CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ACÇÃO DE RESOLUÇÃO
NÃO PAGAMENTO DE RENDAS
IMPUTAÇÃO DOS PAGAMENTOS
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I. A imputação dos pagamentos de rendas é feita sucessivamente de uma destas formas, sendo que a aplicação de uma afasta a pertinência das subsidiárias: ou há acordo das partes quanto à imputação do pagamento; não se provando tal acordo, o devedor no próprio ato de pagamento pode designar a que dívida se reporta o pagamento; não se provando que o devedor fez tal designação no ato do pagamento, haverá que aplicar o regime supletivo legal do Artigo 784º do Código Civil.
II. Numa ação de resolução de contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas pelo locatário, compete ao senhorio demonstrar a existência do contrato e alegar o não pagamento, não lhe competindo, contudo, fazer prova desse não pagamento das rendas.
III. É ao arrendatário que incumbe o ónus da prova do pagamento das rendas (Art.º 342º, nº 2, do Código Civil).
IV. «Nas obrigações de dar e fazer, e sendo o pedido formulado de exigência de cumprimento ou de exercício do direito, cabe ao credor alegar a constituição da obrigação e o seu incumprimento ou cumprimento defeituoso, mas só lhe cabe provar que a obrigação nasceu e está vencida, ou seja, só lhe cabe o ónus de alegação quanto ao incumprimento, que não o da sua prova.  Ao devedor incumbe provar a realização da prestação (o cumprimento da obrigação como facto extintivo do crédito) ou que não cumpriu por causa legítima (cabe ao réu provar outro facto extintivo, impeditivo ou modificativo do reclamado crédito do autor).   Isto porque as obrigações de dar e fazer se mantêm inalteráveis no caso de não serem cumpridas, reportando-se a este propósito alguma doutrina italiana ao princípio da presunção da persistência do direito.»

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
AB, veio intentar ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CD e EF, casados entre si, pedindo que:
a) Se declare resolvido o contrato de arrendamento em causa.
b) Se condenem os Réus a restituir, de imediato, à Autora o locado livre e desocupado de pessoas e bens.
c) Se condenem os Réus a pagar as rendas vencidas, cujo valor ascende, à data da propositura da ação, a €4.900,00 (quatro mil e novecentos euros), acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento;
d) Se condenem os Réus a liquidar as rendas que se vencerem, em singelo até ao trânsito em julgado da decisão e elevadas ao dobro desde tal data e até à restituição efetiva do locado.
Para tanto, a Autora invocou, em síntese, que:
§ É desde Novembro de 2017 dona e legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra “D” correspondente ao rés-do-chão esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Avenida (...), Lisboa;
§ Autora e Réu acordaram, verbalmente, que o segundo e a sua família passariam, a partir de 2018, a habitar o rés-do-chão esquerdo do referido prédio, mediante retribuição mensal de € 1.200,00, reduzido, inicialmente, para € 900,00 (novecentos euros) e, posteriormente, para € 700,00 (setecentos euros);
§ O contrato de arrendamento celebrado nunca foi reduzido a escrito;
§ Os Réus não efetuaram o pagamento da renda vencida em Dezembro de 2020, nem as que se venceram posteriormente até à data da propositura da ação, pelo valor mensal de € 700,00;
§ Os Réus efetuaram alguns pagamentos pelo valor mensal de €500,00 por assim considerarem, unilateralmente, sem que tivesse existido qualquer acordo de redução da renda;
§ Interpelados, os Réus não procederam ao pagamento do valor total em dívida de €4.900,00;
§ O Réu tem na fração arrendada (para habitação) a sede da sua sociedade imobiliária, “(...)”, Lda., usando o locado para fim diverso do acordado.
Os Réus apresentaram contestação a alegar, em resumo, que:
. A Autora adquiriu a fração identificada na ação à (...) SA. que tem por objeto social a compra e venda de imóveis;
. Tal sociedade é cliente do Réu que exerce atividade comercial no sector de gestão de imóveis e que foi sempre quem geriu o património da (...) SA;
. Em Dezembro de 2014, a (...) SA. deu a fração identificada na ação de arrendamento ao Réu que aí passou a habitar com o seu agregado familiar, tendo sido acordado o valor da renda mensal de €700,00;
. Desde 15 de Maio de 2015, que a sociedade (...) Unipessoal, Lda., de que o Réu é gerente e através da qual exerce a sua atividade, tem a sua sede social na Av.ª (...), rés-do-chão esq.º, em Lisboa, com autorização da (...) SA.;
. A Autora tem conhecimento de que o Réu exerce a sua atividade profissional no locado ainda antes da aquisição da fração em causa à (...) SA.;
. A renda inicial acordada entre Autora e Réu foi de €700,00;
. No início do ano de 2020, atendendo ao pagamento pelo Réu de inúmeras despesas relativas à gestão dos imóveis que eram da responsabilidade da Autora e ao facto de serem os Réus quem a auxiliava em situações de índole pessoal, a Autora propôs aos Réus a redução do valor inicial da renda, de €700,00 para o montante de €500,00;
. A partir dessa altura o Réu iniciou o pagamento da renda no valor de €500,00;
. A partir do mês de Abril de 2021, na sequência da troca de correspondência com a Associação Lisbonense de Proprietários, o Réu anuiu passar a pagar a renda pelo valor de € 700,00;
. É verdade que o Réu não pagou as rendas respeitantes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2021;
. Tal omissão deveu-se ao facto de o Réu e a Autora terem acordado um acerto de contas quanto a serviços que o Réu havia prestado à Autora e cujo montante era muito superior ao valor correspondente a duas rendas;
. Quando a Autora instaurou a presente ação, em 08 de Junho de 2021, já tinha caducado o exercício do direito à resolução respeitante às rendas de Dezembro de 2020, Janeiro e Fevereiro de 2021;
. À cautela, de modo a afastar a resolução, os Réus depositam (à ordem do Tribunal), o remanescente da renda de Dezembro de 2020, no valor de €200,00, acrescido das rendas respeitantes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2021, no valor de €1400,00, (2x€700,00), acrescida da quantia de €420,00 (20%) a título de indemnização, no total de €2.020,00;
Concluem que a Autora atua com má-fé e abuso de direito na vertente de “venire contra factum proprium” e advogam a improcedência da ação.
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Foi observado o contraditório relativamente à matéria de exceção.
