EMBARGOS DE EXECUTADO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
SÓCIO AVALISTA
LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
Sumário


Para que o avalista das obrigações de sociedade comercial de que é sócio possa impedir que lhe seja exigida a obrigação avalizada antes de para tal ser interpelado, expressando tal vontade, tem que se verificar um conjunto de circunstância que determinem que o exercício do direito cartular naquele caso concreto seria contrário ao direito (sendo exemplo típico os casos em que, cumulativamente: o título foi avalizado em branco, ainda não circulou, o aval prestado destinou-se à garantia de todas e dívidas emergentes de relações atuais ou a constituir no futuro, entre o avalizado e um concreto credor, tendencialmente e sem prazo, nem limite quantitativo, já decorreu muito tempo desde a subscrição do título e ocorreu facto que determinou a perda, pelo avalista, do poder de conformar a obrigação avalizada).
Essa expressão da vontade, nessas circunstâncias, só poderá operar quando o título foi avalizado em branco, não circulou e para obrigações ainda não constituídas, visto que o credor terá que conformar o contrato subjacente garantido à perda da garantia que assim opere.
Em regra, a falta de comunicação do pacto de preenchimento de livrança subscrita para garantia de obrigações determináveis não leva à indeterminação desse pacto, por este poder ser integrado com o recurso ao fim a que se destinou a livrança: esta deve ser preenchida com o valor da obrigação garantida e com a data da sua exigibilidade, visto que nos casos em que não ocorre a devida informação e comunicação das cláusulas contratuais gerais, estas são excluídas dos contratos, mas os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos (artigo 9º nº 1 do DL 446/85)

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Embargante e Recorrente:  AA
Embargada e Recorrida:  N... –Sociedade De Garantia Mútua, S.A.
Apelação em oposição à execução por embargos de executado

I- Relatório

A embargada intentou contra a ora embargante ação executiva para pagamento de quantia certa, invocando ser portador de duas livranças, cujo valor somado, acrescido de juros de mora, perfaz € 51.568,80. Juntou cópia das livranças.
O embargante na sua petição inicial de embargos, em curta súmula, excecionou a ineptidão do requerimento executivo, o preenchimento abusivo da livrança, nomeadamente falta de interpelação do Embargante para proceder ao pagamento imediato das prestações vencidas e que as livranças dadas à execução perderam a sua natureza cambiária, por falta de apresentação a pagamento. Mais alegou a inexistência de dívida, por ter saído da sociedade avalizada antes do preenchimento da livrança.
A embargada contestou, por impugnação, afirmando, em súmula, que o Embargante é avalista das livranças dadas à execução e executado nessa mesma qualidade. Explanou que prestou as garantias autónomas à primeira solicitação em nome e a pedido da subscritor da livrança, pelo que satisfez as obrigações que garantira. Afirmou que o embargante não desconhecia o âmbito da garantia pessoal e especial das obrigações, nomeadamente pelo instituto do aval por ele prestado, nem tão pouco o montante máximo garantido, uma vez que o mesmo consta expressamente dos contratos por si subscritos.
Foi proferido despacho saneador que concluiu pela aptidão do requerimento executivo e, realizada audiência final, foi proferida sentença que julgou os presentes embargos de executado improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.

É desta sentença que o Recorrente apela, com as seguintes
conclusões:

“ A. O recurso ora interposto versa sobre a sentença proferida em 07.12.2022 pelo Tribunal a quo, notificada às partes em 15.12.2022, e as questões que o Recorrente ver reapreciadas são as seguintes:

