do insolvente ter associado essa fração como local de abastecimento de água e eletricidade, procedendo aos pagamentos respetivos – cfr. os números 12 e 13 dos factos provados.
Quanto à fração “AB”, os autos não fornecem elementos que, com a suficiente consistência, suportem a alegação do apelante – salienta-se o baixo consumo de água e eletricidade na fração AB –, tanto mais que se desconhece em absoluto os termos em que o insolvente foi residir, alegadamente, para as duas frações, sendo certo que à data em que foi declarada a insolvência residia noutro local, não tendo qualquer dos administradores da insolvência acautelado essa matéria, aquando da apreensão das frações, como resulta da factualidade dada por assente.
Donde, a determinação da suspensão da entrega judicial só se coloca relativamente à fração “AC”, mas não já relativamente à outra fração, “AB”, correspondente à cave esquerda.
5.–Mesmo que assim se não entendesse, e em argumentação subsidiária, sempre se chegaria à mesma conclusão; efetivamente, a admitir-se que o insolvente tenha a sua residência nas duas frações, então impunha-se considerar que o alcance de proteção da norma só se estenderia a uma delas, não sendo lícito ao insolvente beneficiar da referida medida à custa dos credores e com sacrifício injustificado destes: no balanceamento entre o interesse público que está na base do regime de suspensão aludido – mormente o interesse em obstar à progressão da pandemia – e o interesse dos credores, conclui-se que aquele se queda perfeitamente assegurado pela suspensão da entrega de (apenas) uma das frações [[29]].
E não releva sequer para esta análise a invocação feita pelo apelante, no sentido de que “[e]stamos perante situações excecionais, que justificam que o legislador, imponha aos proprietários do imóvel o retardar do cumprimento da obrigação de entrega do imóvel, por motivos que se prendem com a dignidade humana e atenta a protecção da dignidade da pessoa humana e do direito à habitação, previsto no artigo 65° do CRP” (20ª conclusão).
O direito do credor à satisfação do seu crédito, constitucionalmente consagrado (cfr. o art. 62.º da CRP) concretiza-se por via da garantia que o património do devedor representa (arts. 601.º e 817.º do Cód. Civil) e o art. 65.º da CRP, a que já se fez referência, não legitima a interpretação do insolvente, mostrando-se adquirido na doutrina e jurisprudência que o direito à habitação aí consagrado se perspetiva no âmbito da atuação do Estado, tendo em vista prestações do Estado e não dos particulares. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira “[o]s titulares passivos do direito à habitação, como direito social, são primacialmente o Estado e as demais colectividades públicas territoriais e não principalmente os proprietários e senhorios” [[30]], incumbindo ao Estado a adoção de políticas que favoreçam a oferta pública e privada de habitação, não o devendo fazer, primacialmente, por via de limitações ao direito de propriedade que, de qualquer forma, estão sempre sujeitas ao crivo dos princípios da equidade e proporcionalidade.
6.–Por último, independentemente da ponderação da entrega de uma fração – que, no contexto da apontada evolução legislativa, se justifica – ou duas – que, pela fundamentação exposta, não teria cabimento –, a pretensão formada pelo apelante no requerimento de 14-12-2022, objeto da decisão recorrida, no sentido de “as entidades competentes” “diligenciarem o realojamento desta família” em ordem a que só depois de estar assegurado esse “realojamento” é que o insolvente entregaria as frações não tem suporte legal, o que resulta do que já se referiu.
Como referem os autores citados, “[c]omo direito social, o direito à habitação não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação; mas, para além das obrigações públicas tendentes a assegurar a oferta de habitações, o direito à habitação garante critérios objectivos e imparciais no acesso dos interessados às habitações oferecidas pelo sector público” [[31]].
Conclui-se, pois, que se impõe a alteração da decisão recorrida, revogando-se a mesma no que concerne à entrega da fração “AC”, melhor identificada supra; sem prejuízo, a suspensão da diligência de entrega dessa fração só tem cabimento no âmbito do apontado regime legal, não tendo qualquer fundamento, insiste-se, a pretensão de entrega dessa fração pelo insolvente apenas quando lhe for assegurado outro alojamento.