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Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Termos em que, tendo em atenção as considerações expendidas e as normas legais citadas, se decide:
a) Declarar resolvido o contrato de arrendamento dos autos que tem por objeto a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida (...), em Lisboa, com fundamento na falta de pagamento de rendas.
b) Condenar os Réus a entregar à Autora o locado livre e desocupado de pessoas e bens.
c) Condenar os Réus a pagar à Autora o valor de €1.580,00 (mil quinhentos e oitenta euros) a título de rendas vencidas (já abatidas do valor depositado à ordem dos autos de €2.020,00) referentes a Janeiro (em dívida pela quantia de €100,00), Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho (estas em dívida pela totalidade do respetivo valor) de 2021.
d) Determinar a entrega, após trânsito em julgado da presente sentença, à Autora da quantia de €2.020,00 depositada pelos Réus à ordem dos autos.
e) Condenar os Réus a liquidar as rendas que se vencerem, em singelo até ao trânsito em julgado da decisão e elevadas ao dobro desde tal data e até à restituição efetiva do locado.
f) Absolver os Réus do pagamento das quantias remanescentes peticionadas a título de rendas (Dezembro de 2020 e parte - € 600,00 - da renda de Janeiro de 2021) e de juros.
g) Não condenar a Autora como litigante de má-fé.»
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Não se conformando com a decisão, dela apelaram os requerentes, formulando, no final das suas alegações e após despacho para sintetizar as conclusões, as seguintes CONCLUSÕES:
«Das nulidades da sentença recorrida
Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia nos termos do disposto
na alínea e), 2.ª parte do art.º 615.º do Código de Processo Civil
a) A recorrida instaurou a presente ação alegando na p.i que estariam em divida rendas respeitantes a um determinado período temporal.
b) Foi com base do alegado na petição inicial da recorrida que os recorrentes deduziram a sua contestação e fizeram o depósito autónomo no valor de €2.020,00, a que respeita o documento cuja cópia se mostra inserta a fls. 109 dos autos, e que resulta do facto provado em 29 dos factos provados.
c) A petição inicial da autora, aqui recorrida, assenta em determinados pressupostos, os quais, face à nova invocação no requerimento da autora de 31 de Janeiro de 2022 (Ref.ª Citius 411721131) são irremediavelmente postos em causa.
d) O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a admissibilidade do requerimento da recorrida de 31 de Janeiro de 2022, com a Ref.ª Citius 411721131, nem sobre as questões arguidas pelos recorrentes no seu requerimento de resposta, datado de 09 de Fevereiro de 2022 , com a Ref.ª Citius 41277572, tendo vindo a fazê-lo apenas em sede de sentença, e sem que para tanto tivesse auscultado previamente os recorrentes.
e) Os factos vertidos no requerimento da recorrida, de 31 de Janeiro de 2022, assumem a natureza de factos essenciais nucleares, e não meros factos essenciais complementares.
f) A sentença recorrida ao dar ênfase ao que a recorrida veio alegar em requerimento posterior, quer no que respeita à invocação de novos períodos temporais, quer no que respeita à questão nova da imputação do pagamento, declarando a resolução contratual, e condenando os réus no pagamento de rendas, que resultaram da aludida imputação, ultrapassou manifestamente o pedido formulado pela autora/recorrida na sua petição inicial.
g) Não podendo o Tribunal a quo substituir-se à autora e dar cobertura à pretensão que a mesma poderia (ou deveria) ter formulado, ab initio na petição inicial, mas não formulou, devendo, outrossim, prevalecer sempre a estratégia assumida pelo autor, sem que nela se deva imiscuir o juiz, pois, é com base nessa estratégia inicial que o réu apresenta a sua defesa.
h) No caso em   apreço, estamos    perante uma condenação quantitativa e qualitativamente diversa.
i) O novo peticionário quanto à imputação de pagamentos efetuados pelos recorrentes, primeiramente em alegadas dívidas mais antigas, configura uma causa de pedir diversa da que suporta o pedido efetivamente formulado na petição inicial.
j) Ao decidir excedendo o que lhe foi peticionado, a sentença ultrapassou, assim, não só o pedido formulado, mas também a causa que lhe serve de fundamento, violando assim o princípio do dispositivo e do pedido e o princípio da estabilidade da instância, integradores das nulidades previstas na segunda parte da alínea d) e na alínea e) ambos do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil.
k) A nulidade por excesso de pronúncia importa a eliminação da referência à imputação do pagamento que o Tribunal recorrido faz no ponto 15 dos factos provados.
l) Nulidades essas que devem ser declaradas por este Venerando Tribunal. Sem prescindir/Ainda da nulidade da sentença prevista na alínea d) do art.º 615.º do Código do Processo Civil/Da violação do princípio do contraditório
m) A sentença recorrida decidiu como decidiu, sem sequer se ter pronunciado anteriormente sobre o requerimento da recorrida de 31 de Janeiro de 2022, e sobre a arguição da sua inadmissibilidade no requerimento dos recorrentes de 09 de Fevereiro de 2022, e sem que tenha dado às partes a oportunidade de se pronunciarem previamente sobre o sentido da decisão que viria a proferir.
n) A pronúncia dos recorrentes através de requerimento de 31 de Janeiro de 2022, seria suficiente no sentido de criar nesses a convicção ou a expectativa de que a decisão recorrida seria no sentido de aderir à tese da imputação do pagamento suscitada pela recorrida, ademais quando não era sequer pressuposto os recorrentes responderem ao requerimento da autora?
o) Não nos parece que assim seja, e muito menos, quando o Tribunal recorrido sabia e tinha o perfeito conhecimento que os recorrentes tinham efetuado depósito liberatório no pressuposto das rendas peticionadas pela recorrida na sua petição inicial (vide facto provado em 29 dos factos provados), pelo que, não seria, de todo, despiciendo para os recorrentes a posição que poderia vir a ser tomada em sede de sentença quanto à imputação do pagamento invocado pela recorrida no seu requerimento de 31 de Janeiro de 2022.
p) A proibição das decisões surpresa encontra o seu fundamento próximo no princípio do contraditório, consagrado, na lei adjetiva no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
q) No caso dos autos temos, a decisão não era expectável na medida em que o seu enquadramento jurídico poderia ser diverso, além de que, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a admissibilidade ou excesso, quanto ao requerimento da recorrida.
r) O enquadramento fáctico autoriza controvérsia uma vez que, referindo-se iniludivelmente o pedido vertido na petição inicial a um determinado período temporal, este veio a ser alterado pela recorrida, em requerimento posterior, no qual faz imputação de pagamentos respeitantes a outros períodos temporais, imputação essa que, no entender dos recorrentes viola dispositivos legais.
s) Aqui seria de concluir pela necessidade da intervenção judicial autónoma para pronúncia.
t) A decisão proferida tem de ser qualificada como decisão surpresa no sentido de não foi precedida de contraditório imposto por lei, pelo que se verifica a nulidade da decisão recorrida por omissão de ato que a lei prescreve com a consequência de conhecimento de questão de que o juiz não podia conhecer – artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
u) Nulidade essa cuja declaração se requer a este Venerando Tribunal, devendo em consequência revogar-se a decisão recorrida.
