VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
DIREITO DE REMIÇÃO
DEPÓSITO DO PREÇO
GESTÃO PROCESSUAL E PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
Sumário


I- Com o direito de remição, previsto no art.º 842º do CPC pretende-se proteger o património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados. Trata-se de um benefício ou favor conferido ao executado e seus familiares próximos, por razões de ordem económica e moral, sem que daí resulte qualquer prejuízo para a execução.
II- Estando os autos na fase processual da venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da emissão do título de transmissão dos mesmo ao comprador (no caso de se tratar de bens imóveis), face aos termos literais consagrados no art.º 827º e 843º do CPC.
III- De acordo com o nº2 do art.º 843º do CPC, o pagamento do preço pela remidora deve ser feito integralmente, quando o direito for exercido em momento posterior ao ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada – como é o caso da venda por negociação particular -, mas a interpretação desse preceito deve ser feita em termos amplos, não sendo exigível que o pagamento seja efetuado de imediato.
IV- Se for concedido, pela sra. Agente de execução, prazo ao remidor para efetuar o pagamento do preço, esse prazo deve ser respeitado pelo tribunal, em termos de permitir o exercício do direito de remição dentro daquele prazo – em homenagem aos princípios da boa gestão processual e da colaboração do tribunal com as partes e demais intervenientes processuais.
IV- O preço a pagar pela remidora é o preço pelo qual foi acordada a venda, e autorizada pelo tribunal, cuja proposta vincula o comprador, após a sua aceitação pelos demais interessados nos autos, nos termos do art.º 228º do CC, não tendo a nova proposta entretanto apresentada, a virtualidade de derrogar a proposta apresentada anteriormente.

Texto Integral


Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: José Manuel Alves Flores
2ª Adjunta: Sandra Maria Vieira Melo

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I- RELATÓRIO

A exequente, Banco 1... (que cedeu o seu crédito no decurso da execução à atual exequente, P... Company), veio instaurar Execução contra os executados, AA e BB, para pagamento da quantia global de € 104.454,28, indicando à penhora vários imóveis, pertencentes àqueles, entretanto penhorados nos autos (conforme Auto de penhora de 17-10-2017).
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Com data de 08-09-2021 foi determinado pela Sra. Agente de execução que o processo seguisse a modalidade de venda por negociação particular, nos termos do disposto na alínea f) do art.º 832.º do CPC, sendo ela própria a encarregada da venda.
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E com data de 16-02-2022, foi proferido nos autos pelo Sr. Juiz o seguinte despacho:
“A agente de execução veio requerer que fosse autorizada a venda dos bens constituídos por um único lote (…) pelo valor de 130.000,00€, ao proponente CC, em sede de negociação particular (…). Assim sendo (…) autoriza-se a mesma a diligenciar pela venda dos bens constituídos por um único lote (…) pelo valor de 130.000,00€, ao proponente CC, tal como solicitado. Notifique…”.
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Por requerimento de 28-02-2022, veio a requerente (ora recorrente), BB, informar os autos que era filha dos executados e que, tendo sido autorizada a venda pelo valor de 130.000,00€, pretendia exercer o direito de remição. Requereu para o efeito ser notificada da decisão de adjudicação, e da forma de pagamento do preço, bem como a indicação do valor a atribuir a cada um dos prédios objeto da venda.
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Na mesma data (28-02-2022), foi enviada pela Sra. Agente de execução à requerente a seguinte notificação:
“Fica V.ª Exa. notificada, atento o seu oficio recebido a 28/02/2022, do seguinte:
- O direito de remição apenas pode ser admitido, se o preço se encontrar integralmente depositado, de acordo com o nº 2 do art.º 843º do C.P.C., para o efeito junto se anexam duas guias de pagamentos para proceder ao depósito do preço de 130.000,00€.
- Mais solicita que se digne juntar a certidão de nascimento, comprovativa da filiação enunciada, uma vez que no s/oficio não seguiu qualquer anexo.
Por último informa V.Exa. que comprovado o depósito do preço e junta certidão de nascimento será proferida decisão de adjudicação a admitir o requerido direito de remição e indicado o valor a atribuir a cada verba…”.
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Entretanto, em 04-03-2022, o proponente CC subiu a proposta de aquisição para o valor de 190.000,00 €, tendo dessa proposta sido notificadas as partes, em 07-03-2022, incluindo a discriminação dos valores/preço atribuídos a cada um dos imóveis.
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Por requerimento recebido pela Sra. Agente de execução em 14-03-2022, a requerente BB remeteu aos autos um requerimento do seguinte teor: “tendo em conta que me foi reconhecido o direito de remissão que exerci na venda dos prédios em que são executados os seus pais pelo valor de 130.000,00 euros, e que fui notificada para proceder ao depósito do preço, remeto uma guia do pagamento de parte do preço no valor de 35.000,00 euros. O remanescente do preço – 95.000 euros – será paga nos próximos dias através da outra guia que me foi enviada e que ainda não consegui pagar por dificuldades no banco com o sistema de pagamento. Remeto ainda a minha certidão de nascimento solicitada.”
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Pela Sra. Agente de execução foi então proferida, em 21.3.2023, a seguinte decisão:

“Cumpre decidir quanto ao requerimento para o exercício do direito de remição:
Dispõe o artigo 842.º do Código de Processo Civil (CPC): “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.” Dispõe o n.º 2 do artigo 843.º do CPC: “Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias (…). Dispõe ainda o n.º 1 do artigo 824.º do CPC, que o remidor deve “juntar obrigatoriamente com a sua proposta, como caução, um cheque visado, à ordem do agente de execução (…).” Nos presentes autos ainda não foi proferida decisão de adjudicação, apenas foi autorizada a venda pelo preço de €130.000,00.
A requerente BB juntou certidão de nascimento que comprova que é filha dos executados, mas não procedeu ao depósito integral do preço, correspondente a €130.000,00.
Acresce que a proposta de €130.000,00, apresentada pelo requerente CC, já não se mantém, uma vez que este interessado subiu a sua proposta para €190.000,00, sendo certo que as partes já foram notificadas desta subida do preço.