1. Saber se foi feita uma correta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e se, assim, deveria ter sido dado como provado os factos constantes da sentença de que se recorre, nomeadamente os factos 3.6 e 3.7 dados como provados que se passam a elencar: 3.6. Na sequência do incumprimento por parte da I... – Arquitetura, Engenhara & Construção, Lda., das obrigações assumidas com os beneficiários das garantias, designadamente após a sua declaração de insolvência, estes resolveram os contratos de mútuo e declararam vencidas todas as prestações, tendo solicitado à ora Exequente, ao abrigo das referidas garantias, o pagamento do valor total de €49.750,00, sendo €12.250,00 relativos à garantia ...08 e €37.500,00 relativos à garantia .... Atendendo às obrigações assumidas pela celebração dos contratos e das solicitações efetuadas pelo Beneficiário, a Embargada pagou àqueles Bancos o valor acima referido.
2. Saber se foi feita uma correta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e se, assim, devia ter sido dado como não provado/provado que o Embargante prestou o seu aval na livrança dada à execução exclusivamente como sócio e gerente da sociedade subscritor da mesma; 
3. Saber se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º nº 1 d) do CPC, por não ter conhecido da questão da nulidade das cláusulas contratuais gerais insertas no contrato que esteve subjacente à emissão da livrança dada à execução, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso;
4. Saber se, a entender-se que não estamos perante cláusulas contratuais gerais nulas, o que por mera hipótese de raciocínio se equaciona, a questão do dever de informação e comunicação das mesmas, plasmado nos artigos 4º, 5º, 6º e 8º a) do DL 446/85 de 25 de Outubro, deveria ter sido objeto de apreciação pelo Meritíssimo Juiz a quo, na medida em que sobre tal se produziu prova testemunhal e cumpriu o princípio do contraditório, com as devidas consequências legais.
B. Relativamente à impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 3.6 e 3.7, na parte em que se refere que “a Embargada pagou àqueles Bancos o valor acima referido.” impunha-se que tal facto fosse dado como não provado, já que se crê que o Tribunal a quo deu tal facto como provado apenas com fundamento em ordens de pagamento – cheques - que foram juntas aos autos pela Recorrida.
C. Esses cheques não são mais do que ordens de pagamento que não se sabe se foram apresentados ou não a pagamento, que não se sabe se foram ou não descontados, que não se sabe se foram ou não pagos sendo certo que o facto de um determinado cheque/ordem de pagamento ter sido emitida não significa que o pagamento tenha efetivamente ocorrido pois que para que o pagamento ocorra é necessária a sua apresentação e o seu desconto, na medida em que a conta do emitente esteja provisionada.
D. Os cheques juntos pela Recorrida não podem fazer prova do pagamento da quantia que foi aposta àquela ordem para pagar já que não demonstram que efectivamente o valor aposto ao cheque saiu da conta da Recorrida para a conta dos Beneficiários das garantias autónomas pretensamente acionadas, não ficando demonstrado que determinada quantia haja sido retirada da conta da Devedora que, in casu, é a aqui Recorrida, para a conta dos beneficiários das garantias prestadas, com vista ao seu pagamento.
E. Para prova do pagamento das garantias bancárias prestadas e pretensamente acionadas, devia a Recorrida ter junto aos autos o comprovativo de saída do valor aposto àqueles cheques da sua conta, não lhe bastando a mera remissão para ordens de pagamento que a Recorrida não só não faz prova de terem sido pagas, como não prova sequer terem saído das suas instalações para as mãos dos Beneficiários, podendo tais ordens sido, inclusive e em última instância, sido revogadas.
F. No caso dos autos, a Recorrida não só não demonstra que tais cheques foram efetivamente entregues aos seus Beneficiários, como não demonstra que tais cheques foram apresentados a pagamento, depositados e cobrados.
G. Andou mal o Tribunal a quo ao dar como provado o facto 3.7, na parte em que refere que “a Embargada pagou àqueles Bancos o valor acima referido” pois que incumbia à Recorrida fazer prova daquele pagamento, o que não fez na medida em que se limitou a juntar aos autos uma ordem de pagamento e não um comprovativo de pagamento das quantias sobre as quais pretensamente foi accionada, termos em que se requer que o facto 3.7, na parte em que se refere ao pagamento efetuado pela Embargada, aqui Recorrida, seja dado como não provado.
H. Relativamente à segunda questão objeto deste recurso, saber se foi feita uma correta apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e se, assim, devia ter sido dado como provado/não provado que o Embargante prestou o seu aval na livrança dada à execução exclusivamente como sócio e gerente da sociedade subscritora da mesma, importa reter o depoimento do declarante de parte, aqui Recorrente, conforme trechos supratranscritos entre 11:23 a 13:52 minutos, 22:24 a 22:49 minutos e 24:27 a 24:58 minutos e dos quais decorre que:
i. o Recorrente quando sai da sociedade, deixa de representá-la e de ter qualquer ligação com a mesma ou com os seus negócios, passados ou futuros, tanto que a única preocupação do Embargante foi que lhe pagassem os suprimentos que havia feito à sociedade, donde se conclui que se tivesse consciência que poderia ser responsabilizado pessoalmente por qualquer incumprimento da sociedade, teria também garantido a sua exoneração nesse sentido, nomeadamente e ainda, caso lhe tivesse sido devidamente explicada a extensão do que implica a prestação de um aval, o que não sucedeu, como se demonstrará infra;
ii. O Embargante apõe a sua assinatura na livrança objeto da presente ação, seja no local reservado à entidade subscritora como no seu verso, unicamente, por ser sócio da mesma e o único gerente;
iii. O Embargante jamais teve conhecimento do incumprimento do contrato, que está na base da livrança dada à execução, pois, afirma que, até à data que saiu da empresa, em Dezembro de 2019, não existiu qualquer incumprimento;
I. Das declarações de parte do Embargante, que não são contrariadas, ressalta uma total ausência dos deveres de comunicação e informação do clausulado do contrato subjacente à livrança dada à execução sendo de frisar que disse o Recorrente que apenas prestou aval, única e exclusivamente por ser sócio da empresa, pois só nessa qualidade detinha interesse e que a partir do momento em que cessa esse interesse, cessa o aval, como sucedeu no caso em análise quando o Embargante perde a qualidade não só de gerente da sociedade subscritora da livrança dada à execução, como de sócio.
J. Das declarações de parte do Embargante, ao invés do que foi decidido deverá ser ampliada a matéria de facto dada como provada e adicionado o seguinte facto como provado [pelo testemunho do declarante de parte nas partes supra transcritas – conforme trechos supramencionados entre 11:23 a 13:52 minutos, 22:24 a 22:49 minutos e 24:27 a 24:58 minutos]: O Embargante, aqui Recorrente, apenas assinou tais contratos única e exclusivamente como sócio e gerente da subscritora, atuando convencido de que cessando essa qualidade cessavam as suas responsabilidades.
K. Quanto a saber-se se a sentença padece de nulidade por omissão de pronuncia, nos termos do art. 615º nº 1 d) do CPC, por não ter conhecido da questão da nulidade das cláusulas contratuais gerais insertas no contrato que esteve subjacente à emissão da livrança dada à execução, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso, e se, por isso, deve a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que conheça do mérito da questão, com as demais consequências legais, é de concluir que, resultou inequívoco que as cláusulas do contrato assinado pelo Embargante e onde se incorpora o pacto de preenchimento da livrança dada à execução, do que o Recorrente se assumiu avalista assumem a natureza de cláusulas pré-definidas, inseridas nas minutas que a Embargada apresenta aos seus clientes e sem qualquer margem de negociação, alteração ou contestação por parte do Embargante, que se limitou a aceitá-las, com a assinatura do contrato, conforme transcrições supra do depoimento do Recorrente de minutos 9:25 minutos a 13:00 minutos; 13:25 minutos; 17:02 minutos a 17:11 minutos; 24:27 minutos a 24:58 minutos.
L. Isto significa que as referidas cláusulas terão que considerar-se como cláusulas contratuais gerais e, por isso, sujeitas ao regime do DL nº 446/85 de 25 de Outubro, normativo que impõe, para que as cláusulas sejam válidas, que quem a elas recorre, neste caso, a Recorrida, cumpra o dever de comunicação e informação, plasmados nos artigos 5º e 6º.