Sem prescindir/Da Impugnação da Decisão da Matéria de Facto/Do erro de julgamento
v) Consideram os recorrentes que foi incorretamente julgado o facto vertido na alínea B) da matéria de facto, dada como não provada, devendo o mesmo ser modificado nos termos que infra se indicam.
w) Tendo a recorrida recebido as rendas no valor de €500,00 durante cerca de um ano, (facto provado em 15)) sem nunca se ter oposto ou questionado o valor, (inexiste qualquer interpelação da recorrida aos recorrentes nesse sentido) só poderá concluir-se que a aceitação do cumprimento do devedor, em determinados termos, terá de ter, forçosamente, a consequência do reconhecimento do direito para efeitos de se considerar cumprida a obrigação dos recorrentes.
A decisão recorrida violou o disposto no artigo 334.º do Código Civil
x) A decisão recorrida violou o disposto no art.º 334.º do Código Civil ao ter dado como não provado o facto vertido em B) dos factos não provados, quando é a própria sentença recorrida que reconhece expressamente o facto dado como provado em 15.
y) No caso, a atuação da recorrida excede manifestamente os limites da boa-fé por haver um manifesto desequilíbrio objetivo no exercício do direito, por via da desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto ao arrendatário, quando o que está em causa é uma violação sem relevo de monta, para o senhorio, enquanto para o arrendatário o prejuízo é total, porquanto perde o uso do prédio.
z) No quadro da relação pessoal e comercial existente entre recorrentes e recorrida (vide factos 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 dos factos provados) e atendendo à postura que a recorrida sempre adotou em relação aos recorrentes, recebendo as rendas no valor de €500,00 por um período de mais de um ano, sem nada dizer, sem nunca recusar tal recebimento, e por conseguinte, criando nestes uma legítima expectativa, exigir a resolução do contrato de arrendamento nestas condições, excede manifestamente os ditames da boa-fé e bem assim os do fim social e económico do direito por ser manifesta a desproporção entre o exercício do direito da autora a ver resolvido o contrato de arrendamento e decretado o despejo e o direito dos réus em se manterem no locado.
aa) Tal quadro fáctico conduz à verificação de uma circunstância que bloqueia ou paralisa o exercício do alegado direito à resolução do contrato de arrendamento, impedindo a produção dos seus efeitos (art.ºs 493º, nºs 2 e 3 e 496º do Código de Processo Civil).
bb) Atendendo ao supra exposto, deve ser dado como provado, o facto vertido na alínea B) dos factos não provados.
Ainda sem prescindir/Do erro de julgamento/Do fundamento para a resolução do contrato de arrendamento. Imputação dos pagamentos realizados pelos réus/recorrentes. Ónus de prova. Das rendas em dívida.
cc) O primeiro e prevalecente critério de imputação do cumprimento consta do art.º 783º, nº 1, do Código Civil, não competindo à sentença recorrida tecer considerações quanto à imputação do pagamento, nos factos dados como provados, como faz no facto provado em 15.
dd) Através dos pontos 2 e 3 da Enunciação dos Temas da Prova (Despacho saneador de 04 de Abril de 2022, com a Ref.ª Citius 414518299) elaborados acerca de uma questão de facto absolutamente decisiva para a sorte do pleito, perguntava-se exatamente a mesma realidade, o seu verso e reverso, primeiramente na ótica do ónus de prova a cargo dos réus/recorrentes (ponto 2) e depois na perspetiva do ónus de prova a cargo da autora/recorrida. (ponto 3).
ee) Segundo a regra da repartição do ónus da prova, apenas uma das partes teria de suportar a incumbência legal de provar tal factualidade, sob pena de, não o fazendo, dever arcar com as respetivas consequências desfavoráveis, no plano substantivo.
ff) Na situação sub judice, a resposta dada a ambos os pontos da Enunciação dos Temas da Prova acabaram por penalizar os réus/recorrentes, com recurso, supletivamente à previsão do art.º 784º, do Código Civil.
gg) Neste tocante, haveria, antes de mais, que decidir sobre quem (autora ou réus) recaía, segundo a lei, o ónus de provar tal factualidade.
hh) No âmbito de uma ação destinada à declaração da resolução do contrato de arrendamento, como é o caso, o que verdadeiramente legitima o exercício do direito de resolução do contrato de arrendamento é a prova do comportamento tipificado do locatário que, consubstanciando uma violação dos seus deveres contratuais, genericamente referenciados no art.º 1038º, do Código Civil, habilita o senhorio, por esse motivo, à cessação unilateral da relação jurídica locatícia entre eles estabelecida.
ii) Daí que, o que essencialmente se discute, no âmbito específico da prova do fundamento de resolução do contrato de arrendamento, é se determinados pagamentos, efetiva e pacificamente reconhecidos como tendo acontecido, (vide facto provado em 15 dos factos provados) foram feitos pelos arrendatários, aqui recorrentes com vista a cumprir a sua obrigação de pagamento das rendas respeitantes aos meses em que ocorreram ou se, pelo contrário, visavam pagar rendas em dívida, vencidas anteriores a essas.
jj) E, apenas demonstrando esta segunda opção, diga-se, pouco vulgar, existiria in casu o invocado fundamento para o despejo.
kk) Era, portanto, a autora/recorrida quem, nos termos gerais do art.º 342º, nº 1, do Código Civil, teria de produzir tal prova, justificando a grave violação dos deveres do locatário, legalmente incompatível com o seu (dele) direito à manutenção do contrato.
ll) Não o tendo feito, cumpre tão somente concluir que não se encontram em dívida as rendas respeitantes aos meses de Janeiro a Junho de 2021, falecendo, inevitavelmente, o fundamento de resolução do contrato de arrendamento aqui em causa.