Face ao exposto e
- tendo em conta que a requerente BB não cumpriu os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 843.º e do artigo 824.º do CPC, não tendo procedido ao depósito integral do preço de €130.000,00; e que
- o interessado CC subiu a sua proposta de €130.000,00 para €190.000,00,
Decide-se indeferir o requerimento para o exercício do direito de remição, apresentado pela requerente BB”.
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Na sequencia dessa decisão veio então a requerente apresentar aos autos, em 4.4.2022, requerimento dirigido ao Sr. Juiz, do seguinte teor (que reproduzimos em parte):

“…A Srª agente de execução comunicou-me, por carta que recebi no dia 10 de Março de 2022, o seguinte: “O direito de remição apenas pode ser admitido, se o preço se encontrar integralmente depositado, de acordo com o nº 2 do art. 843º do C.P.C., para o efeito junto se anexam duas guias de pagamentos para proceder ao depósito do preço de 130.000,00€ (…).” Juntamente com a referida notificação foram-me remetidas guias para pagamento do preço.
No dia imediato, 11 de Março de 2022 procedi ao pagamento de uma das guias e comuniquei à Srª agente de execução o seguinte: “tendo em conta que me foi reconhecido o direito de remissão que exerci na venda dos prédios em que são executados os seus pais pelo valor de 130.000,00 euros, e que fui notificada para proceder ao depósito do preço, remeto uma guia do pagamento de parte do preço no valor de 35.000,00 euros. O remanescente do preço – 95.000 euros – será paga nos próximos dias através da outra guia que me foi enviada e que ainda não consegui pagar por dificuldades no banco com o sistema de pagamento. Remeto ainda a minha certidão de nascimento solicitada.”
Face à referida notificação a ora Requerente entendeu inequivocamente que lhe havia sido concedido o direito de remissão e que dispunha do prazo de quinze dias para depositar o preço. Não obstante deu de imediato conhecimento à Srª agente de execução do pagamento de parte do preço e remeti novamente comprovativo de filiação solicitado. Entretanto fui notificada pela Srª agente de execução de que não depositei a totalidade do preço e que por essa razão não me era reconhecido o direito de remissão. A Requerente ainda estava em prazo para proceder ao depósito do remanescente do preço. A Requerente face àquela notificação já não procedeu ao depósito do remanescente do preço.  A decisão da Srª agente de execução prejudica os meus interesses pois recorri a empréstimos para poder depositar o preço de 130.000,00 euros, sendo que a Srª agente de execução tem em seu poder a quantia de 35.000,00 euros. Pelo que deverá ser-me reconhecido o direito de remissão e permitir o pagamento do remanescente do preço no montante de 95.000,00 euros…”
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Com data de 11-04-2022, a sra. Agente de execução veio apresentar aos autos a seguinte informação:
“…Antes de mais, a signatária já proferiu decisão, fundamentada, de indeferimento do exercício do direito de remição, sendo certo que as partes foram notificadas de tal decisão em 21-03-2022. Julga-se que o requerimento de 04-04-2022, possa configurar uma “reclamação à decisão”, uma vez que a requerente está a dar resposta ao indeferimento. Sem prejuízo e de modo a esclarecer os autos, volta-se a recapitular: - a requerente foi notificada, em 28-02-2022, para proceder ao depósito do preço de €130.000,00 e juntar certidão de nascimento; - a requerente respondeu 14-03-20222, sendo certo que remeteu um comprovativo de depósito de €35.000,00 e a certidão de nascimento. A signatária proferiu decisão, em 21-03-2022, de indeferimento do exercício do direito de remição, por não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 843.º do CPC, nomeadamente o depósito integral do preço. Acresce que, o proponente da proposta de €130.000,00, CC, subiu a sua proposta para €160.000,00, sendo certo que as partes foram notificadas da proposta em 07-03-2022; na notificação foram discriminados os valores para cada prédio -– cfr. documentos juntos aos autos e que se juntam novamente. A requerente foi igualmente informada desta situação, que ainda se encontra pendente, uma vez que ainda não foi proferida qualquer decisão de adjudicação. Face ao exposto, requer a V. Ex.ª que se digne indeferir o requerimento da requerente BB, de 04-04-2022…”.
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Sobre esse requerimento foi proferido despacho judicial no seguinte sentido: “uma vez que o requerimento de 04.04.2022 não configura uma reclamação relativamente à decisão da AE, indefere-se ao requerido.”
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Interposto recurso desse despacho pela requerente, veio o mesmo a ser revogado, por acórdão desta Relação (de 22.9.2022), que mandou o tribunal da primeira instância conhecer do requerimento apresentado pela Recorrente.
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Foi então proferida nos autos a seguinte decisão (objeto da presente apelação):
“Decisão da AE de 21.03.2022, requerimento de 04.04.2022 e resposta de 11.04.2022: Por despacho proferido em 16.02.2022, foi a AE autorizada a diligenciar pela venda dos bens constituídos por um único lote, pelo valor de 130.000,00€, ao proponente CC.
Entretanto, por requerimento recebido em 28.02.2022, veio a requerente BB informar que é filha dos executados e que, como tal, pretendia exercer o direito de remissão. Para o efeito, requereu que fosse notificada da decisão de adjudicação e “da forma de pagamento do preço, bem como indicação do valor a atribuir a cada um dos prédios objecto da venda”.
Por notificação remetida pela AE no próprio dia 28.02.2022, foi a requerente BB notificada do seguinte: “O direito de remição apenas pode ser admitido, se o preço se encontrar integralmente depositado, de acordo com o nº 2 do art.º 843º do C.P.C., para o efeito junto se anexam duas guias de pagamentos para proceder ao depósito do preço de 130.000,00€. Mais solicita que se digne juntar a certidão de nascimento, comprovativa da filiação enunciada, uma vez que no s/oficio não seguiu qualquer anexo.”
Entretanto, em 07.03.2022, as partes foram notificadas da subida da proposta do interessado CC, para € 190.000,00. Na notificação remetida às partes, foram discriminados os valores/preço de cada um dos imóveis em venda.
