EMBARGOS DE EXECUTADO
TEMPESTIVIDADE
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO NEGATIVO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
LIQUIDAÇÃO DOS PREJUÍZOS
Sumário


- Na execução de prestação de facto negativo, não tendo sido recebidos embargos de executado e não havendo notícia de que os executados entretanto, voluntariamente, deram cumprimento às obrigações violadas, o Tribunal deve providenciar pela realização da perícia prevista nos nºs 1 e 2, do citado art. 876º, para se constatarem os dados referidos nesse nº 2: a existência da violação alegada e, em caso afirmativo, a importância provável das despesas que importam a demolição, se esta tiver sido requerida.
- Depois dessa fase, comprovada a violação e, concomitantemente, apurando-se nessa perícia a importância mencionada no nº 2, do citado art. 876º, cabe ao Tribunal, reconhecendo a falta de cumprimento das obrigações em causa, ordenar a demolição da obra à custa dos executados e a indemnização dos exequentes, convertendo-se a execução num misto de pagamento de quantia (a indemnização) e prestação de facto positivo (a demolição).
- A este despacho em que se reconheça a falta de cumprimento da obrigação e o direito de indemnização, deve seguir-se a liquidação dos prejuízos indemnizáveis, que actualmente obedece aos trâmites do regime previsto nos citados arts. 358º, 360º e 716º, do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório

Recorrente(s): AA e mulher BB;

- Recorrido/a(s): CC e DD.

*
Na presente execução desencadeada pelos aqui Recorridos contra os Recorrentes, estes deduziram em 27.10.2022 oposição mediante embargos, invocando o disposto no art. 876º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Em despacho liminar o Tribunal a quo convidou os executados a pronunciarem-se sobre a extemporaneidade destes embargos, considerando a data de citação dos executados e o facto de a indemnização ter sido requerida logo no requerimento executivo.
Os Apelantes responderam alegando que foram notificados por carta registada datada de 06/10/2022, recepcionada pelos Embargantes a 07/10/2022 para esse efeito e que, de qualquer modo, nos termos do art. 157º, nº 6, do Código de Processo Civil, o erro do Agente de Execução não os pode prejudicar, tendo, por isso, direito a embargar na sequência dessa notificação.

Após, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
São, nessa medida, os embargos manifestamente extemporâneos, razão pela qual, se decide indeferir aos mesmos e, em consequência, determinar a extinção da presente instância.
Custas pelos embargantes, fixando-se a taxa de justiça em 1 Uc.”

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os Embargantes o presente recurso de apelação, em cujas alegações formulam as seguintes
conclusões:

1.ª - O Tribunal a quo, ao julgar a oposição apresentada pelos Recorrentes, sob a forma de embargos, extemporânea, decidiu mal a verdadeira questão jurídica que se encontra em discussão no âmbito destes autos, o que motiva o presente recurso;
2.ª - Fundamenta a sentença sob recurso que os Recorrentes foram citados a 04/03/2019, mais daí resultando, que pese embora o Agente de Execução tenha incorrido em erro ao notificar os Recorrentes nos termos e no momento em que o fez, ou seja, a 06/10/2022, tal erro não pode beneficiá-los, servindo para “voltar a conceder” prazo para “(…) os executados se oporem ao pedido indemnizatório”;
3.ª - Contudo, se a 04/03/2019, os Recorrentes foram citados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 714.º, do Código de Processo Civil, ou seja, para se oporem à execução e, concomitantemente, declararem por qual das prestações optavam, o mesmo já não acontece com a notificação de 06/10/2022;
4.ª - Nesta última notificação, elaborada pelo Agente de Execução do processo, os Recorrentes foram notificados ao abrigo do disposto no artigo 876.º do mesmo diploma legal, aí constando, entre o mais, o seguinte: Fica ainda V. Ex.a advertido que foi pelo Exequente requerida, conforme ponto 32. do requerimento executivo, a indemnização pelos prejuízos causados pelos executados, nos termos do disposto no art.º 876.º, n.º 1, al. b) do C.P.C., em quantia não inferior a 7.000,00€ pelo que, querendo, tem o prazo de 20 dias para requerer o que tiver por conveniente quanto a este pedido, designadamente opondo-se ao mesmo, sendo certo que para tal é obrigatória a constituição de Advogado.”;
5.ª - Ou seja, estão em causa notificações com propósitos absolutamente distintos, levadas a cabo em diferentes fases processuais e, forçosamente, com consequências legais divergentes;
6.ª - Os Recorrentes, ao serem notificados nos termos e para os efeitos do estatuído no artigo 876.º do Código de Processo Civil, e não podendo, de todo, concordar com a indemnização peticionada pelos ora Recorridos, viram-se na necessidade de se opor, o que fizeram mediante embargos de executado, por ser esse o meio previsto, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 876.º do Código de Processo Civil;
7.ª - Ao contrário do que a sentença recorrida refere, o Agente de Execução não está a “voltar a conceder” determinado direito, nem as partes, neste caso os Recorrentes, estão a “aproveitar-se do erro”;
8.ª - O direito agora concedido aos Recorrentes nunca lhes havia sido concedido antes, ao que acresce o facto de a execução já se encontrar numa fase processual absolutamente distinta daquela em que se encontrava aquando da citação de 04/03/2019, mais concretamente, a converter-se numa execução para pagamento de quantia certa;
9.ª - Logo, sempre os embargos devem ser considerados tempestivos;
10.ª - Por outro lado, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede nem concebe e tão só por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre seria de atender ao disposto no n.º 6, do artigo 157.º dom Código de Processo Civil, que se aplica, de igual modo, aos actos praticados pelos Agentes de Execução.
11.ª - Como já vem sido decidido na nossa Jurisprudência, mesmo que estivesse aqui em causa um erro no acto praticado pelo Agente de Execução – como entende o Tribunal recorrido – tal erro não podia, de forma alguma, levar à não admissão dos embargos.
12.ª - E isto porque, se atendermos ao teor da notificação aqui em crise e à interpretação que da mesma pode ser feita, estando em causa um destinatário normal (nos termos do artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil), facilmente se conclui que está a ser concedido um direito aos ora Recorrentes, pelo que a não admissão dos embargos – ainda que pudesse ser contrária ao legalmente estabelecido – sempre seria uma patente violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança e do princípio da transparência e da lealdade processuais, bem como da confiança legítima do cidadão no Estado, inviabilizando-se o direito constitucional de acesso ao direito e de intervenção processual, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (por todos neste sentido, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30/11/2017, proferido no âmbito do processo n.º 88/16.2PASTS-A.S1, relatado por Raul Borges e o douto Aresto do Tribunal da Relação do Porto, de 02/07/2022, proferido no âmbito do processo n.º 148/20.5PDPRT-A.P1, relatado por Maria Dolores da Silva e Sousa, ambos disponíveis in www.dgsi.pt);
13.ª - A sentença recorrida violou, assim, o disposto nos artigos nos artigos 876.º e 157.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, bem como o disposto nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicável, não tanto pelo alegado, mas pelo doutamente suprido por V.ªs Ex.ªs, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, serem os embargos admitidos,…

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso e questões prévias a apreciar:

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[i] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[ii] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[iii]
As questões enunciadas pelos recorrentes podem ser sintetizadas da seguinte forma: serão tempestivos os embargos em apreço?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos

1. Factos (cf. art. 662º, do Código de Processo Civil)
São os que emergem do processo, nomeadamente os acima relatados e os que infra se enunciam.
1 – A execução de que os embargos são apenso foi intentada em 13/11/, constando do requerimento executivo, além do mais (que aqui se dá por reproduzido), que: (…)
1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 14/05/2015, já transitado em julgado, que confirmou a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Guimarães, decidiu-se, além do mais o seguinte (alíneas a) a h) da sentença): (docs. ... e ...)
“a) Condenar os réus a reconhecerem que os autores são donos e legítimos possuidores dos prédios descritos nos pontos 1.º e 3.º dos factos provados.
b) Condenar os réus a reconhecerem que do prédio a que se alude em 1. faz parte, nele se integrando, o logradouro referido no ponto 8. a 10. dos factos provados.
c) Condenar os réus a reporem, a expensas suas, esse logradouro no estado em que se encontrava antes do início das obras, designadamente a retirarem dele toda a terra, entulho e pedras que lá foram depositadas, bem como a cimentar a parte do logradouro que por eles foi danificada.
d) Condenar os réus a absterem-se da prática de quaisquer actos que contendam com o direito de propriedade dos AA. sobre os aludidos prédios.
e) Condenar os réus a reconhecerem que os seus prédios urbanos referidos em 4., na parte confinante com os prédios doa autores, se encontram onerados a favor destes prédios com uma servidão de passagem a pé, constituída por usucapião e que se exerce através do caminho e na forma descritos nos pontos 16., 18., e 19. dos factos provados.
f) Condenar os réus a desobstruírem esse caminho de servidão, retirando o entulho nele colocado, e a retirarem as pedras que colocaram no seu início.
g) Condenar os réus a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam os autores e arrendatários dos seus imóveis de acederem, a pé, aos seus prédios através desse mesmo caminho.”
2. No que diz respeito à alínea e) da sentença, o Acórdão da Relação de Guimarães veio alterá-lo no que concerne à largura do caminho de servidão (ponto 18 dos factos provados da sentença), determinando que o mesmo tem a largura de dois metros e meio (quando na sentença tinha ficado provado que o mesmo tinha cinco metros de largura) – al. h) citado acórdão.(…)
17. O que os executados fizeram foi construir um muro com cerca de 2m de altura, em toda a confrontação poente do logradouro, sem sequer deixarem a passagem para a servidão.
18. Além disso, como a sentença refere, o logradouro dos exequentes é delimitado pela ramada existente e os executados, com o intuito de reduzir a respectiva área, dobraram as extremidades dos ferros ou as bancas da ramada para o interior e retiraram e inutilizaram alguns dos arames exteriores.
19. Assim, os executados acabaram por reduzir a área do logradouro dos exequentes, pois ocuparam uma faixa de terreno, a poente do logradouro, com uma área de cerca de 70 cm, correspondentes aos primeiros arames da ramada; já que o alicerce e os muros foram construídos junto aos esteios da ramada, quando as respectivas bancas se prolongam cerca de 70cm para o exterior dos mesmos.
20. Portanto, não resta alternativa aos exequentes senão apresentar a presente execução para prestação de facto negativa.
21. Quer o muro construído pelos executados, quer o envergamento das extremidades dos ferros ou das bancas da ramada para o interior, bem como a inutilização de alguns dos arames exteriores, não respeitam nem o comprimento nem a largura da servidão de passagem constituída por usucapião a favor dos exequentes e decretada pela citada sentença (als. e) da sentença). (…)
30. Por outro lado, os factos anteriormente alegados têm provocado prejuízos, transtornos e incómodos aos exequentes, pelos quais os executados são responsáveis, pois agiram voluntariamente, com a consciência de que lhes estavam a causar danos, como era a sua intenção, designadamente por verem diminuídos os seus direitos e por ficarem provados da possibilidade de os usufruir completamente.
31. Designadamente, os exequentes viram-se impedidos de usar a entrada que antes existia na confrontação poente do logradouro cuja área foi reduzida pelos executados, sendo que é nesse logradouro que os exequentes sempre lavaram os seus veículos automóveis, onde brincavam com os seus filhos e netos, onde estacionavam os veículos automóveis de familiares e amigos que visitam a família.
32. Assim, devem os exequentes ser indemnizados pelos prejuízos causados pelos executados, nos termos do disposto no art.º 876.º, n.º 1, al. b) do C.P.C, em quantia não inferior a 7.000,00€.”
2 – Os executados foram citados, por carta registada com AR, em 4/3/2019.
3 – Da nota de citação dos executados – que foi acompanhada pelo requerimento executivo e documentos juntos ao mesmo - consta, além do mais, que:
Fica V.Exa. citado(a), nos termos do artigo do artigo 714º do Código do Processo Civil (CPC), para o processo de execução à margem referenciado, tendo o prazo de 20 (vinte) dias para contestar, em oposição à execução, mediante embargos e ainda para, no mesmo prazo, declarar por qual das prestações opta (ver exposição dos factos constante do requerimento executivo).
4 – Em 6/10/22 o SE remeteu aos executados notificação, cujo teor se dá por reproduzido, e na qual, além do mais, consta que:
Fica ainda V. Ex.a advertido que foi pelo Exequente requerida, conforme ponto 32. do requerimento executivo, a indemnização pelos prejuízos causados pelos executados, nos termos do disposto no art.º 876.º, n.º 1, al. b) do C.P.C., em quantia não inferior a 7.000,00€ pelo que, querendo, tem o prazo de 20 dias para requerer o que tiver por conveniente quanto a este pedido, designadamente opondo-se ao mesmo, sendo certo que para al é obrigatória a constituição de Advogado”.
5 – Os executados ofereceram, em 27/10/22, embargos de executado, com os fundamentos constantes do requerimento inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Direito

Compulsados os autos, maxime o requerimento executivo inicial, verificamos (cf. art. 662º, nº 1, do C.P.C.) estar em causa execução para prestação de facto negativo no âmbito da qual os Exequentes formularam, cumulativamente, pedido de indemnização pelo dano sofrido com a alegada violação da obrigação dessa prestação, conforme admite a previsão do art. 876º, nº 1, al. b), do C.P.C..

Com efeito, decorre desse último preceito legal o seguinte:
1 - Quando a obrigação do devedor consista em não praticar algum facto, o credor pode requerer, no caso de violação, que esta seja verificada por meio de perícia e que o juiz ordene:
a) A demolição da obra que eventualmente tenha sido feita;
b) A indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido; e
c) O pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter na execução.
2 - O executado é citado para, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, nos termos dos artigos 729.º e seguintes; a oposição ao pedido de demolição pode fundar-se no facto de esta representar para o executado prejuízo consideravelmente superior ao sofrido pelo exequente.
3 - Concluindo pela existência da violação, o perito deve indicar logo a importância provável das despesas que importa a demolição, se esta tiver sido requerida.
4 - A oposição fundada em que a demolição causará ao executado prejuízo consideravelmente superior ao que a obra causou ao exequente suspende a execução, em seguida à perícia, mesmo que o executado não preste caução.

No caso, no seio de alguma confusão, o que os Exequentes peticionaram foi o cumprimento coercivo das obrigações de prestações de facto negativo insertas nos itens d) e g), da sentença exequenda, ou seja, a demolição das obras que violam o direito de propriedade e o direito de servidão, definidos nessa sentença e que os Executados ficaram obrigados a respeitar nos termos aí expressos.
Nesse quadro, a alegada violação por parte dos executados (na medida em que terão praticado factos que estavam obrigados a não realizar), consistiu na edificação de obras (as referidas pelos Exequentes) pelo que a pretensão executiva essencial e adequada redundaria na formulação de pedido de destruição ou demolição à custa do executado, sendo aqui despiciendo e incorrecto invocar e aplicar preceitos próprios da execução de facto positivo, tais como os atinentes à fixação de prazo (874º e 875º).
Com efeito, no regime especial decorrente dos arts. 876º e seg., do C.P.C., o que está em causa é, prima facie, a constatação da violação para, de seguida, se proceder, sem mais, nos termos previstos no nº 3, do art. 876º, e no art. 877º, do C.P.C..

Posto isto, iniciado o processo, os executados devem/deviam ser citados (como foram).
Não tendo sido recebidos embargos de executado e não havendo notícia de que os executados entretanto, voluntariamente, deram cumprimento às obrigações violadas, como sucedeu no caso presente, o Tribunal de execução devia providenciar pela realização da perícia prevista nos nºs 1 e 2, do citado art. 876º, para se concluírem os dados referidos nesse nº 2: a existência da violação alegada e, em caso afirmativo, a importância provável das despesas que importam a demolição, se esta tiver sido requerida, como foi o caso.
A decisão sobre essas questões, fundada nessa arbitragem, cabe, a final ao juiz do processo[iv].
Ora, olhando aos autos, não parece ter sido esse o formalismo seguido, sendo certo que os executados foram inicialmente citados para a execução, tal como ficou provado sem discussão.
Certo é também que, depois dessa fase, comprovada a violação e, concomitantemente, apurando-se nessa perícia a importância mencionada no nº 2, do citado art. 876º, cabia ao Tribunal a quo, reconhecendo a falta de cumprimento das obrigações em causa, ordenar a demolição da obra à custa dos executados e a indemnização dos exequentes, convertendo-se a execução num misto de pagamento de quantia (a indemnização) e prestação de facto positivo (a demolição).[v]
Em nosso entender, essa decisão preliminar, no que respeita à quantia pedida, destina-se apenas a reconhecer genericamente o direito à peticionada indemnização “pelo prejuízo sofrido” decorrente daquela violação, a cumular com aquele pedido de demolição, tal como prevê o citado art. 876º, nº 1.
Após, com a devida adaptação, haverá que desencadear os formalismos previstos nos arts. 869º e ss., do C.P.C., conforme a remissão do art. 877º, nº 2, do mesmo Código, quer para a conversão da execução na parte atinente à a indemnização (envolvendo, com respeito do devido contraditório, a liquidação da indemnização através do incidente previsto no art. 867º), quer para a realização da demolição, nos termos do art. 870º e ss., todos do mesmo Código.
Deste modo, embora o legislador não tenha sido claro, como já não o fora na redacção dos preceitos equivalentes do anterior Código de Processo Civil, é errado supor que o montante da indemnização é fixado imediatamente e sem dependência da prévia liquidação: na verdade essa remissão (do art 877º, para o art. 869º e deste para o art. 867º, nº 1) significa que ao despacho em que se reconheça a falta de cumprimento da obrigação se deve seguir a liquidação dos prejuízos indemnizáveis[vi], que actualmente obedece aos trâmites do regime previsto nos citados arts. 358º, 360º e 716º, do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.
No caso, essa liquidação, que não emerge directamente do título judicial executado, e não depende, no caso, de simples cálculo aritmético, deveria ser, em adaptação, precedida de notificação para dedução de oposição com a cominação prevista no nº 4, do art. 716º (seguindo-se, no caso de haver contestação, o regime do art. 360º, nºs 3 e 4).
Essa tramitação só faz sentido na fase subsequente à previsão do art. 877º, nº 1, e nunca na fase inicial do processo, em que ainda se discute a existência de obrigação de prestação de facto negativa e a sua violação e, seria, portanto, inútil, antecipar essa discussão, que aliás não está prevista no preceituado no citado art. 876º (cf. art. 9º, do Código Civil).
Nesta medida, sem prejuízo das devidas adaptações e correcções (art. 6º, do Código de Processo Civil), temos de respeitosamente discordar da decisão recorrida e, embora por razões distintas (art. 5º, nº 3, do C.P.C.), considerar que a oposição deduzida pelos executados à liquidação apresentada pelos exequentes para os efeitos do art. 876º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, é tempestiva e deverá ser processada e julgada em conformidade como regime processual acima enunciado, assim procedendo a apelação, com prejuízo para o conhecimento dos restantes argumentos aduzidos.
           
IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e julgando tempestiva a oposição à liquidação que os executados apresentaram em 27.10.2022.

Sem custas, sem prejuízo das custas de parte (cf. art. 527º, do Código de Processo Civil).
N.
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Sumário[vii]:
- Na execução de prestação de facto negativo, não tendo sido recebidos embargos de executado e não havendo notícia de que os executados entretanto, voluntariamente, deram cumprimento às obrigações violadas, o Tribunal deve providenciar pela realização da perícia prevista nos nºs 1 e 2, do citado art. 876º, para se constatarem os dados referidos nesse nº 2: a existência da violação alegada e, em caso afirmativo, a importância provável das despesas que importam a demolição, se esta tiver sido requerida.
- Depois dessa fase, comprovada a violação e, concomitantemente, apurando-se nessa perícia a importância mencionada no nº 2, do citado art. 876º, cabe ao Tribunal, reconhecendo a falta de cumprimento das obrigações em causa, ordenar a demolição da obra à custa dos executados e a indemnização dos exequentes, convertendo-se a execução num misto de pagamento de quantia (a indemnização) e prestação de facto positivo (a demolição).
- A este despacho em que se reconheça a falta de cumprimento da obrigação e o direito de indemnização, deve seguir-se a liquidação dos prejuízos indemnizáveis, que actualmente obedece aos trâmites do regime previsto nos citados arts. 358º, 360º e 716º, do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.
*
Guimarães, 11-05-2023

Relator – Des. José Flores
1º - Des. Sandra Melo
2º - Des. Conceição Sampaio



[i] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
[ii] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[iii] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
[iv] Cf. nesse sentido e em relação ao regime semelhante do Código de Processo Civil anterior,  Eurico Lopes-Cardoso, in Manual a Acção Executiva, 3ª Ed. Reimpressa, p. 701
[v] Cf. Eurico Lopes-Cardoso, ob. cit., p. 702
[vi] Cf. Ibidem, nota da p. 702
[vii] Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.