mm) Quando os réus entregavam à autora, mensalmente, determinado valor para pagamento da renda, e esta, correspondente e consecutivamente, o ia recebendo, aceitando-o, com naturalidade e sem indícios de rejeição ou reserva, tiveram, necessariamente, em vista a extinção, pelo cumprimento, de determinada obrigação concreta, vencida nesse mesmo mês ou em data relativamente próxima.
nn) Ofende as regras da experiência comum, que a mesma senhoria disso não tivesse consciência ou que julgasse que esse pagamento se destinava a satisfazer rendas respeitantes a outros períodos temporais, permitindo, nesse pressuposto, simultaneamente, que as rendas atuais continuassem por pagar.
oo) Resulta do facto provado em 15, que os recorrentes pagaram as rendas peticionadas pela recorrida na sua petição inicial, ou seja, as rendas relativas aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho de 2021, atendendo que o Tribunal recorrido considerou paga a renda de Dezembro de 2020, e paga parcialmente (€600,00) a renda de Janeiro de 2021.
pp) E, tendo os réus realizado depósito liberatório no valor de €2020,00 (vide facto provado em 29 dos factos provados) resulta claro que inexiste fundamento para a resolução do contrato de arrendamento em apreço, neste caso, a falta de pagamento de mais de três rendas.
qq) Em face do supra exposto, deve ser julgado procedente, por provada a presente apelação, revogando-se a decisão recorrida por inexistência de fundamento para a resolução do contrato de arrendamento sub judice, e absolvendo-se os réus desse pedido, e em consequência, não se decretando o despejo.»
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Contra-alegou a apelada, pugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidades da sentença (conclusões a) a u));
ii. Impugnação da decisão da matéria de facto (conclusões v) e bb));
iii. Existência de abuso de direito (conclusões w) a aa))
iv. Pagamentos de rendas e sua imputação (conclusões cc) a pp)).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A Autora é legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida (...), inscrito na matriz sob o artigo (...) da freguesia do (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º (...) da freguesia de São Jorge de Arroios, que adquiriu, por compra (registada sob a Ap. 1099 de 2017/11/30), à sociedade (...) – Imobiliária Portuguesa, Lda.
2. Os Réus casaram entre si em 20 de Maio de 2008.
3. O Réu exerce atividade profissional no sector de gestão de imóveis.
4. A (...) Lda. tem por objeto social construção civil, urbanizações, compra e venda de imóveis para revenda.
5. A sociedade (...) Lda. é, pelo menos, desde o ano de 2006, cliente do Réu que administra vários imóveis daquela.
6. O Réu começou por exercer a atividade mencionada em 3) a título individual tendo posteriormente, em 16 de Agosto de 2013, constituído a sociedade (...) Unipessoal, Lda. (de que é sócio-gerente), que tem por objeto social, entre outros, mediação imobiliária e administração de imóveis por conta de outrem.
7. Em data concretamente não apurada, mais de dois anos antes da aquisição mencionada em 1), a (...) SA., na qualidade de proprietária, deu a fração acima identificada de arrendamento ao Réu, na qualidade de arrendatário, que aí passou a habitar com o seu agregado familiar.
8. A (...) Unipessoal Lda. tem desde 15 de Maio de 2015 a sua sede social na Av.ª (...), rés-do-chão esq.º, em Lisboa e aí sempre exerceu atividade com autorização (da então proprietária) (...) SA.
9. O Réu (inicialmente em nome individual e posteriormente através da (...) Unipessoal Lda.), sempre exerceu a sua atividade profissional na fração acima identificada à vista de todos e sem oposição de ninguém, inclusive da Autora que tem conhecimento de tais factos ainda antes da aquisição acima mencionada.
10. A Autora é proprietária de vários imóveis em Lisboa.
11. A Autora confiou a gestão de todo o seu património imobiliário ao Réu.
12. Desde, pelo menos, o ano de 2014 o Réu geriu o património imobiliário da Autora, prestou trabalho de intermediação imobiliária, diligenciou pela elaboração de contratos de arrendamento, pelo envio de comunicações aos arrendatários, e pelo pagamento de algumas despesas.
13. Na sequência da aquisição, por intermédio do Réu, da fração identificada em 1), em Dezembro de 2017 Autora (na qualidade de senhoria) e Réu (na qualidade de arrendatário) acordaram, por ajuste verbal, que este e a sua família aí continuavam a habitar, mediante o pagamento da renda mensal de € 700,00.
14. O referido acordo nunca foi reduzido a escrito.
15. No período de Fevereiro de 2020 a Maio de 2021 (rendas de Março de 2020 a Junho de 2021) os Réus efetuaram, sem indicação da prestação (renda) a que se destinavam (e que foram imputados, primeiramente, na dívida mais antiga), os seguintes pagamentos à Autora:
- 500,00€ em 14/02/2020;
- 500,00€ em 25/03/2020;
- 500,00€ em 20/04/2020;
- 500,00€ em 01/06/2020;
- 500,00€ em 28/07/2020;
- 500,00€ em 30/08/2020;
- 1.200,00€ em 23/09/2020;
- 500,00€ em 29/09/2020;
- 500,00€ em 09/11/2020;
- 500,00€ em16/02/2021;
- 500,00€ em 07/03/2021;
- 700,00€ em 08/04/2021,
- 700,00€ em 07/05/2021.
16. Nos meses de Maio, Outubro e Dezembro de 2020 e no mês de Janeiro de 2021 os Réus não efetuaram qualquer pagamento por conta das rendas devidas.
17. Em 01.06.2020 os Réus efetuaram o pagamento da quantia de €532,00 ao Condomínio da (...) em Lisboa, por conta das quotas (2020) do condomínio correspondentes à fração acima identificada.
18. Em 30.06.2022 a (...) Unipessoal Lda. e CD apresentaram requerimento de injunção contra AB, que corre termos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 11 – sob o processo n.º 61840/22.2YIPRT, a reclamar, além do mais, o pagamento da quantia mencionada em 16).
19. No dia 10 de Fevereiro de 2021 a Autora, acompanhada da sobrinha, VL, e da sua Mandatária, IJ, comunicou ao Réu que iria prescindir dos seus serviços.
20. Por correspondência datada de 17 de Fevereiro de 2021, cuja cópia se mostra inserta a fls. 85v e 86, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Associação Lisbonense de Proprietários comunicou ao Réu que lhe foram conferidos, por procuração outorgada por AB, poderes para administrar o RC/Esq. do n.º (...) do prédio sitio na Av.ª (...), a partir do mês de Março de 2021.
21. O Réu enviou à Autora a correspondência datada de 01 de Março de 2021, cuja cópia se mostra inserta a fls. 87v e 88, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
22. O Réu enviou à Autora a correspondência datada de 02 de Março de 2021, cuja cópia se mostra inserta a fls. 89v e 90 e respetiva documentação de fls. 91, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
23. Em 12.03.2021 a Autora, através da sua Mandatária, remeteu ao Réu a carta cuja cópia se mostra cópia se mostra inserta a fls. 16 e 93, de cujo teor consta:
“(...) - O Sr. sempre protelou redigir o seu contrato de arrendamento a escrito.
- Como deve ter presente, o valor inicial da renda era de 1.200,00€ (mil e duzentos euros), no entanto, atento o facto do Sr. assessorar a minha cliente no sector imobiliário, esta ter lhe á feito um desconto de mercado de cerca de trezentos euros, passando a renda mensal para 900,00€.
- Mesmo assim não satisfeito com esse desconto, o Sr. mais uma vez, solicitou à D. AB que o valor a pagar deveria descer para 700,00€ (setecentos euros), atento os serviços que se proponha a prestar junto dos demais inquilinos desta.
Tendo esta, na sua boa fé, aceitado tal valor.
No último ano, e à total revelia ou de consentimento da D. AB, o Sr. CD tem depositado (quando deposita..) invariavelmente o valor de apenas 500,00€ (quinhentos euros).
Pagamento esse, que para alem de não corresponder ao acordado com a Senhoria, também não tem sequer sido pago mensal e regularmente. Encontrando-se na presente data em total incumprimento nos seus deveres como arrendatário (...).”
24. Em resposta o Réu enviou à Mandatária da Autora a carta cuja cópia se mostra cópia se mostra inserta a fls. 94, de cujo teor consta, nomeadamente: (...) “O Signatário sempre cumpriu os seus deveres enquanto arrendatário, entre os quais, o pagamento da renda, cujo valor foi estipulado única e exclusivamente pela vossa Constituinte (...)”.
25. A Associação Lisbonense de Proprietários, na qualidade de procuradora da ora Autora, enviou ao Réu a correspondência datada de 05 de Abril de 2021, cuja cópia se mostra inserta a fls. 95v e 96, de cujo teor consta designadamente (...) “Na presente data encontram-se por liquidar as rendas de outubro, novembro e dezembro de 2020, de janeiro, fevereiro e março de 2021 no montante total de €4.200 (quatro mil e duzentos euros), correspondente a €700 x 6 meses. Recordo que a v/ “renda” é de €700 (setecentos euros), e não de €500 (quinhentos euros) conforme transferências que efetua, atendendo que não existiu qualquer acordo nesse sentido.”
26. Em resposta o Réu remeteu à Associação Lisbonense de Proprietários, a correspondência datada de 19 de Abril de 2021, cuja cópia se mostra inserta a fls. 96v e 97, que aqui se dá por integralmente reproduzida a mencionar, nomeadamente que: (...) “sempre cumpriu as suas obrigações contratuais” (...) A renda mensal do locado é de €500,00 (...) resultando da vossa carta que a senhoria pretende que a renda passe a ser no valor mensal de €700,00, é este o valor de renda que o Signatário passou a pagar a partir do mês de Abril de 2021”.
27. A Associação Lisbonense de Proprietários enviou ao Réu a correspondência datada de 03 de Maio de 2021, cuja cópia se mostra inserta a fls. 101, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
28. O Réu enviou à Associação Lisbonense de Proprietários a correspondência datada de 20 de Maio de 2021, cuja cópia se mostra inserta a fls. 101v, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
29. Os Réus com a apresentação da contestação comprovaram a realização do depósito autónomo da quantia de €2.020,00 a que respeita o documento cuja cópia se mostra inserta a fls. 109.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nulidades da sentença
Sustentam os apelantes que ocorreu uma condenação quantitativa e qualitativamente diversa do que era peticionado na petição inicial, tendo o tribunal a quo relevado, indevidamente, o requerimento da autora de 31.1.2022, no qual é feita imputação dos pagamentos com invocação de novos períodos temporais. A impugnação de pagamentos efetuados pelos réus em dívidas mais antigas configurará uma causa de pedir diversa da que suporta o pedido formulado na petição inicial.
Numa segunda linha de argumentação, os apelantes afirmam que o tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre a arguição da inadmissibilidade do requerimento da autora de 31.1.2022, conforme requerimento dos réus de 9.2.2022, ocorrendo uma decisão-surpresa na sentença porquanto o pedido vertido na petição inicial, respeitante a um determinado período temporal, veio a ser alterado no requerimento de 31.1.2022, no qual se faz imputação de pagamentos respeitantes a outros períodos temporais.
Apreciando.
Na petição inicial, em síntese final, a autora alegou que estavam em dívida rendas no valor total de €4.900 (€700 por mês), correspondentes aos meses de dezembro de 2020 a junho de 2021 (artigo 24º).
Pronunciando-se sobre tal matéria na contestação, os réus reconhecem que o valor inicialmente acordado foi de €700, mas invocam que, no início de 2000, foi acordada a redução do valor da renda para €500. Os réus juntaram documentos comprovativos de tal pagamento de €500 em 14.2.2020, 25.3.2020, 20.4.2020, 28.7.2020, 30.8.2020 e 29.9.2020 (fls. 82 v a 85). Posteriormente, na sequência da posição da autora, os réus anuíram em passar a pagar a renda de €700, a partir de abril de 2021 (artigo 45º da contestação). Mais adiante (artigos 48º a 51º), os réus sustentam que as rendas de dezembro de 2020 a junho de 2021 não estão em dívida, tendo sido pagas, juntando documentos de pagamentos de €500 em 9.11.2020, 16.2.2021, 7.3.2021, €700 em 8.4.2021, €700 em 7.5.2021, €700 em 7.6.2021 (fls. 103 v. a 107 v.).
Ao deduzirem esse tipo de defesa, os Réus defenderam-se por exceção perentória na medida em que aduziram factos impeditivos e modificativos do direito invocado pela autora (Artigo 342º, nº2, do Código Civil e 576º, nº3, do Código de Processo Civil).
Face à dedução de tais exceções perentórias, devia ser facultado à autora um contraditório (Artigo 3º, nº4, do Código de Processo Civil), tendo sido facultado esse contraditório pelo despacho proferido em 17.1.2022 (fls. 144).
Nessa sequência, a Autora apresentou o requerimento de fls. 145 e ss ( 31.1.2022) em que: reitera que, à data da propositura da ação, estavam em dívida as rendas dos meses de dezembro de 2020 a junho de 2021 (art.º 6º); socorrendo-se dos comprovativos de transferências efetuadas e juntos pelos réus, a autora elabora uma tabela dos pagamentos efetuados, nos termos do qual conclui que os réus não efetuaram qualquer pagamento nos meses de maio, junho, outubro e dezembro de 2020 e janeiro de 2021 (art.º 11º); argumenta que os pagamentos efetuados posteriormente têm de ser reportados às rendas mais antigas, concluindo- novamente- que, aquando da entrada da ação, se encontravam em dívida  os sete meses de renda (€4.900), conforme indicado na petição inicial.
A posição assim expressa pela autora constitui meio legítimo e admissível de defesa perante a exceção perentória deduzida pelos réus.
Em 9.2.2022, os réus apresentaram requerimento em que concluem assim: «deve ser dada por não escrita a matéria de facto alegada pela autora nos artigos 1º a 20ª do seu requerimento, por a mesma consubstanciar uma alteração velada à causa de pedir, o que é legalmente inadmissível» (fls. 154-155).
Em 4.4.2022, foi proferido despacho saneador com dispensa da audiência prévia, tendo sido enunciados os temas da prova. Nesse despacho, o requerimento dos réus de 9.2.2022 não foi objeto de apreciação.
Notificados de tal despacho, os réus poderiam ter requerido a realização de audiência prévia potestativa, no decurso da qual poderiam reiterar o teor do seu requerimento de 9.2.2022 (cf. Artigo 593º, nº3, do Código de Processo Civil). Não o fizeram.
O requerimento formulado pelos réus em 9.2.2022 consubstancia uma arguição de nulidade inominada na medida em que os réus argumentam que a Autora praticou um ato não admitido por lei (Artigo 195º, nº1, do Código de Processo Civil). Tal nulidade deveria ter sido apreciada pelo tribunal a quo de imediato, nos termos do Artigo 200º, nº3, do Código de Processo Civil. Todavia, não foi esse o procedimento seguido, sendo que o tribunal a quo apenas na sentença final veio pronunciar-se sobre a admissibilidade do requerimento da autora de 31.1.2022, fazendo-o de forma implícita ao relevar a posição da autora e ao mencionar o teor do requerimento no relatório da sentença.
Assim, estando o (pretenso) ato afetado por nulidade a coberto de decisão judicial (no caso, a sentença), o meio próprio para o impugnar passa a ser o recurso, sendo esse o caso porquanto os apelantes integram tal pedido na apelação.
Posto isto, e consoante já foi explicitado, a arguição da nulidade feita pelos apelantes não colhe. Na verdade, assistia à autora direito a responder à matéria da exceção perentória, sendo isso o que a autora fez ao discutir e pronunciar-se sobre os factos impeditivos e modificativos invocados pelos réus, nomeadamente quanto aos pagamentos de rendas feitos e seu efetivo efeito extintivo da pretensão da autora. Imputar pagamentos alegados pelos réus integra uma forma de contraditório face à arguição da inexistência de rendas em dívida, sendo que qualquer pagamento feito pelo arrendatário deve ser imputado no contexto do contrato de arrendamento, havendo regras para tal efeito (Artigos 783º e 784º do Código Civil).
No requerimento de 31.1.2022, a autora não alterou a causa de pedir, pugnando pela persistência em dívida das rendas de dezembro de 2020 a junho de 2021 (artigo 6º).
Por sua vez, o tribunal a quo não se radicou noutra causa de pedir, mas na mesma porquanto concluiu estarem em dívida: €100 da renda de janeiro de 2021 e não pagas as rendas de fevereiro a junho de 2021 no valor total de €3.500.      
Improcede a arguição de nulidades.
Impugnação da decisão da matéria de facto
Os apelantes sustentam que o facto não provado sob b) (“No início do ano de 2020, a Autora propôs ao Réu a redução do valor da renda para o montante de €500, o que foi acordado”) deverá ser revertido para provado. Invocam, para tanto, o teor do facto provado sob 15, sustentando que os pagamentos provados no facto 15 “nunca tiveram qualquer oposição da autora” (artigo 137 das alegações), não se podendo ignorar a relação comercial e pessoal que existia entre as partes e que extravasava o contrato de arrendamento (art.º 141º das alegações).
Apreciando.
Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil,
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios, incumbe ainda ao recorrente «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Ora, os apelantes não indicam os concretos meios de prova constantes do processo ou da gravação que, no seu entender, justificam a alteração pretendida da matéria de facto. Na verdade, a invocação de um facto provado na sentença para justificar a reversão de um facto não provado para provado não integra a invocação de um meio de prova porquanto um facto provado não é um meio de prova (meios de prova serão as provas utilizadas para prova do facto provado).
Assim, não tendo os apelantes cumprido o ónus do Artigo 640º, nº 1, al b), do Código de Processo Civil, há que rejeitar a impugnação da decisão de facto.
Mesmo que assim não fosse, a receção de rendas em valor inferior ao devido é um direito que assiste ao senhorio (cf. Artigo 763º do Código Civil), não emergindo de tal ato passivo a expressão de uma vontade contratual de redução do valor da renda (cf. Artigo 218º do Código Civil).
Abuso de direito
Arguem os apelantes que ocorre abuso de direito na medida em que a autora recebeu rendas no valor de €500 (facto 15) sem nunca se ter oposto ou questionado o valor, o que terá como consequência o reconhecimento do direito para efeitos de se considerar cumprida a obrigação do pagamento das rendas. Ocorrerá um desequilíbrio no exercício do direito por via da desproporcionalidade entre a vantagem auferida pela autora e o sacrifício imposto aos réus.
Improcede esta argumentação dos réus.
Na verdade, não se encontra provado um facto no sentido de que a autora nunca se opôs nem questionou o valor dos pagamentos feitos por €500. Acresce que persiste não provado o facto da al. b) (“No início de 2020, a Autora propôs aos Réu a redução do valor da renda para o montante de €500, o que foi acordado”). Ademais, do facto provado sob 23 o que resulta é a manifestação (por carta de 12.3.2021) da posição da autora no sentido de que o valor da renda é de €700 e não de €500.
Pagamentos de rendas e sua imputação
Nas conclusões da apelação, os apelantes suscitam várias questões no que tange à imputação dos pagamentos das rendas, a saber:
§ No facto provado sob 15 não competia tecer considerações quanto à imputação do pagamento;
§ Nos temas da prova 2 e 3, foi questionada a mesma realidade na versão do ónus da prova a cargo dos réus e depois na perspetiva do ónus da prova a cargo da autora, havendo que decidir sobre quem recaía o ónus da prova de tal factualidade;
§ O que se discute, no âmbito específico da prova do fundamento de resolução do contrato de arrendamento, é se determinados pagamentos feitos pelos arrendatários  devem ser tidos como visando cumprir o pagamento das rendas respeitantes aos meses em que ocorreram ou se, pelo contrário, visavam pagar rendas anteriores em dívida;
§ Era à autora que incumbia a prova de factos integradores de grave violação dos deveres do locatário;
§ Não o tendo feito, há que concluir que não se encontram em dívida as rendas respeitantes aos meses de janeiro a junho de 2021;
§ Do facto provado sob 15 resulta que os apelantes pagaram as rendas relativas aos meses de janeiro a junho de 2021 e, tendo os réus realizado depósito liberatório no valor de €2020, inexiste fundamento de resolução por falta de pagamento de mais de três rendas.
Apreciando.
O facto 15 tem a seguinte redação inicial:
No período de Fevereiro de 2020 a Maio de 2021 (rendas de Março de 2020 a Junho de 2021) os Réus efetuaram, sem indicação da prestação (renda) a que se destinavam (e que foram imputados, primeiramente, na dívida mais antiga), os seguintes pagamentos à Autora (…)
No que tange à imputação do pagamento de rendas, conforme explica Gravato Morais, Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano, Almedina, p. 113:
«Os art.ºs 783º a 785º CC estabelecem critérios de imputação, aos quais devemos atender nesta matéria.
Há que realçar o regime resultante desses preceitos, a saber:
- em primeiro lugar, prevalece a imputação convencional, dando-se prioridade ao acordo das partes;
- caso não exista esse acordo, releva a imputação pelo devedor, a quem compete designar a dívida a que o cumprimento se reporta (art.º 783º, nº1 CC); todavia, a imputação pelo devedor está sujeita a algumas particularidades quanto a certos tipos de dívidas, pois o devedor não tem liberdade de designação, necessitando do consentimento do credor; é o caso, do art. 785º CC;
- finalmente, vale a imputação supletiva legal, devendo em especial atender-se ao art.º 784º.
(…)
Na falta de acordo entre as partes, estando em causa – exclusivamente – uma dívida de rendas (o que acontece quando o senhorio opta pela equação “rendas + resolução” e estão em apreciação rendas vencidas em momentos diversos) o devedor (arrendatário) pode especificar qual a dívida a cumprir (o que pode relevar para efeito de saber se o direito de resolução caducou).»
Em suma, a imputação dos pagamentos de rendas é feita sucessivamente de uma destas formas, sendo que a aplicação de uma afasta a pertinência das subsidiárias: ou há acordo das partes quanto à imputação do pagamento; não se provando tal acordo, o devedor no próprio ato de pagamento pode designar a que dívida se reporta o pagamento; não se provando que o devedor fez tal designação no ato do pagamento, haverá que aplicar o regime supletivo legal do Artigo 784º do Código Civil.
No caso em apreço, não se provou qualquer das duas primeiras situações pelo que o tribunal a quo, à semelhança do argumentado pela autora, imputou os pagamentos nos termos do Artigo 784º do Código Civil, fazendo-o corretamente.
O que não era necessário era explicitar essa imputação legal supletiva na redação do facto 15, pelo que se dá tal segmento como não escrito, tratando-se de matéria de direito. Daqui não resulta qualquer interferência na decisão de mérito porquanto a imputação é feita na fundamentação de direito da sentença.
Numa ação de resolução de contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas pelo locatário, compete ao senhorio demonstrar a existência do contrato e alegar o não pagamento, não lhe competindo, contudo, fazer prova desse não pagamento.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.5.2022, Laurinda Gemas, 11093/20: O facto do não pagamento de rendas, também invocado como fundamento de resolução do contrato de arrendamento (cf. art.º 1083.º, n.º 3, do CC), não carece de ser provado pelo autor, senhorio, cabendo, ao invés, à ré arrendatária o ónus de alegar e provar o facto do pagamento ou outra matéria relevante para o caso, como seja a atinente à mora do credor (cf. art.º 342.º do CC).
Ou seja,  é ao arrendatário que incumbe o ónus da prova do pagamento das rendas - Art.º 342º, nº2 do Código Civil; cf. Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 7.5.98, Abrantes Mendes, BMJ nº 477, p. 584; Ac. Da Relação de Coimbra de 26.10.2006, Gaito das Neves, acessível em www.dgsi.jtrc/pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.11.2021, Gabriela Marques, 4072/19.
Conforme se refere em Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2ª ed., Almedina, 2021, p. 23:
«Nas obrigações de dar e fazer, e sendo o pedido formulado de exigência de cumprimento ou de exercício do direito, cabe ao credor alegar a constituição da obrigação e o seu incumprimento ou cumprimento defeituoso, mas só lhe cabe provar que a obrigação nasceu e está vencida, ou seja, só lhe cabe o ónus de alegação quanto ao incumprimento, que não o da sua prova.  Ao devedor incumbe provar a realização da prestação (o cumprimento da obrigação como facto extintivo do crédito) ou que não cumpriu por causa legítima (cabe ao réu provar outro facto extintivo, impeditivo ou modificativo do reclamado crédito do autor).  Isto porque as obrigações de dar e fazer se mantêm inalteráveis no caso de não serem cumpridas, reportando-se a este propósito alguma doutrina italiana ao princípio da presunção da persistência do direito
Assim, inexistem dúvidas que era aos réus que competia proceder à prova do pagamento das rendas vencidas respeitantes aos meses de dezembro de 2020 a junho de 2021.
Se, no entender dos réus/apelantes, a enunciação dos temas da prova pecava, nesse aspeto, por não ser clara, incumbia-lhes requerer a realização de audiência prévia potestativa para tal esclarecimento (cf. Artigo 593º, nº3, do Código de Processo Civil), o que não fizeram.
Não merece censura o raciocínio seguido pelo tribunal a quo na imputação dos pagamentos feitos pelos Réus, nestes termos:
«No caso concreto resulta assente que no período de Fevereiro de 2020 a Maio de 2021 (rendas de Março de 2020 a Junho de 2021) os Réus efetuaram, sem indicação da prestação (renda) a que se destinavam (e que foram imputados, primeiramente, na dívida mais antiga), os seguintes pagamentos à Autora:
- 500,00€ em 14/02/2020;
- 500,00€ em 25/03/2020;
- 500,00€ em 20/04/2020;
- 500,00€ em 01/06/2020;
- 500,00€ em 28/07/2020;
- 500,00€ em 30/08/2020;
- 1.200,00€ em 23/09/2020;
- 500,00€ em 29/09/2020;
- 500,00€ em 09/11/2020;
- 500,00€ em16/02/2021;
- 500,00€ em 07/03/2021;
- 700,00€ em 08/04/2021,
- 700,00€ em 07/05/2021.
Nos meses de Maio, Outubro e Dezembro de 2020 e no mês de Janeiro de 2021 os Réus não efetuaram qualquer pagamento por conta das rendas devidas.
Flui do exposto que os Réus depositaram vários valores de €500,00 (inferiores ao valor da renda devida e que foram sendo aceites pela Autora por conta das rendas) e que nos meses de Maio, Outubro e Dezembro de 2020 e no mês de Janeiro de 2021 não efetuaram qualquer pagamento.
Todos os pagamentos acima descriminados foram efetuados sem indicação (aquando dos pagamentos) pelos Réus da prestação a que se destinavam e o que resultou apurado é que a Autora os imputou, primeiramente, na dívida mais antiga.
O regime da imputação do cumprimento mostra-se densificado nos artigos 783º a 785º do Código Civil.
(…)
Aqui chegados, como resulta assente nos meses de Fevereiro, Março, Abril, Junho, Julho, Agosto e Novembro de 2020 e Fevereiro e Março de 2021 os Réus apenas efetuaram o pagamento da quantia de €500,00 (e não de €700,00, correspondente ao valor da renda mensal acordada), no valor total de €4.500,00.
No mês de Setembro de 2020 os Réus efetuaram os pagamentos das quantias de €1.200,00 e €500,00, no valor total de €1.700,00.
Por seu turno, nos meses de Abril e Maio os Réus efetuaram os pagamentos de €700,00, no valor total de €1.400,00.
Nos meses de Maio, Outubro e Dezembro de 2020 e no mês de Janeiro de 2021 os Réus não efetuaram qualquer pagamento por conta das rendas devidas.
Assim, no referido período (no que respeita às rendas de Março de 2020 a Junho de 2021) os Réus efetuaram o pagamento da quantia total de €7.600,00 (não sendo de considerar o pagamento da quantia de €700,00 liquidada em 07.06.2021, a que se reporta o comprovativo de fls. 107, dado que a renda de Junho se venceu no dia 01 de Maio de 2021).
Nesta sede de referir ainda que o pagamento da quantia de €532,00 efetuado pelos Réus em 01.06.2020 ao Condomínio da (...) em Lisboa, por conta das quotas (2020) do condomínio correspondentes à fração acima identificada, não pode aqui ser considerado como pagamento por conta das rendas em dívida (não existindo qualquer extinção de dívida por confusão).
De resto, como resulta assente, em 30.06.2022 a (...) Unipessoal Lda. e CD apresentaram requerimento de injunção contra AB, que corre termos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 11 – sob o processo n.º 61840/22.2YIPRT, a reclamar, além do mais, o pagamento da referida quantia.
Pelo que, por um lado, é manifesto que o pagamento em causa não foi efetuado por conta da renda devida, por outro, tal quantia mostra-se reclamada pelo (aqui) Réu (e (...) Unipessoal Lda.) contra a (aqui) Autora noutra ação.
Sendo reprovável que os Réus convoquem, em 04.10.2022 (cf. requerimento de fls. 175 a 179), o referido pagamento na presente ação considerando que não foi efectuado por conta das rendas em dívida e que em 30.06.2022 já foi reclamado no âmbito da acção acima identificada.
Assim, considerando o valor da renda mensal (€700,00) ficou em dívida o valor de €3.600,00 (16 x 700,00 = 11.200,00 – 7.600,00 = 3.600,00).
A Autora imputou os pagamentos efectuados na dívida (rendas) mais antiga, o que se mostra autorizado.
Pelo que, em jeito de síntese, considerando os pagamentos efectuados pelos Réus (no referido período), e as rendas invocadas na acção como não pagas, importa considerar:
- paga a renda de Dezembro de 2020;
- não paga a renda de Janeiro de 2021 no que respeita à quantia de €100,00 (apenas parcialmente paga pelo valor de €600,00),
- não pagas as rendas de Fevereiro, Março, Abril, Maio e Junho no valor total de €3.500,00.
(…)
No caso resulta assente que os Réus com a apresentação da contestação comprovaram a realização do depósito autónomo da quantia de €2.020,00 a que respeita o documento cuja cópia se mostra inserta a fls. 109.
Porém, considerando que o valor das rendas em dívida ascende ao total de €3.600,00 e que 20% desse valor corresponde a €720,00, o que perfaz a quantia total de €4.320,00 (que deveria ter sido depositada), os Réus não comprovaram que procederam ao pagamento da totalidade das quantias em falta [isto é da totalidade das rendas devidas e da respectiva indemnização (20%)] até ao termo do prazo para a contestação.
Assim a quantia depositada, em montante insuficiente, não poderá considerar-se liberatória.
Pelo que, também por esta outra via, não se pode considerar caducado o direito de resolução com fundamento no artigo 1083º, n.º 4 do CC.»
O raciocínio e fundamentação jurídicos adotados pelo tribunal a quo, agora recapitulados, estão corretos, não merecem reparo nem justificam desenvolvimentos adicionais.
 Aliás, os apelantes não apontam qualquer erro de julgamento neste aspeto, pretendendo apenas, a montante, discutir a imputação dos pagamentos feitos, sendo que a tese dos réus – consoante visto supra- não tem procedência porquanto, desde logo, não está provado que, aquando de cada pagamento, os réus tenham designado a que dívida se reportava tal pagamento, havendo um contexto contratual mais amplo nos termos do qual persistiam em dívida rendas anteriores. Em conformidade, haveria – como foi feito – de imputar os pagamentos, supletivamente, às rendas mais antigas em dívida (Artigo 784º do Código Civil).
O depósito efetuado pelos réus foi insuficiente, não provocando a caducidade do pertinente direito de resolução da Autora (Artigo 1083º nº4, do Código Civil).
Termos em que, sendo desnecessárias outras considerações, deverá ser julgada improcedente a apelação.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art.º 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 30.5.2023
Luís Filipe Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira
                                           
_______________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).