Por requerimento recebido em 14.03.2022, a requerente BB remeteu um comprovativo de depósito de €35.000,00 e a respectiva certidão de nascimento.
Veio, então, a AE proferir a decisão datada de 21.03.2022, nos termos da qual, “tendo em conta que a requerente BB não cumpriu os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 843.º e do artigo 824.º do CPC, não tendo procedido ao depósito integral do preço de €130.000,00; e que o interessado CC subiu a sua proposta de €130.000,00 para €190.000,00, decide-se indeferir o requerimento para o exercício do direito de remição, apresentado pela requerente BB”.
Entretanto, na sequência da decisão proferida pela AE no sentido do indeferimento do exercício do direito de remição em sujeito, da qual as partes foram notificadas em 21.03.2022, veio a requerente BB apresentar, aos 04.04.2022 uma “reclamação à decisão”.
Cumpre apreciar e decidir.
O direito de remição, previsto nos art.ºs 842.º e segs. do CPC, traduz-se na atribuição a determinados familiares próximos do executado – que não figurem, eles próprios, também como executados na causa – de um direito legal de preferência de formação processual, qualificado, na medida em que prevalece sobre os demais direitos de preferência, funcionalmente direccionado para a tutela do património familiar, obstando à sua transmissão a terceiros, adjudicatários ou compradores.
Note-se que, apesar de o remidor não ser parte, beneficia, quanto às condições procedimentais do exercício do direito que lhe assiste, da tutela conferida pelo art.º 20.º da Constituição, não podendo ser-lhe criados ónus ou obstáculos desproporcionados à efectivação da pretendida aquisição dos bens familiares [assim, no Ac. nº 277/07, o TC decidiu julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio do processo equitativo, consagrados nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação da norma do n.º 2 do artigo 912.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, segundo a qual só se considera validamente exercido o direito de remição, por um descendente do executado, no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, se for acompanhado do depósito da totalidade do preço oferecido na proposta aceite] (…).
Entretanto, o art.º 843.º do CPC, que regula o momento da remição, vem distinguir as situações em que a venda é por propostas em carta fechada, das outras modalidades da venda, estabelecendo no seu n.º 1 que o direito de remição pode ser exercido: no caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título de transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do art.º 825.º [al. a)]; nas outras modalidades da venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta [al. b)]. Acrescenta o n.º 2 deste mesmo artigo que: “Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no acto de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remissão deva ser exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se em qualquer caso o disposto no artigo 827.º”. Diz-nos Salvador da Costa [in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 1240], a propósito do direto de remição na venda executiva, que “(…) o prazo e condições de exercício do direito variam consoante a modalidade de venda dos bens e o tipo de formalização para ela exigida, de modo quase similar ao direito de preferência.”
Assim, quando tem lugar a venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do art.º 843.º, n.º 1, al. b) do CPC e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, de acordo com o estabelecido no nº 2 deste artigo, uma vez que o direito já é exercido num momento ulterior ao da abertura das propostas em carta fechada [vide, neste sentido, Salvador da Costa, in. ob. cit. pág., 1241]. Também Lopes do Rego [in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, pág. 51] se pronuncia no sentido de que: “Quando, porém, o direito de remição seja exercido em momento ulterior ao acto de abertura e aceitação das propostas, deverá o remidor depositar logo a totalidade do preço, acrescido de 5% para indemnização do proponente que já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 897.º.”
No caso em apreço, recapitule-se: a AE foi autorizada pelo Tribunal a diligenciar pela venda dos bens constituídos por um único lote, pelo valor de 130.000,00€, ao proponente CC; entretanto, por requerimento recebido em 28.02.2022, veio a requerente BB informar que é filha dos executados e que, como tal, pretendia exercer o direito de remissão; por sua vez, foi aquela requerente notificada pela AE designadamente no sentido de proceder ao depósito integral do preço de 130.000,00€; acresce que, em 07.03.2022, as partes foram notificadas da subida da proposta do interessado CC, para € 190.000,00; sucede que, por requerimento recebido em 14.03.2022, a requerente limitou-se a remeter comprovativo de depósito de € 35.000,00. Entendendo a AE não estarem reunidos os pressupostos para o exercício do direito de remição, veio proferir decisão no sentido do seu indeferimento. Ante aquela decisão, veio a então requerente reclamar, entendendo que dispunha do prazo de 15 dias para liquidar o remanescente do valor em sujeito, não se tendo entretanto pronunciado quanto à subida do valor da proposta apresentada pelo então interessado.
Ora, atento o exposto, conclui-se não poder ser admitido ou reconhecido o exercício do direito de remição pela Requerente BB, na medida em que não foi dado cumprimento aos respectivos pressupostos, desde logo, porque incumbia à mesma, no primeiro momento em que manifestou a intenção de remir, quer atestar a respectiva qualidade quer proceder ao depósito integral do respectivo preço. Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal. Notifique”.
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Não se conformando com o despacho proferido veio a requerente BB dele interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. A Srª agente de execução comunicou à Recorrente, por carta que recebi no dia 10 de Março de 2022, o seguinte: “O direito de remição apenas pode ser admitido, se o preço se encontrar integralmente depositado, de acordo com o nº 2 do art. 843º do C.P.C., para o efeito junto se anexam duas guias de pagamentos para proceder ao depósito do preço de 130.000,00€.
2. Mais solicita que se digne juntar a certidão de nascimento, comprovativa da filiação enunciada, uma vez que no s/oficio não seguiu qualquer anexo.”
3. Juntamente com a referida notificação foram remetidas duas guias para pagamento do preço.
4. No dia imediato, 11 de Março de 2022 a Recorrente procedeu ao pagamento de uma das guias e comunicou à Srª agente de execução o seguinte: “tendo em conta que me foi reconhecido o direito de remissão que exerci na venda dos prédios em que são executados os seus pais pelo valor de 130.000,00 euros, e que fui notificada para proceder ao depósito do preço, remeto uma guia do pagamento de parte do preço no valor de 35.000,00 euros.
5. E que o remanescente do preço – 95.000 euros – será paga nos próximos dias através da outra guia que me foi enviada e que ainda não consegui pagar por dificuldades no banco com o sistema de pagamento.
6. Remeto ainda a minha certidão de nascimento solicitada.”
7. Face à referida notificação a ora Requerente entendeu inequivocamente que lhe havia sido concedido o direito de remissão e que dispunha do prazo de quinze dias para depositar o preço, tal como constava da notificação e das guias que lhe foram remetidas.
8. E de imediato deu conhecimento à Srª agente de execução do pagamento de parte do preço e remeteu novamente comprovativo de filiação solicitado na referida notificação.
9. Entretanto foi notificada pela Srª agente de execução – ainda antes de decorrido o prazo de 15 dias - de que não depositou a totalidade do preço e que por essa razão não lhe era reconhecido o direito de remissão.
10. A Requerente ainda estava em prazo para proceder ao depósito do remanescente do preço, nos termos das guias que lhe haviam sido enviadas.
11. Todos os intervenientes processuais tinham já conhecimento (desde dezembro de 2021) da intenção da Recorrente e todos estiveram de acordo com o valor da venda pelo montante de 130.000,00 euros tal como autorizado previamente pelo tribunal.
12. Veio, então, a AE proferir a decisão datada de 21.03.2022, nos termos da qual, “tendo em conta que a requerente BB não cumpriu os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 843.º e do artigo 824.º do CPC, não tendo procedido ao depósito integral do preço de €130.000,00; e que o interessado CC subiu a sua proposta de €130.000,00 para €190.000,00, decide-se indeferir o requerimento para o exercício do direito de remição, apresentado pela requerente BB”.
13. A Recorrente, entende que exerceu atempadamente o seu direito, e, por essa razão, deveria manter-se aquela decisão e ser admitida a depositar o preço no prazo que lhe foi estabelecido…”.
Pede, a final, que seja revogado o despacho proferido e substituído por outro que lhe reconheça o direito de remição.
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta ao recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), a questão a decidir no presente recurso é apenas a de saber se a recorrente ainda estava em tempo de depositar o remanescente do preço dos bens objeto da venda, e assim poder exercer o direito de remição a que se propôs.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os mencionados no relatório acima elaborado – resultantes da tramitação dos autos -, assim como os constantes da decisão recorrida, que não são postos em causa pela recorrente.
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IV–FUNDAMENTAÇÃO JURÌDICA:

Como resulta dos autos, estamos perante uma Ação executiva para pagamento de quantia certa, em que são executados os pais da recorrente, nos quais se encontravam penhorados vários bens imóveis a eles pertencentes, e os quais se encontravam na fase da sua venda por negociação particular.
Ora, foi precisamente nesse momento, quando foi comunicado pela sra. Agente de execução ao tribunal que existia um comprador para todos os bens (a vender em lote) pelo valor de € 130.000,00, e quando foi proferido despacho a autorizar a venda dos bens pelo valor proposto, que a requerente veio manifestar à sra. Agente de execução a sua intenção de exercer o direito de remição relativamente aos bens autorizados a vender.

E em princípio esse direito assistia-lhe, dada a qualidade de filha (descendente) dos executados.
Efetivamente, nos termos do art.º 842.º do CPC “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”.

A faculdade que é concedida ao cônjuge do executado ou aos seus descendentes ou ascendentes, por esta ordem (art.º 845.º n.º 1 do CPC), tem em vista a proteção do património da família do devedor, obstando a que dele saiam os bens penhorados, configurando o direito em causa como que um direito especial de preferência, assente numa relação de carácter familiar, ou uma possibilidade de resgate dos bens penhorados (conforme entendimento uniforme da doutrina, designadamente de Lebre de Freitas, Ação Executiva depois da reforma, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2004, p. 334 e 335; de Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra, 2003, p. 621; de Lopes Cardoso, Manual da Ação Executiva, edição da INCM, p 660 e 661; de Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à face do Código revisto, SPB Editores, p. 357; de Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2010, 13.ª Edição, Almedina, p. 392; e de Miguel Teixeira de Sousa, Ação Executiva Singular, Lisboa, 1998, p. 381).
Este direito reveste, para os autores citados, algumas semelhanças com o antigo direito de avoenga, que era um direito de preferência a favor dos irmãos e outros parentes, quanto aos bens herdados dos ascendentes, pretendendo-se proteger, através da concessão deste direito, o património da família do devedor, obstando a que dele saíssem os bens penhorados.
Trata-se de um benefício ou favor conferido ao executado e seus familiares próximos, por razões de ordem económica e moral, sem que daí resulte qualquer prejuízo para a execução.
Segundo José Alberto dos Reis (Processo de Execução, 2º vol. reimpressão, Coimbra, 1982, p. 476 e 477), o direito de remição, que “consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução, tem raízes profundas no nosso sistema jurídico”, que remontam às Ordenações e que, com ligeiras variações quanto ao leque dos familiares em que era encabeçado, e à natureza dos bens sobre que podia ser exercitado, foi mantido desde o Decreto n.º 24, de 16 de Maio de 1832 (artigo 153.º), passando pela Reforma Judiciária de 1837 (artigo 248.º), pela Novíssima Reforma Judiciária (artigo 602.º), pela Lei de 16 de Junho de 1855 (artigo 16.º), até aos Códigos de Processo Civil de 1876 (artigo 888.º), de 1939 (artigo 912.º) e de 1961 (artigo 912.º) - (cfr. também Lopes-Cardoso - Manual da Ação Executiva, Lisboa, 1987, pp. 660‑662).
Ainda segundo o mesmo autor (obra citada, pp. 477‑478), embora na sua atuação prática o direito de remição funcione como um direito de preferência dos titulares desse direito relativamente aos compradores ou adjudicatários, “os dois direitos têm natureza diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam”. Quanto à diversidade de fundamento, “ao passo que o direito de preferência tem por base uma relação de carácter patrimonial”, sendo a razão da titularidade o condomínio ou o desdobramento da propriedade, já “o direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar, sendo a razão da titularidade o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de descendente ou de ascendente)”. Quanto à diversidade de fim, enquanto “o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a compropriedade, ou de favorecer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita”,“o direito de remição inspirase no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas”.
Aliás, ao direito de remição sempre foi atribuída prevalência sobre o direito de preferência (embora, naturalmente, se houver vários preferentes e se abrir licitação entre eles, a remição tenha de ser feita pelo preço correspondente ao lanço mais elevado), o que levou certos autores a qualifica-lo como um “direito de preferência qualificado” (José Lebre de Freitas, A Ação Executiva, cit., p. 272) ou um “direito de preferência reforçado” (Remédio Marques, obra e local citados).
Acrescenta ainda o insigne mestre, José Alberto dos Reis, com a clareza que lhe é característica (obra citada, pp. 488‑489), o seguinte: “Com a atribuição deste direito não se prejudicam os credores, pois que a estes pouco importa que o adquirente seja uma pessoa da família do devedor, ou uma pessoa estranha. O que aos credores interessa é o preço por que os bens são vendidos; ora os remidores hão-de pagar, pelo menos, o preço que pagaria um comprador alheio à família do devedor. Desta maneira, o direito de remição representa uma homenagem prestada à família do devedor. Homenagem justa, porque evita a desagregação do património familiar; homenagem inocente, porque nenhum prejuízo causa aos credores.”
Em jeito de conclusão, aos familiares do executado enunciados no art.º 842.º do CPC (e pela ordem aí estabelecida) é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos na ação executiva em curso, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda dos mesmos aos respetivos adquirentes.
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Sobre o momento em que o direito de remição pode ser exercido, a nossa lei adjetiva é clara: nos termos do art.º 843º nº 1 do CPC “O direito de remição pode ser exercido: a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente, ou no prazo e nos termos do nº 3 do artigo 825º; b) nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”.
Já quanto ao prazo concedido ao remidor para depósito do preço devido, a nossa lei processual atual já não é tão clara, em particular quando se trata da modalidade da venda por negociação particular.
Prevê-se efetivamente no nº2 do art.º 843º do CPC o seguinte: “Aplicase ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 897.º, e aplicandose, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º”
Resulta assim da disposição legal transcrita que quando, na modalidade de venda mediante propostas em carta fechada, o direito de remição é exercido no ato de abertura e aceitação das propostas, o remidor deve apresentar, no ato, como caução, um cheque visado, à ordem do agente de execução ou da secretaria, no montante correspondente a 5% do valor anunciado, ou garantia bancária no mesmo valor (n.º 1 do artigo 824.º), e no prazo de 15 dias depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta (n.º 2 do artigo 824.º).
Quando o direito de remição for exercido em momento posterior ao ato de abertura e aceitação das propostas, e nas restantes modalidades de venda, tem-se entendido que o remidor deve, no momento do exercício do direito de remição, depositar integralmente o preço (eventualmente com o acréscimo de 5% para indemnização do proponente, nos casos em que este já tenha feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º), aplicando-se, em qual caso, o disposto no art.º 827º.
É de facto entendimento da doutrina mais consagrada (Salvador da Costa, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 1240 e 1241, e Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, pág. 51), que o prazo e condições de exercício do direito de remição variam consoante a modalidade de venda dos bens, e o tipo de formalização para ela exigida.
Segundo aqueles autores, quando tem lugar a venda por negociação particular – como é o caso que nos ocupa -, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do art.º 843.º, n.º 1, al. b) do CPC, e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, de acordo com o estabelecido no nº 2 daquele artigo, uma vez que o direito já é exercido num momento ulterior ao da abertura das propostas em carta fechada (no mesmo sentido Ac. Tribunal Constitucional nº 277/07, de 2 de maio de 2007 - disponível em www.dgsi.pt).
Mas a solução aventada, salvo o devido respeito, não se nos afigura assim tão clara, quando confrontada a mesma com as formalidades legalmente previstas nos artºs 827º e 833º do CPC, que recaem sobre o comprador no caso da venda através de negociação particular.
Prevê-se efetivamente no nº 4 do art.º 833º, intitulado “Realização da venda por negociação particular” que “o preço é depositado diretamente pelo comprador numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução sejam realizadas por oficial de justiça, da secretaria, antes de lavrado o instrumento da venda”.
E estabelece por sua vez o nº1 do art.º 827.º do CPC, intitulado “Adjudicação e registo” que “Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados”, acrescentando o nº 2 do mesmo preceito legal que “Seguidamente, o agente de execução comunica a venda ao serviço de registo competente, juntando o respetivo título, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil”.
Ora, de acordo com a literalidade dos textos e as regras procedimentais aplicáveis, o pagamento do preço – e a eventual liquidação das obrigações fiscais inerentes à transmissão dos bens (caso as haja) -, pelo comprador ou pelo remidor, tem necessariamente de ser precedido das formalidades legais requeridas para o seu depósito, desde logo da emissão das competentes guias, por parte do agente de execução, ou da secretaria, das quais conste o valor a pagar (preço e eventuais obrigações fiscais), assim como as indicações da conta bancária onde o depósito vai ser efetuado.
Donde, cremos que dificilmente se poderá retirar da letra do preceito em análise a afirmação de que o preço dos bens tem de ser integralmente pago/depositado pelo remidor, no momento em que manifesta nos autos a sua intenção de exercer o direito de remição; cremos que uma leitura menos restritiva da lei revela-se mais consentânea com as realidades da vida, e também com as formalidades previstas para a prática da generalidade dos atos judiciais. 
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Fazendo agora aplicação dos preceitos legais ao caso dos autos, vejamos se a requerente cumpriu com as formalidades legais que lhe foram impostas, desde logo pela sra. Agente de execução.
Como já vimos acima, a requerente, intitulando-se filha dos executados, qualidade que comprovou nos autos, dirigiu à sra. Agente de execução um requerimento, datado de 28.2.2022, a manifestar a sua intenção de exercer o direito de remição, pelo valor proposto pelo interessado na compra dos bens, de € 130.000,00, tendo sido notificada para o efeito, na mesma data (28.2.2022), para efetuar o depósito do preço através das duas guias que lhe foram enviadas.
Começa a recorrente por alegar que lhe foi concedido, na notificação e nas guias que lhe foram enviadas, o prazo de 15 dias para proceder ao depósito do preço, tendo-lhe sido emitidas duas guias para o efeito, com valores repartidos em cada uma delas.
Ora, compulsados os autos (assim como os respetivos registos eletrónicos), não verificamos, no entanto, que assim tenha sido, não constando da notificação existente nos autos a concessão de qualquer prazo à requerente para o efeito. O mesmo se passa com as guias existentes, das quais não consta qualquer prazo para o seu pagamento, nem o respetivo valor.
Alega também a requerente que apenas recebeu a notificação datada de 28.2.2022 em 10.3.2022, facto que também não podemos confirmar do registo daquela notificação (através do site do registo dos Correios..., que consultamos), dado que dos mesmos não consta sequer que a requerente tenha recebido ou assinado o registo da carta que lhe terá sido enviada em 28.2.2022 – sendo certo que enquanto as notificações aos mandatários das partes são feitas por via eletrónica (na plataforma Citius – cfr. artigos 248º e 132º nº 1 do CPC), no que concerne aos intervenientes acidentais (como é o caso da requerente remidora), a modalidade de notificação legalmente prevista é a carta registada (artigo 251º, nº 1, CPC), registo que consta, efetivamente, da notificação junta aos autos.
Ou seja, nenhuma das alegações da recorrente encontra respaldo na documentação existente nos autos, do que não resulta necessariamente que a recorrente não tenha razão no que alega, uma vez que a documentação analisada não nos oferece a credibilidade que a mesma deveria oferecer, pois as guias emitidas à requerente são completamente omissas, não só quanto à data do seu pagamento, mas também quanto ao valor a pagar (contrariamente ao que verificamos noutras guias existentes nos autos, emitidas posteriormente, em 12.12.2022, em nome do potencial comprador, onde esses elementos vêm nelas devidamente mencionados), não constando também dos autos, registo comprovativo da data da receção da notificação à requerente – sendo mesmo inexistente esse registo no site dos Correios... (que consultamos).
O certo é que tudo quanto a recorrente vem alegar em sede de recurso já havia invocado perante o tribunal recorrido, aquando da impugnação/reclamação da decisão da sra. Agente de execução, a indeferir-lhe o direito de remição, não tendo no entanto a sra. Agente de execução tomado posição, na informação que prestou aos autos, sobre nenhuma das afirmações da requerente, sendo certo que tendo-se efetuado a sua notificação através de carta registada com Aviso de receção, haveria a sra. Agente de execução de tomar posição sobre o afirmado pela recorrente, comprovando que a mesma assinou o A/R em data anterior a 10 de março de 2022.
E igual dever incumbia à sra. Agente de execução relativamente ao alegado prazo que lhe foi concedido – de 15 dias -, para proceder ao depósito do preço.
Também o tribunal recorrido, perante afirmações tão relevantes da requerente - de que se encontrava em prazo para exercer o direito de remição manifestado nos autos -, haveria de se inteirar dessa realidade, e averiguar se tal correspondia ou não à verdade, já que a sra. Agente de execução, na informação que prestou nos autos, não tomou posição sobre tais afirmações da requerente.
Daquele despacho consta apenas o seguinte: “Entendendo a AE não estarem reunidos os pressupostos para o exercício do direito de remição, veio proferir decisão no sentido do seu indeferimento. Ante aquela decisão, veio a então requerente reclamar, entendendo que dispunha do prazo de 15 dias para liquidar o remanescente do valor em sujeito (…). Ora, atento o exposto, conclui-se não poder ser admitido ou reconhecido o exercício do direito de remição pela Requerente BB, na medida em que não foi dado cumprimento aos respetivos pressupostos, desde logo, porque incumbia à mesma, no primeiro momento em que manifestou a intenção de remir, quer atestar a respetiva qualidade quer proceder ao depósito integral do respetivo preço…”.
Ora, não podemos subscrever as afirmações da Sra. Juíza.
Em primeiro lugar, porque não é compatível com a tramitação processual, como acima deixamos dito, que o remidor manifeste a sua intenção de remir, e proceda logo, em simultâneo, ao depósito do preço. Haverá que solicitar guias para o pagamento, não só do preço, mas também das obrigações fiscais a seu cargo, caso existam, as quais terão de lhe ser emitidas e entregues, ou pela agente de execução, ou pela secretaria, o que demandará necessariamente, em se tratando de remição em bens imóveis, a averiguação prévia dos valores a liquidar.
Não se pode também fazer uma leitura tão restritiva do nº 2 do art.º 843º do CPC, no sentido de se considerar que quando o direito de remição é exercido em momento posterior ao ato de abertura e aceitação das propostas, o remidor deve, no momento em que manifestou a intenção de remir, proceder ao depósito integral do respetivo preço (eventualmente com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente nos casos em que este já tenha feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º).
A referência legal ao momento do exercício do direito de remição deve ser entendida em sentido amplo, e relacionada com o período temporal em que tal acontece – após o ato de abertura e aceitação das propostas -, pondo a lei o acento tónico mais na integralidade do preço do que na sua pontualidade.
E faz sentido que assim seja: se o direito de remição é exercido em momento posterior ao ato de abertura e aceitação das propostas, não se justifica que se divida o pagamento do preço em duas partes: uma de 5% sobre o valor da venda anunciada, a título de caução, e outra da parte restante do preço (conforme previsto no art.º 824º do CPC). Ou seja, se o direito é exercido após esse momento, numa altura em que se conhecem já as propostas apresentadas e se encontra determinado o preço a pagar, que será pela maior oferta apresentada pelo proponente – ou no caso da venda por negociação particular, em que se conhece a proposta do comprador -, deve o remidor, querendo exercer o seu direito, pagar o preço integral dos bens.
Isso não significa necessariamente, como se disse, nem cremos que tal resulte de forma clara, da lei, que o pagamento do preço, apesar de integral, deva ser feito de imediato, como se concluiu na sentença recorrida. 
Claro que poderá objetar-se que a requerente também não deu cumprimento estrito ao preceito legal em análise, ao efetuar apenas o pagamento de uma parte do preço (e não o preço integral). Ou seja, a requerente não só não pagou o preço de imediato, como também o não fez integralmente.
Desconhece-se, no entanto, em que circunstâncias foi permitido à requerente efetuar o pagamento a que se propôs, reiterando ela nas suas alegações de recurso o que já havia manifestado nos autos, de que efetuou parte do pagamento do preço através de uma das guias que lhe foram enviadas (no valor de €35.000,00), comprometendo-se a nos dias seguintes efetuar o pagamento restante (de € 95.000,00) através da outra guia, o que só lhe seria permitido, estamos em crer, caso o preço fosse efetivamente repartido por ambas as guias.
Daí ela afirmar, com lógica, que em 21.3.2022, data em foi proferido o despacho pela sra. Agente de execução a indeferir-lhe o pedido de remição, ainda não se tinha esgotado o prazo que lhe havia sido concedido – de 15 dias -, para efetuar o pagamento integral do preço.
Ora, caso a sra. Agente de execução tenha concedido efetivamente à requerente o alegado prazo de 15 dias para efetuar o depósito do preço – o que não é de todo impossível, como verificamos que sucedeu nas guias por si emitidas em 12.12.2022, a favor do comprador -, esse prazo, independentemente da sua legalidade, haveria de ser respeitado, quer pela sra. Agente de execução, quer pelo tribunal recorrido, porque gerador de uma situação de confiança da requerente na instituição que aquelas entidades representam – o tribunal.
Donde, seria de todo expectável, e consentâneo com os princípios vigentes na nossa ordem jurídica – de cooperação e de colaboração do tribunal com as partes e demais intervenientes processuais –, que depois de apurado se havia sido efetivamente concedido prazo à requerente para pagamento da totalidade do preço, ele fosse respeitado, e aferido, a final, se ela estava ainda em tempo de exercer o direito de remição a que se havia proposto.
Este o procedimento que, em nosso entender, deveria ter sido adotado pelo tribunal recorrido, perante a reclamação da requerente, o que passaria pela análise cuidado dos documentos emitidos pela sra. Agente de execução, e a que a requerente faz alusão logo na reclamação por si apresentada.
Aliás, é o próprio tribunal recorrido que refere, citando o Ac. do Tribunal Constitucional nº 277/07, que “… apesar de o remidor não ser parte, beneficia, quanto às condições procedimentais do exercício do direito que lhe assiste, da tutela conferida pelo art.º 20.º da Constituição, não podendo ser-lhe criados ónus ou obstáculos desproporcionados à efectivação da pretendida aquisição dos bens familiares…”.
Como se decidiu muito acertadamente no acórdão proferido nestes autos em 22.09.2022, devíamos ver aqui postos em prática o princípio da cooperação e o dever de gestão processual, ambos a cargo do tribunal.
No que respeita ao referido dever de gestão processual e ao princípio da cooperação, subscrevemos também aqui os argumentos expendidos no Acórdão desta Relação de 17/12/2015 (disponível em www.dgsi.pt), de que “Tem aqui plena aplicação o princípio pro actione que, segundo a doutrina “…tem como destinatário o tribunal e destina-se a assegurar que, em caso de dúvida, se efectue uma interpretação das normas processuais mais favoráveis ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva. O juiz deve afastar interpretações estritamente formalistas ou ritualistas das normas processuais, e intervir de modo a ultrapassar deficiências meramente formais dos articulados para efeito de viabilizar o conhecimento da matéria de fundo” (Carlos Cadilhe, Dicionário de contencioso administrativo, Almedina/2006, pág. 539). Aliás, a reforma do CPC visou, precisamente, quebrar com regras e hábitos processuais há muito enraizados. Pretendeu-se tornar o processo civil mais célere, mais simples e mais flexível (sancionando-se a prolixidade) e, ao mesmo tempo, conferir “conteúdo útil aos princípios da verdade material, da cooperação funcional e ao primado da substância sobre a forma…”.
Tem sido também esse o entendimento seguido na doutrina - nomeadamente por José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil anotado -, do dever do tribunal de alertar as partes para a prática de determinado ato processual, antes da aplicação de sanções e cominações graves, em decorrência do princípio da boa gestão processual, e do dever de prevenção dele emergente.
Todos os princípios enunciados são, de resto, manifestações do princípio mais amplo, constitucionalmente previsto, do direito dos cidadãos à tutela jurisdicional efetiva.
Com efeito, o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa garante a todos os cidadãos o direito de acesso aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive – na conformação normativa pelo legislador, e na concreta condução do processo pelo juiz –, através de um processo equitativo.
À luz deste princípio, os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo, e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador, nem o aplicador do direito, pese embora a margem de liberdade de que dispõem, autorizados a criar obstáculos, que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva.
Ora, como concretização prática do princípio do processo equitativo, e corolário do princípio da igualdade, é o direito ao contraditório (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1956, p. 364), sendo que as regras do contraditório e da proibição da indefesa que lhe vai associada assumem relevo muito particular a propósito da disciplina das notificações, por serem os atos processuais destinados a facultar às partes (e aos demais intervenientes processuais) o conhecimento do estado do processo, colocando-as em condições de exercitarem o seu direito de defesa, ou de exercerem os demais direitos de intervenção processual (cfr. Lopes do Rego, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 837).
Daí que, a certeza da receção da notificação, do seu conteúdo, e do momento exato da sua receção são imperativos de direito que não podem ser afastados.
Temos assim como seguro que as regras adjetivas impostas na Lei para a prática dos atos processuais, nomeadamente das notificações, destinam-se a fazer respeitar estes direitos possuidores de dignidade constitucional, não podendo tais formalidades ser ignoradas ou derrogadas, mesmo que elas tenham sido emitidas em desconformidade com determinados preceitos legais.
Significa isto que a receção de uma notificação pela parte (ou por um qualquer interveniente processual) provinda de uma entidade revestida da credibilidade necessária para a emitir, constitui para o seu recetor uma garantia de defesa que não lhe pode ser retirada, sob pena de violação do seu direito de defesa e, em última análise, do seu direito à aludida Tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrada.
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Sempre será de referir, que independentemente do prazo que lhe foi concedido, entendemos que a requerente estava ainda em tempo de exercer o seu direito, na data em que lhe foi indeferido o pedido de remição, dado que nem os bens haviam ainda sido entregues ao comprador, nem havido sido ainda emitido àquele o título de aquisição dos mesmos, como vem previsto no art.º 843º nº2 do CPC, ou seja, não havia ainda sido ultrapassado o limite do prazo concedido ao remidor para exercer o seu direito.
Como se decidiu nos Acs. da RE, de 18/10/2018, e de 28/3/2019 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), no caso da venda por negociação particular, apenas releva como termo do prazo para o exercício do direito de remição a emissão do título de transmissão dos bens a favor do comprador (em se tratando de bens imóveis), relevando o ato de entrega dos bens, como termo daquele prazo, quando a venda, pela sua modalidade, não imponha um título que a documente, o que sucede na venda em bolsas e, consoante o regulamento, na venda em estabelecimento de leilões e em depósito público (Ac. RP de 17.3.2006, e Ac. desta RG. de 6.10.2004, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
O mesmo se decidiu no Ac. do Tribunal Constitucional, citado na decisão recorrida (Ac. nº 277/07) - embora ainda face ao disposto no artigo 913.º, n.º 1, alínea a) do CPC, preceito que permitia, na lei adjetiva pretérita, o exercício do direito de remição, no caso de venda judicial, até ser proferido despacho de adjudicação dos bens ao proponente: “… no caso, no momento em que não se admitiu o exercício do direito de remição, esse despacho (que só pode ser emitido após estar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão – artigo 900.º) ainda não havia sido proferido…”, o mesmo sucedendo no caso dos autos, estando ainda a requerente, no momento que foi proferido o despacho da sra. Agente de execução, em tempo de poder exercer o direito de remição.
Ou seja, verifica-se no caso dos autos que à data do exercício do direito de remição por parte da requerente (filha dos executados), ainda não tinha sido elaborado nem emitido ao comprador o respetivo título de transmissão dos bens (desconhecendo-se mesmo se havia sido feito o depósito integral do preço acordado, e das respetivas obrigações fiscais).
Com efeito, se a agente de execução não tinha ainda levado a cabo as diligências previstas no art.º 827º do CPC, - nomeadamente, a emissão do título de transmissão dos imóveis a favor do comprador -, forçoso é concluir que a requerente estava ainda em tempo de exercer o seu direito de remição, direito esse que sempre poderia ser exercido por aquela até ao cumprimento das referidas formalidades legais.
Resulta assim também do exposto, que o direito de remição manifestado nos autos pela requerente não podia ter sido indeferido naquele momento, devendo antes ter sido admitida a requerente a depositar a parte restante do preço (em prazo a fixar pelo tribunal).
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Resta dizer ainda que o preço a pagar pela requerente, seria apenas o preço que lhe foi comunicado – de 130.000,00 –, preço esse pelo qual foi autorizada a venda, tendo sido também esse o preço referencial das guias que lhe terão sido emitidas, sendo irrelevante para o sucesso da operação, a nova proposta entretanto apresentada pelo comprador - e à qual, quer a agente de execução, quer o tribunal recorrido, atribuíram relevância nas decisões proferidas, na altura em que estava em curso o processo de pagamento do preço dos bens, autorizado pelo tribunal por despacho de 16.2.2022, pelo valor de € 130.000,00.
Aliás, decorre expressamente do disposto no artigo 842.º do CPC, que estabelece o direito de remição, que “Ao cônjuge (…) e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.”.
Com efeito, como bem referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo (A Ação Executiva – Anotada e Comentada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 529), para que o direito de remição seja exercido e possa ser considerado pelo agente de execução, a venda tem de estar determinada, no sentido de que o agente de execução já tomou a decisão de aceitar a proposta mais alta oferecida, pois é sobre essa proposta concreta que o direito de remição terá de ser exercido.
Assim, para que o titular do direito de remição o possa exercer e o mesmo possa ser aceite pelo agente de execução, é necessário estarmos perante uma proposta concreta de aquisição feita por um terceiro, e que tenha sido por ele aceite.
Ora, no caso dos autos, a venda concretizou-se com a aceitação da proposta apresentada pelo comprador, feita pelos interessados na venda – o exequente, os executados, e os credores reclamantes -, proposta de compra e respetiva aceitação, que foram “homologadas” pelo tribunal recorrido, o qual proferiu despacho, em 16.2.2022, a autorizar a venda, sendo esse o momento a partir do qual se sedimentaram as declarações das partes, e a venda dos bens.
Como decorre do nº 1 do art.º 228º, alíneas b) e c) do CC – aplicável à proposta contratual feita por escrito, a pessoa ausente -, a proposta do contrato obriga o proponente durante o prazo de cinco dias, até que em condições normais, a proposta e a sua aceitação cheguem ao seu destino.
Decorre assim do exposto, que tendo a proposta do comprador dos bens (pelo preço de € 130.000,00) sido aceite pelos interessados e chancelada pelo tribunal, ela vincula o comprador, que a não pode retirar ou alterar, em prejuízo da outra parte ou dos beneficiários da mesma, como é o caso do remidor, que exerce “um direito de preferência qualificado” na aquisição dos bens, pelo preço pelo qual eles hajam sido vendidos.
Daí que tenhamos como adquirido que a nova proposta apresentada pelo comprador não pode ter a virtualidade de derrogar a sua proposta anterior, já aceite por todos os interessados nos autos, sobretudo se ela vier prejudicar – como vem -, o direito da remidora.
Em conclusão, a fim de se considerar o direito de remição manifestado nos autos pela requerente validamente exercido, deve a mesma ser admitida a depositar a parte restante do preço (em prazo a fixar pelo tribunal), revogando-se em conformidade o despacho recorrido.
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V- DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se procedente a Apelação e revoga-se a decisão recorrida, determinando-se que seja proferida nova decisão a permitir que a requerente deposite o remanescente do preço em falta, em prazo a determinar pelo tribunal, e se aprecie, a final, a validade do direito de remição manifestado nos autos pela requerente.
Custas pela parte vencida a final.
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Guimarães, 11.5.2023.