M. Contudo, resulta também das transcrições acima referidas, que as cláusulas do contrato, com maior ênfase para as que se reportam ao momento em que o contrato se encontra incumprido, momento em que o banco fica autorizado a preencher a livrança dada à execução e avançar contra os garantes e às obrigações que decorrem para aqueles que assumem a qualidade de avalistas, não foram lidas, informadas ou explicadas ao Embargante, concretamente as cláusulas Décima Primeira e Décima Segunda do contrato de prestação de garantia ao Banco 1..., S.A. e cláusula Segunda, n.º 4, alíneas a) e b) das condições gerais referentes à emissão e prestação de garantia prestada ao Banco 2..., S.A.
N. Por outro lado, resultou das transcrições do depoimento do Embargante acima transcritas que, na verdade, este desconhecia por completo, por exemplo, a real extensão do que significa prestar um aval pessoal.
O. Sendo o conhecimento da nulidade das cláusulas contratuais gerais (artigo 286º do Código Civil e 12º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro) oficioso impõe-se ao Tribunal que tome uma decisão quando em sede de julgamento tal questão foi suscitada e com anuência do Tribunal a quo foi produzida prova sobre a matéria e dada oportunidade para exercício do contraditório por parte da Embargada, pelo que, uma vez mais tratando-se de cláusulas impostas, sem margem para negociação e que não foram esclarecidas pela Recorrida – das quais tivesse o Recorrente conhecimento não o teria aceite – resulta que as mesmas são nulas (artigo 286º do Código Civil e 12º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro) pelo que, delas não se tendo o Tribunal pronunciado, a sentença recorrida é ilegal por omissão de pronúncia, dando origem à sua nulidade, conforme a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código do Processo Civil, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que conheça do mérito da questão e, ao mesmo tempo:
P. Dê como matéria assente que os contratos de prestação de garantia celebrados entre a Embargada, o Embargante e a sociedade subscritora da livrança, dada à execução, configuram contratos de adesão, por nele constarem cláusulas contratuais gerais, que não foram negociadas pelas partes, nem, tão pouco foram esclarecidas ou informadas ao Embargante e assim declará-las nulas, nos termos do disposto no art. 12º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro).
Q. Donde, terá que se extrair que tais cláusulas, nomeadamente e com maior ênfase para as cláusulas Décima Primeira e Décima Segunda do contrato de prestação de garantia ao Banco 1..., S.A. e cláusula Segunda, n.º 4, alíneas a) e b) das condições gerais referentes à emissão e prestação de garantia prestada ao Banco 2..., S.A. são nulas e portanto não podem ser opostas ao Embargante, perdendo este a qualidade de avalista no contrato que esteve subjacente à emissão da livrança dada à execução, devendo, consequentemente, ser julgados os embargos procedentes, atenta a desvinculação do aval da banda do Embargante. Sem prejuízo, e relativamente à quarta questão objeto deste recurso,
R. Caso se entenda que as referidas cláusulas não são nulas a verdade é que, demonstrado que está que as cláusulas do contrato não foram lidas ao Embargante, nomeadamente as que se referem ao momento em que o banco fica autorizado a preencher a livrança dada à execução e às obrigações que decorrem para aqueles que assumem a qualidade de avalistas, terão sempre estas que considerar-se como não escritas, devendo ser excluídas do contrato, na medida em que foi devidamente alegada em sede de embargos de executado, a desvinculação de aval pelo Embargante, em virtude da sua saída da sociedade, que o aval foi prestado única e exclusivamente por assumir, à data, a qualidade de sócio gerente da sociedade subscritora da livrança e que a livrança foi preenchida em data posterior à saída do Embargante da sociedade e depois de perder a qualidade de gerente, momento em que já não reunia as condições em que tinha assumido aquele préaval, ou seja quando já não era sócio, nem gerente da sociedade, tal como se alegou o preenchimento abusivo da livrança por não ter ocorrido interpelação do executado, fosse quanto ao incumprimento contratual, ou ao preenchimento da livrança.
S. Em face do que ficou dito e perante o princípio da oficiosidade e do inquisitório - na medida em que a mandatária do Recorrente inquiriu as testemunhas sobre a questão da explicação e informação das cláusulas insertas no contrato subjacente à emissão da livrança dada à execução e sobre tal se pronunciou em sede de alegações - que terá que se considerar a desvinculação do aval por parte do Embargante, não podendo ser demandado como foi pela Embargada, já que ficou apurado em sede dos trechos já transcritos e supramencionados que foram violados os deveres de informação e comunicação que impendiam sobre a Embargada, quanto ao clausulado no contrato subjacente à livrança dada à execução, o que se apresenta numa relação complementar com a factualidade alegada.
T. A não apreciação pelo Tribunal a quo, da questão da falta de cumprimento dos deveres de informação e comunicação do clausulado no contrato subjacente à livrança dada à execução, que foi objeto de prova, com respeito pelo princípio do contraditório, prejudicou a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas, a saber a desvinculação do aval por parte do Embargante, o que conduz a erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito esgrimidas nos autos.
U. Na verdade, devia o Tribunal a quo ter dado como provado que os contrato celebrados entre a Embargada, a sociedade subscritora da letra dada à execução e o Embargante, tratam-se de contratos de adesão, considerando-se como cláusulas contratuais gerais as cláusulas Décima Primeira e Décima Segunda do contrato de prestação de garantia ao Banco 1..., S.A. e cláusula Segunda, n.º 4, alíneas a) e b) das condições gerais referentes à emissão e prestação de garantia prestada ao Banco 2..., S.A. e que tais cláusulas não foram devidamente lidas e explicadas ao Recorrente pela Recorrida, o que se requer.
V. Consequentemente, tais cláusulas devem considerar-se como excluídas do contrato, nos termos do artigo 8º a) do DL 446/85 de 25 de Outubro, devendo, consequentemente ser julgados os embargos procedentes, em virtude do Embargante perder a qualidade de avalista e a letra dada à execução, não lhe poder ser oposta. 
W. Ao não fazê-lo, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, padecendo a sentença de vício de fundamentação, ao mesmo tempo que violou o princípio do inquisitório plasmado no artigo 411º do CPC, tal como violou o disposto no art. 5º nº 2 alíneas a) e b) do CPC.
 Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser admitido e julgado totalmente procedente, por provado, revogando-se a sentença recorrida por incorrer em erro de julgamento, face à prova produzida em audiência, ao dar como provado o facto constante do ponto 3.7. da matéria assente, nomeadamente na parte que se refere ao pagamento das garantias acionadas pela Embargada aos Beneficiários, devendo ser dado como provado que tal pagamento não ficou demonstrado nos autos pois os documentos juntos aos autos não são suficientes para fazer prova do mesmo; ao não dar como provado que do depoimento do declarante de parte resultou que o mesmo assinou como avalista convicto de que o fazia na qualidade e apenas enquanto fosse sócio gerente da subscritora; e ao não dar como provado que as cláusulas insertas no contrato subjacente à livrança dada à execução, nomeadamente a Décima Primeira e Décima Segunda do contrato de prestação de garantia ao Banco 1..., S.A. e cláusula Segunda, n.º 4, alíneas a) e b) das condições gerais referentes à emissão e prestação de garantia prestada ao Banco 2..., S.A., não foram devidamente lidas e explicadas ao Embargante, o que faria com as mesmas tivessem que ser excluídas do contrato, sendo que, em ambas as situações, uma correta apreciação da prova produzida, levaria inevitavelmente à procedência dos embargos de executado apresentados; bem como julgar nula a sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto à questão da existência de cláusulas contratuais gerais, que não foram lidas e explicadas ao Embargante, o que também levaria à procedência dos embargos e é de conhecimento oficioso do Tribunal, dando, por isso origem à nulidade constante do artigo 615º nº 1 d) do CPC, que desde já se arguiu, devendo o Tribunal a quo ser chamado a pronunciar-se sobre as questões que se escusem de conhecer.”
Os Autores apresentaram contra-alegações.