Mantendo-se, pois, a decisão recorrida quanto à identificada fração “AB”, ainda que por fundamentos não coincidentes com os explanados pelo tribunal de primeira instância.
*
Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a apelação, revoga-se a decisão recorrida, quanto à fração “AC”, correspondente à 2ª Cave direita do prédio sito na Av. do …, nº .., ..-A e ..-B, M____A____- ....-..., melhor identificada supra, determinando-se, quanto à mesma, a suspensão da entrega dessa fração pelo insolvente, no âmbito do disposto no art. 6º-E, nº7, al. b) da Lei nº 1-A/2020, de 19-03, aditado pela Lei nº 13-B/2021, de 05-04, dispositivo que, na presente data, se considera que se mantém em vigor.
No mais, quanto à identificada fração “AB”, correspondente à 2ª Cave esquerda do prédio sito na Av. do …, nº .., ..-A e ..-B, M____A____ ....-..., mantém-se a decisão recorrida, ainda que por fundamentos não coincidentes com os explanados pelo tribunal de primeira instância.
Custas pelo insolvente, na proporção de metade (art. 527.º, nº1 do CPC).
Notifique.

Lisboa, 16-05-2023

Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo

[1]Requerimento com o seguinte teor:
“(…) insolvente, nos autos à margem referenciados, na sequência do requerimento, apresentado, pelo credor, “EAM, S.A., nos termos do qual, requerem a investidura na posse dos bens, uma vez que as fracções “AB” e “AC” do prédio urbano sito na Avenida do Miradouro (…) 2ª Cave Esquerda e cave Direita, da freguesia de M____A____, concelho de S____, descritos na CRP sob o número (…), inscrito, na respectiva matriz sob o artigo (…), são a casa de morada de família do insolvente, onde, aliás, o mesmo reside de forma, permanente e ininterrupta, há vários anos, sendo, por esta razão, o seu domicilio fiscal, cfr. se prova, pela certidão emitida, a 15/02/2022, pela Autoridade Tributária, que se junta, como Doc.Nº1;
Além do mais, o insolvente, nunca foi formalmente notificado por qualquer credor para proceder à entrega voluntária das fracções “AB” e “AC” do prédio urbano sito na Avenida (…), 2ª Cave Esquerda e cave Direita, da freguesia de M___A____, concelho de S____, descritos na CRP sob o número (…), inscrito, na respectiva matriz sob o artigo (…);
De forma a provar-se, que o insolvente, continua a residir na referida casa de morada de família, junta-se, aos autos, as facturas de água, electricidade e gás, referentes, ao mês de Novembro, Dezembro de 2021 e Janeiro de 2022, que se encontram, justamente, emitidas em nome do insolvente, AS, que demonstram, que o insolvente, continua a usar e gozar o locado, ou seja, a residir nas referidas fracções, cfr. se prova, pelo Doc. Nº2,3, 4, 5 e 6;
Em face do exposto, não tendo o insolvente, AS, outro local para residir, dentro ou fora do concelho de Sintra, requer-se que o Tribunal tenha em consideração este facto, de forma a que o insolvente não agrave significativamente a sua actual situação de vida, que, naturalmente, já é muito precária, pelo que, caso o credor seja de imediato investido na posse daquelas fracções, ficará, o insolvente, numa situação de “sem abrigo”, por não dispor de qualquer habitação para residir, nem, tão pouco, ter familiares com condições para o ajudarem, motivos pelos quais, atenta a protecção da dignidade da pessoa humana e do direito à habitação, previsto no artigo 65º do CRP,
• requer-se, ao Tribunal, a notificação das entidades publicas e privadas, assistenciais de forma a serem encetadas as diligencias adequadas ao realojamento do insolvente, numa habitação, publica ou privada, condigna, por se entender que estes prinicipios jurídicos, em caso de conflito de interesses, deverão, sobrepor-se aos direitos dos credores;
• Subsidiariamente, deverá ser decretada a suspensão da investidura na posse do credor, “EAM, S.A. no que diz respeito fracções “AB” e
“AC” do prédio urbano sito na Avenida do Miradouro (…), 2ª Cave Esquerda e cave Direita, da freguesia de M____ A____, concelho de S____, descritos na CRP sob o (…), inscrito, na respectiva matriz sob o artigo (…);
(…)
Junta: 6 documentos
[2]O despacho tem o seguinte teor:
“1. Reqs. de 31.01.2022 e 16.02.2022
EAM –SA, alegando que lhe foram adjudicados os imóveis que identificou como correspondendo às fracções AB e AC do prédio urbano sito em Avenida (…) 2 Cave esquerda e cave direita, descrito na conservatória do Registo Predial de Q____ sob o (…), requereu a entrega coerciva dos mesmos, se necessário com recurso à força pública.
Por despacho de 02.02.2022, a pretensão foi remetida para os Administradores de Insolvência responsáveis pela apreensão e venda dos imóveis.
Por requerimento de 16.02.2022 veio o Devedor manifestar a sua oposição à entrega, alegando no essencial que os imóveis correspondem à sua casa morada de família. Da consulta dos autos retira-se, com eventual relevo para compreender a situação em causa que:
O Insolvente foi declarado como tal por sentença proferida em 12.02.2015. Foi então fixada residência na Rua …, (…) V____S____, (…).
As fracções AB e AC do prédio urbano sito em Avenida (…) 2 Cave esquerda e cave direita, descrito na Conservatória do Registo Predial de Q____ sob o (…) foram vendidas pelas Massas Insolventes de AS e MP a S, S.A. por escritura pública realizada em 14.04.2021.
Resulta da sequência de factos supra exposta, desde logo, que a requerente EAM não é o adquirente dos imóveis e como tal não tem a legitimidade a que se arroga no requerimento de 31.01.2022. O que prejudica a apreciação do requerimentos do Insolvente de 16.02.2022.
Adverte-se no entanto o Insolvente, dado o teor do requerimento apresentado, que a notificação das entidades assistenciais é efectuada pelo Administrador(a) de Insolvência ou pelo Agente de Execução em situações de desocupação coerciva concretamente determinada. Não sendo, como não é, esse o caso dos autos, incumbe ao Insolvente, que aliás é quem dispõe da informação adequada para o efeito, e desde 2015 não desconhece
que está obrigado a proceder à entrega dos imóveis, dirigir-se às entidades que sejam competentes à prestação do auxílio que considere necessário.
Notifique.
2. Exoneração do passivo restante
Na contestação apresentada em 31.10.2014 o Insolvente pediu, além do mais, a exoneração do passivo restante.
Na assembleia de credores, realizada em 30.04.2015, a decisão liminar foi relegada para depois da venda dos bens apreendidos.
Para efeitos de despacho liminar relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante convido o Insolvente a:
1.Apresentar a declaração de compromisso prevista no art.º 236.º, n.º 3, parte final, do CIRE.
2.Apresentar certificado de registo criminal (art.º 238.º, n.º 1, al. f), do CIRE.
3.Informar, e se necessário comprovar documentalmente, a composição, rendimento e despesas fixas mensais do agregado familiar, para efeitos de despacho liminar relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante.
Notifique”.
[3]O despacho tem o seguinte teor:
“Reqs. de 11.04.2022 (ref. 20851054 e (ref. 20851072) e 27.06.2022
S. S.A. pediu a entrega dos imóveis por si adquiridos em sede de insolvência, correspondentes às fracções “AB” e “AC”, se necessário com recurso ao auxílio da força pública.
EAM S.A., por seu turno, pediu a entrega do imóvel por si adquirido em sede de insolvência, correspondente à fracção “AL”, se necessário com recurso ao auxílio da força pública.
Consultados os autos apura-se o seguinte, com eventual relevo para enquadramento da pretensão:
Nos presentes autos, com data de 12.02.2015, foi declarada insolvente AS.
Com data de 22.06.2016 foram apreendidos, sob as verbas 1 e 2, 1/2 das fracções autónomas designadas pelas letras “AB”, 2.ª cave esquerda e “AC”, 2.ª cave direita, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Q____ sob o n.º (…) da freguesia de M____A____ (cfr. ap. C, 17.01.2017, inscritas em comum em nome do Insolvente e de MP, declarada insolvente no processo n.º 18880/13.8T2SNT (ref. Citius 8955157).
As referidas fracções autónomas foram vendidas em 14.04.2021 a S, S.A. pelos administradores de insolvência dos respectivos titulares (cfr. informação de 29.07.2021 (ref. Citius 19275091).
Com data de 26.03.2015 foi apreendido, sob a verba 3, 1/2 da fracção autónoma designada pelas letras “AL”, que corresponde à terceira cave, garagem H, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Q____ sob o n.º (…) da freguesia de M____A____ (cfr. ap. C, 17.01.2017, inscrita em comum em nome do Insolvente e de MP, declarada insolvente no processo n.º 18880/13.8T2SNT (ref. Citius 8955157)
A referida fracção autónoma foi vendida em 14.04.2021 a EAM S.A. pelos administradores de insolvência dos respectivos titulares (cfr. informação de 29.07.2021 (ref. Citius 19275091).
As referidas fracções autónomas estão ocupadas pelo Insolvente que, repetidamente notificado, em sede de procedimento de exoneração do passivo restante, para informar a composição e rendimento do seu agregado familiar, se limitou a, no dia 02.05.2022, no processo principal (ref. citius 20972175) declarar que que se encontra, ininterruptamente, de baixa médica, desde 05/09/2018, concluindo que deverá ser mantido na posse da sua residência de habitação.
Em 11.05.2022, em sede de admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante deduzido por AS deram-se como provados unicamente os seguintes factos:
“- O Devedor, nascido em 05.05.1960, está de baixa médica desde 05.09.2018.
- Tem a sua residência em imóvel apreendido no processo de insolvência, entretanto vendido em sede de liquidação.”.
*
O art.º 828.º, do CPC, aplicável ao processo de insolvência por via do art.º 17.º, n.º 1, do CIRE, confere ao adquirente de bens adquiridos em processo de insolvência, a faculdade de com base no respectivo título de aquisição, requerer contra o detentor, no próprio processo, a entrega dos bens, nos termos prescritos no art.º 861.º, do CPC.
Resulta dos autos que o Insolvente ocupa os três imóveis apreendidos e vendidos nos autos, que se recusa a desocupar invocando razões de saúde que não concretiza.
Está em causa a entrega de dois imóveis para habitação e uma garagem, vendidos há mais de um ano.
Os meios processuais de que o Insolvente dispõe para obstar à desocupação pretendida pela adquirente são os previstos nos art.ºs 150.º, n.º 4, do CPC e, actualmente, no art.º 6.º-E, n.ºs 7 e 8, da Lei n.º 1-A/2020, na redacção da Lei n.º 13-B/2021 de 05.04, limitadas às situações de entrega da casa morada de família ou, não sendo esse o caso, razões sociais imperiosas.
O Insolvente, conhecedor dos requerimentos dos adquirentes, não alegou factos que preenchem adequadamente a previsão de qualquer das referidas disposições legais, limitando-se a alusão não concretizada a razões de saúde que obstam à entrega dos imóveis.
Sendo de presumir que em pelo menos um deles habitará, poderia admitir-se a aplicabilidade ao mesmo da disposição do art.º º 6.º-E, n.º 7, al. b), da Lei n.º 1-A/2020.
A verdade porém é que o Insolvente, apesar do lapso de tempo decorrido desde a venda, e dos deveres de informação a que está obrigado, tem optado por manter uma atitude passiva e informar o mínimo possível.
Não é de admitir que o Insolvente, que não afirmou com clareza mas deixou subentendido que o seu agregado familiar seria constituído apenas pelo próprio, careça dos três imóveis, um dos quais garagem, a título de casa morada de família.
Não cabe ao tribunal substituir-se ao Insolvente na indagação de factos que são do interesse do próprio, mas que o mesmo tem optado por omitir.
Face a tudo o exposto, fixo o prazo de 10 (dez) dias para o Insolvente proceder à desocupação e entrega ao Administrador(a) de Insolvência dos imóveis, ou acordar com este prazo razoável para a desocupação e entrega dos mesmos.
Mais se adverte o Insolvente que, não procedendo à entrega ou nada dizendo que seja subsumível à previsão das normas referidas, poderá ser autorizada a requisição do auxílio da força pública para desocupação e entrega dos referidos imóveis, pelo Administrador(a) de Insolvência, ao Adquirente.
Notifique, sendo o Insolvente com as formalidades da citação”.
[4]O requerimento tem o seguinte teor:
“(…) AS, insolvente, nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do despacho de V. Exa., vem pela presente, respeitosamente, informar o Tribunal, tal como sugerido, que apresentou a ambos os administradores de insolvência, ou seja, ao Dr. e à Dra. – Proc. Nº18880/13.8T2SNT, uma proposta para entrega das duas fracções autónomas onde habita, ou seja, as fracções “AB” e “AC”, uma vez que a fracção autónoma “AL” é a garagem, até ao próximo mês de Dezembro de 2022, data em que se compromete a entregar as três fracções autónomas completamente livres e desocupadas de pessoas e bens, o que fará, sempre com a douta anuência de V. Exa. e de ambos os administradores de insolvência, uma vez que, não tem qualquer ajuda de familiares e no imediato não dispõe de capacidade económica para conseguir arrendar uma residência para habitar, sob pena, de ficar a viver numa situação de sem abrigo. P.D”.C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[5]O despacho tem o seguinte teor:
“Req. de 21.07.2022
Vista a não oposição dos credores adquirentes relativamente à proposta efectuada, tendo ainda em consideração que o prazo requerido, até Dezembro de 2022, não se afigura desproporcionado, nos termos do art.º 150.º, n.º 5, do CIRE e 864.º, n.º 2, do CPC, admite-se o requerido deferimento da desocupação dos imóveis ocupados pelo Insolvente até 31.12.2022.
Notifique”.
[6]Conforme documento nº 3 junto com a contestação apresentada no processo de insolvência, em 31-10-2014.
[7]Conforme documento alusivo ao assento de nascimento junto com o requerimento apresentado pelo insolvente em 14-12-2022.C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[8]Documento apresentado pelo insolvente com o requerimento de 14-12-2022.C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[9]Documento apresentado pelo insolvente em 10-02-2023.C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[10]Conforme cópia da caderneta predial junta com a petição inicial de insolvência e certidão alusiva à descrição da fração da Conservatória do Registo Predial junta pelo administrador da insolvência (apenso C).C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[11]Conforme certidão alusiva à descrição da fração da Conservatória do Registo Predial junta pelo administrador da insolvência (apenso C).C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[12]Conforme informação prestada pelo administrador da insolvência em 26-03-2019.
[13]Conforme documento alusivo à escritura pública respetiva, junta com o relatório do administrador da insolvência de 29-07-2021.C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[14]Conforme documento junto pelo apelante com o requerimento de 16-02-2022.
[15]Efetivamente, é dessa forma que deve interpretar-se a pretensão que formula, quando refere que, asseguradas as comunicações às “entidades competentes”, “de forma a diligenciarem o realojamento desta família”, “logo que o realojamento do insolvente e desta família seja assegurado, pelas entidades assistenciais, o insolvente, entregará imediatamente os apartamentos apreendidos à massa insolvente, o que respeitosamente se requer”.C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[16]A invocação de “razões sociais imperiosas” – a que o apelante também alude nas alegações de recurso – só tem cabimento, em abstrato, perante pedido de diferimento da desocupação da casa de habitação do insolvente ao abrigo do disposto no art. 864.º do CPC, na sequência do que dispõe o art. 150.º nº5 do CIRE, sendo o pedido oportuno apenas quando formulado na fase da apreensão de bens, a que aludem os arts. 149.º a 152.º, do CIRE, preceitos inseridos no Capítulo I (“[p]rovidências conservatórias) do Título VI desse diploma. Daí que não possa atender-se, no caso, a essas razões, ao contrário do propugnado nas conclusões de recurso.
[17]Lê-se na decisão recorrida:
“Retira-se da factualidade apurada que o Insolvente, na pendência do processo de insolvência, passou a residir nos imóveis de que era titular com a sua ex-cônjuge, apreendidos para as respectivas massas insolventes.
Confrontado, já depois da venda dos imóveis, com a obrigação de entrega dos mesmos, começou por invocar a sua ocupação como casa morada de família, após o que propôs a entrega até 31.12.2022, o que foi deferido.
Próximo da data limite estabelecida veio declarar que continua de baixa médica, não tem condições económicas para obter arrendamento alternativo, e passou a albergar a filha, e o neto de dois anos, que está desempregada e foi despejada por falta de pagamento de rendas.
Da matéria alegada comprovou unicamente a manutenção da situação de baixa médica e a existência de uma filha e de um neto, este último nascido em 12.03.2020.
Como se referiu no despacho de 06.07.2022, e se mantém actualmente, desconhecem-se as razões de saúde que determinam a baixa médica, que o Devedor tem optado por não concretizar. Retira-se da consulta do processo principal que essa baixa presumivelmente remontará a 05.09.2018, nada mais se sabendo sobre essa matéria, bem assim como sobre a actividade ou rendimento do Insolvente.
Não se retira, por conseguinte, do requerimento apresentado, razões de saúde que justifiquem a suspensão da entrega nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 861.°, 6 e 863.°, 3, do CPC”.
[18]Salientando-se que o regime enunciado no referido nº 7 alíneas b) e c) já constava anteriormente da Lei nº1-A/2020, na redação introduzida pela Lei nº4-B/ 2021 de 01-02, com a enunciação prevista no nº11 do art. 6.º-B:
“1 - São igualmente suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa”.C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[19]João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2011, Coimbra: Almedina, p. 165.
[20]In https://news.un.org/en/story/2023/05/1136367C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[21]Lendo-se na exposição de motivos desse projeto:
“Porém, é hoje evidente para todos os portugueses, incluindo os operadores judiciários e os profissionais do foro, nomeadamente advogados, solicitadores, agentes de execução, magistrados, administradores de insolvência e oficiais de justiça, que a retoma à normalidade do funcionamento dos tribunais e das diversas atividades profissionais forenses é uma realidade, não existindo atualmente qualquer circunstância que justifique a manutenção de medidas excecionais como as que se foram mantendo na lei, apesar das sucessivas alterações que o diploma sofreu entre 2020 e 2021 e que hoje ainda estão, incompreensivelmente, em vigor.
São exemplo do supra exposto as medidas contempladas no artigo 6.º-E, artigo este aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril. Tal aditamento refletiu, naturalmente, a adaptação da lei ao estado da pandemia de então, mas cumpre realçar que, desde abril de 2021 até à presente data (mais de um ano), esse estado relacionado com a situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, muito se alterou, sendo para todos evidente, porque se trata de facto notório, que à data de hoje a maior parte das medidas excecionais então implementadas afiguram-se totalmente desajustadas e injustificadas.
Referimo-nos, concretamente, às medidas contempladas nos n.ºs 7, 8 e 9 do artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, onde se prevê que:
“7- Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
a) O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março;
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;
d) Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores;
e)Os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos cujas diligências não possam ser realizadas nos termos dos n.ºs 2, 4 ou 8.
8- Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.
9- O disposto nas alíneas d) e e) do n.º 7 prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, que são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.”
Sem prejuízo do exposto, o que por si só seria suficiente para justificar a presente iniciativa legislativa, cumpre ainda referir que a manutenção deste regime excecional e transitório, hoje totalmente desajustado e injustificado, tem vindo a criar entropias várias nos processos judiciais em curso, dificultando, ou até impedindo, a concretização de diversas diligências processuais e impossibilitando a conclusão dos processos judiciais. Tal realidade potencia a ocorrência de enormes e, hoje, injustificados desequilíbrios entre as partes processuais, nomeadamente entre aqueles exequentes (os credores na relação jurídica subjacente à ação executiva) e executados (os devedores na mesma relação jurídica).
Assim, impõe-se corrigir e deixar de considerar excecional o que há vários meses, na prática, já deixou de o ser e isso só será possível através da revogação das identificadas normas” (sublinhado nosso).
[22] Acessível in https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=131784C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[23]O projeto de lei foi admitido e, em 25-07-2022, baixou na generalidade à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias (1.ª), tendo merecido o parecer favorável da Comissão que formulou, em 12-10-2022, as seguintes conclusões:
“1. O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresentou o Projeto de Lei nº 240/XV/1ª (PSD) – Procede à décima terceira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus sars-cov-2 e da doença da covid-19;
2. Este projeto de lei propõe a revogação dos n.ºs 7, 8 e 9 do artigo 6.º-E da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que constitui o regime processual excecional e transitório que se encontra atualmente em vigor;
3. A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o Projeto de Lei em evidência reúne os requisitos regimentais e constitucionais para ser discutido e votado em plenário”.
A última informação que consta no portal da Assembleia da República é que em 23-03-2023 se procedeu à discussão na generalidade.
[24] Acessível in https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=152055C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[25]Neste sentido, cfr. os acórdãos do TRL de 13-10-2022 (processo: 17696/21.2T8LSB.L1-6 (Relator: António Santos), de 09-02-2023, processo: 8834/20.3T8SNT.L1-2 (Relator: Laurinda Gemas), de 23/02/2023, processo 16142/12.7T2SNT-F.L1-6 (Relator: Eduardo Petersen Silva) e de 21-03-2023, processo 17408/19.0T8SNT-F.L1-1 (Relator: Manuela Espadaneira Lopes); e, ainda, o acórdão do TRC de 28-03-2023, processo: 86/18.1T8CTB-A.C1 (Relator: Maria João Areias).
Em sentido contrário, os únicos acórdãos que se conhecem são os acórdãos do TRP de 07-02-2023, processo:
2397/12.0TBMAI-A.P1(Relator: Rodrigues Pires) e o acórdão do TRE de 02-03-2023, processo 2359/21.7T8STR-D.E1(Relator: Tomé de Carvalho), todos acessíveis in www.dgsi.pt, como todos os demais a que se aludir.C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[26]A este propósito refere S J. H. Delgado de Carvalho (https://blogippc.blogspot.com/2022/10/cessacao-de-vigencia-da-l-1-a2020-de-193.html, 3/10/2022, Cessação de vigência da L 1-A/2020, de 19/3):
“1. O DL 66-A/2022, de 30/9, revogou a maioria do corpo normativo estabelecido pelo DL 10-A/2020, de 13/3. A produção de efeitos da L 1-A/2020, de 19/3 (que prevê medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS- CoV -2 e da doença COVID-19), é reportada à data da produção de efeitos do DL 10-A/2020 (cf. art. 10.º L 1-A/2020). Este é um argumento para se poder considerar revogada tacitamente a L 1-A/2020, e, por conseguinte, o Regime Processual Excecional e Transitório previsto no art. 6.º-E deste diploma legal.
Só que as normas estabelecidas pelo DL 10-A/2020 relativas a atos e diligências processuais e procedimentais (ou seja, os seus arts. 14.º, 15.º e 15.º-A) já haviam sido revogadas pelo art. 9.º DL 78-A/2021, de 29/9. Deste modo, o argumento de que a L 1-A/2020 foi revogada tacitamente pelo DL 66-A/2022 não procede.
2. Também se poderá considerar que a L 1-A/2020 (e, decorrentemente, o Regime Processual Excecional e Transitório estabelecido no seu art. 6.º-E) cessou por caducidade, porque a situação de alerta não foi renovada pelo Governo a partir das 00:00 do dia 1 de outubro de 2022. A L 1-A/2020, na redação original, estabelecia que o regime processual excecional sobre prazos e diligências só por decreto-lei poderia deixar de se aplicar (cf. art. 7.º, n.º 2). Entretanto, este preceito foi revogado pelo art. 8.º L 16/2020, de 29/5. Por conseguinte, neste momento, nada impede que se defenda a cessação da vigência da L 1-A/2020 por caducidade, dado que a revogação deixou de ser a forma prevista para aquela lei deixar de vigorar. Está em causa a caducidade em virtude de deixar de existir a realidade que ela se destinava a regular (ou seja, a situação excecional da pandemia).
3. Para já, talvez seja mais avisado aguardar algum tempo para ver se a Assembleia da República se vai pronunciar sobre o tema (revogação expressa da L 1-A/2020). Pode imaginar-se que será publicada, em breve, uma lei com a finalidade de revogar as diversas leis aprovadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, à semelhança do que sucedeu com a entrada em vigor do DL n.º 66-A/2022. Há que estar atento ao que possivelmente possa constar da próxima Lei sobre o Orçamento de Estado.
No entanto, se essa lei não vier a ser publicada, então deverá entender-se que a L 1-A/2020 cessou a sua vigência por caducidade às 23h59m do dia 30 de setembro de 2022 (data em que cessou por caducidade a Resolução do Conselho de Ministros n.º 73-A/2022, de 26/8).C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[27]Nomeadamente, normas de tutela da família (cfr. o art. 1673.º do Cód. Civil).
[28]Mais se dispõe:
“2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;
d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respetivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.
3. O Estado adotará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.
4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.
5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território”.
[29]Com interesse, cfr. o acórdão do STJ de 04-02-2021, processo: 5779/18.0T8LSB.L1.S1 (Relator: Manuel Capelo), num caso em que se colocava questão alusiva à restituição de dois prédios que tinham sido objeto de um contrato de comodato, lendo-se na fundamentação desse aresto:
“Julgamos bastar a transcrição para que tenha de concluir-se que é bem diverso o caso agora em decisão. Por um lado, dos dois prédios objecto de comodato - o de … e o de ... - apenas o primeiro, que se mantém, é aquele onde reside a autora (ponto 32 dos factos assentes) não se podendo argumentar, para efeitos de levar a interpretação do art. 1137 do CCivil a incorporar a protecção familiar – e sobretudo dos filhos – que ambos os comodatos, indistintamente, tinham como fim a habitação. De facto, sendo dois imóveis urbanos eles seriam ambos aptos, por natureza e condição, a proporcionarem habitação, só que o sentido protectivo afirmado no acórdão, com previsão normativa e sentido de justiça, não respalda a natureza dos imóveis, mas credencia a natureza da própria utilização de uma forma e com uma amplitude que a situação da recorrente não preenche. Mesmo que se soubesse- e a matéria provada não só o não deixa saber, bem como revela o contrário - que a autora habitava/residia em ambas as casas comodatadas, seria necessário apurar qual delas constituiria a “residência habitual” da comodatária, onde ela teria o seu trem de vida, para que a aludida protecção não fosse distribuída por interesses alheios à necessidade de uma única casa onde continuar a manter a família. Aliás, numa interpretação razoável, julgamos que a ausência de fixação de um prazo certo nos comodatos discutidos apenas poderá sufragar o entendimento segundo o qual, a resolução do comodato de ... e a alienação do imóvel não colhe os benefícios de uma interpretação das normas que comporte a protecção familiar, entendimento que é esclarecido pela certeza de a autora morar/residir na casa objecto de comodato em … e relativamente ao qual nenhuma questão se suscita”.C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[30]Constituição Portuguesa Anotada, 2007, Volume I, Coimbra: Coimbra Editora, p. 837C:\Users\fj29910\AppData\Local\Temp\Temp2_ACÃ
[31]Obr. cit. p. 835.Valor: o dos autos”.