NULIDADE DE SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
COMPRA E VENDA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO DA PRESTAÇÃO
ERRO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I – No regime jurídico da venda de coisa defeituosa, a intenção do legislador foi claramente acentuar o caráter funcional do vício ou defeito, postergando a lei a definição conceitual e privilegiando a idoneidade do bem para a função.
II - Um produto é defeituoso desde que seja impróprio para o uso concreto a que é destinado contratualmente (desde que seja conhecida a função negocial concreta programada pelas partes) ou para a função normal das coisas da mesma categoria, se do contrato não resultar o fim a que se destina.
III - Existindo defeitos na coisa vendida, a lei concede ao comprador os meios jurídicos para satisfação dos seus interesses, sendo um deles a anulação do contrato por erro ou dolo, desde que se verifiquem os pressupostos da anulabilidade previstos nos artigos 905º, 247º e 254º, “ex vi” do n.º 1 do art.º 913º, do Código Civil.
IV - Para que o negócio seja anulável com base no erro é necessário que se verifiquem dois pressupostos: a essencialidade e a cognoscibilidade. O primeiro traduz-se na necessidade de o elemento sobre que incidiu o erro ser decisivo para a celebração do negócio em si mesmo ou nos seus elementos essenciais. O segundo consubstancia-se no conhecimento, pelo declaratário, da essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que versou o erro, isto é, que nas circunstancias do negócio, a outra parte conhecia, ou não devia ignorar, que o quid sobre o qual o erro incidiu, era para ela essencial.
V - Os pressupostos do regime especial que enforma a venda de coisa defeituosa, correspondente à chamada garantia edilícia, assentam mais nas situações objetivas contempladas do que na situação subjetiva do erro em que se encontre o comprador.
VI – A verificação do dano é indispensável para o desencadeamento da responsabilidade civil dada a sua finalidade ressarcitória.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- RELATÓRIO

“S... – Indústria Têxtil, Unipessoal, Ld.ª” propôs a presente ação declarativa de condenação com processo comum, contra “F... – Importação e Exportação de Máquinas Para a Indústria Têxtil, Ld.ª”, pedindo que seja:

a) declarada a anulação do negócio de compra e venda da máquina corte transversal semiautomática, melhor identificada nas faturas juntas sob os documentos nº ... e ..., com a entrega da máquina à Ré e a restituição do preço por esta recebido, acrescido dos juros de mora, desde a data em que ocorreu o pagamento até à restituição efetiva e integral desse valor;
b) condenada a Ré no pagamento à Autora de uma indemnização em consequência dos prejuízos por esta sofridos, em quantia a liquidar no respetivo incidente.
Alegou para o efeito que comprou à Ré, no ano de 2018, uma máquina industrial para a confeção de bainhas e colocação de etiquetas convicta, em conformidade com o que lhe foi transmitido pela Ré vendedora, que lograria ganho de qualidade eficiência e produtividade na realização daquela tarefa. Pago o valor do preço acordado, a Ré atrasou-se vários meses na entrega e colocação em funcionamento da máquina em apreço e, a partir do momento em que foi dado o arranque à máquina, surgiram sucessivos problemas que impediram o seu funcionamento normal, obrigando a várias paragens, comunicações à Ré e intervenções desta na máquina, o que veio a culminar na sua desmontagem e paragem definitiva.
A ré contestou impugnando a factualidade alegada pela autora e concluindo pela improcedência da ação.

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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré dos pedidos formulados.
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Inconformada com a sentença a autora interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

2. A sentença ora recorrida está ferida de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil, face à manifesta contradição entre os fundamentos de que o juiz se serviu e a própria decisão, verificando-se um erro de raciocínio lógico entre os fundamentos invocados pelo juiz e a decisão.
3. Com efeito, diz-se na fundamentação que por força do contrato celebrado, a Autora tinha razões para crer que a máquina pudesse aplicar etiquetas planas com comprimentos entre 75 mm e 120 mm, qualidade que a máquina não tem. A Autora demonstrou ainda que comprou a máquina em apreço por estar convicta - o que era do conhecimento da Ré vendedora - que tinha como características e qualidades (…) capaz de colocar etiquetas de vários tipos, em níveis de grande produtividade, no fabrico de toalhas de banho.
4. Não obstante, refere-se que não estão reunidos os pressupostos de facto para afirmar que a desconformidade detectada foi essencial à formação da vontade negocial da Autora e que essa essencialidade era do conhecimento da 2ª Ré.
5. Ou seja, a fundamentação está em oposição com a própria decisão, uma vez que as razões de facto e de direito invocados pelo Tribunal conduziriam a uma decisão contrária à que efetivamente foi proferida.
6. Até porque se refere na sentença recorrida que «o regime legal do contrato de compra e venda prevê, nas normas dos artigos 905º e ss. e 913º e ss. do Código Civil, as situações de transmissão de direitos onerados ou de venda de coisas defeituosas, definindo regras que visam proteger a legítima expectativa do adquirente quanto às qualidades, utilidades e funcionamento do direito ou da coisa adquirida, contra os ónus ou vícios de que a mesma possa padecer».
7. Diz-se na sentença recorrida que, «com relevância para a apreciação do fundamento jurídico da primeira parte do pedido, está provado, relativamente à máquina em apreço, encontramo-nos perante uma desconformidade de medidas na valência de etiquetagem da máquina vendida, relativamente às características que se encontram plasmadas no contrato. Tal divergência encontra-se na inaptidão da máquina para colocar etiquetas planas com comprimento entre 75 mm e 120 mm, quando o contrato alude a etiquetas planas com comprimento de 40 a 120mm. A Ré está obrigada a fornecer um produto com as caraterísticas constantes do contrato, por força do disposto no artigo 406º do Código Civil. Como se deu nota supra, na referência feita ao artigo 913º do Código Civil, estamos aqui perante a situação de cumprimento defeituoso do contrato prevista que consiste na falta de qualidades da coisa asseguradas pelo devedor, distinta da hipótese que também encontra acolhimento legal, de vício que desvaloriza ou impede a realização do fim a que a coisa é destinada. Assim, conclui-se que a factualidade descrita no facto provado número 53 e 54 constitui cumprimento defeituoso do contrato pela 2ª Ré.»
8. É entendimento pacifico na jurisprudência de que «Decorre do disposto no art. 913.º do Código Civil que se a coisa objecto da venda sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, é reconhecido ao comprador o direito à anulação do contrato – art. 905.º do Código Civil -, ou à redução do preço – art. 911.º do Código Civil -, e ainda a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos – arts. 908.º e 909.º do mesmo diploma legal.
9. Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, volI, 6.ed. pgs.128) considera existir cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação - a má prestação -... causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado, estando o credor disposto a usar de outros meios de tutela do seu interesse, que não sejam o da recusa pura e simples da aceitação.
10. Haverá venda de coisa defeituosa se o vendedor entrega ao comprador a coisa devida, mas a coisa sofre de qualquer dos vícios catalogados no artigo 913 do CCIV: vício que desvalorize a coisa; vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.
11. Face à fundamentação plasmada na sentença recorrida, o efeito jurídico consequente seria o da procedência da ação, ou seja a anulação do contrato.
12. Sem prescindir, não é verdade que «no caso dos autos não se provou que a Ré conhecesse a divergência em apreço das características da máquina, nem que tivesse tido intenção de induzir ou manter a Autora em erro quanto às mesmas». Como também não é verdade que «Não pode, por isso, afirmar-se que houve artifício fraudulento por parte da Ré, com prévia intenção ou consciência de induzir ou manter em erro a Autora / compradora, nem com vista a dissimular as reais características da mercadoria».
13. E não é verdade o alegado pelo Tribunal recorrido porque tal conclusão contraria a factualidade que deu como provada sob os nºs 3, 4 e 5 da matéria de facto dada como provada.
14. Aliás, também consta expressamente da fundamentação da sentença que, para além dos factos objecto da precedente análise, a Autora demonstrou ainda que comprou a máquina em apreço por estar convicta - o que era do conhecimento da Ré vendedora - que tinha como características e qualidades, tratar-se de uma máquina corte semi-automática para embainhamentos transversais, fabricada pela M..., com …Alimentação peça única, transporte automático, dispensação etiquetas (opcional), costura, corte e empilhamento. A perfeita solução semi-automática para ter flexibilidade, alta qualidade no produto final, produtividade e desempenho para aumentar eficiência no fluxo de trabalho…capaz de confeccionar bainhas e colocar etiquetas de vários tipos, em níveis de grande produtividade, no fabrico de toalhas de banho.
15. Sem prescindir, para o caso, aliás não esperado, de se entender não estar a sentença ferida de nulidade, então verifica-se manifesto erro de julgamento.
16. Com efeito, «o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa. Por outras palavras, o erro consiste num desvio da realidade factual ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: Processo: 341/08.9TCGMR.G1.S2, de 30-09-2010, in www.dgsi.pt.)
17. Na verdade, dos factos dados como provados, mormente nos pontos 3, 4, 5, 43, 51, 53, 54, 56 e 57, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, resultaria uma outra consequência jurídica diferente da que consta da fundamentação da decisão, pelo que sempre ocorreria erro de julgamento, designadamente que a Ré sabia que a Autora adquirira a máquina por estar convicta de que tinha as características e qualidades descritas nos factos provados números 3 a 5.
18. É que da referida factualidade, resultou demonstrado, tal como consta, aliás, da fundamentação da decisão, a situação de cumprimento defeituoso do contrato que consiste na falta de qualidades da coisa asseguradas pelo devedor (Assim, conclui-se que a factualidade descrita no facto provado número 53 e 54 constitui cumprimento defeituoso do contrato pela Ré).
19. Porém, apesar disso, o Tribunal não reconheceu à Autora o direito à anulação do contrato, tal como previsto no artigo 905º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 913.º do mesmo Diploma Legal, por alegadamente ter considerado não ter ocorrido dolo ou erro.
20. Porém, não é verdade que «no caso dos autos não se provou que a Ré conhecesse a divergência em apreço das características da máquina, nem que tivesse tido intenção de induzir ou manter a Autora em erro quanto às mesmas». Como também não é verdade que «Não pode, por isso, afirmar-se que houve artifício fraudulento por parte da Ré, com prévia intenção ou consciência de induzir ou manter em erro a Autora / compradora, nem com vista a dissimular as reais características da mercadoria».
21. E não é verdade o alegado pelo Tribunal recorrido tal como resulta da matéria de facto dada como provada e anteriormente aludida, da qual ficou, aliás, demonstrada quer o dolo, quer o erro.
22. Dolo porque a Ré induziu a Autora a adquirir a máquina por ter as características por esta pretendidas, quer sugerindo a máquina em questão, quer afirmando expressamente as qualidades que a mesma tinha, sabendo que só por essa razão a Autora adquiria a máquina.
23. Sublinhe-se que, ao contrário do que resulta da fundamentação, a Ré sabia da essencialidade das características que declarou existirem para que a Autora aceitasse adquirir a máquina: (57.) A Ré sabia que a Autora adquirira a máquina por estar convicta de que tinha as características e qualidades descritas nos factos provados números 3 a 5, referindo-o expressamente em sede de fundamentação: Para além dos factos objecto da precedente análise, a Autora demonstrou ainda que comprou a máquina em apreço por estar convicta - o que era do conhecimento da Ré vendedora - que tinha como características e qualidades, tratar-se de uma máquina corte semi-automática para embainhamentos transversais, fabricada pela M..., com …Alimentação peça única, transporte automático, dispensação etiquetas (opcional), costura, corte e empilhamento. A perfeita solução semi-automática para ter flexibilidade, alta qualidade no produto final, produtividade e desempenho para aumentar eficiência no fluxo de trabalho…capaz de confeccionar bainhas e colocar etiquetas de vários tipos, em níveis de grande produtividade, no fabrico de toalhas de banho.
24. Relativamente ao erro, o Código Civil prevê nos artigos 251º e 252º três modalidades distintas de erro, sendo certo que é no artigo 251º que se encontra o erro sobre o objeto do negócio. Este erro é o que recai ou sobre a identidade do objeto, ou sobre a sua substância, ou ainda, sobre as suas qualidades essenciais.
25. E como se disse ficou provado que a Ré sabia que a Autora adquirira a máquina por estar convicta de que tinha as características e qualidades descritas nos factos provados números 3 a 5.
26. Salvo o devido respeito, que é muito, é ridículo e destituído de qualquer fundamento de facto ou de direito, bem antes pelo contrário, o Tribunal ter concluído que não estão reunidos os pressupostos de facto para afirmar que a desconformidade detectada foi essencial à formação da vontade negocial da Autora e que essa essencialidade era do conhecimento da 2ª Ré.
27. Estão, pois, verificados todos os pressupostos de que dependia a procedência da ação, verificando-se manifesto erro de julgamento uma vez que a fundamentação apontar para determinada consequência jurídica – a anulação do contrato - e foi tirada outra consequência.
28. Aliás, a fundamentação da decisão assume estar-se perante uma situação de cumprimento defeituoso por parte da Ré, circunstancia que expressamente admite. Afastar o regime jurídico da anulação do contrato pela eventual inexistência de erro ou dolo é do mais absurdo que poder haver, face à matéria de facto dada como provada.
29. A lei concede ao comprador o direito à anulação do negócio por erro ou dolo, verificados os respectivos requisitos de relevância do erro sobre o objecto do negócio (art. 251º) - quer as condições gerais da essencialidade e da propriedade, quer as condições especiais da essencialidade para o comprador do elemento sobre que incidia o erro e o seu conhecimento ou cognoscibilidade para o vendedor (art. 247º, ex vi do art. 251º) - ou do dolo (art. 254º) - dolus malus, essencial ou determinante, intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o adquirente.
30. Assim, para o caso de não se entender ocorrer a alegada nulidade da sentença recorrida, está-se perante manifesto e grosseiro erro de julgamento.
31. E, no limite, haverá sempre violação do disposto no citado artigo 905º, aplicável por força do disposto no artigo 913.º, ambos do Código Civil.
32. A Recorrente impugna a decisão proferida pelo Tribunal Recorrido acerca da matéria de facto, nos seguintes termos: a. factos que o Tribunal deu como provados e que deveria ter dado como não provados: i. (25.) As fábricas que usam máquinas iguais à mencionada, têm os seus próprios técnicos que adquirem os conhecimentos nas formações dadas pelas empresas vendedoras, só recorrendo a estas últimas nos casos que não podem resolver sozinhos;
ii. (27.) A Autora não tinha nos seus quadros um técnico para fazer o acompanhamento devido à máquina e aos seus acessórios, ou para reportar, em termos técnicos, eventuais problemas de funcionamento;
iii. (28.) Parte dos problemas reportados desde o início de operação da máquina até novembro de 2019 deveram-se à falta de técnico mencionada no facto provado anterior;
iv. (48.) A partir de maio de 2021 a máquina ficou apta a funcionar sem os problemas descritos nos factos provados anteriores.
v. (49.) A pedido da Ré, o técnico AA indicado pela M..., deslocou-se às instalações da Autora, a fim de dar formação e também apoio técnico necessário ao correcto manuseamento e funcionamento da máquina, tendo verificado que esta se encontrava desligada e que a Autora não tinha intenção de a colocar em funcionamento.
vi. (50.) O mesmo técnico voltou a deslocar-se às instalações da Autora, tendo constatado que a Autora não funcionava com a máquina;
vii. (58.) A Autora esteve impossibilitada de utilizar a máquina nos períodos de Outubro de 2020 a Maio de 2021.
b. factos que o Tribunal deu como não provados mas que deveriam ter sido dados como provados:
i. (2.) A Ré não conseguiu dar-lhe o arranque e colocá-la de imediato em funcionamento, porque se deparou com problemas.
ii. (3.) Cerca de uma semana depois do seu arranque, a máquina produzia as bainhas com defeito;
iii. (4.) Em Novembro de 2019, a máquina: - efectuava operações de “reset” sem qualquer instrução ou justificação); - os motores não aguentavam trabalhar à velocidade necessária para atingir a produção anunciada pela Ré; - desligava-se automaticamente diversas vezes ao dia;
iv. (10.) A máquina continua sem poder ser utilizada pela Autora;
v. (11.) A Autora sofreu paragens na produção e atrasos na entrega de encomenda resultantes dos problemas da máquina descritos nos factos provados;
vi. (12.) A Autora procedeu à reparação de peças confeccionadas com defeito;
33. Relativamente à matéria de facto dada como provada e que não o deveria ter sido, reduzem-se à seguinte factualidade: falta de técnico nos quadros da Autora para fazer o acompanhamento devido à máquina e aos seus acessórios, ou para reportar, em termos técnicos, eventuais problemas de funcionamento; parte dos problemas reportados desde o início de operação da máquina até novembro de 2019 deveram-se à falta de técnico; a máquina ter ficado apta a funcionar a partir de maio de 2021 e a Autora ter estado impossibilitada de utilizar a máquina nos períodos de outubro de 2020 a Maio de 2021.
34. «O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: Processo: 3/07.4GAVGS.C2, de 01-10-2008,www.dgsi.pt.)
35. O Tribunal deu como provado o teor da declaração emitida pela Ré – facto provado sob o nº 43 – no âmbito do qual aquela Reconhece que a referida máquina sofre de defeitos que a impedem de funcionar, os quais, apesar de sucessivas intervenções que foi efetuando na máquina, continuam por reparar e a máquina sem poder ser utilizada pela compradora; É do seu conhecimento que, pelo menos, desde a intervenção dos técnicos da M..., ocorrida por instruções Declarante em 22 de outubro de 2020, a máquina se encontra desmontada nas instalações da Compradora e sem peças que lhe foram retiradas pelos referidos técnicos. Se obriga a proceder à reparação da máquina e a eliminar os defeitos de que a mesma padece e a impedem de funcionar (…).
36. Não obstante, o Tribunal ter dado como provado o teor da referida declaração, tal como estava, aliás obrigado a fazê-lo, concluiu, em oposição a tal declaração, que parte dos problemas reportados desde o início de operação da máquina até novembro de 2019 deveram-se à falta de técnico e ainda que a Autora esteve impossibilitada de utilizar a máquina nos períodos de outubro de 2020 a maio de 2021.
37. Ora, a referida declaração consta de um documento particular, cuja autoria, assim como o seu conteúdo, foram expressamente confessados pela Ré.
38. A ser assim, como é, tal documento não é de apreciação livre, tal como resulta da conjugação dos artigos 374º e 376º do Código Civil, uma vez que tem força probatória plena. Ou seja, faz prova plena quanto às declarações atribuídas à Ré.
39. Mas não basta o Tribunal ter dado como provado o seu conteúdo. A força probatória plena impede que sobre a mesma factualidade, resultante provada do teor do documento, sejam dados como provados outros factos em oposição com a declaração atribuída à Ré.
40. Assim, ocorreu manifesta violação de normas previstas nos artigos 374º e 376º, ambos do Código Civil, que fixam a força probatória dos documentos particulares, ao ter sido dada como provada a factualidade constante dos pontos 28, 48, 49, 50 e 58 dos factos provados e ao dar como não provados os factos constantes dos pontos 2, 3, 4, 1 e 11 da matéria de facto não provada;
41. Por outro lado, provado que está que, a 22 de fevereiro de 2021, a máquina sofre de defeitos que a impedem de funcionar, incumbia à Ré a prova de que eliminou tais defeitos.
42. E o certo é que não logrou fazer prova de que eliminou os defeitos e muito menos a data em que tal ocorreu, factos a que se reportam os pontos 48 e 58 da matéria de facto assente;
43. De sublinhar a fundamentação da convicção do Tribunal a este respeito: No que toca aos factos provados números 48 e 58 e não provado número 10, foram sobretudo os testemunhos de AA e de BB que criaram a convicção de que depois da intervenção de Maio de 2021 a máquina ficou a funcionar convenientemente, pois ambos realizaram testes de funcionamento que resultaram na execução do trabalho sem falhas. Do lado da Autora, por seu turno, não houve prova convincente de que a máquina tenha mantido os mesmos defeitos de funcionamento depois das intervenções feitas pelo fabricante, tendo até sido dito pela testemunha CC que o problema de aquecimento do motor ficou resolvido com a 1ª intervenção e que a modificação dos pontos de entrada de produto na máquina feita no ano de 2021 melhorou a fixação das peças, colocando o ênfase dos problemas da máquina, a partir da última intervenção, na medida das etiquetas e não já nos desvios de algumas peças durante a alimentação. A prova escrita a que se fez referência supra evidencia que a intervenção foi feita em Maio e não em Junho de 2021 (facto não provado número 15).
44. Antes de mais, tal como se disse, o Tribunal ignorou que a prova de que haviam sido eliminados os defeitos incumbia à Ré e não à Autora, o que constitui manifesta violação do disposto no artigo 376º do Código Civil.
45. E o certo é que os depoimentos das testemunhas AA e de BB não permitem tal conclusão.
46. Com efeito, os depoimentos das referidas testemunhas não poderia ter a credibilidade que o Tribunal lhes atribuiu. AA porque teve um depoimento seguidista, contraditório e nada isento. BB também teve um depoimento nada isento, tanto mais que a ... entidade que fabricou a máquina lhe pertence, sendo do seu conhecimento pessoal que o resultado da presente ação teria consequências para a ..., mormente se o desfecho da mesma fosse o da procedência da ação, factualidade que lhe retirou isenção. Por outro lado o depoimento de BB é contraditório com o depoimento do seu filho DD, tal como se constatou das transcrições dos respetivos depoimentos que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
47. Aliás, o depoimento da testemunha foi contraditório entre si, relativamente a quem o contratou e se foi ou não pago, acabando por afirmar que foi contratado pela Autora que eram quem lhe pagava;
48. Por outro lado, o depoimento desta testemunha não permite fazer prova de que a máquina ficou apta a funcionar a partir de maio de 2021 e que a Autora esteve impossibilitada de a utilizar nos períodos de outubro de 2020 a maio de 2021. Quer porque refere que foi lá em 2020, que eles estavam com dificuldade que a máquina não andava, quer porque não conseguia ver se a máquina estava em condições ou não porque todas as vezes que eu la lá a máquina estava parada;
49. Acresce que o depoimento desta testemunha, contraria frontalmente a factualidade dada como provada relativamente à falta de técnico por parte da Autora, mormente sob os números 24, 25, 26, 27 e 28, pois era a ele que incumbia essa tarefa, foi contratado para o efeito pela Autora, que era quem lhe pagava, tendo feito o acompanhamento da máquina nas instalações da Autora, semanalmente, desde a instalação da máquina até agosto de 2019.
50. Aliás, a testemunha CC, confirmou igualmente que o AA era o técnico que acompanhou o funcionamento da máquina,
51. Pelo que destituído de qualquer fundamento a prova de que os problemas da máquina se deveram à falta de técnico por parte da Autora, tanto mais que todas as pessoas ouvidas confirmaram que o mesmo tinha competência técnica para o efeito e esteve presente de janeiro a agosto de 2019;
52. E resultou inequivocamente demonstrado do depoimento da testemunha que a máquina não era adequada a fazer as bainhas nas toalhas com medidas maiores: Porque o artigo era muito pesado e possivelmente ela escorregava. Até porque é como eu digo: é uma máquina semiautomática, ela só é presa de um lado e ela com o transporte da máquina possivelmente o artigo era mais pesado e ela escorregava nas correias.
53. E a este propósito, chama-se a atenção do depoimento da testemunha DD que confirmou que as toalhas que causavam problemas tinham sido indicadas pela Autora aquando da negociação da máquina,
54. Pelo que ambos os depoimentos, conjugados, permitem concluir que a máquina não tinha as características e qualidades asseguradas pela Ré e, seguramente, que não era adequada a fazer as bainhas nas toalhas com medidas maiores.
55. Por outro lado, foi manifesta a contradição entre o depoimento prestado por EE com o depoimento prestado pelo seu pai e legal representante da ..., FF, designadamente quanto à escolha e aconselhamento da máquina que determinou a sua aquisição por parte da Autora.
56. Com efeito, DD expressamente admitiu ter sido a ... a aconselhar a aquisição da máquina semiautomática à Autora e, em sentido completamente contraditório, veio a testemunha BB referir que a mesma máquina foi escolhida pela Autora, contra o aconselhamento efetuado, por razões de ordem financeira.
57. Curiosa a declaração da testemunha que refere que a máquina em causa não tem mercado em Portugal: [00:36:22] Em Portugal, esta máquina semiautomática não tem mercado, porque...[00:36:27] esta máquina porque tem este problema, que depende a costura do operador.
58. Ou seja, tudo contra as características da máquina que foram garantidas pela Ré e que determinaram a sua compra pela Autora.
59. Por fim, o depoimento da testemunha CC, efetuado de modo natural, claro e isento, confirmando que a máquina nunca ficou apta a trabalhar, nunca teve as características que a Ré garantiu ter e que levou a Autora a adquiri-la, permitindo, por outro lado, a prova dos factos constantes dos pontos 10, 11 e 12, da matéria de facto dada como não provada: [00:25:49] Ó senhor doutor, a máquina… A máquina causava-nos mais problemas do que soluções… [00:25:58] … A gente iniciava os trabalhos lá e até digo sinceramente, muita gente, até ironicamente, tipo, sentia que o pessoal tipo manualmente vencia a máquina, o pessoal que trabalhava numa máquina normal até se riam um pouco da situação, porque vais meter a obra ali, vai sair depois da que eu vou fazer aqui. E eu acompanhava isso diariamente. A máquina foi-nos posta como uma solução que com, depois com o andar das coisas, era um problema. Depois a gente tem prazos para a comprar nas entregas das mercadorias e falhávamos com muitas coisas por causa disso, porque a gente fazíamos lá uma encomenda… vou-lhe dizer tipo uma percentagem, 70 ou 80% das peças eram para compor, não eram aproveitadas. [00:27:10] Foi-nos posto como uma solução, que a máquina seria a solução para nós, que fazia qualquer… era a nossa solução, que a fazia qualquer tipo de produto, não havia restrições ao tipo de produtos a colocar na máquina, ou seja, era a máquina perfeita para... [00:27:25] Mesmo a questão das produções que foram apresentadas e isso tudo, era a máquina perfeita para as nossas necessidades.[00:27:42] De 2019 com mais intensidade, que é a insistência, mas sempre a termos que compor muito material e a termos despesas triplicadas com esse material eu tínhamos que resolver esses problemas… [00:28:03] A solução era sempre… Não era a máquina já. Os problemas aconteciam, tentava-se corrigir algumas coisas para não voltar a acontecer, minimizava em determinados pontos, tudo o que se fazia de mal era solucionado sempre manualmente depois com as outras pessoas. [00:28:35] Nunca… aliás, porque eles… é aquilo que eu digo, nós sentimos mesmo a determinado momento que nós estávamos mesmo a ser as cobaias da máquina, porque eles iam lá e não tem nenhuma vez que eles digam: “Ah, não, a culpa é vossa, vós é que não sabeis pôr disso.” Eles viam que realmente alguma coisa estava mal, iam para ..., modificavam isto e aquilo, vinham com um resultado, punham, corrigiam a situação, e nós andávamos entre esses períodos a tentar convencer-nos que conseguíamos e íamos insistindo. Mas danificávamos muito material com isso. Nós tínhamos muito prejuízo com essa insistência. [00:29:32] Não. Senhor doutor, é mesmo essa situação. Nós qualquer coisa que ponhamos lá vamos ter mais prejuízo que outra coisa.
60. O próprio legal representante da Ré, em sede de declarações de parte, não conseguiu demonstrar que a máquina tivesse alguma vez ficado a funcionar. Aliás, ora dizia que a máquina não ficou a funcionar, como logo dizia que ficou a funcionar. Face a tal incongruência, o Ilustre Mandatário da Ré perguntou-lhe: Então porque é que dizia que a máquina não funciona? Ao que respondeu: Não consigo responder a isso. Infelizmente eu não consigo, tudo conforme se alcança da transcrição do seu depoimento que aqui se dá por integralmente reproduzido
61. Sendo certo que o mesmo confessou saber quais eram as necessidades da Autora para adquirir a máquina e que [00:35:49] comprou a máquina porque tinha a noção das respostas que obteve. Porque senão não compraria uma máquina sem ter a resposta do fabricante, digo eu, penso eu.
62. Assim como confessou que a máquina tinha defeitos que a impediam de funcionar: [00:44:21] Se vem aí escrito, não tinha dúvida.
63. Por último mas não menos importante, é o documento que a Ré juntou aos autos, através da testemunha DD, para pretender demonstrar que foi dado o arranque e de imediato a máquina foi colocada em funcionamento.
64. É que consta o legal representante da Autora assinou o documento de receção e arranque da máquina com reservas. Tal como consta expressamente do documento, após a sua assinatura, o mesmo legal representante da Autora escreveu, pelo seu punho, «the production test was not performed, therefore we can not confirme the garantitie», ou seja: «o teste de produção não foi realizado, portanto não podemos confirmar a garantia».
65. De tal documento resulta a prova da factualidade constante do ponto 2 da matéria de facto dada como não provada.
66. Pelo exposto é manifesto que a factualidade constante dos pontos 25, 27, 28, 48, 49, 50 e 58 dos factos provados não poderia ter sido dada como provada, sendo que, por outro lado, resultaram provados os factos constantes dos pontos 2, 3, 4, 10, 11 e 12, apesar do Tribunal ter decidido no sentido contrário.
Pugna a recorrente pela integral procedência do recurso com a consequente revogação da sentença recorrida.
*
A recorrida contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As conclusões recursivas têm uma função delimitadora das questões a decidir.    No vertente caso, são três:
(i) saber se a sentença é nula por contradição
(ii) se deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto;
(iii) se se verificam os pressupostos para a anulação do contrato e obrigação de indemnizar decorrente da venda de coisa defeituosa.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1. Factos Provados

Na primeira instância foram considerados como provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade comercial, unipessoal por quotas, que tem por objeto o fabrico, comércio, importação e exportação de têxteis-lar, artigos de vestuário e acessórios de moda e de tecidos, exercendo essa atividade ininterruptamente desde a sua constituição até à presente data (artigo 1º da p.i.).
2. A Ré dedica-se ao comércio, importação e exportação de máquinas e acessórios para a indústria têxtil (artigo 2º da p.i.).
3. No exercício de ambas as atividades, em Janeiro de 2018, a Autora contactou a Ré por estar interessada em adquirir uma máquina para embainhamento, máquina de que a Autora necessitava para a melhoria, quer na qualidade, quer da produtividade, no fabrico de toalhas de banho (artigo 3º da p.i.).
4. A Ré propôs à Autora a máquina corte semiautomática para embainhamentos transversais, fabricada pela M..., sociedade comercial italiana, assegurando à Autora que a mesma ia de encontro ao pretendido pela Autora, pois confecionava bainhas e colocava etiquetas de vários tipos, em níveis de grande produtividade, satisfazendo as necessidades da Autora (artigo 4º da p.i.).
5. Face às características comunicadas pela Ré, a Autora aceitou adquirir a referida máquina e dois acessórios de coser etiquetas, tendo acordado entre ambas o preço global no montante de 182.500,00 €, acrescido de iva (41.975,00 €) e a Ré emitiu o documento datado de 25 de Janeiro de 2018, aceite pela Autora, junto como documento ... da p.i. (fls. 14 dos autos) do qual, entre outras coisas, consta MAQUINA CORTE TRANSVERSAL SEMI-AUTOMATICA Alimentação peça única, transporte automático, dispensação etiquetas (opcional), costura, corte e empilhamento. A perfeita solução semi-automática para ter flexibilidade, alta qualidade no produto final, produtividade e desempenho para aumentar eficiência no fluxo de trabalho. 2 Etiquetadoras incluídas… e …VALOR TOTAL CNF V/INSTALAÇÕES de 224.475,00 €, iva incluído (artigos 5º a 7º da p.i.).
6. Autora e Ré acordaram que esta procederia à montagem e ao arranque da máquina em Julho de 2018, bem como daria formação a colaboradores da primeira (artigos 8º e 9º da p.i.).
7. Por email do dia 16.07.2018, 17:33, reproduzido no documento ... da p.i. (fls. 14 v.º dos autos) a Ré informou a Autora de que a máquina estaria pronta para expedir para a fábrica desta no final desse mês ou na primeira semana de Agosto (artigo 10º da p.i.).
8. Por conta do preço, a Autora pagou à Ré a quantia de 42.650,25 € (artigo 11º da p.i.).
9. Com vista ao pagamento da parte restante do preço, a Autora celebrou com a Banco 1..., ..., o contrato de locação financeira mobiliária pelo prazo de 60 meses, cujo teor se reproduz no documento número ... da p.i. (fls. 15 v.º e ss.) contendo, entre outras, a cláusula 17ª das condições particulares com o seguinte teor: 1. A garantia do Bem é prestada directamente pelo fornecedor ao locatário. (…) …sempre que, na vigência do presente contrato, surja ou seja identificado qualquer defeito de fabrico ou de montagem do bem, abrangido pela garantia, legal ou convencionalmente establecida, competirá única e exclusivamente ao locatário interpelar directamente o fornecedor, judicial ou extrajudicialmente (…) no sentido de ver reparado ou substituído o bem… (artigos 12º e 15º da p.i.).
10. Em cumprimento do contrato de locação financeira e do acordado entre a Autora e a Ré, esta emitiu a favor da Banco 1..., em 8 de Outubro de 2018, a fatura n.º ...67 referente à venda da identificada máquina, junta como documento ... da p.i. (fls. 21 v.º dos autos) e recebeu o valor remanescente do preço (artigos 13º e 20º da p.i.).
11. A Autora vem procedendo ao pagamento, nas datas dos respectivos vencimentos, das rendas do contrato mencionado nos dois factos provados anteriores (artigo 14º da p.i.).
12. Após insistência da Autora, a Ré procedeu à entrega da máquina nas instalações daquela em Dezembro de 2018 e à instalação e montagem durante o mês de Janeiro de 2019 (artigo 19º e 21º da p.i.).
12. Em 21 Janeiro de 2019, a máquina ainda não funcionava (artigo 22º da p.i.).
13. No dia 21 de Janeiro de 2019, a Autora enviou à Ré email reproduzido no documento ... da p.i. (fls. 22 dos autos) contendo, entre outro, o seguinte teor: A máquina ainda não está a andar. Estão a surgir vários problemas como correias, etc. (artigo 22º da p.i.).
14. A Ré deu o arranque da máquina no fim de Janeiro de 2019 (artigo 24º da p.i.).
15. A Autora remeteu à Ré, entre 30.01.2019 e 18.11.2019, os emails reproduzidos nos documentos ... a ...7 da p.i. (fls. 22 v.º a 33 dos autos) (artigo 27º da p.i.).
16. No decurso do 1º mês depois do seu arranque, a Autora verificou que o motor da máquina aquecia e abrandava até parar (artigo 26º da p.i.).
17. Na sequência da reclamação descrita no facto provado anterior, foi considerada necessária pela Ré, a substituição da ventoinha do motor da máquina, o que veio a ser efectuado em Março de 2019 (artigo 28º da p.i.).
18. Em 18 de Novembro de 2019, pelas 9:26, a Autora remeteu à Ré o email reproduzido no documento ...9 da p.i. (fls. 35 dos autos), dando conta de que numa …obra com 2 bainhas iguais (…) uma das bainhas faz sempre mal… e de que a máquina se desligava …sucessivamente durante o dia até ao ponto de fazer RESET (artigos 30º e 31º da p.i.).
19. Em Novembro de 2019, a máquina fazia algumas bainhas tortas ou costuradas por cima do felpo quando trabalhava à velocidade necessária para atingir a produção anunciada pela Ré (artigo 33º da p.i.);
20. A Autora remeteu à Ré o email de 20 de Novembro de 2019, 13:49, reproduzido no documento ...0 da p.i. (fls. 35 v.º dos autos), do qual, entre outras coisas, consta Venho por este meio expressar o meu descontentamento em relação à máquina de coser topos… (artigo 34º da p.i.).
21. A Autora enviou à Ré o email de 5 de Dezembro de 2019, 11:44, reproduzido no documento ...1 da p.i. (fls. 36 dos autos) informando que A máquina não está a activar sensor de corte… (artigo 35º da p.i.).
22. A Ré procedeu à montagem da máquina, tendo disponibilizado um técnico para dar formação ao técnico da Autora que iria ser o responsável pela programação, afinação, montagem de acessórios e acompanhamento da produção da mesma (artigo 41º da contestação).
23. A Autora decidiu incumbir um funcionário administrativo do exercício das funções técnicas mencionadas no facto anterior (artigo 42º da contestação).
24. Na máquina em apreço, cada vez que a produção é mudada têm que ser efectuadas operações como a colocação dos materiais que vão alimentar a produção, a reprogramação electrónica da máquina, a verificação de que não há qualquer problema mecânico, bem como, por vezes, pequenas verificações e afinamentos (artigo 44º da contestação).
25. As fábricas que usam máquinas iguais à mencionada, têm os seus próprios técnicos que adquirem os conhecimentos nas formações dadas pelas empresas vendedoras, só recorrendo a estas últimas nos casos que não podem resolver sozinhos (artigo 45º da contestação) – a excluir.
26. A máquina em apreço é de carregamento manual, pelo que se o operador não colocar o produto devidamente alinhado com as peças de centragem, para além de potenciar um desgaste anormal, terá como consequência que o produto final não saia em plenas condições (artigos 46º e 47º da p.i.).
27. A Autora não tinha nos seus quadros um técnico para fazer o acompanhamento devido à máquina e aos seus acessórios, ou para reportar, em termos técnicos, eventuais problemas de funcionamento (artigos 50º e 51º da contestação). A excluir
28. Parte dos problemas reportados desde o início de operação da máquina até Novembro de 2019 deveram-se à falta de técnico mencionada no facto provado anterior (artigo 50º da contestação). – a considerar como não provado.
29. A Ré sempre prometeu solucionar os problemas surgidos com a máquina (artigo 36º da p.i.).
30. A Autora remeteu à Ré a carta registada com A/R, datada de 22 de Abril de 2020, de que também enviou cópia à Banco 1..., ..., cujo teor se reproduz no documento ...3 da p.i. (fls. 37 e ss. dos autos), do qual, entre outras coisas, consta …concede-se o prazo de 20 dias para procederem à reparação e eliminação integral dos defeitos de que a máquina padece. Caso não o façam no prazo concedido, será considerado que a máquina não tem as qualidades asseguradas por V. Exªs nem realiza o fim a que se destina, pelo que se desencadeará de imediato o processo com vista à obtenção da declaração de anulação do contrato de compra e venda celebrado, com as legais consequências. (artigos 39º e 40º da p.i.).
31. Na sequência das comunicações aludidas nos factos provados anteriores, a Ré comprometeu-se a fazer deslocar às instalações da Autora técnicos da M..., fabricante da máquina, para solucionarem os alegados problemas da máquina e para dar mais formação a um técnico da autora (artigos 37º e 42º da p.i. e 53º da contestação).
32. Devido aos problemas relacionados com a epidemia de Covid-19 no início do ano de 2020, só em Outubro desse ano a equipa técnica da M... veio a Portugal (artigo 54º da contestação).
33. A Autora enviou à Ré o email de 26 de Junho de 2020, 17:17, reproduzido no documento ...5 da p.i. (fls. 39 v.º dos autos) (artigo 42º da p.i.).
34. A Ré enviou à Autora o email de 1 de Junho de 2020, 16:36, reproduzido no documento ...6 da p.i. (fls. 40 dos autos) do qual, entre outras coisas, consta …o assunto não está esquecido. Até à data o espaço aéreo encontrava-se fechado como deve ser do seu conhecimento, pelo que não existia voos de ... para Portugal. (…) No entanto, está previsto a vinda de um técnico da M... no início da próxima semana, estamos apenas à espera de confirmação. Assim que obtivermos a confirmação da M..., informaremos de imediato (artigos 43º e 44º da p.i.).
35. A Ré enviou à Autora o email de 20 de Outubro de 2020, 14:39, reproduzido no documento ...9 da p.i. (fls. 41 v.º dos autos) do qual, entre outras coisas, consta Vimos por este meio informar de que Sr. BB pai e o Sr. DD vão-se deslocar às vossas instalações esta quinta-feira de manha. (artigo 46º da p.i.).
36. Em 22 de Outubro de 2020 deslocaram-se às instalações da Autora duas pessoas provenientes da fabricante da máquina, os Srs. BB e DD, que verificaram o estado da máquina, realizando ensaios e testes (artigos 46º e 47º da p.i.).
37. Os ditos técnicos entenderam realizar alterações a peças da alimentação e introdução das toalhas da máquina para melhorar o seu desempenho (artigos 47º e 48º da p.i.).
38. Os ditos técnicos verificaram o problema mencionado no facto provado número 19 e entenderam realizar alterações à alimentação e introdução das toalhas da máquina para melhorar o seu desempenho, procedendo à desmontagem da peça de alimentação da máquina que retiraram e levaram com eles (artigos 47º a 49º da p.i.).
39. A Autora enviou à Ré o email de 10 de Novembro de 2020, 18:44, reproduzido no documento ...0 da p.i. (fls. 42 dos autos) do qual, entre outras coisas, consta …a nossa empresa continua sem poder utilizar a máquina, não obstante as sucessivas tentativas de a repararem. (…) Deste modo, notificamos V. Exªs. de que dispõem do prazo de quinze dias a contar da presente data, efetuaram a sua desmontagem, para colocar a máquina em funcionamento e sem qualquer defeito que a impeça de executar os serviços para os quais foi adquirida. Decorrido o mencionado prazo sem que procedam da forma exigida, perderemos o interesse em ficar com a máquina, considerando (…) como resolvido o contrato de compra e venda da máquina por incumprimento da v/ parte. (artigo 52º da p.i.).
40. A Ré enviou à Autora o email de 11 de Novembro de 2020, 10:34, reproduzido no documento ...1 da p.i. (fls. 42 v.º dos autos) do qual, entre outras coisas, consta …o assunto está a ser tratado, não estando esquecido e, está a ser a prioridade máxima da M... e, assim, que tivermos disponível enviaremos fotos das peças que estão a ser desenvolvidas. Poderá verificar na foto abaixo que o departamento técnico está a desenvolver e já está em fabrico uma peça nova para sua máquina. (artigo 53º da p.i.).
41. Por emails remetidos a 2 e a 10 de Dezembro de 2020, cujo teor se reproduz no documento número ...2 da p.i. (fls. 44 v.º e ss. dos autos), a Ré informou a Autora de que a peça desenvolvida pelo fabricante seria entregue nas instalações da Autora a 10 de Dezembro de 2020 (artigo 54º da p.i.).
42. No dia 10 de Dezembro de 2020 foram entregues nas instalações da Autora, duas embalagens provenientes da M... (artigo 55º da p.i.).
43. GG, na qualidade de sócio-gerente da Ré, assinou o documento intitulado “Declaração”, datado de 22 de Fevereiro de 2021, reproduzido com o número 33 da p.i. (fls. 46 dos autos), contendo, entre outro, o seguinte teor: Reconhece que a referida máquina sofre de defeitos que a impedem de funcionar, os quais, apesar de sucessivas intervenções que foi efetuando na máquina, continuam por reparar e a máquina sem poder ser utilizada pela compradora; É do seu conhecimento que, pelo menos, desde a intervenção dos técnicos da M..., ocorrida por instruções Declarante em 22 de outubro de 2020, a máquina se encontra desmontada nas instalações da Compradora e sem peças que lhe foram retiradas pelos referidos técnicos. Se obriga a proceder à reparação da máquina e a eliminar os defeitos de que a mesma padece e a impedem de funcionar no prazo de 4 meses, a contar da presente data. A presente declaração é efetuada na condição da compradora apresentar a desistência da instância da ação de processo comum que, sob o n.º 985/21.... corre termos pelo Juízo Central Cível ... – JUIZ .... (artigo 60º da p.i.).
44. A 7 de Maio de 2021, 10:26 horas, a Ré enviou à Autora o email reproduzido no documento ...3 da contestação (fls. 95 dos autos), informando que na segunda-feira seguinte, …ao início da tarde, o técnico da M..., Sr. BB, irá se deslocar às vossas instalações afim de fazer a modificação na maquina conforme estava previsto. (artigo 60º da contestação).
45. O técnico da M... deslocou-se às instalações da Autora onde até 12 de Maio de 2021 procedeu à montagem das peças que vinham nas embalagens aludidas no facto provado número 42 (artigos 60º a 62º da contestação).
46. A 12 de Maio de 2021, 14:51 horas, a Ré enviou à Autora o email reproduzido no documento ...4 da contestação (fls. 96 dos autos) contendo, entre outro, o seguinte teor: …a modificação da maquina já foi feita. A maquina neste momento encontra-se pronta para fazer todos os testes e (…) precisamos do vossa cooperação para fornecer todos os artigos do qual tenham duvidas ou eventualmente funcionavam mal com a maquina, podendo assim obter todo o esclarecimento enquanto os técnicos estão cá e os mesmos possam informar quanto ao seu bom funcionamento. (artigos 61º e 62º da contestação).
47. A máquina esteve desde finais de Outubro de 2020 até 12 de Maio de 2021, desmontada e sem possibilidade de ser utilizada por lhe faltar a peça que os técnicos retiraram e levaram com eles (artigo 50º da p.i.).
48. A partir de Maio de 2021 a máquina ficou apta a funcionar sem os problemas descritos nos factos provados anteriores (artigos 71º e 74º da contestação). A considerar como não provado.
49. A pedido da Ré, o técnico AA indicado pela M..., deslocou-se às instalações da Autora, a fim de dar formação e também apoio técnico necessário ao correcto manuseamento e funcionamento da máquina, tendo verificado que esta se encontrava desligada e que a Autora não tinha intenção de a colocar em funcionamento (artigo 73º da contestação). A considerar como não provado.
50. O mesmo técnico voltou a deslocar-se às instalações da Autora, tendo constatado que a Autora não funcionava com a máquina (artigo 74º da contestação). A considerar como não provado.
51. A Autora enviou à Ré a carta registada com A/R, datada de 4 de Agosto de 2021, reproduzida no documento ...4 da p.i. (fls. 47 v.º e ss. dos autos) contendo, entre outro, o seguinte teor: Apesar de termos dado todas as possibilidades de eliminarem os defeitos da máquina, o que é certo é que não o conseguiram fazer, sendo evidente que a máquina não possui nem as características nem as qualidades que asseguraram e que determinaram a sua aquisição. Para além do histórico das intervenções sem sucesso na máquina, a última intervenção do técnico comprovou que a máquina nem sequer tem capacidade de executar os trabalhos para que foi adquirida. Por outro lado, terminou o prazo de que dispunham para a eliminação dos defeitos sem o terem conseguido fazer. Deste modo, sem prescindir de outros direitos que nos assistam, comunicamos a V. Exªs de que pretendemos anular o contrato de compra e venda da máquina, nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 913º, nº 1, do Código Civil, designadamente a devolução da máquina e a restituição do preço. Assim, solicitamos a V. Exªs que procedam ao levantamento da máquina das nossas instalações, a qual estará a partir da presente data disponível para o efeito. Paralelamente deverão proceder à restituição do valor pago, acrescida dos juros moratórios vencidos, contados desde a data do recebimento do preço até à sua restituição. (artigo 68º da p.i.).
52. A carta referida no facto provado anterior, foi conhecida da Ré em Agosto de 2021 (artigo 111º da contestação).
53. O técnico da Ré confirmou a impossibilidade de colocar na máquina etiquetas abertas com dimensão superior a 75 mm (artigo 66º da p.i.).
54. A máquina permite a colocação de etiquetas abertas até 75 mm de comprimento e dobradas até 150 mm (artigo 63º da p.i. e 88º e 89º da contestação).
55. Para que a costura das etiquetas dobradas seja correctamente executada, é necessário que o operador insira as etiquetas de determinada maneira (artigos 88º e 89º da contestação).
56. De acordo com o documento intitulado “Confirmação de ordem CO-..-..” emitido pela Ré, reproduzido no documento ... da contestação (fls. 81 e 82 dos autos), referente à máquina aludida nos factos provados números 4 e 5, o “Dispositivo de Distribuição Etiqueta ...” destina-se a:
Etiquetas planas: largura: 15-70mm; Comprimento 40-120mm
Dobrada: largura: 15-70mm; Comprimento 80-140mm (40-70 uma vez dobrado) (artigo 66º da p.i.).
57. A Ré sabia que a Autora adquirira a máquina por estar convicta de que tinha as características e qualidades descritas nos factos provados números 3 a 5 (artigo 74º da p.i.).
58. A Autora esteve impossibilitada de utilizar a máquina nos períodos de Outubro de 2020 a Maio de 2021 (artigo 84º da p.i.) - a excluir
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3.1.2. Factos Não Provados

1. A montagem da máquina nas instalações da Autora foi realizada em Dezembro de 2018 (artigo 19º e 21º da p.i.).
2. A Ré não conseguiu dar-lhe o arranque e colocá-la de imediato em funcionamento, porque se deparou com problemas (artigo 21º da p.i.) – A considerar como provado.
3. Cerca de uma semana depois do seu arranque, a máquina produzia as bainhas com defeito (artigo 26º da p.i.) – a considerar como provado.
4. Em Novembro de 2019, a máquina: - efectuava operações de “reset” sem qualquer instrução ou justificação (artigo 31º da p.i.); - os motores não aguentavam trabalhar à velocidade necessária para atingir a produção anunciada pela Ré; - desligava-se automaticamente diversas vezes ao dia (artigo 33º da p.i.).
5. A máquina não activava o sensor de corte, provocando o desalinhamento das peças, o que determinava que viessem agarradas outras peças à peça puxada pela máquina (artigo 35º da p.i.).
6. A máquina continua desmontada e sem possibilidade de ser utilizada pela Autora (artigo 50º da p.i.).
7. Ninguém se deslocou às instalações da Autora para proceder à montagem das peças e da máquina, continuando a mesma desmontada (artigo 56º da p.i.).
8. A máquina apresenta problemas com a colocação das etiquetas, pois que aparecem torcidas (artigo 63º da p.i.).
9. A colocação da etiqueta dobrada contraria a pretensão da Autora, bem como a dos seus clientes (artigo 65º da p.i.).
10. A máquina continua sem poder ser utilizada pela Autora (artigo 69º da p.i.) – a considerar como provado.
11. A Autora sofreu paragens na produção e atrasos na entrega de encomenda resultantes dos problemas da máquina descritos nos factos provados (artigos 81º e 83º da p.i.).
12. A Autora procedeu à reparação de peças confeccionadas com defeito (artigo 82º da p.i.).
13. A máquina foi sempre utilizada de forma totalmente incorrecta pela Autora (artigo 91º da contestação).
14. Todos os problemas que a Autora comunicou à Ré são resultado de má utilização pela primeira (artigo 91º da contestação). 15. A reparação aludida no facto provado número 45 foi concluída em Junho de 2021 (artigo 111º da contestação).
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  3.2. O Direito
3.2.1. Da nulidade da sentença

Vem a recorrente invocar a nulidade da sentença, por contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 615º n.º 1, alíneas c), do Código do Processo Civil.
As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece, além do mais, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).
O Prof. Castro Mendes , após a análise dos vícios da sentença, conclui que uma sentença é nula quando “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”.
Na senda da delimitação do conceito, adverte o Prof. Antunes Varela , que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
No caso, bem analisado o quadro argumentativo com o qual pretende demonstrar a nulidade da decisão, o que resulta é que a recorrente não concorda com o enquadramento jurídico feito na sentença e a conclusão a que nela se chegou, que considera desacertada e contrária à lei. Todavia, tal constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença, por se tratar de questão a envolver eventual erro de julgamento.
E nessa sede será conhecida.
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3.2.2. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A Recorrente considera incorretamente julgada a matéria constante dos pontos 25, 27, 28, 48, 49, 50 e 58 dos factos provados que deveria ser não provada e, por outro lado, os pontos 2, 3, 4, 10, 11 e 12, dos factos não provados deveriam ser considerados provados.
Recai sobre aquele que invoca a prestação inexata, no caso a existência de defeito na coisa, como fonte da responsabilidade, o ónus de demonstrar os factos que integram o incumprimento, competindo à outra parte fazer prova de que o defeito verificado não procede de culpa sua.
Este ónus de prova não se satisfaz com a simples demonstração que o devedor, na realização da prestação, agiu diligentemente, ficando o tribunal na ignorância de qual a causa e quem merece ser censurado pela verificação do defeito. Nesta situação, continua a funcionar a presunção de que o devedor da prestação é o culpado. O devedor tem de provar a causa do defeito, a qual lhe deve ser completamente estranha. Só assim se exonerará da responsabilidade pelo defeito existente na prestação por si realizada .
Portanto, tendo ficado provado que a máquina padecia de defeito que a impedia de desempenhar a função para a qual foi adquirida, não se pode ter por demonstrado que parte dos problemas reportados desde o início de operação da máquina até novembro de 2019 deveram-se à falta de técnico qualificado para o acompanhamento da máquina.
A realidade de facto que é apreendida pelo tribunal e que como tal deve ser consignada é a que possui significação jurídica, no sentido da sua relevância para a solução jurídico-normativa do caso e não o facto enquanto inocuidade do acontecer.
Donde, os pontos 25, 27, deverão ser excluídos e o facto 28 da matéria provada deve ter-se por não provado.
Quanto aos factos 48, 49, 50 e 58 dos factos provados e os factos 2, 3 e 10 dos factos não provados, também aqui assiste razão à recorrente.
Da prova produzida no seu conjunto resulta a convicção de que a máquina vendida padecia de deficiências que a impossibilitava de proceder ao embainhamento das peças nos termos acordados e que não obstante as várias intervenções para a sua reparação não resultou, com a suficiência e segurança exigíveis, a demonstração de que tivesse ficado a funcionar adequadamente.
Como é sabido, a prova de um facto requer o preenchimento do designado standard mínimo da prova . A este propósito, exige-se que, através dos meios de prova que foram apresentados, seja possível afirmar que o facto é verosímil, no sentido de, como afirma Miguel Teixeira de Sousa, 'excluir, segundo o padrão que na vida prática é tomado como certeza, outra configuração da realidade dada como provada' . Exige-se também que seja possível elaborar um raciocínio lógico que permita justificar externamente esta verosimilitude, não se limitando ao mero convencimento subjetivo do julgador . A confirmação do facto deverá atingir este patamar mínimo - sufficiency of evidence - sob pena de a parte a quem compete o ónus da prova suportar a consequência jurídica da falta de confirmação.
Ora, o depoimento das testemunhas BB, DD, AA, e mesmo das declarações do legal representante da ré, não permitem concluir que após a vinda dos técnicos da M... a Portugal a máquina ficou a funcionar normalmente. Esta conclusão é frontalmente contrariada pela testemunha CC que ademais de evidenciar a impossibilidade de colocar na máquina etiquetas abertas com determinada dimensão, não afastou a persistência das anomalias anteriores.
Quanto aos demais factos impugnados que se reportam às concretas anomalias produzidas pela máquina (ponto 4º não provado) e os impactos na produção (atraso e reparação de peças defeituosas), não houve prova cabal nesse sentido.
Quanto a estes impactos (factos não provados 11 e 12), concorda-se com a decisão recorrida de que não há nos autos reclamações escritas, por parte de clientes da Autora, de atrasos de entregas de produtos dependentes da operação da máquina em apreço, nem tal foi suportado em julgamento pelas testemunhas que esta arrolou. Acresce que, como testemunhou CC, a Autora subcontrata fora 95% do processo de produção das bainhas das toalhas pelo que tem a sua operação montada sem depender do funcionamento da máquina em apreço. Foi insuficiente a prova sobre a reparação de produto com defeito, suportada apenas por testemunho de HH (que pouco tempo trabalhou com a máquina, uma vez que entrou em gozo de licença de maternidade logo após).
Nestes termos, procede parcialmente a impugnação, devendo excluir-se da matéria de facto os factos 25, 27 e dar-se como não provados os factos 28, 48, 49, 50 e 58 do elenco dos factos provados e como provados os factos 2, 3 e 10 contante da matéria não provada.
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3.2.3. Verificação dos pressupostos para a anulação do contrato e obrigação de indemnizar decorrente da venda de coisa defeituosa.
A máquina vendida pela ré à autora apresenta defeitos que comprometem a função a que se destina.
Estamos perante um cumprimento defeituoso da prestação – uma modalidade de incumprimento, pois que também ela constitui violação do dever de prestar, que ocorre não por falta ou atraso da prestação, mas sim em razão dos vícios, defeitos ou irregularidades da prestação efetuada. Nestes casos, não se verifica uma violação negativa do dever de prestar (a sua omissão definitiva ou irremovível ou mesmo a sua omissão temporária ou remediável), ocorrendo antes uma violação positiva da lex contractus que regulava a prestação realizada.
Por incumprimento inexato deve entender-se todo aquele em que a prestação efetuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da boa fé, podendo tal inexatidão ser quantitativa ou qualitativa, podendo esta traduzir-se numa diversidade da prestação, numa deformidade, num vício ou numa falta de qualidade da mesma.
A obrigação a que a ré estava adstrita em função do contrato que a vinculava à autora devia por ela ter sido cumprida pontualmente, como resulta do disposto no artigo 406º, nº 1 do Código Civil, o que significa não só que a devia cumprir em tempo, ou seja, dentro do prazo acordado, como também que a devia cumprir sem vício, de forma a satisfazer integralmente o interesse do credor (veja-se o princípio geral estabelecido no artigo 762º e também, no que especificamente respeita à obrigação do vendedor a propósito da pontualidade do cumprimento, em termos qualitativos, o disposto nos artigos 913º e seguintes e 905º e seguintes, todos do Código Civil).
Os efeitos específicos do cumprimento defeituoso são regulados pela lei a propósito da disciplina de alguns contratos nominados (como é o caso da compra e venda).
A situação sub judice reconduz-se, do ponto de vista jurídico, à compra e venda de coisa defeituosa, regulada nos artigos 913º e seguintes do Código Civil.
Dispõe este preceito que: “1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias à realização daquele fim, observar-se-á, com as necessárias adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. 2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.
A intenção do legislador foi claramente acentuar o caráter funcional do vício ou defeito. Um produto é defeituoso desde que seja impróprio para o uso concreto a que é destinado contratualmente (desde que seja conhecida a função negocial concreta programada pelas partes) ou para a função normal das coisas da mesma categoria, se do contrato não resultar o fim a que se destina. Como refere Calvão da Silva “a lei prosterga a definição conceitual e privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, pois o que importa é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera” .
O relevante para se aferir da correta execução da prestação do contraente vendedor é saber se a coisa vendida é hábil, idónea, para a função a que se destina.

Existindo defeitos na coisa vendida, a lei concede ao comprador os meios jurídicos para satisfação dos seus interesses:

1. Exigir do vendedor a reparação da coisa ou a sua substituição (excepto se o vendedor desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece), nos termos previstos pelo artigo 914º do CC; ( 1 )
2. Anular o contrato por erro ou dolo, desde que no caso concreto se verifiquem os pressupostos da anulabilidade previstos nos artigos 905º, 247º e 254º, “ex vi” do n.º 1 do art.º 913º, todos do CC;
3. Ser indemnizado, em caso de anulação do contrato fundada no dolo do vendedor, pelo prejuízo que não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada, de acordo com o disposto no art.º 918º, “ex vi” do n.º 1 do art.º 913º do CC;
4. Ser indemnizado pelo vendedor, em caso de anulação do contrato fundada em simples erro, pelos danos emergentes do contrato (excepto se o vendedor desconhecia, sem culpa, o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece), nos termos previstos pelos art.º 909º “ex vi” do n.º 1 do art.º 1913º do CC e art.º 915º do mesmo diploma legal;
5. Se o vendedor se constituir em responsabilidade por não sanar a anulabilidade do contrato, a correspondente indemnização acresce à que o comprador tenha direito de receber, em caso de dolo ou simples erro – sendo que no caso de dolo, o comprador poderá optar entre a indemnização dos lucros cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e dos lucros cessantes pelo facto de não ser sanada a anulabilidade (cfr. art.º 910º do Cód. Civil);
6. À redução do preço se as circunstâncias demonstrarem que sem erro ou dolo o comprador teria celebrado o negócio, mas por preço inferior.
7. Para além destes direitos conferidos pelo específico regime da compra e venda, assiste ainda ao comprador o direito de pedir ressarcimento do prejuízo que lhe tenha sido causado pela entrega da coisa viciada imputável ao vendedor.
A autora pede a anulação do contrato, com a restituição do preço, e a indemnização pelos prejuízos sofridos.
A anulação do contrato é admitida com fundamento em dolo ou erro, desde que preenchidos os pressupostos previstos nos artigos 247º, 250º, 251º, 252º e 253º, “ex vi” dos artigos 905º, n.º 1 e 913º, todos do Código Civil.
O dolo, vem definido no artigo 253º, nº1, do Código Civil, como qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante. Acrescenta o nº2 que não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as conceções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas conceções.
A situação presente, não é de molde a permitir afirmar que houve artifício fraudulento por parte da vendedora, com prévia intenção ou consciência de induzir ou manter em erro a compradora, nem com vista a dissimular as reais características da coisa.
Afastado o dolo, vejamos se ocorre erro juridicamente relevante para anular o contrato.
O erro quanto às qualidades do objeto é gerador da anulabilidade do negócio, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro (cfr. artigo 247º, ex vi do artigo 251º, ambos do Código Civil).
Como se escreveu no acórdão do STJ de 22.01.2008  a relevância do erro sobre o objeto do negócio jurídico ou as suas qualidades depende da reunião de três requisitos: que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objeto do negócio ou as suas qualidades e, por isso, seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro;  que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que não teria celebrado o negócio jurídico se se tivesse apercebido do erro; que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante.
Em anotação ao artigo 251º, dizem-nos Pires de Lima e Antunes Varela que “no caso do erro-motivo ou erro-vicio há conformidade entre a vontade real e a vontade declarada. Somente, a vontade real formou-se em consequência do erro sofrido pelo declarante. Se não fosse ele, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio, pelo menos nos termos em que o efectuou .
Podemos, pois, afirmar na esteira do ensinamento de Manuel de Andrade que “o erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exata) ou numa falsa ideia (representação inexata), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.
E acrescenta o autor que se trata de um erro que se insinua na motivação da vontade negocial do declarante, que recai sempre nos motivos, determinantes dessa vontade .
O erro sobre os motivos determinantes da vontade, pode referir-se à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio.
O erro sobre o objeto do negócio é o que recai sobre a identidade do objeto, sobre a sua substância, ou ainda, sobre as suas qualidades essenciais.
Para que o negócio seja anulável com base no erro é necessário que se verifiquem dois pressupostos: a essencialidade e a cognoscibilidade.
O erro é essencial na medida em que determina, de forma decisiva, o declarante a decidir-se pela realização do negócio, o que não faria se tivesse representado a verdadeira realidade. É irrelevante o erro incidental porquanto incide apenas sobre as circunstâncias do negócio, isto é, este concretizar-se-ia, mas de outra forma, com outros contornos.
Mas não é suficiente a essencialidade, é necessário ainda que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o qual o erro incidiu.
A exigência deste requisito da cognoscibilidade é justificada por Pedro Pais de Vasconcelos com a consideração de que a contraparte no negócio ficaria injusta e excessivamente desprotegida se o negócio jurídico pudesse ser anulado por erro sobre qualquer qualidade do objeto ou da pessoa, que fosse essencial para a parte que errou, mas cuja essencialidade fosse surpreendente ou imprevisível. A lei impõe, por isso, no artigo 247º, sobre a parte que invoca o erro, o ónus de alegar e demonstrar que, nas circunstancias do negócio, a outra parte conhecia, ou não devia ignorar, que o quid sobre o qual o erro incidiu, era para ela essencial.
Em suma, a eficácia anulatória do erro, como defende Maria João Vaz Tomé  depende da demonstração, de um lado, da essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que recaiu o erro e, de outro, o conhecimento ou o dever de não ignorar essa essencialidade por parte do declaratário. O primeiro traduz-se na necessidade de o elemento sobre que incidiu o erro ser decisivo para a celebração do negócio em si mesmo ou nos seus elementos essenciais. O segundo (transparência objetiva da essencialidade do elemento) consubstancia-se no conhecimento ou na cognoscibilidade, pelo declaratário, da essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que versou o erro. Pressupostos que assentam no acautelamento dos interesses do declaratório na subsistência do negócio, assim como, reflexamente, na preservação da certeza e segurança e estabilidade do tráfico jurídico.
Exposto o quadro jurídico, analisemos o quadro fáctico.
A autora contactou a ré por estar interessada em adquirir uma máquina para embainhamento, máquina de que necessitava para a melhoria, quer na qualidade, quer da produtividade, no fabrico de toalhas de banho.
A ré propôs à autora a máquina corte semiautomática para embainhamentos transversais, fabricada pela M..., assegurando que a mesma ia de encontro ao pretendido pela autora, pois confecionava bainhas e colocava etiquetas de vários tipos, em níveis de grande produtividade, satisfazendo as necessidades da autora.
Face às características comunicadas pela ré, a autora aceitou adquirir a referida máquina e dois acessórios de coser etiquetas, e a ré emitiu o documento datado de 25 de Janeiro de 2018, aceite pela autora, do qual, entre outras coisas, consta MAQUINA CORTE TRANSVERSAL SEMI-AUTOMATICA Alimentação peça única, transporte automático, dispensação etiquetas (opcional), costura, corte e empilhamento. A perfeita solução semi-automática para ter flexibilidade, alta qualidade no produto final, produtividade e desempenho para aumentar eficiência no fluxo de trabalho. 2 Etiquetadoras incluídas.
A ré sabia que a autora adquirira a máquina por estar convicta de que tinha as características e qualidades descritas.
No decurso do 1º mês depois do seu arranque, a autora verificou que o motor da máquina aquecia e abrandava até parar e produzia as bainhas com defeito.
Em face disso, foi considerada necessária pela ré a substituição da ventoinha do motor da máquina, o que veio a ser efetuado em Março de 2019.
A máquina continuava a fazer as bainhas tortas ou costuradas por cima do felpo quando trabalhava à velocidade necessária para atingir a produção anunciada pela ré.
Os técnicos verificaram o problema e entenderam realizar alterações à alimentação e introdução das toalhas da máquina para melhorar o seu desempenho, procedendo à desmontagem da peça de alimentação da máquina que retiraram e levaram com eles.
O técnico da M... deslocou-se às instalações da autora onde até 12 de Maio de 2021 procedeu à montagem das peças.
O técnico da ré confirmou a impossibilidade de colocar na máquina etiquetas abertas com dimensão superior a 75 mm
A máquina continua sem poder ser utilizada pela Autora.
Em face desta realidade de facto, o caso subsume-se ao erro sobre o objeto do negócio, previsto no artigo 251º, do Código Civil, anulável nos termos do artigo 247º, do mesmo diploma.
Os pressupostos do regime especial que enforma a venda de coisa defeituosa, correspondente à chamada garantia edilícia, assentam mais nas situações objetivas contempladas do que na situação subjetiva do erro em que se encontre o comprador  .
Os defeitos da coisa, no caso, são essenciais, quer porque impedem a realização do fim a que se destina, quer porque a desvalorizam na sua afetação normal, quer ainda porque a privam das qualidades asseguradas pelo vendedor.
A ré sabia da essencialidade para a autora das características e bom funcionamento da máquina, que, aliás, lhe assegurou e que a autora não compraria naqueles termos (cognoscibilidade).
Nestes termos, torna-se ingente concluir pela verificação do vício que afeta o negócio jurídico e, consequentemente, pela procedência da pretensão anulatória do mesmo, com a consequente restituição do preço pago.
Reclama, ainda, a autora uma indemnização para reparação dos prejuízos sofridos.
A verificação das alegadas perdas ou prejuízos é indispensável para o desencadeamento da responsabilidade civil dada a sua finalidade ressarcitória.
Tais danos não se demonstraram.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe a prova do facto, como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de não se fazer essa prova” .
O que nos permite concluir que "segundo os critérios de repartição dos ónus de afirmação e da prova, nos termos do artigo 342º do Código Civil, o pleito será decidido contra a parte que não cumpriu esses ónus relativamente a factos indispensáveis à sua pretensão" .
Nestes termos, a pretensão de ver ressarcidos custos com a paragem na produção e atrasos na entrega de encomendas e com a reparação de peças confecionadas com defeito, não tem suporte no substrato fático apurado havendo de ser decidida no sentido da sua improcedência.
Pelo exposto, a apelação procederá parcialmente.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I –  No regime jurídico da venda de coisa defeituosa, a intenção do legislador foi claramente acentuar o caráter funcional do vício ou defeito, postergando a lei a definição conceitual e privilegiando a idoneidade do bem para a função.
II - Um produto é defeituoso desde que seja impróprio para o uso concreto a que é destinado contratualmente (desde que seja conhecida a função negocial concreta programada pelas partes) ou para a função normal das coisas da mesma categoria, se do contrato não resultar o fim a que se destina.
III - Existindo defeitos na coisa vendida, a lei concede ao comprador os meios jurídicos para satisfação dos seus interesses, sendo um deles a anulação do contrato por erro ou dolo, desde que se verifiquem os pressupostos da anulabilidade previstos nos artigos 905º, 247º e 254º, “ex vi” do n.º 1 do art.º 913º, do Código Civil.
IV - Para que o negócio seja anulável com base no erro é necessário que se verifiquem dois pressupostos: a essencialidade e a cognoscibilidade. O primeiro traduz-se na necessidade de o elemento sobre que incidiu o erro ser decisivo para a celebração do negócio em si mesmo ou nos seus elementos essenciais. O segundo consubstancia-se no conhecimento, pelo declaratário, da essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que versou o erro, isto é, que nas circunstancias do negócio, a outra parte conhecia, ou não devia ignorar, que o quid sobre o qual o erro incidiu, era para ela essencial.
V - Os pressupostos do regime especial que enforma a venda de coisa defeituosa, correspondente à chamada garantia edilícia, assentam mais nas situações objetivas contempladas do que na situação subjetiva do erro em que se encontre o comprador.
VI – A verificação do dano é indispensável para o desencadeamento da responsabilidade civil dada a sua finalidade ressarcitória.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, declarar a anulação do negócio de compra e venda da máquina corte transversal semiautomática, com a entrega da máquina à ré e a restituição do preço por esta recebido, acrescido dos juros de mora, desde a data em que ocorreu o pagamento até à restituição efetiva e integral desse valor.
No mais, mantém-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente e recorrida, em partes iguais.
Guimarães, 11 de Maio de 2023

Assinado digitalmente por:                                                     
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º - Adj. - Des. Anizabel Sousa Pereira