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Face ao teor das conclusões das alegações, há que verificar:
.1-  se ocorreu erro na fixação da matéria de facto provada, apreciando-se a sua impugnação;
.2- se as cláusulas contratuais gerais insertas no contrato que esteve subjacente à emissão da livrança dada à execução relativas à emissão e preenchimento das livranças são nulas por violação do dever de informação e comunicação, o que determina a que as livranças não pudessem ser preenchidas; se a sentença padece de nulidade por não ter curado desta questão.

III- Fundamentação de Facto

A sentença apresenta a seguinte matéria de facto provada:
3.1. No exercício da sua atividade, a Exequente celebrou, em 2 de Outubro de 2018 e 26 de Março de 2019, com a sociedade I... - Arquitetura, Engenharia & Construção, Lda., E..., Lda., dois contratos a regular os termos e condições em que a primeira prestou, em nome e a pedido da segunda as garantias autónomas n.º 2018.07308 e 2019.02067, a primeira a favor do Beneficiário Banco 1..., S.A. e a segunda do Banco 2..., S.A..---
 3.2. Na sequência da celebração daqueles contratos, a Exequente prestou as garantias autónomas à primeira solicitação supra referidas, sendo que: (a) a garantia n.º ...08 se destinava a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 70% do capital mutuado, no valor máximo de € 17.500,00, no âmbito do contrato de mútuo celebrado, na data de 2 de Outubro de 2018, entre o Banco 1..., S.A. e a referida empresa; (b) e a garantia n.º ...67 se destinava a garantir o cumprimento da obrigação de pagamento de 50% do capital mutuado, no valor máximo de € 37.500,00, no âmbito do contrato de mútuo celebrado, na data de 26 de Março de 2019, entre o Banco 2... e a referida empresa.---
3.3. Para garantia das responsabilidades decorrentes da celebração dos referidos contratos, a empresa I... - Arquitetura, Engenharia & Construção, Lda. entregou à Embargada duas livranças em branco, por si subscritas e avalizadas pelo ora Embargante e por BB, CC e DD.---
3.4. Nos termos dos contrato em referência, ficou, desde logo, a Exequente em poder das livranças em branco em causa, subscritas e avalizadas nos termos supra descritos, e expressamente autorizada a completar o preenchimento quando o entendesse conveniente.---
3.5. O ora Embargante avalizou as livranças juntas como títulos executivos, tendo aposto, pelo seu próprio punho, no verso dos títulos (local adequado à prestação do aval), as suas assinaturas sob as expressões “bom para aval” e “dou o meu aval à firma subscritora”, também aí apostas por si, bem como apôs, pelo seu próprio punho, a sua assinatura nos contratos, no local destinado aos avalistas, bem como na qualidade de legal representante da sociedade subscritora, tanto na face das livranças, como nos contratos.---
 3.6. Na sequência do incumprimento por parte da I... - Arquitetura, Engenharia & Construção, Lda., das obrigações assumidas com os beneficiários das garantias, designadamente após a sua declaração de insolvência, estes resolveram os contratos de mútuo e declararam vencidas todas as prestações, tendo solicitado à ora Exequente, ao abrigo das referidas garantias, o pagamento do valor total de € 49.750,00, sendo € 12.250,00 relativos à garantia ...08 e € 37.500,00 relativos à garantia ...67---
 3.7. Atendendo às obrigações assumidas pela celebração dos contratos e das solicitações efetuadas pelo Beneficiário, a Embargada pagou àqueles Bancos o valor acima referido.---
3.8. Em consequência dos pagamentos efetuados, a ora Embargada, procedeu à interpelação da I... - Arquitetura, Engenharia & Construção, Lda., para esta proceder ao respetivo pagamento.---
3.9. A I... - Arquitetura, Engenharia & Construção, Lda. não pagou o valor em dívida supra referido.---
3.10. A 08.07.2021, a Embargada enviou, por carta registada com aviso de receção, comunicação ao Embargante, interpelando-o para o pagamento do valor em dívida.---
3.11. Tal correspondência, endereçada ao domicílio do Embargante constante dos contratos foi devolvida ao remetente por não reclamada.---
3.12. Em face da devolução da carta que vem de se referir, a Embargada enviou nova carta ao Embargante, datada de 16.08.2021, desta vez em correio simples, à qual o Embargante nunca respondeu.---
3.13. Nas referidas cartas constavam, expressamente, o local de emissão, data de emissão, importância, data de vencimento e local de pagamento para efeitos de preenchimento das livranças em questão, bem como, a referência aos contratos subscritos pela empresa I... - Arquitetura, Engenharia & Construção, Lda. e pelos avalistas e respetiva qualidade.---
3.14. A empresa I... - Arquitetura, Engenharia & Construção, Lda. (enquanto subscritora) e o aqui Embargante (enquanto avalista) não procederam ao pagamento das quantias em dívida até ao termo do prazo indicado pela Exequente nas supra referidas cartas de interpelação.---
3.15. Em consequência, a Embargada procedeu ao preenchimento das livranças aqui dadas como títulos executivos.---

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Inexistem factos não provados, com interesse para a decisão da causa.---
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III- Fundamentação de Direito

Da impugnação da matéria de facto provada e não provada

Para que possa ser apreciada a razão do Recorrente quanto à decisão tomada na sentença sobre a matéria de facto com fundamento em diferente juízo das provas sujeitas à livre apreciação, porque aqui vigora de forma premente o princípio do dispositivo, importa que sejam cumpridos os ónus previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil, que os factos impugnados pelo Recorrente tenham alguma relevância na apreciação da causa e ainda que não seja evidente que da total procedência da pretensão do impugnante não resultarão contradições dentro da fundamentação de facto.
Estes requisitos são de conhecimento oficioso.
Por outro lado, o artigo 640º do Código de Processo Civil cria ónus específicos a cargo do Recorrente para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto com base em diversa valoração da prova, os quais, se não observados, conduzem à sua rejeição.  Porque fora cumpridos suficientemente pelo Recorrente e o Recorrido não os pôs em causa, não se justificará pormenorizadamente esta conclusão.

Dos critérios para a apreciação da impugnação da matéria de facto

Na reapreciação dos meios de prova deve-se assegurar o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância -, efetuando-se uma análise crítica das provas produzidas.
É à luz desta ideia que deve ser lido o disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, o qual exige que a Relação faça nova apreciação da matéria de facto impugnada.
Como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2012 no processo 649/04.2TBPDL.L1.S1, (sendo este e todos os acórdãos citados sem menção de fonte consultados no portal www.dgsi.pt) “A reapreciação das provas que a lei impõe ao Tribunal da Relação no art. 712.º, n.º 2, do CPC, quando haja impugnação da matéria de facto que haja sido registada, implica que o tribunal de recurso, ponderando as razões de facto expostas pelos recorrentes em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, forme a sua prudente convicção que pode coincidir ou não com a convicção do tribunal recorrido (art. 655.º, n.º 1, do CPC).
A reapreciação da prova não se reduz a um controlo formal sobre a forma como o Tribunal de 1.ª instância justificou a sua convicção sobre as provas que livremente apreciou, evidenciada pelos termos em que está elaborada a motivação das respostas sobre a matéria de facto.”
 Visto que vigora também neste tribunal o princípio da livre apreciação da prova, há que mencionar que esta não se confunde com a íntima convicção do julgador.
A mesma impõe uma análise racional e fundamentada dos elementos probatórios produzidos, que estes sejam valorados tendo em conta critérios de bom senso, razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio.
A formação da convicção não se funda na certeza absoluta quanto à ocorrência ou não ocorrência de um facto, em regra impossível de alcançar, por ser sempre possível equacionar acontecimento, mesmo que muito improvável, que ponha em causa tal asserção, havendo sempre a possibilidade de duvidar de qualquer facto.
“Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que mais do que ser possível (pois não é por haver a possibilidade de um facto ter ocorrido que se segue que ele ocorreu necessariamente) e verosímil (porque podem sempre ocorrer factos inverosímeis), o facto possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.” cf. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2014 no processo 1040/12.2TBLSD-C.P1.
A convicção do julgador é obtida em concreto, face a toda a prova produzida, com recurso ao bom senso, às regras da experiência, quer da vida real, quer da vida judiciária, à diferente credibilidade de cada elemento de prova, à procura das razões que conduziram à omissão de apresentação de determinados elementos que a parte poderia apresentar com facilidade, a dificuldade na apreciação da prova por declarações e a fragilidade deste meio de prova.
Igualmente importa a “acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.” (mesmo Acórdão).

Concretização

-a) Da eliminação dos factos 3.6  e 3.7 da matéria de facto provada

O Recorrente entende que se não põe dar como provado o pagamento pela embargada aos bancos beneficiários da garantia bancária, invocando, em síntese, que tal fora aflorado no convite à junção de documentos efetuada com o despacho saneador, a insuficiência da emissão dos cheques para prova do pagamento e desvalorizando as declarações de quitação, por terem data anterior à da emissão dos cheques.
O Recorrente salienta que no despacho saneador a embargada foi convidada a juntar documentos: “notifique-se a Embargada para juntar aos autos os contratos e os pactos de preenchimento subjacentes às livranças dadas à execução, bem como o documento comprovativo do seu acionamento e pagamento à entidade beneficiária” e que esta veio informar que “os originais dos contratos de prestação de garantia n.º ...08 e ...67 foram juntos aos autos como docs. ... e ... com a Contestação oportunamente apresentada, constando os pactos de preenchimento das livranças das suas cláusulas 4) e Artigo Segundo, n.º 4, a) da Parte I, 2. – Condições Gerais Emissão e Prestação de Garantia, respetivamente. Informa, ainda, que os documentos comprovativos do acionamento e pagamento à entidade bancária dos valores garantidos se encontram juntos à contestação como docs. ... e ..., ... e ..., respectivamente”.
Não se retira da notificação efetuada qualquer conclusão sobre a suficiência dos cheques para demonstração do pagamento das quantias a terceiro, mas apenas o que deles consta: um convite para a demonstração documental de determinados factos, sem qualquer pronúncia sobre os documentos que haviam sido juntos.
A sentença não justificou especificadamente os factos, limitando-se a incluir formula genérica para todos os factos dados como provados.
É certo que a era emissão de cheques não é senão um indício do pagamento, porquanto não pode ocorrer qualquer transferência de fundos ou pagamento com base nestes sem que os mesmos saiam da esfera de ação do seu subscritor. Assim, a emissão do cheque tem que ser analisada no contexto e conjugada com toda a demais prova, para se poder perceber se a mesma é bastante para, no caso concreto, demonstrar o pagamento.
Na presente situação, no entanto, temos elementos que demonstram muito mais que a mera emissão dos cheques:
- os recibos de quitação emitidos pela entidade bancária, declarando ter recebido as importâncias tituladas pelos cheques, embora fazendo menção de que a declaração está sujeita à boa cobrança do valor (assim se justificando a diferença de datas mencionada pelo Recorrente). Assim, estas divergências de datas de forma alguma retiram valor probatório às declarações emitidas pela entidade bancária asseverativa de ter recebido as quantias que a embargada afirma ter pago.
Estes elementos são mais do suficientes, neste caso, para considerar demonstrado o pagamento em causa: não é credível que a entidade beneficiária emitisse declaração de quitação sem a devida certeza do seu pagamento por parte da exequente, aliás também entidade de natureza parabancária.
De resto, não foi produzido qualquer meio probatório que pusesse em causa este pagamento.
Assim, concorda-se com a manutenção destes factos dados como provados, atentos os documentos juntos, com particular enfase nas declarações de quitação apresentadas, acompanhadas do acordo para “emissão de garantia autónoma à primeira solicitação”, a carta enviada à sociedade subscritora da livrança e o anúncio de declaração de insolvência desta.

-b) do aditamento do seguinte facto: O Embargante, aqui Recorrente, apenas assinou tais contratos única e exclusivamente como sócio e gerente da subscritora, atuando convencido de que cessando essa qualidade cessavam as suas responsabilidades.
O Recorrente pretende que das suas declarações de parte resulta que só prestou o seu aval por ser sócio da sociedade e que estava convicto que se deixasse de ser titular de qualquer quota societária ficaria desonerado da obrigação. No entanto, as suas declarações nesse sentido não são convincentes. Não é credível que o mesmo pensasse que se poderia livremente desvincular do aval que prestava apenas pela transmissão da sua posição de sócio, sem sequer o ter que comunicar à entidade credora, porque tal implicaria dar-lhe a total liberdade para retirar a eficácia do aval que prestara.
Não é possível que qualquer pessoa de boa-fé acredite que pode desonerar-se da obrigação de pagar uma livrança na qual deu o seu aval ao subscritor com a simples saída da sociedade avalizada. Veja-se que na tese do Recorrente, no presente caso tal ocorreria depois da a sociedade avalizada já ter recebido os montantes mutuados que justificaram a prestação da garantia e sem que tivessem decorrido dois anos a contar do aval.
 Há que ter em conta que os sócios gerentes de sociedades comercial têm normalmente um mínimo de noção das regras que regem o mundo em que se movem profissionalmente, reguladas por instrumento muito antigo (de 1936), mas que vinham já desde tempos medievais: o que é uma livrança e o que é um aval.
É patente a qualquer pessoa minimamente atenta que caso se permitisse que qualquer aval prestado por um sócio se esboroasse com a sua simples saída da sociedade se retiraria qualquer força vinculativa ao aval, permitindo a quem o deu, livremente desvincular-se da obrigação que assumira pela simples cessão de quotas ou renuncia à gerência, mal se avizinhassem problemas no seu cumprimento, pelo que tal solução choca a boa-fé.
O embargante tinha necessariamente que ter a noção, ao assinar o aval, do que fazia, sendo que nenhum elemento apresentou, para além das suas declarações, que possa conduzir a conclusão diversa. Enfim, nada afasta a presunção natural que um comerciante sabe o que ao outorgar um aval pessoal numa livrança subscrita pela sociedade que representa está a oferecer o seu património como garantia do crédito ali titulado. Mais a mais no presente caso em que não há notícia que as quantias mutuadas de que a livranças eram garantia pessoal não haviam já sido entregues na totalidade à sociedade.
O Embargante fez um conjunto de afirmações em sede de declarações de parte, mas as mesmas não se mostram sustentadas em qualquer outro elemento de prova, pelo que, por contrárias a todas as regras da experiência comum não podem ser dadas como provadas: que não tinha consciência do que implica a prestação de aval e que não tinha consciência que poderia ser responsabilizado pessoalmente por qualquer incumprimento da sociedade com fundamento no aval pessoal que prestou e por isso apenas pediu o pagamento dos suprimentos que havia feito à sociedade.
Assim não se nos mostra credível que o embargante, como afirmou, tivesse acreditado que poderia pôr termo ao aval prestado com a sua saída da sociedade, por ir contra as noções básicas que regem o mundo em que se movimenta profissionalmente.
Não se desconhece a existência de teses jurídicas que defendem que em determinadas circunstâncias, muito específicas  – nos casos em que a assinatura para aval é prestado em título ainda em branco pelo sócio ou gerente, este tempestivamente comunica o seu afastamento da sociedade à entidade dele beneficiária, a dívida ainda se não constituiu, o título não circulou e há indeterminabilidade do objeto garantido  – o avalista pode comunicar à entidade bancária que perdeu o interesse ou controlo na sociedade subscritora do título para determinar, com efeitos ex tunc, a extinção da obrigação decorrente da aposição da assinatura no lugar do avalista em letras em branco ainda não preenchidas. Mas não é esta posição, mais recente no nosso direito, que o Recorrente pretende ser a da sua convicção no momento em que deu o seu aval pessoal, mas uma outra, peregrina, de que o seu livre afastamento da sociedade o exoneraria de todas as obrigações, sem qualquer necessidade de comunicar, para esses efeitos, a sua perda de domínio ou interesse à parte garantida com a livrança que subscrevera, tudo independentemente da boa-fé desta.
Ora, como aflorámos, não é possível que o mesmo acredite que possa constituir créditos em nome da sociedade que representa e dar-lhes o seu aval pessoal e após dois anos, sem entraves ou razões muito especificas, se possa libertar dos avais pessoais por ato unilateral, o que salta à vista de qualquer normal gerente societário. É sabida como é prática frequente das entidades bancárias, de longuíssimos anos, exigirem o aval aos sócios e gerentes ou administradores de sociedades comerciais que beneficiem do escudo da responsabilidade limitada, de forma superar a dificuldade na responsabilização dos sócios (sem prejuízo de por esta via se poder desvirtuar o privilégio da responsabilidade limitada que levou à criação da figura das sociedades comerciais de responsabilidade limitada). Não pode é um normal gerente de uma sociedade que recorrer ao crédito desconhecer tal modus operandi.
Assim, não se encontram nos autos elementos probatórios credíveis que permitam dar como provado este facto.
Mantém-se, pois, toda a matéria factual dada como provada, sem ser possível acrescentar o facto pretendido pelo Recorrente.

A- Da Aplicação do Direito aos factos apurados

Foi dada á execução uma livrança, na qual o embargante apôs a sua assinatura no local destinado à prestação do aval quando esta ainda estava em branco, entregue no âmbito de um contrato que continha disposições sobre a forma como a mesma deveria ser preenchida.
Levantou o Recorrente duas ordens de razões para se opor à exequibilidade da livrança:
- que o aval perdeu a sua eficácia com a sua desvinculação da sociedade;
- que o pacto de preenchimento e cláusulas que previam a assinatura da livrança são nulas, porque constituem cláusulas contratuais gerais que lhe não foram explicadas, o que determina que este perca a qualidade de avalista.
Cumpre apreciar

Da livrança

A livrança, conforme decorre do artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL - é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve a promessa pura e simples por uma pessoa de pagar a outra determinada quantia em determinada data.
A livrança corresponde a um título de crédito que, como tal, incorpora uma obrigação cambiária, pelo que o seu portador pode exigir aos obrigados cambiários o pagamento dessa obrigação, sem necessidade de alegar e provar a existência e os contornos da relação jurídica que lhe esteja subjacente. Se a livrança ainda se encontra no domínio das relações imediatas, entre os sujeitos da relação jurídica que lhe é subjacente, o obrigado cambiário pode invocar qualquer exceção fundada na relação subjacente ou fundamental que havia estabelecido com o Exequente e que teria dado causa à relação cambiária.
Determinam os artigos 1º e 75 º da LULL que declaração negocial do sacador ou do emitente da livrança deve designar expressamente a época de pagamento e a quantia determinada a ser paga ao tomador da letra ou beneficiário da livrança, sob pena de o título não produzir os típicos efeitos cartulares.
A livrança pode, no entanto, ser subscrita sem que dela conste a indicação desses   elementos necessários para que possa servir de título, como a data de vencimento e o valor titulado (uma livrança em branco). Aquando emissão de uma livrança em branco, os subscritores convencionam os termos em que o preenchimento deve submeter-se, baseados na relação contratual que deu causa à emissão do título, determinando quais são as responsabilidades garantidas de forma a que se possa apurar o valor titulado, e, ainda, quando é que esta pode ser preenchida. É o chamado pacto ou acordo de preenchimento.
A subscrição de uma livrança em branco (sem que esteja preenchidos todos os seus elementos) tem muitas vezes, como teve neste caso, a função de reforçar a posição do credor, visto que fica logo dotado de título executivo, após o ter preenchido com as quantias que lhe são devidas e pelo montante que lhe é devido, com a consequente inversão do ónus da prova: o crédito passa a presumir-se, cabendo ao devedor provar as exceções ao direito nele incorporado.
Quando um subscritor voluntariamente entrega o título em branco ao credor cartular para que este o preencha posteriormente, como garantia da sua posição no contrato que visa garantir, mesmo que não seja   formalizado o pacto de preenchimento, este existe por força da instrumentalização do título à relação fundamental   cujo cumprimento pretende garantir. Assim, a reconstrução da vontade subjacente à emissão do título, mesmo que não expressa ou expressa em cláusulas que sejam excluída, é feita em função da obrigação garantida, seja relativamente ao valor, seja à data da sua exequibilidade.
Tem sido discutido se a obrigação cambiaria se constitui com a assinatura da livrança em branco (tese mais clássica) ou se, considerando que a posição cambiária de cada um dos seus intervenientes só se consolida com o preenchimento total, se até esse momento apenas ocorreu o primeiro passo da constituição desta obrigação, o que releva para apurar os meios de defesa que detém aquele que subscreve o título em branco.

Do aval

Por outro lado, e como resulta do preceituado no artigo 30º da LULL, o aval é o ato pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o seu pagamento por parte de um dos subscritores.  A função do aval é uma função de garantia, a cobrir a obrigação de um certo subscritor cambiário. É uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado.
O dador de aval é, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da LULL, responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.
A responsabilidade do avalista não é, no entanto, subsidiária da do avalizado, posto que não goza aquele do benefício de excussão prévia, antes respondendo solidariamente com os demais subscritores, como se infere do disposto no artigo 47.º, § 1º, da LULL.
Como resulta do disposto no artigo 32.º, § 2.º. da LULL, a obrigação do avalista mantém-se ainda que a obrigação garantida seja “nula por qualquer razão que não seja um vício de forma, pelo que se tem considerado que a obrigação do avalista é uma obrigação materialmente autónoma” (Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. III, Letra de Câmbio, Universidade de Coimbra, 1975, 215, e Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Vol. III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, Ed. da FDL, 173.
 Sendo o aval prestado a favor do subscritor, porque a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado, não é necessário que o avalista subscreva o acordo do preenchimento do título: o pacto de preenchimento concluído entre aquele e o portador impõe-se ao avalista, para medir a sua responsabilidade” – v. Ac. STJ de 11.2.2003, no processo nº  02A4555 (FERREIRA RAMOS). O aval, como autêntico ato cambiário, origina uma obrigação autónoma, que se mantém mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

Do preenchimento abusivo

O artigo 10º da LULL, aplicável às livranças por força do artigo 77º do mesmo diploma, estabelece que “Se uma letra incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má-fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave.”
Cabe, em sede de embargos, ao subscritor em branco o ónus de provar estes elementos.
Veja-se que o artigo 17º da LULL (etb x vi artigo 77º) não permite que as pessoas acionadas em virtude de uma letra possam opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.
Tem sido limitada a possibilidade do avalista opôr ao titular da livrança o pacto de preenchimento celebrado entre este e o avalizado, mesmo quando a mesma não circulou: “Isto porque se entende que um devedor cambiário só pode suscitar, como defesa, as vicissitudes da relação subjacente (suscetíveis de configurar exceções causais) se se encontrar ligado por relações pessoais ao credor cambiário que concretamente o demanda; se estiveram ambos nas “relações imediatas”, com o sentido de participarem numa mesma convenção executiva”, como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de março de 2009, proferido no processo 08B3815  (Maria Dos Prazeres Pizarro Beleza).
Se a execução é “instaurada pelo beneficiário da livrança (que lhe foi entregue em branco, isto é, incompleta) e tendo o avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento (o que permite situá-lo ainda no domínio das relações imediatas), tal como o subscritor, é-lhe possível opor ao beneficiário a exceção material de preenchimento abusivo do título”, “Cabe-lhe então o ónus da prova em relação aos factos constitutivos daquela excepção, ou destes outros meios de defesa, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 342º do Código Civil [….] À mesma conclusão se deve assim chegar quanto à possibilidade de o avalista questionar a validade do pacto de preenchimento em que interveio; todavia, e independentemente de saber em que termos se teria de processar a intervenção do avalizado, parte no mesmo pacto, a verdade é que a respetiva anulação forçaria a análise do pacto tácito que a subscrição de uma livrança em branco sempre implica, retirando então ao avalista a legitimidade para discutir um eventual preenchimento abusivo.”

Da desvinculação do avalista de letra em branco

O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2013, fixou jurisprudência no seguinte sentido: “Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada”.
Este acórdão é expressão da jurisprudência mais clássica que entende que é pouco relevante que o aval garanta a obrigação de uma sociedade comercial de que o avalista era sócio e que o facto de aquele ter cedido a sua quota e renunciado à gerência na sociedade avalizada nunca o isenta de responsabilidade – v. a título meramente exemplificativo Acs. STJ de 11 de Dezembro de 2003, Nuno Cameira , no processo 03A3529,  e   de 31 de Março de 2009, no processo 08B3815, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza.
No entanto, considerando que esta doutrina apenas diz respeito a obrigações cambiárias já totalmente constituídas e que os subscritores de letras em branco ainda não são verdadeiros obrigados cartulares, parte da doutrina e alguma jurisprudência tem admitido que um sócio que subscreveu títulos cambiários em branco para garantia de dívidas futuras da sociedade se possa libertar de responsabilidades no que concerne a dívidas futuras da sociedade com a comunicação ao credor da perda da qualidade de sócio, da sua pretensão em se desvincular, (por resolução ou por denúncia), com particular relevância para os casos em que o montante garantido não está previamente determinado  e depende de solicitações efetuadas pela sociedade garantida. Fundam-se frequentemente no princípio geral da inadmissibilidade de vinculações perpétuas ou de duração indefinida, bem como numa exigência de determinabilidade do objeto da garantia.(Neste sentido entre outos, cf CAROLINA CUNHA, Letras e livranças: paradigmas actuais e recompreensão de um regime, Almedina, Coimbra, 2012  ou "Cessão de quotas e aval: equívocos de uma uniformização de jurisprudência",  M. Januário da Costa Gomes, "O (in)sustentável peso do aval em livrança em branco prestado por sócio de sociedade para garantia de crédito bancário revolving” CDP, n.º 43, Julho/Setembro, 2013, p. 15-47, p. 43, ss e na  jurisprudência, vejam-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-02-2020 no processo 360/18.7T8PBL-A.C1, Fonte Ramos;  acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-03-2020, no processo 15342/18.0T8LSB-A.L1-7 e de 20-12-2017, 1732/14.1TBTVD-A.L1-7,  Tribunal da Relação do Porto de 27-02-2014  no processo 3871/12.4TBVFR-A.P1,  José Manuel de Araújo Barros;  do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-2003,  processo 03B2060 Oliveira Barros:  “Incondicionável o aval, quando, porém, se trate de título assinado em branco, é, na realidade, em sede de relações imediatas, no plano do pacto de preenchimento que se coloca a questão da admissibilidade da denúncia desse convénio ou acordo. III - Inadmissível uma sujeição a esse acordo ou convénio desprovida de limite no tempo, tem de aceitar-se a possibilidade de válida desvinculação discricionária, ad nutum ou ad libitum, mediante denúncia do mesmo, sem necessidade da invocação de fundamento ou justa causa. IV - Não pode, todavia, considerar-se, sem mais, como tal a mera comunicação da cessão de quotas.”
No entanto, também é muita a doutrina que não aceita esta posição, salientando-se Pedro Pais de Vasconcelos, "Avales dos sócios de sociedades comerciais", Direito das Sociedades em Revista, Ano 6, vol. 11, 2014, p. 13-34, p. 28-29, encontrando-se a maioria da jurisprudência com o AUJ n.º 4/2013, mas solucionando  a iniquidade da aplicação cega dos princípios da abstração e literalidade com o apelo às válvulas de escape do ordenamento jurídico condensadas na boa-fé (como o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de  de 12 de novembro de 2013, no processo 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, rel Nuno Cameira ou o recentíssimo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  de 02/14/2023 no processo 895/21.4T8FNC-B.L1-7, Edgar Taborda Lopes).
No fundo, tal como afirma Carolina Cunha, defensora da possibilidade da desvinculação, a questão põe-se também para esta corrente pela “necessidade de tutela dos avalistas de títulos em branco perante situações limite”
No fundo,  tudo passa por verificar se o avalista pode antecipar a inibição à execução da livrança contra si nos casos em que tal exigência se traduzirá já numa situação ofensiva da justiça ou que afronta a sentimento jurídico dominante, (ligadas, em regra, à natureza das obrigações subjacente ás avalizadas, nomeadamente pela sua indeterminabilidade e afastamento do poder de conformação dessas obrigações ou pelo tempo já decorrido) comunicando-as ao credor cartular, prevenindo-se desse exercício ou se terá que esperar pelo exercício desse direito para lhe opor o respetivo abuso no exercício do direito.
 Parece-nos que, mantendo a possibilidade de desvinculação limitada às situações-limite, nada obsta que aquele que pode opor o abuso de direito e exerça mesmo antes do preenchimento da livrança ou constituição de novas obrigações já fora do âmbito do que poderia vir a ser exigível, prevenindo surpresas, proporcionando ao credor a faculdade de conformar os contratos subjacentes ao afastamento de um garante.

Da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais

- As cláusulas contratuais gerais caracterizam-se por dois elementos constitutivos: a predisposição unilateral (a incutir a ideia de pré-elaboração por uma das partes) e a generalidade (bastando-se com uma multiplicidade de contraentes potenciais e indiferenciados).III- O seu regime aplica-se também aos contratos de adesão ainda que alguns elementos de uma determinada cláusula, ou uma cláusula isolada, tenham sido objeto de negociação indivi­dual." acórdão proferido pelo  Supremo Tribunal de Justiça proferido, a 04/10/2014, no processo 2393/11.5TJLSB.L1.S1 (Granja da Fonseca).
Embora o legislador português não forneça propriamente uma definição legal do conceito de "cláusu­las contratuais gerais", decorre da descrição legal do fenómeno (contida logo no artigo 1 o, na 1, do Decreto-Lei 446/85, de 25 de outubro) que a lei pretende disciplinar cláusulas pré-formuladas em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco, sem possibilidade de discus­são.
O DL 446/85, de 25 de outubro, com as suas sucessivas alterações, pretende que o aderente conheça o conteúdo e alcance das disposições contratuais no momento em que as aceita e por outro que o conteúdo das cláusulas contratuais gerais não sejam abusivas, visto que em regra a empresa predisponente está numa posição privilegiada face ao aderente.
Quanto às formas de comunicação ao público das cláusulas contratuais gerais, impõe o artigo 5° do DL 445/85, que devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá­-las, devendo a comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência.
O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais - nº 3 da citada norma.
Determinam os artigos 8° e 9° deste diploma que se consideram excluídas dos contratos singulares:
As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.°;
As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de espe­rar o seu conhecimento efetivo; As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apre­sentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real;
As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes.
Assim, incumbe à parte que elaborou o contrato fazer a prova da comunicação das respetivas cláusulas contratuais gerais ao aderente, sob pena de, não logrando fazer essa prova, as mesmas clausulas se terem por excluídas do contrato de crédito.
Nos casos em que não ocorre a devida informação e comunicação das cláusulas contratuais gerais, estas são excluídas dos contratos, mas os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos, diz-nos o artigo 9º nº 1 do DL 446/85.
Os referidos contratos só serão  nu­los quando ocor­ra uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais (impossibilidade de integração) ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé em virtude de tal integração.
Excluída uma cláusula do contrato, a regra é a da sub­sistência do contrato, vigorando, na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessá­rio, às regras da integração dos negócios jurídicos.
Isto posto, podemos entrar na

análise do caso concreto

O Recorrente pretende que se entenda que as cláusulas onde se incorpora o pacto de preenchimento da livrança dada à execução, que subscreveu, assumem a natureza de cláusulas contratuais gerais e, por isso, sujeitas ao regime do DL nº 446/85 de 25 de outubro, mas que não se provou que estas lhe foram lidas e explicadas e por força disto retira duas conclusões, se bem se entendeu o seu raciocínio:
1 -- porque desconhecia o que era prestar um aval pessoal, tinha a convicção que, a partir do momento em que perdia a qualidade, não só de gerente, mas também de sócio da sociedade, se encontrava automaticamente desvinculado do aval;
2 -- tais cláusulas devem ser excluídas do contrato, pelo que, não se pode considerar que subscreveu o pacto de preenchimento e a embargante não podia preencher as livranças.
Como vimos, não se provou que o embargante tinha a convicção de que se desoneraria do aval com o seu afastamento da sociedade, crença que teria que demonstrar para poder recorrer aos vícios da vontade que pretende fazer operar.
Por outro lado, como vimos, embora se possa aceitar em tese que o avalista das obrigações de sociedade comercial de que é sócio se possa em circunstâncias muito especificas desvincular do aval,  para que tal ocorra, não basta que o título cambiário quando subscrito estivesse em branco e que não tenha circulado, é necessário também que o aval prestado seja omnibus ou de natureza semelhante (se destine à garantia de todas e dívidas emergentes de relações atuais ou a constituir no futuro, entre o avalizado e um concreto credor, tendencialmente sem prazo, nem limite quantitativo) e que a pretensão de desvinculação seja previamente comunicada ao credor, apenas operando para obrigações ainda não constituídas (visto que o credor obviamente terá que conformar o contrato  garantido à perda da garantia que assim opere).

Ora, nenhuma destas circunstâncias ocorreu neste caso:

- o montante garantido por cada livrança tinha o valor máximo de, respetivamente 17.500,00 e € 37.500,00;
-  as livranças tinham como causa a prestação de garantias a capital já mutuado;
- o avalista não comunicou á credora a sua desvinculação da sociedade de que era sócio;
Assim, a apelação improcede, não podendo, qualquer que fosse a tese seguida, a desvinculação do avalista da sociedade avalizada neste caso ter qualquer influência na exigibilidade da obrigação titulava pela livrança que avalizou.

Quanto às cláusulas contratuais gerais, cumpre desde já dizer que o Recorrente nada alegou no âmbito do seu articulado inicial que levasse à caracterização dos negócios subjacentes como cláusulas contratuais gerais, não permitindo que a parte contrária se pudesse defender quanto a esta questão e que também nada foi diretamente explicitado na matéria de facto provada que imediatamente pudesse caracterizar o contrato em questão como de adesão, pelo que no rigor se poderia entender que apesar deste tipo de questões ser de conhecimento oficioso, este tribunal sem que a parte invocasse os factos subjacentes ao nascimento do contrato, não deveria classificar o contrato nos termos ora pretendidos pelo Recorrente e conhecer dessa questão.
Assim, sem necessidade de qualquer acrescento, tanta basta para se afasta a consideração de que a sentença é nula por não ter conhecido da aplicação ao caso da exclusão das cláusulas contratuais gerais por falta de comunicação: tal questão não foi alegada nos articulados e como se verá não tem neste caso repercursões na decisão, como se verá.
De qualquer forma, mesmo que tivesse ocorrido tal nulidade da sentença a mesma apenas teria como consequência que o tribunal da Relação viesse a conhecer da questão omitida, como decorre do artigo 665º nº 2 do Código de Processo Civil.
Visto que da composição dos próprios documentos subscritos pelo embargante:  elaborados em minuta, com anexos integrados, com definição dos espaços próprios para assinaturas, aliados às regras da experiência comum relativa à subscrição de contratos de crédito e prestação de garantias com entidades bancárias e para bancárias, somado ao facto da parte contrária não negar esta pré-formulação, a qual  foi discutida em julgamento, entende-se que se possa aceitar a classificação das cláusulas dos contratos que foram a causa das obrigações cartulares como cláusulas contratuais gerais e discutir a questão juridicamente nesta sede, por ser de conhecimento oficioso.
Pretende o Recorrente que se dê sem efeito as cláusulas que regem as condições da entrega da livrança em branco, o pacto de preenchimento e o seu aval a que se refere a matéria de facto provada nos pontos 3.3 e 3.4.
Não há dúvidas quanto à entrega das livranças em branco subscritas pelo Recorrente com os dizeres “bom para aval” e “dou o meu aval à firma subscritora”, também aí apostas por si e que esta entrega teve como causa contrato subscrito pela sociedade que o embargante avalizou.
Assim, há que verificar quais as consequências de não terem sido dadas a conhecer as regras relativas ás condições de entrega da livrança em branco e ao pacto de preenchimento: será que as regras supletivas aplicáveis, com recurso, se necessá­rio, às regras da integração dos negócios jurídicos permitem que se encontre a forma como a livrança em branco deve ser preenchida? Entendemos que sim: decorre das regras gerais que o portador de livrança em branco entregue como garantia de determinada obrigação tem a faculdade de a preencher para exigir o seu crédito quando a obrigação que deu origem à emissão das livranças se tornar exigível e pelo montante em dívida.
Pretendia o Recorrente que se fizesse tábua rasa da subscrição da própria livrança e da entrega que desta efetuou para garantia do contrato, alegando não ter conhecimento do significado desses atos, mas como vimos não foi possível dar como assente esse facto: o sócio-gerente de uma sociedade que escreve a menção de que dá aval no verso de uma livrança e que entrega uma livrança como garantia de um contrato tem necessariamente que ter noção do que está a fazer.
Caso se excluísse a menção ao pacto de preenchimento do contrato subjacente, este pacto seria perfeitamente preenchido pelo recurso à integração da declaração negocial, nos termos que observámos supra (artigo 239º do Código Civil), através do recurso ao fim do título de crédito: este deveria ser preenchido com o recurso ao apuramento da dívida resultante do contrato subjacente e com a data em que esta se tornou exigível.
De qualquer forma, como vimos, o avalista não tem que ter participação no pacto de preenchimento que vincula o subscritor da livrança e o exequente.
Por outro lado, não ocorrendo qualquer indeterminação no pacto de preenchimento da obrigação cartular, integrada nos termos do artigo 239º do Código Civil, a mesma mantém-se mesmo para o avalista.
Nada na matéria de facto provada ou alegada leva a que se considere que a livrança foi preenchida nos seus elementos de forma que não correspondesse à obrigação exigível, ou seja, em violação do pacto de preenchimento.
Por outro lado, poder-se-ia pôr então em causa a legitimidade do avalista não interveniente nos acordos subjacentes para os vir trazer à lide, por força do disposto no artigo 17º da LULL.
Assim, improcede a apelação também por via da invocação do regime das cláusulas contratuais gerais pela falta de alegação e prova da sua comunicação ou por serem abusivas as cláusulas que no contrato subjacente o embargante subscreveu relativas à prestação do aval e ao pacto de preenchimento.

V- Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas da   apelação pelo Recorrente.

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes