EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
TÍTULO EXECUTIVO
MANIFESTA INSUFICIÊNCIA
LIMITE TEMPORAL PARA ARGUIÇÃO
Sumário

1. A manifesta insuficiência do título executivo pode ser apreciada oficiosamente, nos termos do art.º 734º do CPC, podendo esta apreciação advir dos poderes de gestão do tribunal ou ser impulsionada pelo executado;
2. Ainda que não tenha deduzido oposição à execução, pode o executado suscitar, por simples requerimento, a apreciação de questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art.º 726º do CPC, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo;
3. Incumbe ao tribunal apreciar tais requerimentos, convolando-os, se necessário, para os meios processuais adequados, de acordo com os princípios constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP);
4. A apreciação das questões que pudessem ter conduzido ao indeferimento liminar ou ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, e que não foram ainda objecto de apreciação, tem como limite temporal o primeiro acto de transmissão de bens, nos termos do art.º 734º do CPC.

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
1. Banco Português de Negócios, S.A. intentou acção executiva comum contra Sociedade de Construções N & D, Lda, A e B, apresentando como título executivo livrança e peticionando o pagamento de €129.809,25.
2. Os executados foram citados em 30-07-2009, não tendo deduzido oposição à penhora.
3. Efectuadas penhoras, foram os executados notificados para se oporem às mesmas, em 15-10-2019, sem que o tenham feito.
4. Em 07-10-2019 a Sr.ª Agente de Execução procedeu a “entrega de resultados ao exequente”.
5. Em 13-01-2020, foram todos os intervenientes notificados para se pronunciar sobre a modalidade de venda.
6. A 23-04-2022, veio a executada B requerer a suspensão do prosseguimento da execução, sem prestação de caução, e a realização de perícia à caligrafia – letra e assinatura – à livrança e autorização de preenchimento.
Mais invocou a inexistência de título executivo, face à falta de comprovativo da resolução do contrato de mútuo subjacente à livrança dada à execução, sendo que esta excepção é de conhecimento oficioso, e a todo o tempo.
7. Foi proferido despacho indeferindo o requerido, por manifestas extemporaneidade e inadmissibilidade legais.
8. É deste despacho que a executada recorre, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (consigna-se que as mesmas contém os nºs 5 a 7 e 27 a 36 repetidos, mas de teor diferente):
“1. A Recorrente B foi notificada de despacho proferido pelo Tribunal a quo, Juízo de Execução de Sintra – Juiz 2 do Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste (Tribunal singular), por este ter julgado indeferir liminarmente o requerimento que apresentara em 22.04.2022, por manifestas extemporaneidade e inadmissibilidade legais,
2. Alicerçando-se no facto de o Exequente o BPN S.A. haver intentado a presente execução, em 28.07.2009, contra os Executados com base em livrança, tendo a executada, ora recorrente, sido citada para os termos da execução em 30.07.2009, e em 07.10.2019 a Sr.ª Agente de Execução procedido a “entrega de resultados ao exequente”, e que apenas cerca de 12 anos após a citação suscitou um incidente, por requerimento autónomo, nos próprios autos, sustentado num conjunto de factos, e requerendo a realização de diligências probatórias, eventualmente suscetível de integrar fundamentos de oposição à execução, sob o pretexto, quanto à exceção da inexistência de título executivo, de ser oficiosamente cognoscível,
3. Mais se julgando a quo que pese embora, os factos alegados pela Executada pudessem teoricamente constituir fundamentos de oposição à execução, o incidente teria que correr termos por apenso e estar sujeito a tributação própria, mas seria manifestamente extemporâneo, por se mostrarem precludidos os direitos de defesa da executada, atenta a forma como foram configuradas as respetivas pretensões e que ainda que se pudesse aproveitar o aludido requerimento apresentado, convolando-o em oposição à execução, ordenando a sua apensação aos autos e determinando a notificação da executada para proceder ao pagamento da competente taxa de justiça, que há muito se haveria esgotado o prazo para o efeito.
4. Ainda e no que diria respeito à invocada inexistência de título executivo que igualmente constitui fundamento de oposição, julgou-se a quo que ainda que se verificasse, entendendo que não se verificaria, que não poderia dela conhecer oficiosamente por ter ocorrido entrega de resultados ao exequente, ou seja, pagamento coercivo, uma vez que apenas poderia conhecer oficiosamente, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (cf. artigo 734.º do CPC),
5. E em consequência, determinou o Tribunal a quo teriam de ser indeferidos liminarmente os pedidos formulados pela Executada, ora Recorrente, apresentados por requerimento de 22.04.2022, por manifestas extemporaneidade e inadmissibilidade legais, mais condenando a Executada nas custas do incidente, que se fixaram em 2UC.
6. Da douta decisão, interpõe a Executada recurso de apelação, com efeito meramente devolutivo, e com subida em separado, requerendo seja declarado nulo e insusceptível de produzir quaisquer efeitos, o despacho recorrido, porquanto precedido de conduta omissiva da Sra. AE que não remeteu a Tribunal requerimento do Executado de 29.10.2019 sobre matéria de direito, omitindo o Tribunal a quo pronunciar-se sobre questões jurisdicionais que lhe haviam sido colocadas pelo Executado A, sendo declarados anulados os termos subsequentes da execução, com as demais consequências legais, e caso assim não se entenda, seja revogado o aludido despacho proferido pelo Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste – Juízo de Execução de Sintra – Juiz 2, na parte em que indeferiu liminarmente o conhecimento da nulidade/inexistência do título dado à execução; que ora se impugna,
7. Por, respectivamente, haver violado as disposições legais contidas no Artigos 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 154.º n.º 1, 193 n.º 3, 195.º n.ºs 1 e 2, 196.º, 200.º, 411.º, 429.º e 574.º n.º 2, 608º n.º 2, 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) ex vi do n.º 3 do Artigo 613.º , 719.º n.º 1, al. b) do n.º 1 do Artigo 723.º, 726.º, 728.º n.º 1, 731.º, 784.º, n.º 1, alínea a), 785.º n.ºs 1 e 2 ex vi do Artigo 732.º n.º 2 todos do Código de Processo Civil assim como os artigos 13.º, 20.º n.º 1 e 4, 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa, absolvendo-se em ambos os casos, consequentemente a Executada, ora Recorrente, das custas processuais em que foi condenada a quo, e ordenando-se a baixa dos autos à 1ª instância para serem seguidos os restantes termos da execução e designadamente, determinando a convolação do meio utilizado (requerimento apresentado pelo Executado A a 29.10.2019, cujo pedido se reiterou por requerimento apresentado a 22.04.2022 pela Executada B), para requerimento de arguição de nulidade/inexistência do título, a ser processado e conhecido no âmbito da execução, notificando-se o Requerente A para pagamento da taxa de justiça correspectiva, mais se ordenando a realização das diligências requeridas pela Executada por requerimento de 22.04.22, porquanto absolutamente pertinentes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
5. As provas que impõem decisão diversa daquela que foi tomada, entende a Recorrente serem os documentos seguintes: - Notificação após Penhora expedida pela Sra. AE, de 15.10.2019, ao Executado A, e correspectivo auto de penhora de 02.10.2019, que se encontram juntos aos autos a 15.10.2019, com a refª citius 15598584, requerimento para outras questões e documento bancário anexo, emitido pelo BPN – Banco Português de Negócios, Balcão 140 – Casal de São Brás, de 19.03.2007, apresentado pelo Exequente a 29.10.2019, com a ref.ª citius 33856637, comunicação de Mandatário do Exequente a Agente de Execução, de 13.12.2019, com a refª citius 34306547, requerimento para outras questões apresentado pela Executada, ora Recorrente, B, em 22.04.2022, com a refª citius 420246736, impondo-se a sua reapreciação ad quem.
6. A Sra. AE notificou os 3 (três) Executados A, B e a Sociedade de Construções N e D Lda. por carta datada de 15-10-2019, para nos termos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código Processo Civil (CPC), e no prazo de 10 (dez) dias deduzirem, querendo, oposição à penhora,
7. A que respondeu o Executado A por requerimento apresentado nos autos a 29.10.2019, com a refª Citius 33856637, dirigido ao Mmo. Juiz a quo, em que, em súmula: afirmou estar surpreso com o surgimento da dívida uma vez que havia saldado por completo as contas com o Exequente BPN, juntando um documento comprovativo do pagamento que fez, por acerto em conta-corrente, do montante de 125.000,00 euros, datado de 19.03.2007, e que havia resultado da venda de diversos empreendimentos de construção que tinha em curso, o completo pagamento dos montantes emprestados ao longo dos anos pelo dito BPN, ao ora requerente, mais requerendo fosse declarada a inadmissibilidade da penhora em curso, dado a inexistência da dívida reclamada, por já paga, com as devidas consequências legais,
8. Sendo que o documento, junto pelo ora Executado B emitido pelo Banco Exequente e mais concretamente, pela sua gestora de conta AN, de 19 de Março de 2007, referia-se à Executada, cliente, Sociedade de Construções N e D Lda., e donde constava haver o BPN procedido nessa data a “uma redução” na conta corrente “pelo montante de 125.000€” (cento e vinte e cinco mil euros) “com a data valor de 2007.03.12”.
9. Desse requerimento foi o Exequente notificado electronicamente nos termos do Artigo 221.º CPC, no dia 4 de Novembro de 2019, e nada respondendo no prazo legal, sendo que apenas em 13.12.2019(!) comunicou à Sra. AE (!), por requerimento (tipificado como comunicação de mandatário a agente de execução, com a ref.ª citius 34306547) dizendo que: o aludido requerimento do Executado carecia de qualquer fundamento, e que o documento junto não era suscetível de provar que o alegado pagamento realizado pela sociedade executada ao Exequente em 12.03.2007 era referente ao crédito peticionado nos autos, tendo o contrato de mútuo subjacente à livrança executada sido resolvido pelo Exequente em 02.03.2009, cf. documentos anexos ao requerimento executivo, após o pagamento invocado pelo Executado, concluindo que pudesse ter confuso o crédito peticionado com um outro que o Banco Exequente tenha concedido à Sociedade Executada, não sendo a apresentação do referido requerimento o meio próprio e legalmente previsto para obter o fim pretendido pelo Executado, pois foi citado e não deduziu oposição, não tendo a mera alegação de que a dívida exequenda já estaria paga, qualquer valor e não deveria ter qualquer efeito no prosseguimento dos autos, mais requerendo a prossecução dos autos, dos seus normais e legais trâmites até à liquidação integral da quantia exequenda.
10. O requerimento apresentado a 29.10.2019 pelo Executado A, é tempestivo por haver sido submetido dentro do prazo legal de 10 (dez) dias previsto legalmente no Artigo 785.º do CPC que detinha para exercer o seu direito de oposição à penhora, requerimento este em que alegou a inexistência da dívida reclamada, e consequente inadmissibilidade da penhora em curso, juntando para tal documento bancário emitido pelo Exequente de 12.03.2007, com força probatória,
11. E pese embora, não o tenha qualificado como tal, o requerimento configura uma oposição à penhora tout court, onde se levantaram questões de direito cuja decisão incumbiria exclusivamente ao Tribunal a quo, estando vedada tal competência à Sra. AE,
12. Oposição esta de que o Exequente foi regularmente notificado e não contestou podendo fazê-lo dentro do prazo legal de 20 (vinte) dias previsto no Artigo 732º n.º 2 ex vi do Artigo 785.º n.º 2, ambos do CPC,
13. Limitando-se quando há muito se encontrava precludido o prazo de defesa, i.e. a 13 de Dezembro de 2019, a pronunciar-se, o que fez por mera comunicação de Mandatário à Sra. AE.
14. Sendo que à Sra. AE está, como estava, vedada a decisão sobre questões de direito que sejam submetidas pelas partes no processo executivo, cabendo tal competência aos Tribunais,
15. Encontrando-se as suas competências definidas no Artigo 719.º n.º 1 do CPC designadamente: realizar todas as diligências numa execução judicial, incluindo as citações, notificações e publicações, as penhoras e vendas, e a liquidação e pagamento dos crédito, devendo os juízes das causas decidir as questões de natureza exclusivamente jurisdicional, isto é, que impliquem decidir em definitivo um litígio surgido durante a execução — por exemplo, uma oposição à execução ou à penhora ou reclamações sobre actos do agente de execução.
16. Pelo que tendo a Sra. AE sido notificada do requerimento apresentado pelo Executado A, de 29.10.2019, tempestivo, e que constituía uma verdadeira defesa contra a penhora realizada, e de que veio a posteriori a notificar o Exequente para se pronunciar, a Sra. AE poderia e deveria obrigatoriamente submeter tal requerimento a escrutínio do Tribunal a quo, por no referido requerimento terem sido levantadas questões de natureza exclusivamente jurisdicionais, o que se apurou não ter feito, não cumprindo os seus deveres na presente acção executiva!
17. In casu, assistiria ao Mmo Juiz do Tribunal a quo o poder ‐ dever de realizar ou ordenar oficiosamente a prática de atos tendentes ao apuramento da verdade material, providenciar pelo andamento regular do processo e suprir a falta de pressupostos processuais, em articulação com o agente de execução a quem competiria, como compete, provocar a intervenção do Juiz restringindo-a a atos materialmente jurisdicionais,
18. Pelo que, e não o fazendo, entende-se ter sido violado a quo o princípio do inquisitório previsto no Artigo 411.º do Código de Processo Civil.
19. Ainda e tendo a Sra. AE subtraído a questão jurisdicional suscitada pelo requerimento de oposição à penhora do Executado A, à apreciação do Tribunal a quo, impedindo-o de decidir ao abrigo do seu poder inquisitório, como o estabelece o Artigo 5.º do CPC, bem sabendo e não podendo ignorar que, de acordo com as questões de direito suscitadas, teria que fazer, suspendendo o andamento dos termos da execução,
20. Pelo que e omitindo a conduta devida, e realizando a venda dos bens penhorados, violou o previsto na norma legal do Artigo 719 n.º1 a contrario sensu do CPC, devendo tal omissão da Sra. AE, com a consequente, omissão de pronúncia do Tribunal a quo, como lhe competiria nos termos da al. b) do n.º1 do Artigo 723.º do CPC, ser acometida de nulidade e em consequência, deverão ser anulados todos os termos subsequentes da execução, realizados que o tenham sido posteriormente ao requerimento de 29.10.2019, o que se requer ad quem.
21. Mais entende a Apelante que, sendo submetido o requerimento subjudice a apreciação do tribunal a quo, a quem se dirigiu de forma expressa, em 29.10.2019, o tribunal recorrido teria que haver decidido, tomando posição sobre as questões jurisdicionais suscitadas (a inadmissibilidade da penhora, prevista na alínea a) do n.º1 do Artigo 784.º do CPC, atenta a inexistência da dívida exequenda reclamada, porquanto paga em Março de 2007, juntando para o efeito, prova documental emitida pelo Exequente) e que configuravam fundamentos para oposição à execução e à penhora, a que o Exequente não respondeu dentro do prazo legal,
22. Não se pronunciando o Tribunal a quo sobre a invocada inadmissibilidade da penhora decorrente da inexistência da dívida exequenda, nem sobre a consequente falta/inexistência de título executivo,
23. A inexistência do título executivo é de conhecimento oficioso pelo próprio Tribunal e pode também ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado; e sendo fundamento da execução, afectará necessariamente todos os termos posteriores no qual se baseiam, constituindo a inexistência do título executivo invocada pelo Executado A, e pela Recorrente, e contrariamente ao que é decidido pelo despacho recorrido, fundamento de oposição à execução e igualmente fundamento de oposição à penhora; dado que para que possa haver penhora de algum bem do executado, é necessário que a execução seja baseada num título executivo válido e eficaz contra a(s) pessoa(s) que no título figure(m) como devedor(es), o que manifestamente não acontece, como certamente se provará.
24. O Executado A opôs-se à penhora em 29.10.2019, alegando o fundamento previsto na alínea a) do Artigo 784º, n.º 1, do CPC, pelo que se não houve indeferimento liminar da execução contra os Executados, deveria o Meritíssimo Juiz a quo na oposição que foi feita pelo Executado conhecer dos vícios por este invocados, para além de serem de conhecimento oficioso,
25. Pelo que e não conhecendo dos fundamentos de oposição à penhora alegados em 29.10.2019 (inadmissibilidade da penhora e inexistência da dívida exequenda e do título executivo), o tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar, devendo resolvê-las por serem questões essenciais à solução do pleito (existindo identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão a resolver pelo juiz), como o determinava a norma legal prevista no Artigo 608.º n.º2 do CPC, acarretando a omissão de pronúncia sobre a pretensão formulada pelo Executado, a nulidade prevista na alínea c) do n.º1 do Artigo 615.º aplicável aos despachos ex vi do Artigo 613.º n.º3, ambos do CPC, requerendo-se seja declarado ad quem o despacho proferido a quo como nulo e insusceptível de produzir efeitos, afectando necessariamente os termos posteriores da execução (cf. Artigo 195.º n.º1 e 2 do CPC) e em particular, todas as penhoras efetuadas dos bens imóveis dos executados; nulidade que aqui se invoca com todas as consequências legais daí resultantes.
26. E ainda que assim se não entenda, o despacho recorrido terá de ser revogado porquanto não se encontra fundamentado, tanto de facto como de direito, não procedendo a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos (requerimento de oposição à penhora de 29.10.2019), dos documentos juntos (documento bancário de 19.03.2007), nem se indicou nele um único facto concreto suscetível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão da Recorrente, não se posicionando o Tribunal em momento algum, sobre a oposição à penhora deduzida atempadamente em 29.10.2019, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 154º do CPC, cometendo pois uma nulidade, encontrando-se o despacho recorrido, eivado de nulidade por violação do disposto nas als. b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC ex vi do n.º3 do Artigo 613.º do CPC, que aqui se invoca com todos os efeitos legais; julgando que esse Venerando Tribunal irá revogar tal despacho, nos termos em que se deixou requerido,
27. Acresce que, a decisão recorrida, porquanto não fundamentada, viola o disposto no artigo 205º da CRP, e ainda o disposto nos Artigos 204.º, 13.º e 20.º do mesmo diploma legal, violando os princípios constitucionais da igualdade e de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, porquanto e tendo o Executado A submetido a apreciação jurisdicional em 29.10.2019, requerimento onde eram alegados fundamentos para oposição à penhora, não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre o seu teor, pese embora o requerimento de 22.04.2022 de forma clara e inequívoca, a ele se refira (vide pontos 53.º a 57.º) mas apenas proferindo decisão que não conhece do mérito da causa, o despacho recorrido não assegurou no presente caso o acesso ao direito e a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente,
28. E ainda se entende que a decisão recorrida viola o disposto no n.º2 do artigo 202º da C.R.P., por in casu não ter sido assegurada a defesa dos direitos dos Executados, porquanto no despacho recorrido, não se pronunciou prima facie sobre o requerimento de oposição à penhora de 29.10.2019, e em segunda linha, quando indeferiu liminarmente o requerimento de 22.04.2022, e nem sequer aplicou as normas legais aplicáveis ao caso em concreto, tendo de uma forma simples e sintética apreciado algumas das questões, desatendendo os elementos constantes no processo e os documentos juntos aos autos, que impunham indagação sobre a existência de título executivo e da dívida exequenda.
29. Sendo possível arguir-se a inexistência de título executivo como fundamento de oposição à penhora em 29.10.2019, o que o Executado A fez tempestivamente, questão a que o tribunal a quo deu resposta negativa ao requerido em 22.04.22, omitindo pronunciar-se sobre o requerido 3 (três) anos antes.
30. Constituindo o título executivo, subjudice, um documento particular, alegadamente com os requisitos exigidos pelo Artigo 46.º alínea c) do C.P.C. (na redacção em vigor à data da entrada em juízo do requerimento executivo), os fundamentos de oposição incluem todos os que pudessem ter sido invocados no processo de declaração (vide Artigo 731.º do C.P.C).
31. Tendo os executados sido citados para a execução em 2009, e pese embora, presentemente, se haja extinto o direito de deduzir embargos à execução, conforme decorre expressamente do disposto no Artigo 728.º nº 1 do C.P.C., tal não obsta no entanto, que não possa vir invocar, ainda que por simples requerimento ao processo de execução, aquelas questões que, por serem de conhecimento oficioso, o juiz da causa devesse delas conhecer e que ainda possam ser invocadas e conhecidas, por não sanadas,
32. Não se encontrando vedado ao juiz a tomada de conhecimento da invocada inexistência de título contra os executados - que aliás foi alegada atempadamente em sede de oposição à penhora pelo Executado A em 29.10.2019, desde que respeitado o determinado no n.º1 do Artigo 734.º do CPC, podendo esta questão ser apreciada até ao primeiro acto de transmissão de bens, oficiosamente, ou seja, independentemente de arguição pela parte interessada, e por maioria de razão, poderão e deverão ser conhecidas se a parte interessada a suscitar expressamente perante o juiz da causa, ainda que por simples requerimento aos autos de execução, suscitando a apreciação daquelas questões que deveriam ter determinado o indeferimento total ou parcial do requerimento executivo, nomeadamente as constantes do Artigo 726 n.º 2 do C.P.C., ou seja: -a manifesta falta ou insuficiência do título, ou seja, a que resulte do próprio título, sem necessidade de produção de prova; excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso; e fundando-se a execução em título negocial, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda que sejam de conhecimento oficioso e que, igualmente dispensem a produção de prova,
33. In casu, mal andou o Tribunal a quo porquanto deveria e poderia ter decidido sobre as questões (inadmissibilidade da penhora, inexistência da dívida exequenda) que lhe foram submetidas pelo Executado A em 29.10.2019, no seu requerimento de oposição à penhora, ainda que tivesse que o convolar e fazer tramitar por apenso, obrigando o Executado a liquidar a taxa de justiça correspondente,
34. Tendo o Tribunal a quo que intervir obrigatoriamente ainda, no caso concreto, se tal houvesse sido requerido pela Sra. AE, o que não ocorreu, ou se requerida pelo(s) Executado(s) ainda que não tivesse deduzido oposição à execução por embargos, por requerimento apresentado nos autos de execução, como o fez o Executado A em 22.04.2022.
35. Os Executados que citados, não deduziram oposição à execução, poderiam ainda assim, invocar todas as questões que, por serem de conhecimento oficioso, deveriam ter sido conhecidas pelo juiz da causa, nos termos do Artigo 726.º do C.P.C. e desde que observado o prazo previsto no Artigo 734 do C.P.C..
36. Com efeito, in casu, a Sra. AE, notificada pelo Exequente, procedeu a entrega de resultados periódicos a 08.10.2019, no montante de 800€ (oitocentos euros),
27. Entendendo-se que não lhe era lícito proceder a entrega de tais resultados ao Exequente quando se encontrava em curso prazo para dedução de oposição à penhora pelos Executados uma vez que tal obstaculizava o exercício do direito de defesa que assistia aos Executados nos presentes autos, como assim o obstaculizou, sendo que estes poderiam alegar naquele momento, como aliás alegou o Executado A, factos que colocavam em causa a existência de título executivo, como o fez, oferecendo prova do alegado, colocando em causa a execução in totum, constituindo a inexistência de título executivo, uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso (cfr. artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC), pelo que o acto de entrega de resultados ao Exequente de 08.10.2019, deverá ser declarado ad quem nulo e insusceptível de produzir qualquer efeitos, com as demais consequências legais.
28. Por sua vez, e embora não constituindo formalmente fundamentos de oposição à penhora, impunha-se a quo, concreta pronúncia sobre o cumprimento dos requisitos exigidos por via do disposto no Artigo 46, alínea c) do C.P.C. (vigente à data da apresentação do requerimento executivo), para a formação do título executivo contra os executados,
29. Entendendo-se que a impropriedade do meio empregue não pode servir como pretexto para o não conhecimento desta questão, tendo em conta que, de acordo com o Artigo 193.º n.º 3 do C.P.C., o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os meios processuais adequados, não podendo por ser o invocado vício de conhecimento oficioso, de o conhecer, impondo-se-lhe a convolação do meio utilizado, para o meio processual adequado, de acordo com os princípios constitucionais previstos nos Artigos 20 nº 1 e 4 da Constituição e Artigo 2.º do C.P.C,
30. Não podendo os direitos de defesa dos executados ser preteridos, por questões meramente formais, por irregularidades processuais praticadas nos autos ou por eventual incumprimento do dever do juiz a quo de apreciação da existência de título executivo (invocada no requerimento de 29.10.2019, e reiterada no requerimento de 22.04.2022), devendo fazê-lo à luz dos princípios da cooperação e da adequação processual previstos nos Artigos 6.º e 7.º do C.P.C. e do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no Artigo 2.º do C.P.C. e consagrado como direito fundamental no Artigo 20.º da CRP (princípio da tutela jurisdicional efectiva, que tem em si implícito o direito de acesso aos tribunais), e de forma fundamentada.
31. Assim deveria o Mmo. Juiz a quo ter ordenado a convolação da requerida nulidade do título para requerimento de arguição de nulidade/inexistência do título em sede de execução, uma vez que o Executado se apresentava em prazo para arguir esta nulidade/inexistência do título e dela conhecer, devendo o juiz delas conhecer, ainda que adequando o meio processual ao devido.
32. Pelo exposto, e ainda que não se julgue o despacho como nulo e insusceptível de produzir efeitos, o que não se concede, sempre se requererá a V.Exas. se dignem ad quem julgar procedente a apelação, e em consequência, revogar o despacho recorrido na parte em que indeferiu liminarmente o conhecimento da nulidade/inexistência do título dado à execução; determinando a convolação do meio utilizado, para requerimento de arguição de nulidade/inexistência do título, a ser processado e conhecido no âmbito da execução.
33. Desde logo, e tendo decidido de forma diversa, omitindo pronunciar-se sobre questões que são absolutamente pertinentes para a descoberta da verdade material e essenciais à boa decisão da causa, conforme exposto supra; mal andou o Tribunal a quo, impondo-se, seja declarado nulo e insusceptível de produzir quaisquer efeitos, o despacho recorrido, porquanto precedido de conduta omissiva da Sra. AE que não remeteu a Tribunal requerimento do Executado sobre matéria de direito, omitindo o Tribunal a quo pronunciar-se sobre questões jurisdicionais que lhe foram colocadas pelo Executado A, sendo declarados anulados os termos subsequentes da execução, com as demais consequências legais,
34. E caso não seja esse o entendimento de V.Exas., seja declarado, nulo e de nenhum efeito, ad quem o aludido despacho na parte em que indeferiu liminarmente o conhecimento da nulidade/inexistência do título dado à execução; que ora se impugna,
35. Por, respectivamente, terem sido violadas pelo aludido despacho, as disposições legais contidas no Artigos 2.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 154.º n.º 1, 193 n.º 3, 195.º n.ºs 1 e 2, 196.º, 200.º, 411.º, 429.º e 574.º n.º 2, 608º n.º 2, 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) ex vi do n.º 3 do Artigo 613.º , 719.º n.º 1, al. b) do n.º 1 do Artigo 723.º, 726.º, 728.º n.º1, 731.º, 784.º, n.º 1, alínea a), 785.º n.ºs 1 e 2 ex vi do Artigo 732.º n.º 2 todos do Código de Processo Civil assim como os artigos 13.º, 20.º n.ºs 1 e 4, 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa,
36. Absolvendo-se em ambos os casos, consequentemente a Executada, ora Recorrente, das custas processuais em que foi condenada a quo, e ordenando-se a baixa dos autos à 1ª instância para serem seguidos os restantes termos da execução e designadamente, determinando a convolação do meio utilizado (requerimento apresentado pelo Executado A a 29.10.2019, e requerimento apresentado a 22.04.2022 pela Executada B ), para requerimento de arguição de nulidade/inexistência do título, a ser processado e conhecido no âmbito da execução, notificando-se os Requerentes para pagamento da taxa de justiça correspectiva, mais se ordenando a realização das diligências requeridas pela Executada por requerimento de 22.04.22, porquanto absolutamente pertinentes para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
37. Mais se diga que por requerimento apresentado pela ora Recorrente nos autos, de 22.04.2022, se requereu a suspensão do prosseguimento da execução, sem prestação de caução atenta a sua parca condição económica, para realização de prova pericial às suas letra e assinatura, sustando-se todas as diligências de venda dos bens imóveis penhorados em curso, por entender como absolutamente fundamental para salvaguarda dos legítimos direitos da Executada, dado que o título executivo seria, na verdade, quanto à Executada, inexistente, sendo a penhora realizada sobre os seus bens, legalmente inadmissível, sob pena de lhe serem causados prejuízos irreparáveis na sua esfera patrimonial, e em caso negativo, se dignasse o Tribunal a quo a notificar o Exequente para vir provar nos autos, por documento escrito, haver notificado pela forma convencionada, os Executados da resolução do contrato de mútuo, uma vez que tal não estaria demonstrado nos documentos anexos ao requerimento executivo, provando-se a final que o Exequente não só não operou a resolução do contrato de mútuo, que consequentemente ter-se-ia como em vigor, como nem poderia o BPN, ter procedido ao preenchimento da livrança, como determinado na autorização de preenchimento (que, reitera-se: não foi assinada pela Executada B ), nem colocá-la a pagamento, e que por essa ordem de razões, o Exequente não possuiria, nem possui, título executivo para intentar ou fazer prosseguir a presente execução, nos termos previstos na alínea a) do Artigo 729º do CPC,
38. E que sendo a inexistência de título executivo, de conhecimento oficioso, e a todo o tempo, deveria a instância executiva ser extinta por manifesta falta de título executivo, nos termos previstos na alínea e) do Artigo 277.º do CPC, o que requereu, mais requerendo fossem levantadas todas as penhoras sobre todos os imóveis de que são proprietários ou usufrutuários, os Executados, e devolvidas as quantias indevidamente penhoradas a título de parciais de pensão de reforma, bem como todas as quantias penhoradas sobre os depósitos bancários de que são titulares.
39. Ainda nesse requerimento de 22.04.22, a Executada ora Recorrente, reiterou o alegado pelo Executado A, no seu requerimento de 29.10.2019, a ele aditando a forte suspeita de que o contrato de mútuo celebrado em 02.12.2006 entre o BPN e a Executada Sociedade de construções, teria sido cessado pelas partes em 12.03.2007, 3 meses após a celebração daquele contrato, extinguindo-se destarte, a obrigação exequenda, e sobre esse requerimento do Executado não havia incidido nenhum despacho judicial,
40. Mais requerendo a Recorrente a quo, por se tratarem de documentos na posse da parte contrária, nos termos previstos no Artigo 429.º do C.P.C fosse notificado o ora Exequente para vir juntar aos presentes autos, cópia dos extractos bancários referentes ao período entre 2 de Dezembro de 2006 e 19.03.2007, referentes àquela conta bancária, informando os autos da razão de ciência para a referida redução em conta corrente da quantia de 125.000€, ocorrida em 12.03.2007, uma vez que a Executada, ora Recorrente, crera que a obrigação exequenda se extinguiu pelo seu pagamento pela Primeira Executada, não detendo o Exequente, manifestamente, título executivo para sustentar a execução subjudice.
41. Ora, pese embora a Recorrente tenha submetido questões novas a Tribunal que lhe advieram do conhecimento do andamento dos autos, a Recorrente apenas reiterou o pedido deduzido pelo Executado A de 29.10.2019 – de inexistência de título executivo - sobre o qual o Tribunal a quo não se pronunciou, nem lhe foi submetido pela Sra. AE a apreciação por nele se encerrarem questões jurisdicionais a decidir por Tribunal, nem tempestivamente e pela forma legal, lhe respondeu o Exequente.
42. Cumprindo, nos termos do dever de gestão processual previsto no Artigo 6.º do CPC, haver dirigido convite ao Exequente para vir juntar aos autos, a documentação que estava na sua posse exclusiva, requerida pela Executada, ora Recorrente para que esta fizesse prova da inexistência da dívida exequenda, sob pena de estarmos perante uma execução injusta, baseada num título sem força executiva.
43. Por sua vez, e a declarar-se ad quem como nulos, a omissão de remessa pela Sra. AE para o Tribunal a quo, a que estava legalmente obrigada, para que aquele decidisse sobre as questões jurisdicionais colocadas pelo Executado no requerimento de 29.10.2019, e não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre tais matérias, todos os termos subsequentes deverão ser anulados, consequentemente.
44. E alegados tempestivamente, e por quem tinha legitimidade para tal (o Executado A), fundamentos para se julgar inadmissível a penhora realizada porquanto inexistente a dívida reclamada, poderia o Tribunal a quo ter convidado o Executado, ora Oponente, a pagar a taxa de justiça correspectiva acrescida da respectiva multa, admitindo a tramitação do requerimento apresentado como apenso à presente execução.
45. No entanto, e pese embora, lhe tenha sido submetido tal requerimento ao seu escrutínio, o Tribunal a quo nada fez, não se pronunciando sobre questão colocada a sua apreciação pelo que se entende que mal andou, podendo e devendo tomar decisão diversa, constituindo a sua conduta como uma verdadeira omissão de pronúncia geradora de nulidade nos termos previstos na alínea d) do n.º 1 do Artigo 615.º do CPC,
46. Sendo tal questão igualmente levantada no requerimento de 22.04.2022, chamando-se a atenção do Tribunal a quo para a omissão de pronúncia sobre o requerido pelo Executado a 29.10.2019!
47. Mais se dirá que o requerimento da Executada de 22.04.22, foi notificado electronicamente, ao Exequente, pelo menos no dia 26 de Abril, que se remeteu ao silêncio, nada disse, juntou ou requereu, bem sabendo e não podendo ignorar que a Executada, ora Recorrente, teria alegado factos pessoais que o Exequente obrigatoriamente conhecia e que ademais, estaria na posse de documentação que comprovaria o alegado nos seus precisos termos pela Executada, e não a veio juntar aos autos, pelo que com a sua conduta violou o disposto no n.º 1 do Artigo 7.º e Artigo 8.º, ambos do CPC, pois não cooperou com a Executada, não concorrendo in casu para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, nem agiu com boa fé processual,
48. Pelo que e tendo sido alegados factos novos, que não vieram a ser impugnados especificadamente pelo Exequente, deveriam os mesmos ser admitidos por acordo, com as demais consequências legais, o que se requer seja julgado ad quem nos termos previstos no n.º2 do Artigo 574.º do CPC, aplicável in casu, devendo a final, ser extinta a presente execução por manifesta falta de título executivo.
49. Assim como, perante a matéria alegada pela Executada, ora Apelante, e que colocava em crise a existência do título executivo subjacente à presente execução, deveria o Tribunal a quo ter ouvido as partes, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurassem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência, o que poderia fazer em qualquer altura do processo, e ao não fazê-lo, decidindo diversamente, mal andou o Tribunal a quo, entendendo-se que com a sua conduta, violou a norma jurídica prevista no n.º 2 do Artigo 7.º do CPC.
50. Pelo que, havendo decidido a quo de forma diversa, omitindo pronunciar-se sobre questões que são absolutamente pertinentes para a descoberta da verdade material e essenciais à boa decisão da causa, conforme exposto supra; impondo-se, atento as normas jurídicas violadas, previstas nos Artigos 6.º, 7.º, 8.º, 429.º e 574.º n.º2 todos do Código de Processo Civil, seja declarado nulo e insusceptível de produzir quaisquer efeitos, o despacho de indeferimento liminar recorrido, absolvendo-se a Recorrente das custas processuais em que foi condenada e ordenando-se a baixa à 1ª instância, com todas as consequências legais daí resultantes, designadamente, para aí ser declarada extinta a instância executiva por manifesta falta de título executivo”.
8. Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos art.ºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso são:
- da nulidade de decisão recorrida;
- da possibilidade de conhecimento das excepções invocadas.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a atender no presente recurso são os que resultam do relatório supra.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso, iniciemos a sua análise.
Sustenta, antes de mais, a apelante a nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia, porquanto o mesmo não se pronuncia sobre requerimento do executado A apresentado em 29-10-2019, o qual consubstancia uma oposição à penhora.
O tribunal recorrido proferiu o despacho a que alude o art.º 617º do CPC, defendendo a inexistência de qualquer nulidade.
E parece-nos que bem.
Com efeito, a nulidade por omissão de pronúncia está prevista no art.º 615º, al. d) do CPC, nos termos do qual a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Relaciona-se este preceito com o disposto no art.º 608º do CPC, segundo o qual a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e que possam determinar a absolvição da instância, bem como resolver todas as questões de mérito que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras, salvo as que forem de conhecimento oficioso.
Assim sendo, na fundamentação da sentença deve o juiz pronunciar-se sobre cada uma das pretensões trazidas a juízo, bem como sobre cada um dos fundamentos que lhes são opostos em sede de contestação, seja a título de excepção dilatória e que não tenha sido antes apreciada, seja a título de excepção peremptória.
Por outro lado, “… não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito”, cfr. Tomé Gomes, in Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jan. 2014, pág. 370, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf.
Quer isto dizer que não há qualquer omissão de pronúncia quando as questões estruturantes da posição das partes sejam implícitas ou tacitamente decididas, já que a análise da argumentação das partes não se confunde com a apreciação das questões que devem ser conhecidas, esta sim essencial.
Nas palavras de Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 143, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
No caso dos autos, defende a apelante a existência desta nulidade, porquanto o tribunal recorrido não apreciou requerimento antes apresentado pelo executado A, sendo que o deveria ter feito.
Dúvidas não existem que o despacho recorrido apenas se pronuncia sobre o requerimento apresentado em 23-04-2022 pela executada, como aliás se extrai de todo o seu teor e da respectiva parte final.
Não obstante, esse facto não determina a existência de qualquer nulidade.
Com efeito, embora refira no art.º 53º de tal requerimento que o executado apresentou um requerimento que não foi ainda objecto de despacho judicial, nunca a ora apelante peticiona a apreciação de tal requerimento, nem apresenta argumentos nesse sentido.
Na verdade, a apelante não peticiona a apreciação desse requerimento, limitando-se a referir nos art.ºs 53º a 57º do seu requerimento que o executado A requereu em 29.10.2019, a junção aos presentes autos de um documento emitido pelo BPN – Banco Português de Negócios em 19 de Março de 2007, no qual se refere ter sido efectuada uma redução na conta corrente, assim levando a que o contrato de mútuo celebrado em 02.12.2006 entre o BPN e a Executada Sociedade de construções, tenha cessado pelas partes em 12.03.2007, três meses após a celebração daquele contrato, extinguindo-se a obrigação exequenda.
Ora, esta informação integra-se na excepção deduzida pela apelante relativa à extinção da obrigação exequenda e que o tribunal recorrido apreciou nos seguintes termos:
“No que respeita aos factos que poderiam, em tese, constituir fundamentos de oposição à execução – além de o incidente ter que correr termos por apenso e estar sujeito a tributação própria –, desde já se adianta que o mesmo é manifestamente extemporâneo, mostrando-se precludidos os direitos de defesa da executada, atenta a forma como vêm configuradas as respetivas pretensões.
Nesta conformidade, ainda que se pudesse aproveitar o requerimento apresentado, convolando-o em oposição à execução – ordenando a sua apensação a estes autos e determinando a notificação da executada para proceder ao pagamento da competente taxa de justiça –, o prazo para o efeito já se mostrava, há muito, esgotado”.
Ou seja, o tribunal recorrido apreciou os fundamentos invocados pela apelante e que se relacionavam com o requerimento apresentado pelo executado, não existindo, por esse motivo, qualquer omissão de pronúncia.
Acresce que não se pode entender que o requerimento em apreço nestes autos se trata de uma mera repetição daquele outro requerimento, porquanto os argumentos são distintos, referindo-se a momentos processuais distintos e intervenientes processuais diferentes.
Questão que ora se coloca é se incumbia ao tribunal recorrido essa apreciação, sob pena de violação do princípio do inquisitório, como alegado.
Nos termos do art.º 411º do CPC, “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Consagração do princípio do inquisitório, pressupõe este preceito a compatibilização entre o princípio do dispositivo, que determina a necessidade de alegação de factos pelas partes, e a actuação do juiz sobre o qual impende a responsabilidade de realizar diligências que repute como essenciais.
No caso dos autos, não se pode entender que a conduta do tribunal seja violadora deste preceito, na medida em que, ao circunscrever o despacho recorrido à apreciação do requerimento apresentado pela executado, o tribunal a quo está no âmbito das suas competências de gestão processual, optando por apreciar um único requerimento, sem prejuízo de ulterior apresentação de outras questões que se suscitem ou venham a suscitar nos autos.
Sintomática desta opção é o facto de ter sido expresso, no despacho de admissão do presente recurso, a necessidade de o Tribunal, oportunamente, se pronunciar sobre o aludido requerimento apresentado pelo executado A.
Por outro lado, não tendo aquele requerimento sido objecto de despacho proferido em primeira instância, não pode o mesmo ser apreciado nesta sede, assim se julgando prejudicadas as cls. 5 (repetida) a 25.
Recorde-se que, como vem sendo entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida. Na verdade, sendo os recursos meios de impugnação das decisões judiciais, pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não é possível ao tribunal de recurso conhecer de novas questões. Neste sentido, vide Ac. STJ, de 7-07-2016, proc. 152/12.0TTCSC.L1.S1, relator Gonçalves Rocha e ampla Jurisprudência aí citada.
Tem sido também entendido que esta regra comporta como excepção as questões que, por serem do conhecimento oficioso do julgador, este tem de apreciar, mesmo sem que tal lhe haja sido pedido.
Não é esse o caso do requerimento do executado, o qual tem de ser apreciado, no seu todo, em primeira instância, o que, aliás, já sucedeu, como resulta dos autos principais.
Donde, não constitui qualquer nulidade a circunstância de o despacho recorrido não apreciar o requerimento do executado A apresentado em Outubro de 2019, na medida em que o mesmo é claro quanto ao que efectivamente aprecia: o requerimento apresentado pela executada em 23-04-2022.
Saliente-se ainda que o despacho recorrido aprecia este mesmo requerimento em toda a sua extensão e relativamente a todas as questões que o mesmo suscita, não existindo qualquer nulidade por omissão de pronuncia que cumpra sanar e assim improcedendo este segmento da apelação.
Defende também a apelante que o despacho recorrido “não se encontra fundamentado, tanto de facto como de direito, não procedendo a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos (requerimento de oposição à penhora de 29.10.2019), dos documentos juntos (documento bancário de 19.03.2007), nem se indicou nele um único facto concreto suscetível de revelar, informar, e fundamentar, a real e efetiva situação, do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão da Recorrente, não se posicionando o Tribunal em momento algum, sobre a oposição à penhora deduzida atempadamente em 29.10.2019, além de fazer uma errada interpretação das normas legais que enumera, tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 154º do CPC, cometendo pois uma nulidade”.
Nos termos do art.º 154º, nº 1 do CPC, “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, referindo-se no seu nº 2 que “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
A violação deste dever de fundamentação leva à nulidade da sentença, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. b) do CPC, aplicável aos despachos, por remissão do art.º 613º, nº 3.
Como referem, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 188, em anotação ao citado art.º 154º, “O dever de fundamentação das decisões tem consagração constitucional (art.º 205º, nº 1 da CRP), apenas se dispensando no caso de decisões de mero expediente. Deste modo, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão não suscite qualquer dúvida, a respectiva decisão deverá ser fundamentada nos termos que forem ajustados ao caso.”.
Nas palavras de Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
Ou, como refere Tomé Gomes, in Da Sentença Cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jan. 2014, p. 370, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf:
“Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adoptada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo.
A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão”.
Donde, só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do art.º 615º, mas já não a errada decisão no âmbito do erro de julgamento. Neste sentido, vide Acs. STJ, de 15/12/2011, relator Pereira Rodrigues e de 02/06/2016, relator Fernanda Isabel Pereira.
In casu, constata-se que o despacho recorrido efectua um relato circunstanciado dos factos que sustentam a decisão, descrevendo o iter processual e quais os momentos processuais a atender, após o que aprecia os fundamentos invocados pela apelante e os pedidos por esta deduzidos, terminando com a decisão de indeferimento.
Verifica-se, assim, que não se pode concordar com a apreciação efectuada pela apelante, já que o despacho recorrido se mostra fundamentado e aprecia todas as questões suscitadas no requerimento apresentado.
Acresce que, como já se referiu, não se pode concordar com a apelante quando alega a violação dos “princípios constitucionais da igualdade e de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, por o tribunal recorrido não ter procedido à apreciação do requerimento do executado A.
Com efeito, não sendo o objecto do requerimento da apelante a apreciação desse requerimento anterior, o qual será oportunamente apreciado, e tendo o tribunal apreciado o requerimento apresentado pela apelante, tem de se entender estar salvaguardado o direito de defesa das partes, sendo certo que estas, devidamente citadas, não deduziram oposição.
Aqui chegados, impõe-se apreciar a possibilidade de conhecimento oficioso da invocada inexistência de título executivo e que a apelante defende como possível no caso dos autos.
Relativamente a esta questão, decidiu o tribunal recorrido pela impossibilidade de tal conhecimento nos seguintes termos:
“No que respeita aos factos que poderiam, em tese, constituir fundamentos de oposição à execução – além de o incidente ter que correr termos por apenso e estar sujeito a tributação própria –, desde já se adianta que o mesmo é manifestamente extemporâneo, mostrando-se precludidos os direitos de defesa da executada, atenta a forma como vêm configuradas as respetivas pretensões.
Nesta conformidade, ainda que se pudesse aproveitar o requerimento apresentado, convolando-o em oposição à execução – ordenando a sua apensação a estes autos e determinando a notificação da executada para proceder ao pagamento da competente taxa de justiça –, o prazo para o efeito já se mostrava, há muito, esgotado.
No que concerne à invocada inexistência de título executivo (que, naturalmente, também constitui fundamento de oposição) dir-se-á que, ainda que se verificasse – e o Tribunal entende que não se verifica –, o respetivo conhecimento (oficioso) pelo Tribunal não poderia ter lugar, pelo facto de ter, entretanto, ocorrido entrega de resultados ao exequente, ou seja, pagamento coercivo ao exequente, uma vez que o juiz apenas pode conhecer oficiosamente, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (cf. artigo 734.º do CPC).”.
Vejamos.
No caso dos autos, os fundamentos invocados consubstanciam, de acordo com a apelante, fundamento de embargos de executado.
Não se suscitam quaisquer dúvidas que o executado se pode defender através de embargos de executado e ainda através de oposição à penhora, nos termos estabelecidos nos art.ºs 728º e ss. e 784º e ss., todos do CPC.
Os embargos de executado, enquanto oposição à execução, são o meio processual adequado para o exercício dos meios de defesa do executado perante a pretensão do exequente, devendo ser expostos todos os fundamentos susceptíveis de conduzir à extinção da execução e dentro do prazo previsto no art.º 728º do CPC, ou seja, 20 dias a contar da citação (nº 1), ou, quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento o executado (nº 2).
Decorrido esse prazo, fica ultrapassada a fase processual de oposição à execução, deixando as partes de poder praticar os actos que aí deveriam ter sido praticados.
Como se refere no Ac. TRL desta secção, de 15-12-2020, proc. 6175/18.5T8FBC-B.L1, relator Carla Câmara, “Estando inviabilizado ao executado deduzir embargos de executado para lá do prazo legalmente fixado para o efeito, tendo-os deduzido, está-lhe vedada a possibilidade de, por via de um requerimento que deduz nos autos executivos, pretender invocar fundamentos de oposição à execução que não alegou nos embargos de executado. O decurso do prazo para a dedução de embargos tem efeitos preclusivos, conduzindo à impossibilidade da prática do acto respectivo”.
Mas, como também se conclui neste aresto, daqui não se retira a impossibilidade de conhecimento oficioso da manifesta insuficiência do título executivo, nos termos do art.º 734º do CPC, podendo esta apreciação advir dos poderes de gestão do tribunal ou ser impulsionada pelo executado.
Dispõe o art.º 734, nº1 do CPC que “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo”.
Assim, qualquer questão que pudesse ter conduzido ao indeferimento liminar ou ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, e que não foi ainda objecto de apreciação, pode ser apreciada até ao primeiro acto de transmissão de bens, oficiosamente, ou seja, independentemente de arguição pela parte interessada. “E, por maioria de razão podem e devem ser conhecidas se a parte interessada a suscitar expressamente perante o juiz da causa, ainda que por simples requerimento aos autos de execução” (Ac. TRC de 26-04-2022, proc. 296/10.0TBPBL-C.C1, relator Cristina Neves).
Saliente-se que incumbe ao tribunal apreciar tais requerimentos, convolando-os, se necessário, para os meios processuais adequados, de acordo com os princípios constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP).
Tal como se pode ler no Ac. TRC de 26-04-2022 supra citado, “Os direitos de defesa dos executados não podem ser preteridos, por questões meramente formais, por irregularidades processuais praticadas nos autos ou por eventual incumprimento do dever do juiz a quo de apreciação da existência de título executivo.
(…)
Constitui este preceito um corolário do princípio da cooperação e da adequação processual previsto nos art.ºs 6 e 7 do C.P.C. e do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no art.º 2 do C.P.C. e consagrado como direito fundamental no art.º 20 da nossa Constituição.
Nestes termos, por via destes preceitos, impõe-se ao magistrado que corrija oficiosamente o meio processual utilizado, determinando que se sigam os meios processuais adequados para o conhecimento da questão colocada à sua apreciação”.
Donde, tem de se concluir pela possibilidade de o executado, ainda que não tenha deduzido oposição à execução, suscitar, por simples requerimento, a apreciação de questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art.º 726º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. Neste sentido, para além dos arestos já citados, veja-se ainda os Acs. TRP de 24-11-2022, proc. 1493.220T8PRT-A.P1, relator Judite Pires, TRG de 15-12-2022, proc. 4819/16.2T8VNF.G3, relator Alcides Rodrigues, TRL de 12-01-2023, proc. 3141/07.0TBLLE-Z.L1.2, relator Carlos Castelo Branco e de 30-03-2023, proc. 6980/08.0TBOER-A.L1-2, relator Nelson Borges Carneiro.
Importa ainda salientar que, no caso da inexistência ou insuficiência do título executivo, tem sido entendido que esta deve ser manifesto.
A este propósito, pela resenha efectuada, veja-se o Ac. TRL de 12-01-2023, supra referido onde se pode ler que: “tal vício deve ter caráter manifesto: A “rejeição oficiosa nos termos do art.º 734º e 726 nº 2 a) do C.P.C. pressupõe que a falta do título executivo seja evidente e incontroversa, e não uma situação que implique prévias diligências por parte do Tribunal” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-01-2021, Pº 7911/19.8T8VNF.G1, rel. MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES). E, na mesma linha de entendimento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-09-2019 (Pº 35949/11.6TYYLSB-L1-7, rel. CRISTINA SILVA MAXIMIANO) concluindo que, “[a] insuficiência de título executivo prevista na al. a) do nº 2 do art.º 726º do Cód. Proc. Civil, que importa o indeferimento liminar do requerimento executivo, tem necessariamente de apresentar as características de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional, sendo esse o significado de “manifesta””.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-09-2020 (Pº 956/14.6TBVRL-T.G1, rel. SANDRA MELO):
“1- Porque a manifesta insuficiência do título executivo deve ser conhecida, mesmo oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigo 734º, nº 1, do Código de Processo Civil), o facto da mesma não ter sido invocada em embargos de executado não impede que o juiz a conheça.
2- Nos embargos de executado o caso julgado apenas ocorre relativamente às matérias que foram efetivamente ali julgadas: se o executado escolher deduzir oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito, esta constitui caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, mas não decorre da não dedução dos embargos senão efeito preclusivo na própria execução quanto às questões que não sejam de conhecimento oficioso (artigos 732º nº 6 e 734º nº 1 do Código de Processo Civil).
3- Assim, o juiz deve conhecer, mesmo oficiosamente, a manifesta insuficiência do título executivo desde que não tenha existido qualquer ato de transmissão de bens penhorados e não tenha sido proferida decisão de mérito nos embargos de executado.
4- A decisão que rejeita os embargos de executado por intempestividade não conhece da questão da manifesta insuficiência do título executivo, mas apenas de mera exceção dilatória relativa à instância incidental em que aqueles se traduzem, pelo que não se pode considerar que preteriu o conhecimento oficioso daquela questão, nada obstando a que a parte, por requerimento, despolete essa apreciação, por ser de conhecimento oficioso”.
E, também nada impede que o recorrente, apenas em sede de recurso, venha invocar questões que poderiam ter dado aso à prolação de despacho liminar de indeferimento do requerimento executivo, posto que o seu conhecimento seja oficioso.
Isso mesmo se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-01-2021 (Pº 2143/20.5T8MAI-B.P1, rel. RUI MOREIRA): “Em sede de recurso, podem ser apreciadas questões passíveis de conhecimento oficioso, respeitantes à regularidade da instância executiva, ainda que não tenham sido suscitadas na execução, ou em embargos de executado, ou objecto de conhecimento oficioso”.
Em semelhantes moldes, decidiu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-01-2022 (Pº 1238/20.0T8ANS-A.C1, rel. CRISTINA NEVES) que: “A inexistência de título executivo pode ser invocada pelo executado, pela primeira vez, em sede de recurso interposto contra a decisão que julgou improcedentes os embargos opostos à execução, no caso de, em tal momento, ainda não ter havido transmissão dos bens penhorados”.
Assim, “deve ser conhecida oficiosamente, nos termos do artigo 734º do CPC, a manifesta insuficiência do título executivo, mesmo que impulsionada pelo executado/embargante, corolário da prevalência do mérito sobre a forma, privilegiando-se a protecção do adquirente de boa fé. Não subjaz a esta previsão, permitir suprir os ónus dos executados, mostrando-se tal mecanismo reservado para as circunstâncias em que resulta manifesto, à luz do título executivo, a sua insuficiência” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2020 (Pº 6175/18.5T8FNC-B.L1-7, rel. CARLA CÂMARA).”.
E esta apreciação sobre o carácter manifesto da insuficiência do título executivo tem de ser articulada com o título executivo apresentado em cada caso concreto.
Recorde-se que o art.º 10º, nº 5 do CPC prescreve que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
Decorre deste preceito que o título executivo é a condição necessária para a acção executiva, que por este se limita. Ou seja, o título executivo funciona como a demonstração da existência do crédito exequendo, sendo a condição da acção executiva, estribando os limites desta.
Face ao grau de importância do título executivo, o indeferimento liminar do requerimento executivo (ou a sua rejeição nos termos do art.º 734º do CPC) apenas é possível em caso de manifesta falta ou insuficiência do título executivo, cfr. art.º 726º, nº 2, al. a) do CPC.
Isto é, apenas quando essa insuficiência seja evidente e incontroversa é que se torna possível recorrer ao disposto no art.º 726º, nº 2, al. a) do CPC e, sendo caso disso, ao art.º 734º do mesmo diploma. Neste sentido, veja-se Ac. TRL de 24-09-2019, proc. 35949/11.6TYYLSB.L1, relatado pela ora 2ª adjunta, onde se faz a análise de mais jurisprudência defendendo tal entendimento e do qual se destaca o seguinte trecho: “Também a este propósito, se salienta no Acórdão da Relação de Lisboa de 02/02/2010, António Geraldes, acessível em www.dgsi.pt (que pese embora se debruce sob o art.º 820º do Cód. Proc. Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28/12/1961, mantém toda a sua intensidade e pertinência no caso dos autos dada a similitude da letra e do espírito daquele preceito legal com o actual art.º 734º do Cód. Proc. Civil), que a rejeição oficiosa da execução “tem de ser necessariamente encarada com parcimónia por parte do juiz, ponderando sempre o facto de ao executado ter sido dada a oportunidade de deduzir oposição e reservando a actuação de natureza complementar para situações-limite em que a irregularidade da acção executiva não deixe margem para dúvidas. O uso do mecanismo do art.º 820º do CPC tem que ser necessariamente reservado para situações excepcionais em que a ocorrência de alguma das situações abstractamente previstas decorrer da mera análise dos elementos fornecidos pelos autos, sem necessidade de intervenção judicial, de pendor inquisitório. Dito de outro modo, a intervenção judicial para efeitos de rejeição da execução deve ser guardada para os casos em que uma eventual intervenção liminar o juiz permitisse determinar por si o indeferimento do requerimento executivo. Não se inscreve na ratio e nos objectivos do preceituado no art.º 820º do CPC uma postura do juiz que se traduza na substituição dos ónus que incumbiam ao executado e que este não cumpriu ou não cumpriu dentro dos prazos que a lei prescreve.”.
Também Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2ª Ed., p. 137, entende, a este propósito que: “O indeferimento liminar imediato é reservado para os casos em que seja manifesta a falta insuprível de pressuposto processual de conhecimento oficioso (…).”.”.
Não obstante, esta possibilidade tem como limite temporal o primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, nos termos do já citado art.º 734º.
Como nos explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, Coimbra, 2020, pág. 97, em anotação ao citado art.º 734º, “No processo de execução, podendo existir uma intervenção liminar do juiz, não está prevista propriamente uma fase de saneamento. Assim se compreende que as questões que porventura poderiam e deveriam ter determinado o indeferimento liminar total ou parcial, assim como aquelas que, de menor gravidade, careceriam de regularização suscitada através de despacho de aperfeiçoamento devam ser objecto de uma intervenção atípica. A mesma pode ocorrer até um certo momento, mais concretamente até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, e não depois, tendo em vista os direitos adquiridos no processo por terceiros de boa fé, designadamente os credores do executado, os adquirentes de bens ou os preferentes. Efetuados pagamentos na execução, fica precludida a possibilidade de indeferimento do requerimento executivo, nos termos do art.º 734º, nº 1 /RL 11-12-2018, 7686/15).”.
Transpondo o que se vem de expor para os autos, constata-se que a alegada insuficiência do título executivo não é manifesta, já que a executada, ora apelante, defende que o título executivo é inexistente quanto a si, impugnando a genuinidade das assinaturas e requerendo a realização de perícia, mais defendendo a inexistência de título por ter sido operada a resolução do contrato.
Ora, nenhum destes argumentos leva a concluir pela existência da manifesta falta de título que determinaria a rejeição da execução, porquanto dependem ambos de prova, não resultando da mera análise do título dado à execução nos autos e que é uma livrança.
Acresce que, de acordo com os elementos constantes dos autos, o limite temporal constante do art.º 734º do CPC foi já ultrapassado, já que em 07-10-2019 a Sr.ª Agente de Execução procedeu a “entrega de resultados ao exequente”.
Entende a apelante que esta entrega foi intempestiva, não podendo ser determinante para a aplicação do art.º 734º do CPC e ainda que a Sr.ª Agente de Execução não enviou, como devia, requerimentos para apreciação do tribunal.
No que se refere à remessa de elementos ao tribunal, impõe-se, desde já, referir que essa matéria não pode ser apreciada por este tribunal, porquanto não dispõe o mesmo de meios de fiscalização da actividade processual do tribunal recorrido e dos agentes de execução.
Porém, sempre se dirá que, tal como se extrai da análise dos autos principais através do sistema Citius, o requerimento apresentado pelo executado A foi dirigido directamente ao tribunal, não existindo qualquer lapso ou omissão da Sr.ª Agente de Execução que cumpra sanar.
No que concerne à entrega de resultados ao exequente e que a apelante entende que precludem os seus direitos, constata-se que, à data em que a apelante apresentou o seu requerimento, havia já sido entregue à exequente quantia referente à quantia exequenda, o que consubstancia a previsão do art.º 734º do CPC, como bem decidido pelo tribunal recorrido.
Diga-se que este limite temporal tem como fundamento a defesa dos direitos do exequente e de terceiros que tenham recebido quaisquer quantias ou adquirido bens penhorados, como sucedeu no caso vertente.
Defende ainda a apelante que a exequente, não cooperando para obter a justa composição do litígio, violou o disposto nos art.ºs 7º, nº 1 e 8º, ambos do CPC, não tendo agido com boa fé processual.
Da análise dos autos não se mostra possível extrair a violação de qualquer dever processual por parte da exequente, não se podendo retirar da ausência de resposta a requerimentos qualquer conduta processualmente reprovável, nem qualquer outra consequência processual, assim improcedendo a pretensão da apelante em sentido contrário.
Concluindo, e não tendo sido suscitada qualquer outra questão, decide-se pela manutenção da decisão recorrida.
As custas devidas pela presente apelação são da responsabilidade da apelante, cfr. art.º 527º do CPC, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficia.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando o despacho recorrido.
Custas pela apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
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Lisboa, 30 de Maio de 2023
Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano