NULIDADE DE SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
NEGÓCIO SIMULADO
TÍTULO EXECUTIVO
INEXISTÊNCIA DE TÍTULO
INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
PRESCRIÇÃO
HIPOTECA
TERCEIRO ADQUIRENTE
POSSE
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário


I- Como decorre no disposto no artigo 615, nº 1, al. d), do C.P.C., não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie a divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.
II- Decorrendo a posse do Autor de um negócio simulado, celebrado entre ele e o irmão com vista a prejudicar o direito da Ré, há que considerar tal posse como de má-fé.
III- Contudo, uma vez que a simulação é um vício que afecta a substância do negócio e não a forma, a posse deveria ser tida como titulada.
IV- Tendo sido interposta acção judicial na qual foi declarado nulo o aludido negócio jurídico, e tendo a nulidade efeito retroactivo, tudo se passa como se o negócio nunca tivesse sido celebrado, pelo que a posse do Autor passa a carecer de título, e isto desde o início

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: M..., LIMITADA e “SOCIEDADE TURÍSTICA E HOTELEIRA Quinta ..., LDA.”
Recorridos: M..., LIMITADA e “SOCIEDADE TURÍSTICA E HOTELEIRA Quinta ..., LDA.”
Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Execução ....

Nos presentes autos de Embargos de Executado veio a Executada/Embargante “SOCIEDADE TURÍSTICA E HOTELEIRA Quinta ..., LDA.” deduzir oposição à execução alegando, em síntese, que a Exequente é parte ilegítima (excepção que já foi decidida nos autos principais de execução), que existe prescrição dos créditos detidos pela Exequente, que a dívida exequenda é inexigível, invoca também a não renúncia ao benefício do prazo, a extinção da hipoteca que onera a Quinta ..., a violação por parte da Exequente/Embargada do PARI e PERSI e, por último, formulou um pedido reconvencional que se reconheça que a Embargante é dona e legítima proprietária da Quinta ...; de contrário que seja julgado procedente por provado “o direito de retenção” e a Exequente condenada a pagar à Executada o valor de um milhão e novecentos mil euros (tendo sido proferida decisão, nos presentes autos de embargos de executado, em 26/04/2021, a julgar inadmissível a reconvenção).

Requereu a eventual apreciação pelo Tribunal na aplicação de multa e indemnização a proferir contra a Embargada por “Litigância de má-fé” e “Abuso de Direito”.

Notificada a Exequente “M..., LDA.” veio a mesma apresentar contestação refutando a matéria factual e as excepções invocadas pela Executada/Embargante alegando, em síntese, que o contrato de compra e venda celebrado entre a devedora, declarada insolvente, “Sociedade Agrícola Quinta ...” e a ora Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ..., Lda.”, tendo como objecto o prédio denominado “Quinta ...” é nulo, por simulação; que a obrigação exequenda é certa, líquida e exigível, conforme resulta do teor do requerimento executivo; que não existe prescrição dos créditos nem da hipoteca, uma vez que ainda não decorreu o prazo de 20 anos legalmente estabelecidos uma vez que a Executada/Embargante reconhece ter conhecimentos da dívida e da interpelação para pagamento desde que a primitiva titular do créditos (Banco 1..., S.A) reclamou créditos no processo de insolvência da Sociedade Quinta ... (devedora originária).

Também alega que não compreende como pode a Executada/Embargante invocar a não renúncia ao benefício do prazo e a insistir na falta de conhecimento e interpelação das partes envolvidas nos contratos de crédito em causa quando numa providência cautelar afirma “após aceitação das reclamações de crédito”.

Mais alega que os regimes do PARI e do PERSI não são aplicáveis aos contratos pela Banco 1... que titulam o crédito que veio a ser adquirido pela exequente, aqui embargada, desde logo, porque tais regimes destinam-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da LDC, e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade.

Requereu ainda que a condenação da embargante/executada como litigante de má-fé uma vez que a mesma recorre aos presentes autos, com o intuito único de tentar evitar que a embargada/exequente exerça um direito que lhe assiste decorrente da aquisição dos créditos e, de forma dolosa e consciente, alega fatos distorcidos e em que nada correspondem à verdade, numa tentativa desesperada de “levar a sua avante”.

Termina alegando que devem os embargos ser julgados improcedentes, por não provados, e em consequência a execução prosseguir os seus regulares termos.
 
Findos os articulados, efectuou-se o despacho saneador stritu sensu onde se concluiu pela regularidade da instância e se fixaram os Temas da Prova, despacho este que não foi objecto de reclamação.

Inconformada com tal decisão, dela interpuseram recurso a Exequente, M..., LDA., e os Executados, SOCIEDADE TURÍSTICA E HOTELEIRA Quinta ..., LDA., e de cujas alegações extraíram as seguintes conclusões:

A- Conclusões das Exequentes:
(…)
B- Conclusões das Executadas:
(…)

*
As Apeladas apresentaram contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Analisar da existência ou não das nulidades invocadas.
- Analisar da impugnação da matéria de facto
- Analisar se as partes quiseram celebrar o negócio dissimulado
- Analisar da iliquidez da prestação.
- Analisar da inexistência de título e da consequente inexigibilidade da obrigação.
-Analisar da existência de prescrição.
- Analisar da existência de usucapião.
Analisar da existência de litigância de má-fé.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Discutida a causa, resultaram apurados os seguintes factos:

FACTOS PROVADOS:

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

A) Mediante escritura de cessão de créditos celebrada em 20.12.2019, a “C... COMPANY” (doravante denominada apenas por C...) cedeu à ora exequente “M..., LDA.” um conjunto de créditos vencidos de que era titular por força da cessão de créditos que havia celebrado em 04.10.2018 com a Banco 1..., S.A.
B) Dos créditos objeto da referida cessão de créditos, constam os créditos melhor identificados no requerimento executivo que deu início aos autos principais de execução.
C) O imóvel indicado à penhora no requerimento executivo, e que fundamenta a presente execução hipotecária, foi vendido pela parte devedora “SOCIEDADE AGRÍCOLA Quinta ... LIMITADA” à ora executada “SOCIEDADE TURÍSTICA E HOTELEIRA Quinta ..., LDA.”, relativa ao imóvel denominado “Quinta...” indicado à penhora nos autos executivos (AP. ...03 de 2012/01/10.
D) Por escritura datada de 16.05.2003, celebrada entre a “Banco 1..., S.A.” e a “SOCIEDADE AGRÍCOLA Quinta ... LIMIITADA” foi constituída hipoteca genérica sobre um conjunto de imóveis, designadamente, sob o bem indicado à penhora na presente execução – cfr. Cláusula 5ª III da referida escritura - e conforme se afere pela visualização da C.R.P. AP. 1 de 2003/05/21.
E) A referida hipoteca teve como finalidade garantir um conjunto de responsabilidades e obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir pela sociedade por quotas “SOCIEDADE AGRÍCOLA Quinta ... LIMIITADA” até ao montante capital de € 8.000.000,00 (oito milhões de euros).
F) Garantidos pela hipoteca em questão encontram-se os seguintes contratos celebrados entre a “Banco 1..., S.A.” e a “SOCIEDADE AGRÍCOLA Quinta ... LIMITADA”: a) Contrato de Abertura de Crédito em conta corrente com a finalidade de apoio à tesouraria, com o número  ...92, celebrado em 28.02.2000, no montante de €2.493.989,00 (dois milhões quatrocentos e noventa e três mil novecentos e oitenta e nove euros); b) Contrato de Empréstimo com o número  ...91, celebrado em 16.05.2003, no montante de € 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil euros): c) Contrato de Abertura de Crédito em conta corrente, com o número  ...92, celebrado em 07.07.1995 com aditamento em 29.02.2000, no montante de €1.496.393,69 (um milhão quatrocentos e noventa e seis mil trezentos e noventa e três euros e sessenta e nove cêntimos); d) Contrato de Abertura de crédito em conta corrente com o número  ...92, celebrado em 20.09.2001, no montante total de € 997.595,79 (novecentos e noventa e sete mil quinhentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos).
G) Para segurança do crédito Contrato de Empréstimo  ...91, bem como das responsabilidades decorrentes do referido contrato de crédito, foi também constituído penhor mercantil, entre outros, sobre os bens que se encontram localizados no prédio sito na freguesia e concelho ..., denominado “Quinta...”, e que fundamenta a presente execução hipotecária
H) As quantias disponibilizadas nos termos acima descritos e de acordo com o clausulado nos referidos contratos foram creditadas em contas correntes da titularidade da mutuária.
I) Sobre os capitais disponibilizados seriam devidos juros às taxas legais indicadas nos respetivos contratos, obrigando-se a referida sociedade devedora a amortizar e reembolsar as quantias disponibilizadas, acrescidas de juros e demais encargos nos termos previstos em cada um dos referidos contratos.
J) Os referidos contratos encontram-se em incumprimento, não tendo sido liquidados os valores em dívida desde as seguintes datas: a) 13.03.2012, b)16.08.2012, c) 12.06.2012, d) 26.03.2012.
K) São devidos os seguintes valores reportados a cada um dos contratos supra elencados: a) Contrato de Abertura de Crédito  ...92: CAPITAL: € 2.493.989,00, Juros remuneratórios à taxa legal de 4,54% até à data de resolução do contrato: € 470.979,69, Juros de mora à taxa legal de 7,47% desde 13.03.2012 até 27.02.2020: € 1.483.772,45, TOTAL: 4.448.741,14; b) Contrato de Empréstimo  ...91: CAPITAL: € 1.337.090,35, Juros remuneratórios à taxa legal de 5,34% até à data de resolução do contrato: € 51.945,60, Juros de mora à taxa legal de 7,54% desde 16.08.2012 até 20.02.2020: € 759.853,43, TOTAL: € 2.148.889,38; c) Contrato de Abertura de Crédito  ...92: CAPITAL: € 1.227.212,06, Juros remuneratórios à taxa legal de 4,54% até à data de resolução do contrato: € 213.428,77, Juros de mora à taxa legal de 7,47% desde 12.06.2012 até 20.02.2020: € 707.261,47, TOTAL: € 2.147.902.30; d) Contrato de Abertura de crédito  ...92: CAPITAL: € 694.110,04, Juros remuneratórios à taxa legal de 4,54% até à data de resolução do contrato: € 130.008,99, Juros de mora à taxa legal de 7,47% desde 26.03.2012 até 20.02.2020: € 411.106,73, TOTAL: € 1.235.225,76.
L) Por sentença proferida em 1/10/2015, a Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., foi declarada insolvente, por decisão proferida no processo nº 227/15...., do Tribunal Judicial ..., motivo pelo qual a Exequente instaurou os autos principais de execução apenas contra o terceiro detentor do imóvel indicado à penhora, a aqui executada.
M) Pela Ap. ... de 2002/05/03, foi registada a aquisição, por compra, a favor da Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda., do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ...05.
N) Pela Ap. 1 de 2002/05/21, foi registada uma hipoteca voluntária, tendo como sujeito ativo a Banco 1..., S.A., assegurando o montante máximo de € 12.028,000,00, onerando o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ...05.
O) Pela AP. ...03 de 2012/01/10, foi registada a aquisição, por compra, a favor da Requerente “Quinta ...”, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ...05.
P) Pelo menos desde o ano de 2012 que a “Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda.” se encontrava em situação generalizada de incumprimento com os seus credores.
Q) Os representantes da Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” e da “Sociedade Agrícola Quinta ...”, por contrato de compra e venda, outorgado no dia 10 de janeiro de 2012, na Conservatória do Registo Predial ..., e pelo preço aí declarado de 220.000,00€ (duzentos e vinte mil euros), declararam comprar e vender, respetivamente, o prédio misto denominado “Quinta...”.
R) Relativamente ao negócio referido em Q), não foi pago pela “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” o preço de € 220.000 (duzentos e vinte mil euros) nem recebido pela sociedade insolvente “Sociedade Agrícola Quinta ... Lda.”
S) A “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” é uma sociedade comercial que tem por objeto a atividade do turismo de habitação, apartamentos, parque, animação, restauração e hotelaria, tendo sido constituída em 18/03/2004, sendo sócios fundadores AA (com uma quota no valor de € 30.000), AA (com uma quota no valor de € 7.500,00) e BB (com uma quota no valor de € 7.500,00), competindo a todos a gerência da sociedade.
T) A “Sociedade Agrícola Quinta ... Lda.” teve igualmente como sócios fundadores AA, CC da
Silva, BB e, a sede social da sociedade situava-se na Avenida ..., no ..., coincidindo com a sede da aqui requerente e com a de outras sociedades detidas por estes.
U) A “Sociedade Agrícola Quinta ...” tinha por objeto a atividade da viticultura e produção de vinhos comuns e licorosos tendo, entretanto, sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado, proferida em 12 de outubro de 2015, no âmbito do processo de insolvência n.º227/15...., que corre termos pelo Juízo de Comércio ....
V) A estrutura societária da “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” foi composta por AA, AA e BB tendo sido eles que assinaram em representação da “adquirente” o Contrato de Compra e Venda do imóvel em causa nos autos.
W) AA, transmitiu a quota que detinha na “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...”, no valor nominal de 30.000,00€, à sociedade comercial por quotas denominada “C... – Gestão, Administração de Bens Móveis e Imóveis, S.A.”, NIPC: ..., a qual se encontra sedeada na mesma morada da residência daquele – Avenida ..., ..., ... e que é igualmente administrada pelo referido cedente da quota.
X) Os dois filhos do Sr. AA, AA e BB, cada um outrora detentor de uma quota no valor unitário nominal de 7.500,00€ na requerente, transmitiram-nas à “Sociedade Agrícola Terras de ..., S.A.” com o NIPC: ... a qual, para além de estar igualmente sedeada na Avenida ..., ..., ..., tem como administrador o Sr. AA e como vogais desse mesmo conselho de administração os seus dois filhos AA e BB.
Y) A transmissão por parte da insolvente “Sociedade Agrícola Quinta ...” em benefício da aqui embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” referida em Q) teve como único intuito sonegar um ativo que deveria integrar a massa insolvente, reputando-se tal ato como prejudicial àquele património autónomo, porquanto, visaram os mencionados intervenientes frustrar e/ou diminuir a satisfação dos interesses dos credores da insolvência que, à época, estava iminente.
Z) Nos processos de insolvência da “Sociedade Agrícola Quinta ... Limitada”, bem com nos processos de insolvência de AA, DD e AA, foram reclamados pelo credor originário, Banco 1..., S.A., os créditos ora reclamados pela Exequente “M..., Lda.” nos autos principais de execução, sem que aí, tenham sido impugnados ou merecido qualquer tipo de contestação por parte daqueles.
AA) A “Banco 1...” reclamou créditos no valor € 7.285.541,82, no processo de insolvência da “Sociedade Agrícola Quinta ... Limitada”; no valor de € 5.752.401,30 , no valor de no processo de insolvência do requerido AA; no valor de € 3 758 555,18 ; no processo de insolvência de BB foram reclamados créditos pela C... Company (cedidos pela Banco 1...) no valor de € 5.417.647,20 no processo de insolvência de AA, que correm termos pelos processos n.º 227/15....; 306/15...., 397/18.... e 6/18.... respetivamente, créditos esses que, foram reconhecidos pelo respetivos administradores de insolvência nomeados em cada um dos respetivos processos de insolvência e, graduados no lugar que lhe competia, nas sentenças de graduação de créditos.
BB) No que concerne ao contrato de compra e venda celebrado entre a “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” e a Massa insolvente “Sociedade Agrícola Quinta ...” não operou a resolução em benefício da massa por a resolução ter sido extemporânea, o que se deveu apenas ao facto de a Sociedade Agrícola Quinta ... Lda. ter transferido o imóvel em 10 de janeiro de 2012 e apenas ter requerido um Processo Especial de Revitalização em agosto de 2015.
CC) Nos autos principais de execução foi efetuada a penhora a favor da Requerida M..., Lda. sobre o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º...05, da freguesia ..., que foi registada pela Ap....82, datada de 17 de junho de 2020.
DD) Em fevereiro de 2020 e ainda antes da instauração dos autos principais de execução que corre termos pelos autos principais, a embargante, “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...”, instaurou um procedimento cautelar contra a “M...” - que correu termos pelo Juízo Central ..., Juiz ..., sob o processo n.º 251/20.... – no qual foi alegada a mesma factualidade: “9. E, passando aos fundamentos, a mencionada/referida SOCIEDADE AGRÍCOLA ... LDA. com o contribuinte fiscal NIPC ... foi declarada INSOLVENTE por decisão judicial através do processo n.º227/15.... que correu termos no Tribunal da Comarca ... – ... – Instância Local - .... Comp. Genérica – J.... 10. Por esse motivo, foram RECLAMADOS CRÉDITOS, onde o AI (Administrador da Insolvência) reconheceu e listou, os créditos, alguns como: COMUNS, PRIVILEGIADOS e outros como GARANTIDOS. 11. De todos os credores, dos que nos interessam, destacamos a Banco 1... (Banco 1...), Banco 2... (Banco 3...), ISS (Instituto de Segurança Social) e a AT (Administração Tributária) que, reclamam créditos e foram graduados na sua posição respetiva como créditos privilegiados. 12. Após a aceitação das RECLAMAÇÕES DE CRÉDITOS, análise dos seus fundamentos, para a graduação, o credor Banco 1... (Banco 1...) pediu graduação de determinado montante ao AI em virtude da usa garantia real de que era detentor. 13. Na relação de créditos invocou VALOR GARANTIDO por deter uma HIPOTECA VOLUNTÁRIA na CRP 1044/...05 a seu favor na Quinta..., através da AP. 1 de 2003/05/21, conforme MAPA da RELAÇÃO DE CRÉDITOS. 13. Para além daquela HIPOTECA VOLUNTÁRIA, a favor da Banco 1..., também esta INSCRITO – AVERBADO – ANOTADO, uma PENHORA, a favor do Banco 2... pela AP. ... de 2008/06/16, outra PENHORA a favor do IGFSS, pela AP. ... de 2007/1/02, outra PENHORA a favor da FAZENDA NACIONAL pela AP. ...13 de 2013/01/24, respetivamente. 15. Na mesma CRP (Certidão de Registo Predial) da Quinta... consta a aquisição a favor da aqui REQUERENTE pela AP. ...03 de 2012/01/10 – AQUISIÇÃO”.
EE) A Requerente pretende protelar os autos principais de execução e impedir que a Exequente/Embargada consiga alcançar a satisfação do crédito reclamado nos autos executivos

Fundamentação de direito.

A- Recurso da Exequente.
- Como fundamento da sua pretensão começa a Recorrente/Exequente por alegar que “o tribunal “a quo” incorreu num excesso de pronúncia, ao declarar nulo o contrato de compra e venda a que é feita alusão na sentença e a ordenar o cancelamento da inscrição no registo daquele negócio”, pois que, “o tribunal “a quo” ignorou o objecto do litígio - a saber: “existência e validade do título executivo” - e os temas da prova fixados no despacho saneador: “apurar se os créditos detidos pela exequente se se encontram prescritos; apurar se a dívida exequenda é inexigível; apurar da alegada não renúncia ao benefício do prazo; apurar se a hipoteca se encontra extinta; apurar se houve violação do PARI e do PERSI; apurar se alguma das partes actuou com dolo ou negligência grave e, como tal de má-fé”.

Como é consabido, o art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C., prevê situação de nulidade que abrange os casos nulidades da “omissão de conhecimento” e do “conhecimento indevido”[1].

O primeiro desses casos[2] consiste, assim, no facto de a decisão não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do disposto no art. 608º, nº 2 do C.P.C.. [3]

Daí que se possa afirmar que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não ter tido aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

A segunda das referidas hipóteses, a prevista na alínea d) – a do conhecimento indevido ou excesso de pronúncia –, verifica-se em todos aqueles casos em que sejam conhecidas e apreciadas questões que na sentença não podiam ser tratadas ou julgadas, por não terem sido colocadas em causa por qualquer das partes e não serem de conhecimento oficioso.

Este tipo de nulidade, tal como a omissão de pronúncia, está também directamente relacionada com o comando legal fixado no nº 2, do artº 608º, do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Esta norma suscita o problema de se saber qual o sentido exacto da expressão «questões» nele empregue, sendo elucidativos os ensinamentos de Alberto dos Reis, o qual refere que “(…) assim como a acção se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir) (…) também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado”. [4]
E, assim sendo, óbvio resulta que o conceito (questões) terá de ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado.

De tudo decorre, assim, que não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie a divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.[5]

Destarte e, sintetizando, estando defeso ao Juiz ocupar-se de questões não suscitadas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso, a nulidade da decisão por pronúncia indevida (conhecimento indevido), constituindo hipótese inversa à da omissão de pronúncia, apenas ocorre nos casos em que na decisão se conhece questão de que não se podia tomar conhecimento.

Como salienta M Teixeira de Sousa “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art. 668°, n° 1, al. e)[6].

No que respeita ao pedido, enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, é, pois, de grande importância o modo como se mostra formulado, por, como se viu, o juiz não dever deixar de proferir decisão que se contenha nos estritos limites em que foi delineado pelo autor”.[7]

Aqui chegados, vejamos então se a decisão recorrida enferma ou não do apontado vício, ou seja, se deixou de se pronunciar sobre qualquer questão de que não pudesse deixar de conhecer, como pretende o Recorrente.

Como supra se expendeu a Recorrente alega como fundamento que “o tribunal “a quo ”incorreu em excesso de pronúncia, ao declarar nulo o contrato de compra e venda a que é feita alusão na sentença e a ordenar o cancelamento da inscrição no registo daquele negócio”, pois, “ignorou o objecto do litígio” - a saber: “existência e validade do título executivo” - e os temas da prova fixados no despacho saneador: “apurar se os créditos detidos pela exequente se se encontram prescritos; apurar se a dívida exequenda é inexigível; apurar da alegada não renúncia ao benefício do prazo; apurar se a hipoteca se encontra extinta; apurar se houve violação do PARI e do PERSI; apurar se alguma das partes actuou com dolo ou negligência grave e, como tal de má-fé”.

Ora salvo o muito e devido respeito não se nos afigura que isto assim seja.

Na verdade, constatou a decisão recorrida que se verifica na situação o vício da vontade da simulação que tem como efeito a nulidade do negócio simulado, pelo que, como se refere na decisão recorrida, “compulsado o teor da contestação aos presentes embargos de executado, verificamos que, nos arts. 46.º a 79.º dos autos, a Exequente/Embargada alega factualidade para sustentar a simulação do negócio de compra e venda da Quinta..., contudo, no pedido que formula no final de tal peça processual não pede a declaração de nulidade de tal negócio.

Apesar de não ter sido efectuado um pedido por parte da Exequente de ver declarada a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda da Quinta... por parte da Quinta ... e da Quinta ..., nada impede que o Tribunal conheça da alegada nulidade.

É que, caso se encontre demonstrada nos autos a factualidade relevante da simulação, o Tribunal não poderá abster-se de declarar a cominação para tal vício ou seja a nulidade do negócio. Com efeito sendo o negócio simulado nulo (art.º 240º n.º 2 do CC) e sendo tal nulidade do conhecimento oficioso (art.º 286º do CC) o Tribunal tem o dever de a conhecer e de declarar a nulidade do contrato de compra e venda em causa nos autos (relativo à Quinta ...)”.

Improcede, assim, a apelação, quanto a este aspecto.

- Mais alega a Recorrente que “a factualidade relacionada com o negócio de compra e venda (simulada) que teve por objecto a “Quinta...” celebrado entre a Sociedade Agrícola Quinta ... Lda. e a embargante já havia sido apreciada pelo tribunal “a quo” meses antes no âmbito de uma providência cautelar que correu termos pelo apenso “D”, julgada improcedente e que transitou em julgado, motivo pelo qual, esta questão sob a perspectiva da recorrente, constitui a figura de caso julgado”.
Ora, como se refere no acórdão da Relação de Coimbra, de 11/06/2019[8]:
1.- O caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas.
2. Quando o objecto da segunda acção é idêntico e coincide com o objecto da decisão proferida na primeira acção, o caso julgado opera por via de excepção (a excepção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o Tribunal limitar-se-á a julgar procedente a excepção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão).
3.- O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão).
4.- Ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir.

Isto considerado a decisão recorrida dá como provada a seguinte factualidade:
“Expostas estas breves considerações acerca do instituto da simulação, volvendo para o caso em apreço, verificamos que, produzida a prova, foram dados com provados os seguintes factos:
- Pelo menos desde o ano de 2012 que a “Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda.” se encontrava em situação generalizada de incumprimento com os seus credores.
- Os representantes da “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” e da “Sociedade Agrícola Quinta ...”, por contrato de compra e venda, outorgado no dia 10 de janeiro de 2012, na Conservatória do Registo Predial ..., e pelo preço aí declarado de 220.000,00€ (duzentos e vinte mil euros), declararam comprar e vender, respectivamente, o prédio misto denominado “Quinta...”.
- Relativamente ao negócio referido no ponto anterior, não foi pago pela “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” o preço de € 220.000 (duzentos e vinte mil euros) nem recebido pela sociedade insolvente “Sociedade Agrícola Quinta ... Lda.”

Por outro lado, a providencia cautelar a que alude a Recorrente dá como demonstrada a seguinte factualidade:
“18) Relativamente ao negócio referido em 16), não foi pago pela Requerente o preço de € 220.000 (duzentos e vinte mil euros) nem recebido pela sociedade insolvente Sociedade Agrícola Quinta ... Lda.”.

E assim sendo, não só a factualidade demonstrada não é de molde a integrar o caso julgado, como também se não verificam os requisitos de que depende a verificação desta excepção, quer na providência apensa a estes autos como na 251/20...., ou seja, a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, já que os sujeitos das duas acções não são os mesmos, bem como o pedido e a causa de pedir.

E assim sendo, incontroversa resulta a inexistência da nulidade consistente no excesso de pronúncia.

Destarte, na inexistência da invocada nulidade, improcede, na íntegra, a presente apelação.

B- Recurso da Executada.
Alega a Recorrente que dispõe ainda o artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC que: "É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão".
As premissas do silogismo judiciário têm de ser congruentes com a conclusão que delas tem de decorrer logicamente, sendo que, na presente situação se verifica esta nulidade.

Acresce que, a sentença será também nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ou o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento - artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Cód. Proc. Civil.

Cuidando a sentença recorrida não na procura da fundamentação jurídico-positiva, de análise do documento dado à execução, mas antes numa direcção divergente da causa de pedir e pedidos, que determinou a solução do litígio em que as partes estão envolvidas, esta nulidade é susceptível de ser imputada à decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

A sentença é ainda nula por decisão contrária à causa de pedir e pedidos por total omissão de todas as excepções deduzidas pela recorrente/executada, como ainda a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Cód. Proc. Civil.

Definidos os termos da controvérsia, vejamos então se se verifica ou não a aludida nulidade.

Como é consabido, a nulidade da decisão recorrida por contradição entre os factos e a decisão, prevista no artigo 615, nº 1, al. c), do C.P.C., apenas ocorre naquelas situações em que se verifica uma oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos em que se alicerça, ou seja, em todos aqueles casos em que ocorre uma contradição real entre os fundamentos e a decisão, por existência de um vício real no raciocínio do julgador, em que a fundamentação e a decisão não se articulam entre si numa relação de coerência, apontando antes em sentidos ou direcções opostas ou, pelo, menos, diferentes, em que, simultaneamente, os fundamentos não são passíveis de alicerçar a decisão, e esta última também não decorre como uma ilação sustentada e coerente da concreta fundamentação[9].

A sentença será, assim, nula quando entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.

Resulta assim como evidente que ao consagrar este regime visou a lei abranger todas aquelas situações em que a construção ou elaboração da sentença se encontra viciada por virtude de os fundamentos nela mencionados conduzirem, inelutavelmente, a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, daquela que foi tomada.[10]

Ora, tudo isto considerado, e sendo certo que a Recorrente se limita a afirmar que a sentença não procura a fundamentação jurídico-positiva, na análise do documento dado à execução, mas antes numa direcção divergente da causa de pedir e pedidos, que determinou a solução do litígio em que as partes estão envolvidas sem que, entretanto, tenha aduzido qualquer fundamentação consistente tendente a justificar essa alegada contradição, vejamos então se existe ou não alguma contradição.
E salvo o devido respeito, não se nos afigura que se verifique esta alegada nulidade, pois que, toda causa de pedir, e logo também a acção se baseia no título dado à execução, inexistindo assim qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão proferida, como facilmente se constata da simples leitura dos seus fundamentos.

Na verdade, tudo quanto é alegado na acção é reportado ao crédito titulado pelo título dado à execução, nomeadamente, a causa de pedir e o pedido.

Improcede, assim, neste aspecto a presente apelação.

- Alega ainda a Recorrente que será nula a sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão, art.º 615.º n.º 1 al. b) e d) do Cód. Proc. Civil que, ao analisar um dos fundamentos dos embargos de executado – a exequibilidade o título e a liquidez das obrigações exequendas – afirmou que a obrigação é líquida, certa e exigível.

Mais alega que a exequente exorbitar nesta execução aquilo que irá receber na Massa Insolvente, pois se receber o seu crédito na Massa Insolvente fica ressarcida. Nada mais tem a receber. A hipoteca deu-lhe o crédito garantido.

Porém, nesta execução arroga-se de um crédito exequendo de mais de 9 milhões! Quando o montante da cessão foi de 5 milhões. Tendo já tendo sido ressarcida de valores da Massa. Neste montante já tem recebido da Massa a exequente valores significativos, mas ignorou e o douto Tribunal não fez alusão.

E o contrato de mútuo com hipoteca no requerimento executivo no montante em divida alegadamente são 1,3 milhões euros.

Presentemente, existe uma hipoteca para garantir até ao valor global de 8 milhões de euros. De todos os contratos com 23 imóveis mais dois penhores e uma livrança em branco.

Mas questiona-se. Qual é o valor em dívida da executada à exequente?

A sentença de graduação de créditos sem impugnações não forma caso julgado, apenas dentro do processo de insolvência. A exequente não detém valor a cobrar coercivamente para a presente execução.

No caso concreto, é também evidente que estamos perante uma obrigação exequenda ilíquida, pois que, não se mostra quantitativamente determinada à face do título executivo o referido e, em face disso, revogando a sentença, julgar-se procedentes os embargos de executado.

Ora a propósito desta questão resulta demonstrada a seguinte factualidade:
A) Mediante escritura de cessão de créditos celebrada em 20.12.2019, a “C... COMPANY” (doravante denominada apenas por C...) cedeu à ora exequente “M..., LDA.” um conjunto de créditos vencidos de que era titular por força da cessão de créditos que havia celebrado em 04.10.2018 com a Banco 1..., S.A.
B) Dos créditos objecto da referida cessão de créditos, constam os créditos melhor identificados no requerimento executivo que deu início aos autos principais de execução.

De qualquer forma, mesmo ”apresentando-se a obrigação exequenda ilíquida em face do título, nada obsta a que a execução prossiga, quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético e o exequente haja fixado o seu quantitativo no requerimento inicial da execução, mediante especificação e cálculo dos respectivos valores”[11].
           
Improcede também nesta parte a apelação.

Cumpre agora proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pelo Apelante, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., os Recorrentes que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.
A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Contudo, nesta actividade, como se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 26/09/2018[12], os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção[13].

A análise crítica dos elementos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) consiste na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva – na sujeição dos elementos probatórios a mútuos testes de compatibilidade), à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso).

Esta apreciação transcende a averiguação da sinceridade dos depoentes e testemunhas – a decisão da matéria de facto assenta numa convicção objectivável e motivável, a que se acede por via da razão, alicerçada em elementos de lógica e bom senso.

Apreciação que também se não confunde ou resume a certificar o declarado pelas partes ou testemunhas ou o teor de determinado elemento probatório – aprecia-se quer da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios (da consistência, coerência e verosimilhança de cada um dos referidos elementos, tomado individualmente) e também a sua valia extrínseca (da conjugação e compatibilidade entre todos eles).

Como refere Abrantes Geraldes[14] «Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de actos jurídicos ordenados em função de determinados fins, as partes devem deduzir os meios necessários para fazer valer os seus direitos na altura/fase própria, sob pena de sofrerem as consequências da sua inactividade, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na auto-responsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, poderes, faculdades, deveres, cominações e preclusões»[15].
«Sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova.
Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que os Recorrentes, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicaram nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso.
Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do recurso (da matéria de facto) através das alegações e mais concretamente das conclusões»[16].

Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, averiguando se as respostas impugnadas foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório.

Ora, como resulta do supra exposto, a Recorrente impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que o Tribunal recorrido considerou como provados os factos a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter obtido uma resposta de sentido diverso.

Assim, em seu entender, os factos tidos como não provados, deveriam ter sido dado como provado os seguintes factos:

- Factos a retirar dos pontos dados como provados:
F) Garantidos pela hipoteca em questão encontram-se os seguintes contratos celebrados entre a “Banco 1..., S.A.” e a “SOCIEDADE AGRÍCOLA Quinta ... LIMITADA”:
a) Contrato de Abertura de Crédito em conta corrente com a finalidade de apoio à tesouraria, com o número  ...92, celebrado em 28.02.2000, no montante de €2.493.989,00 (dois milhões quatrocentos e noventa e três mil novecentos e oitenta e nove euros);
b) Contrato de Empréstimo com o número  ...91, celebrado em 16.05.2003, no montante de € 4.500.000,00 (quatro milhões e quinhentos mil euros):
c) Contrato de Abertura de Crédito em conta corrente, com o número  ...92, celebrado em 07.07.1995 com aditamento em 29.02.2000, no montante de €1.496.393,69 (um milhão quatrocentos e noventa e seis mil trezentos e noventa e três euros e sessenta e nove cêntimos); d) Contrato de Abertura de crédito em conta corrente com o número  ...92, celebrado em 20.09.2001, no montante total de € 997.595,79 (novecentos e noventa e sete mil quinhentos e noventa e cinco euros e setenta e nove cêntimos).
Este ponto deve ser dado como provado em virtude os créditos garantidos pela hipoteca são os do contrato de financiamento números  ...19, celebrado em 16.05.2003, conforme, documentos ... a ... juntos pela exequente com o seu requerimento executivo.

G) Para segurança do crédito Contrato de Empréstimo  ...91, bem como das responsabilidades decorrentes do referido contrato de crédito, foi também constituído penhor mercantil, entre outros, sobre os bens que se encontram localizados no prédio sito na freguesia e concelho ..., denominado “Quinta...”, e que fundamenta a presente execução hipotecária.
Para segurança do crédito Contrato de Empréstimo  ...91, bem como das responsabilidades decorrentes do referido contrato de crédito, foi também constituído penhor mercantil, entre outros, sobre os bens que se encontram localizados no prédio sito na freguesia e concelho ..., denominado “Quinta...”, e que fundamenta a presente execução hipotecária.
Alterando e deve ser dado como provado que o contrato referenciado, devendo ser retirado dos factos assentes e declarar como provado ser o contrato de financiamento número  ...19, celebrado em 16.05.2003, conforme, documentos ... a ... juntos pela exequente com o seu requerimento executivo.

H) As quantias disponibilizadas nos termos acima descritos e de acordo com o clausulado nos referidos contratos foram creditadas em contas correntes da titularidade da mutuária.
Não há nos autos qualquer prova e esta diz respeito à exequente (cfr. art.º 342.º do Cód. Civil) que dos referidos contratos tenha o capital mutuado sido creditado na conta da mutuária.

J) Os referidos contratos encontram-se em incumprimento, não tendo sido liquidados os valores em dívida desde as seguintes datas: a) 13.03.2012, b)16.08.2012, c) 12.06.2012, d) 26.03.2012.
Deve este ponto ser dado como não provado:
Não há nos autos qualquer prova e esta diz respeita à exequente (cfr. art.º 342.º do Cód. Civil) que dos referidos contratos tenha havido interpelação substantiva conforme art.º 804.º, 805.º e 808.º do Cód. Civil.

K) São devidos os seguintes valores reportados a cada um dos contratos supra elencados:
a) Contrato de Abertura de Crédito  ...92: CAPITAL: € 2.493.989,00, Juros remuneratórios à taxa legal de 4,54% até à data de resolução do contrato: € 470.979,69, Juros de mora à taxa legal de 7,47% desde 13.03.2012 até 27.02.2020: € 1.483.772,45, TOTAL: 4.448.741,14;
b) Contrato de Empréstimo  ...91: CAPITAL: € 1.337.090,35, Juros remuneratórios à taxa legal de 5,34% até à data de resolução do contrato: € 51.945,60, Juros de mora à taxa legal de 7,54% desde 16.08.2012 até 20.02.2020: € 759.853,43, TOTAL: € 2.148.889,38;
c) Contrato de Abertura de Crédito  ...92: CAPITAL: € 1.227.212,06, Juros remuneratórios à taxa legal de 4,54% até à data de resolução do contrato: € 213.428,77, Juros de mora à taxa legal de 7,47% desde 12.06.2012 até 20.02.2020: € 707.261,47, TOTAL: € 2.147.902.30;
d) Contrato de Abertura de crédito  ...92: CAPITAL: € 694.110,04, Juros remuneratórios à taxa legal de 4,54% até à data de resolução do contrato: € 130.008,99, Juros de mora à taxa legal de 7,47% desde 26.03.2012 até 20.02.2020: € 411.106,73, TOTAL: € 1.235.225,76.
Este ponto deve ser dado como não provado, pelas razões e fundamentos de facto e de direito que nestas alegações e conclusões se exporá, os documentos juntos pela exequente na sua contestação.
Aliás a douta sentença violou as regras do ónus da prova que pertence à exequente art.º 342.º do Cód. Civil.

Com interesse para a apreciação do recurso, deferindo o requerido pela apelante, devendo aditar-se os seguintes factos e incidências processuais:
No Documento Complementar ao contrato de empréstimo referido acima conforme documento n.º ... a ... e documento complementar de página 1 a 7 do requerimento executivo, ficaram estabelecidas (além de outras) as seguintes cláusulas:
Aditar novo facto - PONTO ED)
Do contrato do mútuo com hipoteca dado à execução dos autos, datado de 16/05/2003  ...19, resulta ainda que, este contrato serviu para reestruturação as demais operações referidas no Ponto F): (documento n.º ... a ..., pág. 6 e documento complementar
(Entrega da quantia emprestada)
O capital emprestado não resulta que tenha sida entregue, à parte devedora, através de crédito lançado na conta de depósitos à ordem número … aberta na agência da Caixa, em … (…), em nome da sociedade mutuária.
Clausula 5.ª – (Amortização)
HIPOTECAS GENERICAS
2. Alínea a) Das garantias constituídas para segurança de responsabilidades, ou obrigações pecuniárias assumidas ou assumir em conjunto ou em separado, pela referida “Sociedade Agrícola R... Lda. perante a Banco 1..., (..)
3. (…)

Clausula 6.ª – (Amortização)
1–O capital do empréstimo será amortizado em dez prestações anuais constantes e postecipadas, vencendo-se a primeira em 16/02/2004 e cada uma das restantes em igual dia e mês de cada um dos nove anos seguintes.
2- Juntamente com as prestações de amortização do capital serão pagos os juros relativos ao respectivo mês.
Clausula 13ª – (Incumprimento)
A Caixa poderá resolver, ou rescindir, este contrato e considerar antecipadamente vencida toda a dívida, exigindo o seu imediato pagamento, se o bem imóvel dado em garantia for alienado, onerado, ou por qualquer forma desvalorizado, sem o consentimento da credora, ou se não forem mantidos os seguros previstos, ou ainda se a parte devedora e ou os hipotecantes deixarem de cumprir qualquer das respectivas obrigações assumidas neste contrato.”.
Aditar novo facto - PONTO EF)
A última prestação que a sociedade comercial / insolvente Sociedade Agrícola tinha que pagar do contrato de mútuo foi em 16 de fevereiro de 2013.
Aditar novo facto - PONTO EG)
O requerimento executivo deu entrada em Juízo em 28/02/2020.
Aditar novo facto - PONTO EH)
De fevereiro de 2004 até fevereiro de 2013 a Banco 1... não comunicou à Sociedade Agrícola R... Lda., insolvente a denuncia ou a resolução do contrato de empréstimo de 4.5000.00,00 com o número n.º  ...19 e garantia com Hipoteca Genérica.
Aditar novo facto - PONTO EF)
A última prestação que a sociedade comercial / insolvente Sociedade Agrícola tinha que pagar do contrato de mútuo foi em 16 de fevereiro de 2013.
Aditar novo facto - PONTO EG)
O requerimento executivo deu entrada em Juízo em 28/02/2020.
Aditar novo facto - PONTO EH)
De fevereiro de 2004 até fevereiro de 2013 a Banco 1... não comunicou à Sociedade Agrícola R... Lda., insolvente a denuncia ou a resolução do contrato de empréstimo de 4.5000.00,00 com o número n.º  ...19 e garantia com Hipoteca Genérica.

A propósito da impugnação desta factualidade, não podemos deixar de considerar que alguma razão assiste à Recorrida quando afirma que “A recorrente limitou-se a alegar razões de discordância confusas, (…) pondo em causa que os valores constantes dos mútuos objecto da cessão de créditos tivessem sido efectivamente creditados na conta da Sociedade Agrícola Quinta ..., sem que, no entanto, lhe assista qualquer razão, (…) tanto quanto é certo (…) a Banco 1... reclamou créditos no processo de insolvência da Sociedade Agrícola Quinta ... Lda. que foram relacionados sem qualquer oposição.

A Banco 1... reclamou os mesmos créditos nos processos de insolvência da família AA (CC, BB e CC) sem qualquer oposição, e o mesmo se diga da recorrida que se habilitou nos processos de insolvência da CC, CC e BB sem que tivesse ocorrido qualquer oposição dos mesmos.

Acresce que – Continua a Recorrente -, “relativamente a esta factualidade, não podemos deixar de trazer à colação o depoimento prestado pelo Sr. Administrador de Insolvência Dr. EE, nomeado no processo de insolvência da Sociedade Agrícola Quinta ... Lda. e no processo de insolvência do gerente desta, CC, que teve lugar na audiência de julgamento que teve lugar em 16 de maio de 2022 (com início de gravação às 10:14:41 e fim de gravação às 10:45:57), onde o mesmo refere que CC era uma pessoa “com idade mas muito ciente da sua situação patrimonial” e que “não aceitaria” que fossem reclamados créditos de milhões que não se encontrassem em dívida”.

Assim, conclui a Recorrida questionado se “caso os valores não se encontrassem em dívida alguém crê que ninguém nada fizesse e não impugnado os créditos reclamados?”.

Por outro lado, de modo credível e consistente refere-se na decisão recorrida o seguinte:

(…)
O Tribunal convenceu-se que, efectivamente, não houve qualquer pagamento no montante de 200.000,00€ pela aquisição da Quinta ... por parte da Requerente.

Na verdade, a experiência de vida e o normal acontecer, dizem-nos que, por todas as razões e mais algumas, designadamente de segurança e comprovação de tal pagamento, as transacções que ascendem a montantes idênticos ao supra referido, não são feitos em dinheiro vivo mas sim por cheque ou transferência bancária.

Contudo, no caso concreto, não é despiciendo o facto dos sócios-gerentes de ambas as sociedades intervenientes no negócio serem os mesmos, a sociedade R... já há bastante tempo apresentar uma situação de impossibilidade de pagamento pontual das suas obrigações para com os credores, não tendo sido demonstrado que a Quinta ... tivesse capacidade financeira para proceder a tal pagamento.

Por outro lado, apesar de terem sido juntos documentos contabilísticos que poderiam comprovar a existência de tal pagamento, o certo é que o Tribunal não se convenceu que isso ocorreu, não só porque os papéis permitem que nos mesmos se inscreva o que quer que seja, depois porque a testemunha que trabalhava da contabilidade referiu, expressa e peremptoriamente, em Tribunal que pediu por diversas vezes ao seu patrão, o Sr. AA (pai), para que lhe entregasse esse documento comprovativo do alegado pagamento e este nunca lhos fez chegar, salientando que tinha de fazer a contabilidade nos termos ordenados pelo seu patrão e não havia outro modo de as coisas baterem certo, sendo certo que nenhuma das testemunhas ou mesmo a parte, ouvida em julgamento, assistiu ao dito pagamento, ou seja, ninguém presenciou o alegado pagamento ainda que as pessoas que foram identificadas na escritura nela tenham estado presentes e assinado o documento respectivo.

Acresce que o próprio AI da insolvência da Sociedade Devedora, a Quinta ..., EE, ouvido em audiência de julgamento afirmou que o Sr. AA (pai) tinha perfeita consciência do que devia, ele era uma pessoa muito ciente da sua situação patrimonial e que o próprio Sr. AA lhe tinha dito que “aquilo” (ou seja, a Quinta ...), não tinha sido paga.

A dita testemunha EE referiu também que, dos sete milhões reclamados pela Banco 1... (primitiva titular do crédito) no processo de insolvência, nunca o Sr. AA (pai) ou o seu mandatário o questionaram sobre não ser devido o valor reclamado, o que nos leva a acreditar que a dívida existia e não foi paga por quem quer que seja, sendo certo que, a Exequente apenas recebeu no aludido processo de insolvência cerca de 56.000,00€”.
(…)
 Também não ficámos com dúvidas que o crédito peticionado pela Exequente nos autos principais de execução foi reclamado nos autos de insolvência e reconhecido e graduado nos termos constantes dos documentos juntos aos autos, sendo certo que não há nos autos qualquer evidência, por mínima que seja, de que a devedora “Sociedade Agrícola Quinta ...” ou quem quer que seja, tenha procedido ao pagamento dos valores em dívida à primitiva credora, a Banco 1... ou, depois dela, às empresas que obtiveram a cessão de créditos, a última delas, a ora, Exequente”.
(…)

A tudo acresce que, como se refere na decisão recorrida “O título executivo, condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão, é como o invólucro onde a lei presume se contém o direito violado (neste sentido, Castro Mendes, in, Acção Executiva, página 8), a certeza e a exigibilidade condicionam a exequibilidade intrínseca da pretensão, pois que a sua não verificação impede que, apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efectiva, o devedor seja executado quanto a essa mesma prestação (neste sentido, Teixeira de Sousa, in, A exequibilidade, página 17).

Aliás a exequibilidade intrínseca pressupõe a existência do direito, daí se dispor a susceptibilidade de conhecimento oficioso e consequentemente de constituir motivo de indeferimento liminar, ou posteriormente de rejeição oficiosa da execução, em função de vícios substantivos que afectem a existência, constituição ou eficácia da obrigação exequenda, maxime, a insuficiência de título, tal como a incerteza e inexigibilidade.

Toda a acção executiva tem por base um título, que além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objectivos e subjectivos (arts.10.º, n.º5 e 703º, nº1 do C.P.C.).

O elenco de títulos executivos obedece ao princípio da tipicidade, pelo que, apenas e só, os documentos previstos na lei podem servir de base à execução.
Por outro lado, face a tal princípio, nem sequer podem as partes atribuir a natureza de título executivo a qualquer outro documento que não os expressamente previstos na lei.
Nos termos do art. 703.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, apenas podem servir de base à execução, os seguintes títulos executivos:
a) As sentenças condenatórias,
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

Assim sendo, é o nº1 do normativo acabado de citar que enumera os títulos executivos que podem servir de base à execução.

É abundantemente conhecido o carisma próprio do título executivo, tratando-se de um documento investido de certas características, que permitem àquele que o possui desencadear imediatamente os procedimentos ajustados à realização efetiva de certo direito e sem a necessidade de, precedentemente, ter de obter a declaração judicial deste.

O documento, para comportar uma tal qualidade, há-se assim ser de molde a indiciar, ele mesmo, que o direito existe e de quem é o seu titular, bem como daquele a quem onera o vínculo da respectiva satisfação. A sua função é a de sustentar a execução, circunscrevendo o fim e os limites dela. Compreende-se, por isso, o envolvimento em certas garantias e na salvaguarda da respectiva genuinidade. De alguma maneira, o que se pretende é que, por via da sua qualificada compleição probatória, certo instrumento documental dê certezas mínimas, a segurança bastante, de que reflete a realidade configuração concreta das esferas jurídicas subjetivas (assim, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.12.2012, in www.dgsi.pt).

A apresentação do título executivo é, pois, requisito formal para a instauração da ação executiva, devendo acompanhar o requerimento executivo, conforme decorre expressamente do disposto no art.724.º, n.º1, n.º4, alínea a) do Código de Processo Civil. À execução apenas podem servir de base os títulos enunciados no art.703.º do Código de Processo Civil, entre os quais os compreendidos na alínea b): “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.

São autênticos os documentos escritos exarados com as formalidades legais, pelas autoridades públicas ou privadas nos limites da sua competência ou dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé – art-363.º do Código Civil ou por outros profissionais com competência para tal (por ex. um testamento público em que o testador confessa uma dívida ou impõe uma dívida ao herdeiro ou legatário).

Como já se referiu, prevê o art.703.º, alínea b) do CPC que pode constituir título executivo o documento exarado ou autenticado por notário que importe a constituição ou reconhecimento de uma obrigação, devendo o título dar a conhecer de forma clara o conteúdo da obrigação do devedor, por contraponto ao direito do credor. A segurança e a certeza da existência do crédito que estão subjacentes ao título executivo é que possibilitam que o credor lance mão do processo executivo, sem necessidade de reconhecimento prévio do seu direito em ação declarativa, sendo ele próprio uma garantia.

No caso, verifica-se que a escritura de declaração unilateral de hipoteca apresentada como título executivo constitui um documento autêntico, nos termos do disposto no art.º 369.º n.º 1 do C.Civil”.

Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto.

- Alega a Recorrente que “Devem ser alterados os factos provados – como aditados novos pontos conforme impugnação da matéria de facto acima alegada, sendo que, substantivamente quer a alegada credora / exequente como a devedora / executada não são partes legitimas quer activa e da outra banda passiva para a presente execução comum, pois apenas  seriam parte legitima a exequente M... LDA. e a embargante / executada a SOCIEDADE TURÍSTICA E HOTELEIRA ... LDA., se o contrato que foi dado à execução constasse da cessão de créditos.

E assim sendo, verifica-se a existência de uma nulidade, onde se retira como excepção dilatória que a exequente não é parte legitima activa e a executada / embargante é parte ilegítima passiva.

Ora, como se refere na decisão recorrida, “Enquanto os requisitos processuais (a competência, a personalidade, a capacidade judiciária, a representação em juízo, o patrocínio, a legitimidade e o interesse em agir), resultam da ação executiva integrar-se no direito processual civil, as condições de procedência (o título executivo, a verificação da certeza, da exigibilidade e da liquidez da obrigação), são específicas da acção executiva”.
(…)
Ora, como supra deixámos exposto, sendo o negócio de aquisição por parte da Embargante, “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” do imóvel dado de garantia (a “Quinta...”) nulo, a propriedade não se transferiu para a ora Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...”, não sendo, portanto, a mesma dona e legítima proprietária da “Quinta... por o mesmo se manter na esfera patrimonial da “Sociedade Agrícola Quinta ...” e, a ser assim, como a nosso ver é, não tem a Embargante título que justifique a detenção do referido imóvel nem legitimidade para pôr em causa a validade e extensão da obrigação exequenda reclamada nos autos principais pela Exequente/Embargada “M..., Lda.”.

Improcede, também, neste aspecto, a presente apelação.

- Alega ainda a Recorrente que a sentença declarou judicialmente provado que houve simulação relativa do negócio, pois que, foi alegado que não houve preço, e logo, que simularam o negócio, confundindo a sentença simulação total do negócio com simulação do preço.

Porém, a ser assim, devia o doutro tribunal considerar que, quiseram antes celebrar o negócio dissimulado de doação, tendo concluído pela validade desta mesma doação, pois que, como causa de pedir e a contestação da embargada que serve de fundamento à presente acção, vieram alegar que entre as sociedades outorgantes foi celebrado, por escritura pública, um contrato de compra e venda, mediante o qual o primeiro declarou vender à segunda, e esta declarou comprar àquele, determinados bens imóveis, pelo preço global de € 220.000,00 euros, conforme pontos O), Q) e R) – factos provados.

A embargada alegou que tal negócio é nulo, por simulação, pois que o mesmo mais não foi de que uma dissipação premeditada, deliberada e danosa do património da sociedade, para prejudicar os credores.

Todavia, tratando-se de simulação relativa, o art.º 241.º, n.º 1, do Cód. Civil, manda aplicar ao negócio dissimulado, que está em conformidade com a vontade das partes, “o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado”, e “Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.”

Ora, como é consabido, se por um lado, a decisão a proferir em 1ª instância apenas se pode pronunciar sobre a factualidade que tiver sido alegada pelas partes, e incidir sobre as questões concretas por elas suscitadas, por outro, também a decisão do recurso somente poderá abordar questões sobre as quais tenha incidido a decisão recorrida, isto, como é óbvio, sem embargo das questões de conhecimento oficioso.

Com efeito, e como é consabido, os recursos ordinários mais não visam do que permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, o que tem directo reflexo na delimitação das questões que lhe podem ser dirigidas.

O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinadas questões, visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela, razão pela qual, enquanto meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir, em regra, sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo o tribunal ad quem confrontar-se com questões novas[17].

Os recursos constituem, assim, mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, pois que a diversidade de graus de jurisdição determina, em regra, que os tribunais superiores sejam apenas confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios[18].

E apenas podem ser excepcionadas desta regra aquelas situações em que essas questões novas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis.

Uma tal regra encontra a sua justificação no princípio da preclusão, quer por desprezar a finalidade dos recursos (art. 627º, nº 1 do C.P.C.), quer para não impedir a supressão de graus de jurisdição.

E, assim sendo, podemos então concluir que os recursos se destinam a sindicar as decisões impugnadas, estando, assim, a intervenção do tribunal “ad quem” circunscrita às questões que dela foram objecto, ou dito de outra forma, está-lhe vedado apreciar quaisquer outras, salvo se de conhecimento oficioso[19], uma vez que, nas questões novas, a parte submete a um tribunal de recurso questão que ao tribunal recorrido não cumpria conhecer, porque não lhe fora colocada.

Isto considerado, temos que a Recorrente nunca invocou a existência de simulação relativa e a respectiva validade do negócio dissimulado, razão pela qual a sentença recorrida se não debruçou sobre esta questão por a parte a não ter suscitado, mas apenas no âmbito do desenvolvimento da solução de direito a dar ao caso

Destarte, estando o objecto do recurso delimitado, por um lado, pelas conclusões das alegações e, por outro, pela impossibilidade de serem apreciadas questões novas, improcede, sem mais, e na íntegra, a presente apelação.
 
Todavia, mesmo que assim se não entendesse sempre se dirá que a decisão recorrida merece a nossa anuência quando refere:
(…)
Na simulação relativa, além do negócio simulado (a que também se chama patente, ostensivo, aparente ou fictício), há um negócio oculto (latente, real) - o negócio dissimulado.
A distinção entre simulação absoluta e simulação relativa tem a importância derivada de esta última gerar um problema solucionado pelo artigo 241.º n.º 2 do Código Civil.
Enquanto o negócio simulado é nulo (artigo 240.º n.º 2), e na simulação absoluta não se põe mais nenhum problema, na simulação relativa surge a questão do tratamento a dar ao negócio dissimulado ou real que fica a descoberto com a nulidade do negócio simulado.
A simulação relativa manifesta-se em espécies diversas consoante o elemento do negócio dissimulado a que se refere (simulação subjetiva ou dos sujeitos e simulação objetiva ou sobre o conteúdo do negócio).
Podem ser, desde logo, simulados os próprios sujeitos do negócio jurídico, ou pelo menos um deles, como é o caso vulgar.
É o que se passa com a chamada interposição fictícia de pessoas.
Pode também a simulação de pessoas não fazer intervir um sujeito aparente, antes eliminar um sujeito real.
Por outro lado, a simulação objetiva ou sobre o conteúdo do negócio pode ser uma simulação sobre a sua natureza (por exemplo, finge-se uma venda e quer-se uma doação ou vice-versa) ou uma simulação de valor incidindo sobre o quantitativo de prestações estipuladas entre as partes (por exemplo, simulação de preço).
Expostas estas breves considerações acerca do instituto da simulação, volvendo para o caso em apreço, verificamos que, produzida a prova, foram dados com provados os seguintes factos:
- Pelo menos desde o ano de 2012 que a “Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda.” se encontrava em situação generalizada de incumprimento com os seus credores.
- Os representantes da “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” e da “Sociedade Agrícola Quinta ...”, por contrato de compra e venda, outorgado no dia 10 de janeiro de 2012, na Conservatória do Registo Predial ..., e pelo preço aí declarado de 220.000,00€ (duzentos e vinte mil euros), declararam comprar e vender, respetivamente, o prédio misto denominado “Quinta...”.
- Relativamente ao negócio referido no ponto anterior, não foi pago pela “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” o preço de € 220.000 (duzentos e vinte mil euros) nem recebido pela sociedade insolvente “Sociedade Agrícola Quinta ... Lda.”
- A “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” é uma sociedade comercial que tem por objeto a atividade do turismo de habitação, apartamentos, parque, animação, restauração e hotelaria, tendo sido constituída em 18/03/2004, sendo sócios fundadores AA (com uma quota no valor de € 30.000), AA (com uma quota no valor de € 7.500,00) e BB (com uma quota no valor de € 7.500,00), competindo a todos a gerência da sociedade.
- A “Sociedade Agrícola Quinta ... Lda.” teve igualmente como sócios fundadores AA, AA, BB e, a sede social da sociedade situava-se na Avenida ..., no ..., coincidindo com a sede da aqui requerente e com a de outras sociedades detidas por estes.
- A “Sociedade Agrícola Quinta ...” tinha por objeto a atividade da viticultura e produção de vinhos comuns e licorosos tendo, entretanto, sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado, proferida em 12 de outubro de 2015, no âmbito do processo de insolvência n.º227/15...., que corre termos pelo Juízo de Comércio ....
- A estrutura societária da “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” foi composta por AA, AA e BB tendo sido eles que assinaram em representação da “adquirente” o Contrato de Compra e Venda do imóvel em causa nos autos.
- AA, transmitiu a quota que detinha na “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...”, no valor nominal de 30.000,00€, à sociedade comercial por quotas denominada “C... – Gestão, Administração de Bens Móveis e Imóveis, S.A.”, NIPC: ..., a qual se encontra sedeada na mesma morada da residência daquele – Avenida ..., ..., ... e que é igualmente administrada pelo referido cedente da quota.
- Os dois filhos do Sr. AA, AA e BB, cada um outrora detentor de uma quota no valor unitário nominal de 7.500,00€ na requerente, transmitiram-nas à “Sociedade Agrícola Terras de ..., S.A.” com o NIPC: ... a qual, para além de estar igualmente sedeada na Avenida ..., ..., ..., tem como administrador o Sr. AA e como vogais desse mesmo conselho de administração os seus dois filhos AA e BB.
- A transmissão por parte da insolvente /Sociedade Agrícola Quinta ...” em benefício da aqui Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” supra referido teve como único intuito sonegar um ativo que deveria integrar a massa insolvente, reputando-se tal ato como prejudicial àquele património autónomo, porquanto, visaram os mencionados intervenientes frustrar e/ou diminuir a satisfação dos interesses dos credores da insolvência que, à época, estava iminente.
- Nos processos de insolvência da “Sociedade Agrícola Quinta ... Limitada”, bem com nos processos de insolvência de AA, DD e AA, foram reclamados pelo credor originário, Banco 1..., S.A., os créditos ora reclamados pela  Exequente nos autos principais de execução, sem que aí, tenham sido impugnados ou merecido qualquer tipo de contestação por parte daqueles.
- A “Banco 1...” reclamou créditos no valor € 7.285.541,82, no processo de insolvência da “Sociedade Agrícola Quinta ... Limitada”; no valor de € 5.752.401,30 , no valor de no processo de insolvência do requerido AA; no valor de € 3 758 555,18 ; no processo de insolvência de BB foram reclamados créditos pela C... Company (cedidos pela Banco 1...) no valor de € 5.417.647,20 no processo de insolvência de AA, que correm termos pelos processos n.º 227/15....; 306/15...., 397/18.... e 6/18.... respetivamente, créditos esses que, foram reconhecidos pelo respetivos administradores de insolvência nomeados em cada um dos respetivos processos de insolvência e, graduados no lugar que lhe competia, nas sentenças de graduação de créditos.
No caso em apreço, face ao teor da prova produzida e da factualidade apurada em sede de audiência de discussão e julgamento parece-nos que não há dúvidas que estamos perante negócio(s) simulado(s) e um negócio dissimulado pois, na aquisição da “Quinta...”, vendida pela “Sociedade Agrícola Quinta ..., Lda.” (que se encontra insolvente) à “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ..., Lda.” (ora Embargante), não tiveram as partes a intenção de celebrar qualquer compra e venda mas sim efetuar uma doação do dito imóvel, sendo este o negócio dissimulado.
A simulação consubstancia uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada, em virtude da existência de um acordo entre o declarante e o declaratário com o intuito de enganar terceiros (os credores) – art. 240.º do Código Civil.
Assim, constituem elementos essenciais desta figura:
- A divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada;
- O acordo ou conluio entre as partes, também chamado pacto simulatório;
- A intenção de enganar terceiros.
A simulação pode revestir várias modalidades, desde logo a que distingue entre simulação fraudulenta e inocente, consoante nela se verifique ou não, por parte dos simuladores, intenção de prejudicar alguém (art. 242.º, n.º 1 do Código Civil).
Também se distingue a simulação absoluta e relativa (art. 241.º, n.º 1 do Código Civil). Assim, quando as partes declaram celebrar certo acto negocial e, na verdade, não realizam acto nenhum, teremos uma simulação absoluta. Se os simuladores, porém, declaram realizar um negócio jurídico e, embora não querendo esse (simulado), celebram um outro que desejam (dissimulado, escondido, encoberto) verifica-se a simulação relativa.
O vício negocial de simulação refere-se a ambas as declarações negociais em causa, e não apenas à declaração negocial de uma das partes no negócio, ou seja tratando-se de simulação não pode a declaração de um dos contraentes estar viciada mas a outra não, v.g., não pode a declaração de venda estar viciada mas não a declaração de compra.
A regra geral sobre a validade jurídica do negócio simulado vem expressa no art. 240.º, n.º 2 do Código Civil e consiste na nulidade.
Na simulação absoluta, por definição, apenas o negócio jurídico simulado (ou talvez melhor, a aparência dele) haverá que ser tido em conta. E ele será nulo nos termos gerais.
Na simulação relativa há, no entanto, que distinguir o negócio simulado e o negócio dissimulado. O negócio simulado (não querido) é igualmente nulo. É, porém, válido em relação a terceiros de boa-fé (art. 243.º, n.º 1 do Código Civil).
O negócio dissimulado, o verdadeiramente desejado entre as partes, tem um regime diferente (art. 241.º do Código Civil). A respetiva validade não é afetada pela simulação, mas isso não significa que seja pura e simplesmente válido.
O negócio dissimulado há-de ser apreciado à luz das regras jurídicas que lhe sejam aplicáveis. E será válido ou não, tal como qualquer outro da mesma espécie, não dissimulado, nas mesmas circunstâncias.
A afirmação do n.º 2 do art. 241.º do Código Civil não deve ser entendida como especial para o negócio jurídico dissimulado mas como um afloramento da regra geral aplicável a todos os negócios jurídicos formais.
Tratando-se, no entanto, de simulação relativa, aplica-se o artº. 241º do CC, de cujo n.º1 decorre que a lei admite a validade do negócio dissimulado.
Nos casos de simulação relativa, desvendada a simulação, abstrai-se do negócio jurídico simulado, que é nulo, e atende-se ao negócio real, oculto. Prevalece o que na realidade se quis e fez sobre o que simuladamente se concebeu.
Terá, pois, valor jurídico, salvo se, por qualquer razão, for nulo - como será o caso se não revestir a forma legal (art.º220.º do CC) - ou anulável.
"Numa palavra, a simulação feita para se esconder de terceiros um acto jurídico não o afeta, e ele será válido ou não tal como o seria aos olhos de todos se (se) tivesse revelado desde o começo" (Galvão Telles, "Dos Contratos em Geral", 2ª ed., 162 (nº. 75)-163).
Na verdade, o referido n.º1 do art.º241.º do CC estabelece que o negócio dissimulado será válido quando se revele válido se celebrado sem simulação: e tal assim também, consoante n.º2 desse mesmo preceito legal, no tocante ao requisito da forma.
Nos termos do art. 242.º, n.º 1 do Código Civil, sem prejuízo do disposto no art. 286.º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta. O n.º 2 acrescenta que a nulidade pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.
Assim sendo, nos termos do art. 242.º, n.º 1 do Código Civil, sem prejuízo do disposto no art. 286.º do mesmo diploma legal, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida por:
- Qualquer interessado, nos termos do art. 286.º do Código Civil (entendendo-se como tal quaisquer pessoas titulares de uma relação jurídica que seja afetada pelo negócio simulado, e que não sejam os próprios simuladores ou os seus herdeiros, como sejam os credores);
- Pelos próprios simuladores entre si;
- Pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.
No caso que ora nos ocupa, quem vem invocar a simulação é uma credora, a ora Exequente “M..., Lda.”, um terceiro que é a titular de uma garantia, uma hipoteca, sobre a “Quinta...”.
Com efeito, quando a Executada/Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ..., Lda. adquiriu o imóvel hipotecado e entretanto penhorado nos autos de execução, ou seja, a “Quinta ...”, já sobre o mesmo impendia hipoteca constituída com a finalidade de garantir um conjunto de responsabilidades e obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir pela sociedade por quotas “SOCIEDADE AGRÍCOLA Quinta ... LIMIITADA” (ora insolvente) até ao montante capital de € 8.000.000,00 (oito milhões de euros), com identificação do respetivo credor hipotecário, o credor originário Banco 1..., S.A., conforme consta da escritura que titula a sua constituição.
Assim, parece-nos que não há dúvida que o negócio de compra e venda é nulo por simulação porque, em momento algum, as partes quiseram comprar e vender a “Quinta...” tendo como contrapartida o pagamento da quantia de € 200.000,00, a qual nunca foi paga, conforme ficou demonstrado nos autos.
Relativamente ao acordo ou conluio entre as partes exigido como requisito da simulação, parece-nos por demais evidente que o mesmo ocorreu face ao teor da matéria de facto apurada nos autos.
A este propósito chama-se à colação as relações de grande promiscuidade entre a estrutura societária da Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” ter sido composta por AA, AA e BB, sendo certo que, foram estas mesmíssimas pessoas quem assinaram em representação da “adquirente” o Contrato de Compra e Venda do imóvel aqui em apreço.
Os factos apurados demonstram à saciedade que, no período em que foi simulado tal negócio, coexistirem quer da parte do vendedor quer do comprador legais representantes comuns a ambas as sociedades, sendo manifesta a concentração/sobreposição de interesses e correspetivos substratos societários entre as sociedades que outorgaram o Contrato de Compra e Venda da Quinta..., quer do lado da vendedora, quer do lado da compradora, participando do referido negócio, como se referiu, pessoas especialmente relacionadas com a “Sociedade Agrícola Quinta ...” e com a ora Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...”, seus sócios/acionistas e os seus gerentes/administradores, diretamente e/ou através de sociedades satélite detidas/controladas por aqueles, a “C... – Gestão, Administração de Bens Móveis e Imóveis, S.A.” e a “Sociedade Agrícola Terras de ..., S.A.” pelo que não podiam desconhecer, nem desconheciam, os factos supra dados como provados, designadamente, a finalidade com que foi efetuado o negócio em causa.
No que concerne ao terceiro requisito (intenção de enganar terceiros), não se deve confundi-lo, com o intuito de prejudicar, isto é, causar um dano ilícito (aminus nocendi). Enganar quer dizer iludir (animus decipiendi). E pode ter-se em vista enganar terceiro não para o prejudicar, mas para se defender um legítimo interesse próprio ou até para beneficiar esse terceiro.
Em regra, porém, a simulação faz-se com o intuito de prejudicar, sendo, por isso, fraudulenta.
Foi o que sucedeu no caso em apreço: o negócio de venda da “Quinta ...” por parte da sociedade, atualmente insolvente “Sociedade Agrícola Quinta ...” à...” foi celebrado com a finalidade de retirar tal bem do património da Sociedade “Quinta ...” que se encontrava, pelo menos desde 2012, numa situação generalizada de incumprimento com os seus credores e, desta forma, evitar que tal bem respondesse pelas dívidas da referida “Sociedade Agrícola Quinta ...”.
Note-se que a transmissão por parte da insolvente em benefício da aqui “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” teve como único intuito sonegar um ativo que deveria integrar a massa insolvente, reputando-se tal ato como prejudicial àquele património autónomo, porquanto, visaram os mencionados intervenientes frustrar e/ou diminuir a satisfação dos interesses dos credores da insolvência, entre eles a ora Exequente/Embargada, que, à época, estava iminente.
Por outro lado, parece-nos também que o negócio dissimulado e efectivamente querido realizar pelas duas sociedades comerciais, a “Sociedade Agrícola Quinta ...” e a “Sociedade Turística e Hoteleira Quinta ...”, também é inválido porquanto o regime legal que lhe diz respeito não foi observado.
Ora, como se sabe a capacidade de direito das sociedades comerciais, entendida esta como a medida da extensão da sua suscetibilidade de serem sujeitos de relações jurídicas, colhe a sua regulamentação legal no art.º 6º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais do qual extrai que “a capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do seu fim”, fim esse que, nas sociedades com aquela indicada natureza, se pauta pela obtenção de lucros a distribuir pelos respetivos sócios ou acionistas (artigos 980º do Código Civil, bem assim do art.º 2º, 21º, n.º 1, alínea a), 22º, 31º, 33º, 176º, nº 1, alínea b), 217º e 294º, entre outros do Código das Sociedades Comerciais).
Por outro lado, de acordo com o princípio da especialidade do fim, que integra o factor determinante e específico da constituição das sociedades, quer civis, quer comerciais, os actos gratuitos mostram-se, regra geral, excluídos da capacidade de gozo daquelas sociedades, por não necessários ou convenientes à prossecução do aludido fim, como se estatui no art.º 160º, n.º 1, a contrário, do Código Civil, relativamente às sociedades civis, pelo que a sua prática por parte daquelas tem como directa e imediata consequência que sobre os mesmos incida a ocorrência do vício respeitante à sua nulidade, a qual pode ser declarada a todo o tempo, por qualquer interessado, sem qualquer dependência de prazo.
Excluem-se apenas as liberalidades usuais, nos termos estatuídos no art.º 6º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, designadamente, os brindes a clientes, as ofertas feitas pelos promotores de vendas, as gratificações aos trabalhadores, os donativos, objeto de devida publicitação, do patrocínio a iniciativas culturais ou desportivas ou efetuados no âmbito do estatuto do mecenato, mas nunca uma doação, como aconteceu no caso em apreço, no valor de 200.000,00€, a qual extravasa o que se tem por usual no âmbito da atividade societária, por manifestamente prejudicial não só aos seus acionistas ou sócios, mas no que concerne ao presente caso, aos credores da “Sociedade Agrícola Quinta ...”, razão pela qual enferma de nulidade o contrato de doação celebrado entre a “Sociedade Agrícola Quinta ...” e a “Sociedade Turística e Hoteleira Quinta ...”.

Estamos, assim, perante um negócio fraudulento porque absolutamente simulado que conduz à nulidade do contrato de compra e venda que se tem vindo a referir.
(…)

Improcede, assim, nesta parte, a presente apelação.

Alega ainda a Recorrente que apresentando-se a obrigação exequenda ilíquida em face do título, nada obsta a que a execução prossiga, quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético e o exequente haja fixado o seu quantitativo no requerimento inicial da execução, mediante especificação e cálculo dos respectivos valores.
           
Mais alega a Recorrente que “o mútuo com hipoteca que serve de título à presente execução, não consta da cessão de créditos, sendo uma questão de interpretação e análise que leva à conclusão que a execução tem um 5º contrato, que não é um dos 4 mútuos da cessão de créditos, do alegado e da correspondente repercussão no significado da descrição factual apurada, levaria à improcedência limiar da execução, todavia esta questão como outras são levadas a conhecer pela Relação”.

Ora, como refere a Recorrida, a recorrente veio pôr em causa o contrato de mútuo com hipoteca dado à execução nos autos principais com o número PT...19, alegando que tal contrato não consta dos créditos cedidos à M..., Lda.
“Todavia, como igualmente refere a Recorrida, atentando no teor do documento em crise verifica-se que no mesmo contrato de mútuo com hipoteca é referido que:
- Dúvidas não subsistem que os contratos objecto da cessão de créditos foram celebrados em momento anterior ou na mesma data (contrato  ...92) do contrato de mútuo com hipoteca!
E que os montantes constantes de tais contratos foram mutuados à Sociedade Agrícola Quinta ...!
- Dúvidas também não parecem subsistir que os créditos cedidos à M..., Limitada (detidos originariamente pela Banco 1...) não foram pagos! Os mesmos foram reclamados no processo de insolvência da Sociedade Agrícola Quinta ....
Tais créditos foram reconhecidos e graduados como créditos garantidos até ao montante de 8.000.000 € por força desta hipoteca”.

- Mais alega a Recorrente que, “no caso presente, da escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança (celebrada em 16 de maio de 2003), dada à execução, consta, além do mais, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, que a utilização da quantia mutuada seria entregue à sociedade representada pelos segundos e terceiros outorgantes, “não se confessando a sociedade sua representada devedora de todas as quantias entregues ao abrigo do presente contrato” e que a “quantia mutuada será creditada na conta de depósito à ordem constituída na Banco 1..., em nome da devedora” alem de que “os documentos referentes ao crédito efectuado na conta de depósitos à ordem (..) constituem prova do pagamento de prestações futuras (…)”.

E, confrontando ainda os termos do contrato de mútuo sob análise, constata-se que a aqui executada (e o ora embargante) nada sabe se receberam e confessaram-se devedores na data da celebração do contrato, não estando assim demonstrado que aquela ou se houve alguma prestação correspondente ao empréstimo das quantias indicadas e se foi satisfeita.

Mais declararam nesse documento autêntico que o empréstimo fica a reger-se pelas cláusulas dos documentos complementares que ficaram a fazer parte integrante da sobredita escritura.

Destes documentos complementares constam a forma de pagamento, em prestações a satisfazer no prazo indicado, os juros às taxas, prazos e condições ali previstos, a cláusula penal aplicável em caso de mora, e ainda as consequências para a falta de pagamento das prestações.

Portanto, o documento complementar celebrado aquando da outorga da escritura pública e que dela fazem parte integrante, atesta quer a forma do cumprimento quer as consequências para o não cumprimento das prestações nos mesmos convencionadas.

Conclui-se assim que as quantias pecuniárias em apreço nada sabemos se foram ou não disponibilizadas à sociedade devedora / insolvente, não ficando demonstrada a efetiva entrega do capital por parte da Banco 1..., como de nada se sabe quais os valores alegadamente em divida.

Constituindo a escritura pública de “mútuo com hipoteca e fiança” dado à execução, um título executivo constitutivo das obrigações que não haviam sido reconhecidas pelos devedores.

De acordo com o n.º 5 do artigo 10.º do CPC, o título executivo constitui a base da execução e por ele se determina o fim e os limites da acção executiva, pressupondo a acção executiva o incumprimento, impõe-se que a obrigação exequenda se revista de determinadas características (requisitos de exequibilidade intrínseca) que permitam a sua realização coactiva, a saber, certeza, exigibilidade e liquidez.

No caso sob análise, o título executivo é condição necessária e suficiente da acção executiva: é condição necessária na medida em que constitui pressuposto formal da acção executiva e foi apresentado com o requerimento executivo, nos moldes acima descritos.

É condição suficiente na medida em que, existindo título, considera-se que o direito existe nos termos constantes do título, cabendo ao executado alegar a existência de qualquer desconformidade, o que fez.

A sentença também neste fragmento violou ou não apreciou correctamente as normas dos artigos 703.º, n.º 1 da al. b) e 704.º ambos do CPC que, são requisitos da exequibilidade da sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado (…). Como o crédito não é exigível, não transitou, logo o exequente não detém documento autenticado que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, conforme, al. b) do n.º 1 do art.º 703.º do CPC.

É inexigível quando está dependente de condição suspensiva ou de prestação por parte do credor ou de um terceiro (art.º 715.º do Código de Processo Civil).

Ora, no presente caso, analisado o título dado à execução, concluímos que a obrigação não é exigível, a exequente tem o “crédito garantido” no processo de insolvência, conforme factos provados.

Nesse sentido está dependente da autoridade como do transito em julgado da sentença de graduação de créditos sendo condição suspensiva ou de prestação por parte do credor (Massa Insolvente) ou de um terceiro.

 Verifica-se, pois, a inexistência de título, invocada pela apelante.

De contrário, relativamente à insuficiência do título, também a decisão discorreu juridicamente menos bem, ao afirmar que o título executivo é condição suficiente da acção executiva na medida em que existindo título conforme requerimento executivo apresentado pela exequente a divida é certa, líquida e exigível se considera que o direito existe nos termos constantes do título, cabendo ao executado alegar a existência de qualquer desconformidade.

Descortina-se, portanto, a inexigibilidade da obrigação.

A questão ainda em apreço, a da inexequibilidade do título, que a embargante alegou que o requerimento executivo não se encontra acompanhado de qualquer documento que titule créditos efectuados pela Banco 1... na conta de depósito à ordem que indica, em nome da executada principal Sociedade Agrícola R... Lda.

Além de que, no requerimento executivo, nem sequer se alega os montantes eventualmente creditados na dita conta de depósitos à ordem, concluindo que não satisfaz o requisito da exequibilidade, por se tratar de um contrato real quod constitutionem que só se completa pela entrega da coisa.

“O título executivo, condiciona a exequibilidade extrínseca da pretensão, é como o invólucro onde a lei presume se contém o direito violado (neste sentido, Castro Mendes, in, Acção Executiva, página 8), a certeza e a exigibilidade condicionam a exequibilidade intrínseca da pretensão, pois que a sua não verificação impede que, apesar de se reconhecer o direito do exequente à reparação efetiva, o devedor seja executado quanto a essa mesma prestação (neste sentido, Teixeira de Sousa, in, A exequibilidade, página 17).
Aliás a exequibilidade intrínseca pressupõe a existência do direito, daí se dispor a susceptibilidade de conhecimento oficioso e consequentemente de constituir motivo de indeferimento liminar, ou posteriormente de rejeição oficiosa da execução, em função de vícios substantivos que afectem a existência, constituição ou eficácia da obrigação exequenda, maxime, a insuficiência de título, tal como a incerteza e inexigibilidade.
Toda a acção executiva tem por base um título, que além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objectivos e subjectivos (arts.10.º, n.º5 e 703º, nº1 do C.P.C.).
O elenco de títulos executivos obedece ao princípio da tipicidade, pelo que, apenas e só, os documentos previstos na lei podem servir de base à execução.
Por outro lado, face a tal princípio, nem sequer podem as partes atribuir a natureza de título executivo a qualquer outro documento que não os expressamente previstos na lei.
Nos termos do art. 703.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, apenas podem servir de base à execução, os seguintes títulos executivos:
a) As sentenças condenatórias,
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
Assim sendo, é o nº1 do normativo acabado de citar que enumera os títulos executivos que podem servir de base à execução.
É abundantemente conhecido o carisma próprio do título executivo, tratando-se de um documento investido de certas características, que permitem àquele que o possui desencadear imediatamente os procedimentos ajustados à realização efetiva de certo direito e sem a necessidade de, precedentemente, ter de obter a declaração judicial deste.
O documento, para comportar uma tal qualidade, há-se assim ser de molde a indiciar, ele mesmo, que o direito existe e de quem é o seu titular, bem como daquele a quem onera o vínculo da respectiva satisfação. A sua função é a de sustentar a execução, circunscrevendo o fim e os limites dela. Compreende-se, por isso, o envolvimento em certas garantias e na salvaguarda da respectiva genuinidade. De alguma maneira, o que se pretende é que, por via da sua qualificada compleição probatória, certo instrumento documental dê certezas mínimas, a segurança bastante, de que reflete a realidade configuração concreta das esferas jurídicas subjectivas (assim, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.12.2012, in www.dgsi.pt).
A apresentação do título executivo é, pois, requisito formal para a instauração da acção executiva, devendo acompanhar o requerimento executivo, conforme decorre expressamente do disposto no art.724.º, n.º1, n.º4, alínea a) do Código de Processo Civil.
À execução apenas podem servir de base os títulos enunciados no art.703.º do Código de Processo Civil, entre os quais os compreendidos na alínea b): “Os documentos exarados ou
autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação”.
São autênticos os documentos escritos exarados com as formalidades legais, pelas autoridades públicas ou privadas nos limites da sua competência ou dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé – art-363.º do Código Civil ou por outros profissionais com competência para tal (por ex. um testamento público em que o testador confessa uma dívida ou impõe uma dívida ao herdeiro ou legatário).
Como já se referiu, prevê o art.703.º, alínea b) do CPC que pode constituir título executivo o documento exarado ou autenticado por notário que importe a constituição ou reconhecimento de uma obrigação, devendo o título dar a conhecer de forma clara o conteúdo da obrigação do devedor, por contraponto ao direito do credor. A segurança e a certeza da existência do crédito que estão subjacentes ao título executivo é que possibilitam que o credor lance mão do processo executivo, sem necessidade de reconhecimento prévio do seu direito em ação declarativa, sendo ele próprio uma garantia.
No caso, verifica-se que a escritura de declaração unilateral de hipoteca apresentada como título executivo constitui um documento autêntico, nos termos do disposto no art.º 369.º n.º 1 do C.Civil”, que contém os valores garantidos.

Acresce que Quinta ... Lda. que foram relacionados sem qualquer oposição! A Banco 1... reclamou os mesmos créditos nos processos de insolvência da família AA (CC, BB e CC) sem qualquer oposição!

 O mesmo se diga da recorrida que se habilitou nos processos de insolvência da CC, CC e BB sem que tivesse ocorrido qualquer oposição dos mesmos.

Improcede, assim, nesta parte aa presente apelação

- Alega ainda a Recorrente que, tendo ficado provado que “a devedora principal, a insolvente R... não pagou qualquer prestação à Banco 1... dos autos nada consta como prova da interpelação, ou seja, não houve vencimento antecipado das prestações, mantendo-se o calendário previsto no contrato os dez anos de 02/2004 a 02/2013, que não foi resolvido nem rescindido, que releva para a decisão da prescrição, nada consta em contrário dos factos provados.

Como ficou provado, a Banco 1... e a insolvente R... sociedade comercial, celebraram um contrato de empréstimo bancário destinado ao apoio ao investimento, mediante o qual a primeira emprestou à segunda a importância de € 4,5 milhões de euros “pelo prazo de dez anos”, a ser amortizada “em prestações anuais”, sendo os juros pagos juntamente com cada uma das prestações.

Defende a executada / terceira / recorrente que se encontra prescrita a dívida cujo pagamento lhe é exigido, sendo o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do disposto nas alíneas e), quanto às quotas de amortização do capital, e d), quanto aos juros, ambas do art.º 310.º do Código Civil.

A executada é terceira em relação ao contrato e, a transmissão do bem onerado com hipoteca não constituiu causa de extinção desse direito real de garantia (cfr. art.º 730.º do Cód. Civil), continuando o credor hipotecário com o direito de ser pago preferencialmente pelo valor da coisa imóvel, mesmo que este passe a pertencer a um terceiro (art.º 686.º n.º 1 do Cód. Civil).

O terceiro adquirente não fica pessoalmente vinculado ao comprimento do crédito que onera o imóvel hipotecado, (ao contrário do que diz a sentença) parece ter sido esse o entendimento da exequente ao peticionar 9 milhões euros como pedido.

Mas tem direito de expurgar a hipoteca mediante pagamento integral da dívida ao credor, ou declarando que está pronto a entregar ao credor, para pagamento do seu crédito, a quantia pela qual obteve os bens, quando a aquisição tenha sido feita a título gratuito ou não tenha sido fixado o preço (cfr. art.º 725.º al.s a) e b) do Cód. Civil).

O que, no caso importa, não se verificou. Em suma, a embargante / recorrente adquiriu um imóvel onerado, sem ter logrado expurgar a hipoteca.

Subsistindo a hipoteca, o terceiro adquirente só tem legitimidade para intervir na ação executiva, que tenha por base o contrato de mútuo hipotecário que importe na constituição ou reconhecimento da obrigação de pagamento no qual não é parte, por força do art.º 54.º n.º 2 do CPC, e, na medida em que o exequente pretenda fazer valer a garantia de pagamento emergente da hipoteca.

Mas, a sua “responsabilidade patrimonial” está restrita ao valor a obter pela venda judicial do bem hipotecado em sede da ação executiva, sendo que se esse valor for insuficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda, a execução prosseguirá apenas contra a pessoa que no título executivo figure como devedora, executando o património desta até satisfação completa e integral do crédito exequendo (cfr. art.º 54.º n.º 3 do CPC).

Feito este breve caminho, o terceiro adquirente de imóvel hipotecado não é devedor da quantia exequenda, assistindo-lhe apenas o direito de expurgar a hipoteca oferecendo-se, se assim o entender, para pagar a dívida ao credor (cfr. art.º 725.º da al. a) do Cód. Civil).

Quem é a devedora da obrigação de restituir a quantia mutuada é a insolvente R... Lda. (diga-se já foi executada ao reconhecer o crédito como garantido à Banco 1...) (art.ºs 1142.º e 406.º n.º 1 do Cód. Civil).

A quem assiste o direito de invocar a sua extinção por prescrição, sendo que, nos termos do art.º 303.º do Cód. Civil: «O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público».

Este preceito, em bom rigor, não diz que um terceiro não possa invocar a prescrição de obrigação alheia quando nisso possa tirar um benefício. O que este preceito estabelece é apenas a impossibilidade de o tribunal suprir oficiosamente a vontade do devedor, declarando a obrigação prescrita, apesar da inércia daquele.

Sucede que, o art.º 305.º n.º 1 do Cód. Civil estabelece igualmente que: «1. – A prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha renunciado», ou seja, um terceiro, mesmo não sendo credor do devedor que beneficie do direito potestativo a invocar a prescrição, desde que nisso tenha interesse legítimo, pode invocar a prescrição de obrigação alheia, na estrita medida em que nisso tenha interesse atendível.

E, não há dúvida, que a embargante, aqui recorrente, tem interesse atendível, porque adquiriu o imóvel sobre que incide a garantia real de pagamento preferencial do crédito susceptível de prescrição.
Em consequência do exposto, o “terceiro interessado” pode invocar a prescrição de dívida alheia, nos termos do art.º 305.º n.º 1 do Cód. Civil, não por via sub-rogatória ou mera substituição no exercício do direito do devedor, mas por exercício de direito próprio.

Por consequência do exposto, a embargante / terceira e recorrente efetivamente invocou a prescrição como exceção peremptória do direito da exequente na presente ação executiva em que foi demandada como parte, deveria ser declarado extinto por prescrição.

Mas, voltemos mais aprofundadamente à situação sub judicio, como ficou contratualmente estabelecido, o empréstimo foi concedido “pelo prazo de dez anos” (n.º 2 da cláusula 1.ª do contrato), sendo o capital amortizado em “prestações fracionadas e anuais” postecipadas, vencendo-se a primeira em fevereiro de dois mil e quatro e cada uma das restantes em igual dia de cada um dos anos seguintes”, pagando-se os juros “juntamente com as prestações de amortização do capital (n.º 3 a 5 e pág. 1 a 7 da cláusula 6.ª do “Documento Complementar”).

O capital seria, pois, amortizado em 10 prestações, tendo-se vencido a 1ª em 16/02/2004, e a décima em 16/02/2013.

Pelo tempo já decorrido deverão, porém, considerar-se abrangidas pela prescrição todas as referidas prestações.

Ora a este propósito, como refere a Recorrida, “Relativamente à alegada prescrição dos créditos que a “M...” é detentora, pelo facto de alegadamente: i) nunca terem ocorrido pagamentos por parte da sociedade “Sociedade Agrícola Quinta ... Limitada” à “Banco 1...”; ii) que não ocorreu a interpelação dos devedores “nem a excussão do património da R...” – o que numa sociedade que foi declarada insolvente seria um milagre – iii) e que se mostra ultrapassado o prazo de prescrição de cinco anos (artigo 310.º do Código Civil), a recorrente “esqueceu-se” de referir que, os créditos que aqui classifica de alegadamente “prescritos”, foram na verdade, reclamados pelo credor originário nos processos de insolvência da Sociedade Agrícola Quinta ... Limitada, bem com nos processos de insolvência de AA, DD e AA, sem que aí, tenham sido impugnados ou merecido qualquer tipo de contestação por parte daqueles.

 Pelo que neste ponto estamos perante a figura do caso julgado que aqui invocamos.

O instituto de “caso julgado” exerce duas funções, uma positiva e outra negativa, ou seja, enquanto que a primeira manifesta-se através de autoridade de decisão já transitada, a segunda manifesta-se através de excepção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica.

Enquanto na exceção de caso julgado é exigida a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, já na autoridade do caso julgado a coexistência dessa tríade de identidades não constitui pressuposto necessário da sua atuação.

Podemos afirmar que, existe uma identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, analisadas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica e, existirá identidade de pedido, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Por outro lado, existirá identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.

A identidade de pedidos pressupõe que em ambas as acções se pretenda obter o reconhecimento do mesmo direito subjectivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.

Sendo a causa de pedir um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, haverá procurá-la na questão fundamental levantada nas duas ações.

A autoridade de caso julgado de uma sentença existe na correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu.

O que, é o caso, relativamente à alegada prescrição dos créditos adquiridos pela “M...”.

Improcede, assim nesta parte a presente apelação.

Alega ainda a Recorrente que, “Pela invocada e decidida a prescrição do direito da exequente, invocada e no seu exercício desse direito pelo terceiro interessado, tudo se passa, para ele, como se a obrigação do devedor, garantida por hipoteca incidente sobre o imóvel por si adquirido, tivesse efectivamente sido extinta por prescrição.

O que tem como consequência, nos termos do art.º 730.º al. a) do Cód. Civil, a extinção da própria hipoteca. O que se pretende aqui prever é um caso especial de prescrição. No entanto, Pires de Lima e Antunes Varela (in Ob. Loc. Cit.) acabam por reconhecer que em termos mais rigorosos deveria considerar-se estar perante uma situação de caducidade da hipoteca.

O terceiro adquirente do prédio hipotecado não está restrito à invocação da causa de caducidade da hipoteca prevista na al. a) do art.º 730.º do Cód. Civil, pois poderá sempre invocar a extinção da obrigação a que a hipoteca serve de garantia, como causa extintiva da hipoteca, tal como se estabelece na al. a) do art.º 730.º do Cód. Civil.

E foi isso que se passou no caso dos autos.

Fica assim claro que a obrigação da devedora-mutuária ainda subsistirá relativamente à sua credora-mutuante / sub-rogada / cessionária / exequente, até por força da pendência do processo de insolvência, na qual isso mesmo foi reconhecido por sentença de graduação de créditos. Estamos dentro do processo de insolvência.
Mas tudo se passa para a terceira adquirente do imóvel onerado com a hipoteca como se a obrigação daquela devedora estivesse efectivamente extinta por prescrição, o que para esse efeito estrito determina a necessária extinção da hipoteca, nos termos do art.º 730.º al. a) do Cód. Civil.

Assim, a procedência desta excepção peremptória, em sede de embargos de executado, conforme, artigo 729.º da al. g) do Cód. Proc. Civil, impõe a absolvição da embargante / terceira / recorrente do pedido executivo e a necessária procedência do pedido de levantamento de todas as penhoras de bens da executada/embargante, nomeadamente da penhora do imóvel hipotecado por si adquirido.

Ora no que concerne a esta questão, não se verificando a prescrição da obrigação, como é óbvio, igualmente se não pode verificar a caducidade da hipoteca.

Improcede, assim, também nesta parte a presente apelação.

Mais alega a Recorrente que recusa aceitar que “a posse baseada em acto ou facto proibido por normas imperativas do prédio objecto dos autos seja insusceptível de conduzir à aquisição da propriedade por usucapião.

Não que se questione que, os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo sejam, em regra, nulos, de acordo com o estatuído no art.º 294.º do Cód. Civil, como se afirma na sentença recorrida.

Nem que se tenha por indiscutível que a nulidade pode ser, em princípio, invocada a todo o tempo por qualquer interessado e pode (até) ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art.º 286.º do Cód. Civil).

Só que a não fixação de um prazo para a sua arguição «não afecta os direitos que hajam sido adquiridos por usucapião».

«A possibilidade da sua invocação perpétua (da nulidade) pode, porém, ser preludiada pela verificação da prescrição aquisitiva (usucapião)».

Daí que, no caso, a eventual nulidade da operação negocial de compra e venda não pudesse afectar os actos de posse praticados pela executada e seus antecessores sobre a Quinta... prédio mistos com a área de 26.100m2 em litígio nos autos e, consequentemente, obstar à sua consolidação por usucapião.

E isto porque, como decorre do artigo 1287.º do Cód. Civil: «A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião» (sublinhado nosso).

 A posse essa como alega a exequente está e sempre esteve na executada, veja-se a alegação da recorrida no seu artigo 10º da sua douta contestação que se dá como assente:

Artigo 10º - A dedução de embargos de executado por parte da “Quinta ...” constitui uma verdadeira tentativa de “atirar o barro à parede”, fazendo um uso reprovável dos meios judiciais para tentar manter a posse da “Quinta...”. Aliás, basta atentar na confissão que a embargante faz no artigo 21.º do pedido reconvencional, que o seu único intento é “recusar-se a largar mão da coisa” (leia-se a Quinta...).

A exequente / recorrida reconhece a posse da recorrente no prédio dos autos, como confissão não mais dela se retirar.

 A aquisição com registo data de janeiro de 2012. No presente momento já decorreram mais de 10 anos, factos provados – Pontos O) e R).

Como os seus antecessores com a aquisição em 1998 para a família AA tem a posse da Quinta... por mais de 20 anos.

De modo que a eventual nulidade decorrente do negócio do prédio não constituía nem poderia constituir, por si só, fundamento para recusar a usucapião.

Deste modo, em face da matéria fáctica apurada e supra discriminada sob os Pontos O) e Q) – factos provados é irrecusável - ao invés do afirmado e decidido no acórdão recorrido - a posse da executada sobre a dita parcela de terreno e prédio urbano se consolidou por usucapião, não podendo, por isso, deixar de se lhes reconhecer o direito de propriedade sobre o mesmo prédio misto”.

Considerado o exposto, temos que como se refere na decisão recorrida “sendo o negócio de aquisição por parte da Embargante, “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” do imóvel dado de garantia (a “Quinta...”) nulo, a propriedade não se transferiu para a ora Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...”, não sendo, portanto, a mesma dona e legítima proprietária da “Quinta... por o mesmo se manter na esfera patrimonial da “Sociedade Agrícola Quinta ...” e, a ser assim, como a nosso ver é, não tem a Embargante título que justifique a detenção do referido imóvel nem legitimidade para pôr em causa a validade e extensão da obrigação exequenda reclamada nos autos principais pela Exequente/Embargada “M..., Lda.”.

A propósito desta questão refere o Acórdão da Relação de Lisboa, de 26/03/2015, o seguinte:

- Decorrendo a posse do Autor de um negócio simulado, celebrado entre ele e o irmão com vista a prejudicar o direito da Ré, há que considerar tal posse como de má-fé.
- Contudo, uma vez que a simulação é um vício que afecta a substância do negócio e não a forma, a posse deveria ser tida como titulada.
- Tendo sido interposta acção judicial na qual foi declarado nulo o aludido negócio jurídico, e tendo a nulidade efeito retroactivo, tudo se passa como se o negócio nunca tivesse sido celebrado, pelo que a posse do Autor passa a carecer de título, e isto desde o início[20].

E na sua fundamentação, desenvolvendo o assunto, acrescenta o que se segue:
(…)
Como sublinha Menezes Cordeiro, “o título equivale a um acto jurídico aquisitivo, abstractamente idóneo, mas que, em concreto, pode ser inválido, desde que a invalidade não seja formal” - “A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais”, pág. 91. Significa isto que foi claramente opção do legislador considerar titulada a posse desde que o título resulte de negócio jurídico idóneo, como por exemplo a compra e venda. Desde que respeitados os requisitos formais – escritura pública, no caso de imóveis – o negócio mostra-se apto para titular a posse mesmo que viciado por erro, dolo, coacção, simulação ou até no caso de a coisa vendida não pertencer ao vendedor.
 Esta opção legislativa a que se opõe Menezes Cordeiro na obra já mencionada, pág. 92, considerando que ela “mantém o Direito das Coisas pejado de categorias meramente conceptuais e formais, sem uma ponderação dos interesses e valores subjacentes” conduz a que, num caso como o dos autos, haja que considerar titulada a posse, mesmo que o negócio jurídico de compra e venda de que resulta o título padeça do vício de simulação, já que este é um vício de fundo e não de forma. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado” III, pág. 16, “o título não é a simulação, mas o negócio jurídico simulado, como uma venda ou uma doação, e estes negócios são qualificativos de uma posse em nome próprio. A simulação não é senão um vício substancial do contrato e esse vício está genericamente previsto no nº 1 do art. 1259º”.

No caso dos autos, provou-se que a cessão da posição contratual a favor do ora Autor efectuada pelo seu irmão e com intuito de prejudicar a ex-mulher deste e ora Ré, redundou no contrato de compra e venda do imóvel. Logo, a posse do Autor seria titulada, já que simulação afecta a substância do contrato e não a sua forma.
Contudo, coloca-se aqui um outro problema, a que de resto o Mº juiz a quo parece aludir, no seu despacho de fls. 323, na resposta à invocada nulidade da sentença. É que o negócio jurídico em que assenta o título invocado pelo Autor veio a ser declarado nulo, por sentença datada de 17/07/1985, junta a fls. 58 a 64 dos presentes autos. A decisão tem o seguinte teor:
“1º – Declaro nula a cessão da posição contratual que a A. e o 3º R. conjuntamente supunham deter relativamente ao lote de terreno dos autos, celebrada entre 2º e 3º Réus.
2º – Declaro nulo o contrato de compra e venda celebrado entre os 1ºs Réus, por um lado, e os 2ºs Réus por outro, por escritura pública lavrada no ... cartório Notarial ..., a fls. 63 vs – 64 vs do Livro de escrituras diversas nº 67.
3º – Declaro que a A. tem direito a adquirir o lote em questão, com a moradia nele incorporada, mediante o pagamento de 85.000$00 aos 1ºs RR.”

O contrato de compra e venda declarado nulo, em 2 da aludida sentença, é o celebrado entre o ora Autor e M... e M... e é nele que assenta o título a que vimos fazendo referência.
A declaração de nulidade por sentença transitada em julgado tem efeitos retroactivos – art. 289º nº 1 do Código Civil.
Tal significa, “que tudo se deve passar como se o acto não existisse, pelo que, em regra, são destruídos ab initio, isto é, desde o momento da celebração, todos os efeitos que, porventura, se hajam entretanto produzido” - Luís Carvalho Fernandes, “Teoria Geral do Direito Civil” II, pág. 509. Salvaguardam-se, no tocante à posse, efeitos relativamente a frutos, benfeitorias ou perda ou deterioração da coisa, mas não relativamente ao título, que pura e simplesmente deixa de existir.
Uma coisa é a existência de um vício na substância do negócio jurídico em que assenta o título da posse, outra é a declaração de nulidade de tal negócio, independentemente de o vício causador da nulidade afectar a forma ou a substância do negócio.
Assim, logo que transitada a sentença que declarou nula a compra e venda do imóvel pelo Autor, a posse deste passa a carecer de título e isto desde o seu início, atenta a retroactividade da declaração de nulidade.
Além disso, mesmo a considerar-se como titulada a posse do Autor, nem por isso poderá a mesma ser qualificada como de boa-fé. É certo que o art. 1260º nº 2 do Código Civil refere que a posse titulada se presume de boa-fé. Contudo, tal presunção pode ser ilidida.
A simulação consiste no acordo entre declarante e declaratário, em que ocorre divergência entre a declaração negocial e vontade real do declarante no intuito de enganar terceiros, nos termos do art. 240º nº 1 do Código Civil. Ora um acordo de vontades visando o prejuízo de um terceiro – no caso a Ré – é necessariamente incompatível com a previsão do art. 1260º nº 1. Ao adquirir a posse, na sequência do negócio jurídico simulado e celebrado com o intuito de prejudicar a Ré, o Autor encontrava-se de má-fé, sendo assim a sua posse, mesmo que titulada, de má-fé.

Já vimos que, com a declaração de nulidade do negócio, a posse do Autor, que sempre seria de má-fé, se converte em posse não titulada.
A declaração de nulidade afecta o carácter titulado da posse mas não a posse em si mesma, que corresponde ao exercício pelo titular de um poder sobre a coisa, actuando por forma correspondente ao direito de propriedade ou outro direito real – art. 1251º.
A posse prolongada confere ao possuidor o direito a adquirir o direito a cujo exercício corresponde a sua actuação. Todavia, o modo como a posse é exercida, as suas características, determinarão diferentes prazos aquisitivos.
E assim, não havendo registo do título nem da mera posse, e sendo esta de má-fé, o prazo para a usucapião é de vinte anos (art. 1296º do Código Civil).
A posse do Autor iniciou-se em 1980. Todavia, tendo a ora Ré deduzido acção de reivindicação sobre o imóvel, para a qual o ora recorrente foi citado em 20/11/1990, há que considerar interrompido o prazo de prescrição com tal citação, nos termos do art. 323º nº 1 do Código Civil. Na medida em que essa  acção veio a terminar com a deserção da instância, há que ter em consideração o disposto no nº 2 do art. 327º, ou seja, o novo prazo aquisitivo inicia-se logo após o acto interruptivo, ou seja, a citação.
Assim, o novo prazo para usucapião iniciou-se em 21/11/1990.
Tendo o ora recorrente interposto a presente acção em 12/12/2005, verifica-se que decorreram apenas 15 anos, pelo que tal período não é susceptível de conferir ao Autor a aquisição por usucapião.

Saliente-se ainda que a insistência do recorrente afirmando que “a qualificação da posse afere-se e reporta-se ao momento da sua aquisição”, embora inteiramente aceitável, não impede que, em virtude de tal aquisição se ter operado no âmbito de negócio simulado com vista a prejudicar os direitos da Ré, tal posse sempre tivesse de ser considerada, desde o início, de má-fé pelas razões que atrás expusemos.
Quanto ao título, sendo certo que a simulação, em si mesma, enquanto vício substancial do negócio, não impede que a posse se considere titulada, há que ter em conta que foi deduzida acção judicial na qual foi proferida sentença declarando a nulidade do negócio jurídico que titulou tal posse. Ora, uma vez que a declaração de nulidade, tem efeitos retroactivos, a mesma afecta o acto corresponde ao início da posse como se o mesmo nunca tivesse ocorrido.
 A sentença recorrida não é nula. Embora o Mº juiz a quo não se debruce especificamente sobre o negócio jurídico celebrado entre o Autor e o seu irmão – cessão da posição contratual – e o posterior negócio jurídico de compra e venda do imóvel pelo Autor é manifesto, pelo teor da mesma sentença, que esta não considerou tal negócio jurídico para efeitos de titular a posse.
Seja como for, sempre cumpriria a este tribunal da Relação apreciar a questão, como se fez, suprindo-se, pois, a eventual nulidade.

Quanto à procedência do pedido reconvencional, o recorrente limita-se a afirmar que a procedência do seu pedido de que lhe seja reconhecido o direito de propriedade, por via da usucapião, torna inviável o pedido reconvencional. Na medida em que o pedido do Autor, pelas razões aduzidas, não pode proceder, limitamo-nos assim a retomar as considerações feitas na sentença recorrida no tocante à procedência da reconvenção.

Sublinhe-se, a terminar, que a declaração de nulidade do negócio jurídico, por sentença transitada em julgado, torna a posse não titulada mas não afecta o elemento da má-fé. O Autor sabia – a simulação pressupõe um acordo de vontades entre ambos os celebrantes do negócio jurídico - que ao efectuar um negócio simulado - a cessão da posição contratual com o seu irmão - estava a prejudicar o direito da ora Ré e isto, independentemente de o negócio ser ou não declarado nulo. Tal torna a posse de má-fé, nos termos do já citado art. 1260º nº 1 do Código Civil.

Conclui-se assim que:
- Decorrendo a posse do Autor de um negócio simulado, celebrado entre ele e o irmão com vista a prejudicar o direito da Ré, há que considerar tal posse como de má-fé.
- Contudo, uma vez que a simulação é um vício que afecta a substância do negócio e não a forma, a posse deveria ser tida como titulada.
- Tendo sido interposta acção judicial na qual foi declarado nulo o aludido negócio jurídico, e tendo a nulidade efeito retroactivo, tudo se passa como se o negócio nunca tivesse sido celebrado, pelo que a posse do Autor passa a carecer de título, e isto desde o início.
(…)

Por tudo o exposto improcede também nesta parte a pressente apelação.

A exequente instaurou execução contra a executada / recorrente para pagamento coercivo da quantia global de mais € 9 milhões euros.

Alega ainda a Recorrente que no prédio dos autos encontra-se registada uma hipoteca a favor da Banco 1... incidente sobre “o prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na respectiva Conservatória de Registo Predial sob o nº ...05, hipoteca registada em 21 de maio de 2003 inscrição pela AP. 1 de 2003/05/21 – Hipoteca voluntária.

Como nesta execução está registada uma penhora a favor da exequente pela AP. ...81 de 2020/06/17 como ainda sem encontram registadas mais (3) penhoras anteriores à penhora da exequente:
1. Penhora a favor da Banco 2... SA. pela AP. ... datada de 2008/06/16 no montante de € 98.580,68 euros;
2. Penhora a favor da IGFSS pela AP. ... datada de 2008/12/02 no montante de € 40.376,58 euros;
3. Penhora a favor da AT pela AP. ...13 datada de 2013/01/24 no montante de € 6.876,26 euros.

Verificando-se que se encontravam registadas outras penhoras sobre este mesmo imóvel com datas de registo anteriores, em consequência de tal facto não foi sustada a execução o que deveria por força do disposto no n.º 1 do artigo 871.º do CPC.
Enquanto não se mostrar extinta, por decisão definitiva, a execução tem de considerar-se pendente para efeitos do disposto no artigo 871.º do CPC.

Pelo que, é também ilegal a sentença recorrida.

Na verdade, no que concerne à duplicação de penhora sobre um mesmo bem, estabelece o n.º 1 desse artigo 871.º que "pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, sustar-se-á quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga; se a penhora estiver sujeita a registo, é por este que a sua antiguidade se determina".

Vejamos então se à Recorrente assiste razão nos fundamentos invocados.

Como é consabido, o princípio do dispositivo, que se afirma por contraposição ao princípio do inquisitório ou da oficialidade, reconduz-se ou concretiza-se, designadamente, por fazer impender sobre as partes o ónus do impulso inicial do processo - princípio do pedido.

E, conforme se estabelece no art. 5º, do C.P.C., o tribunal só deve usar os factos articulados pelas partes, plasmando-se, neste normativo, os termos da consagração deste princípio no que à matéria de facto concerne, nos seguintes termos:
- Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
- O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo dos factos instrumentais que resultarem da instrução da causa, e dos factos notório e daqueles que o tribunal tenham conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
- Serão ainda considerados na decisão os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.

Assim sendo, e por decorrência, cumprirá desde logo realçar que, se por um lado, a decisão a proferir em 1ª instância apenas se pode pronunciar sobre a factualidade que tiver sido alegada pelas partes, e incidir sobre as questões concretas por elas suscitadas, por outro, também a decisão do recurso somente poderá abordar questões sobre as quais tenha incidido a decisão recorrida, isto, como é óbvio, sem embargo das questões de conhecimento oficioso.

Com efeito, e como se sabe, os recursos ordinários mais não visam do que permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, o que tem directo reflexo na delimitação das questões que lhe podem ser dirigidas.

O ponto de partida do recurso é sempre uma decisão que recaiu sobre determinadas questões, visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela, razão pela qual, enquanto meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir, em regra, sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo o tribunal ad quem confrontar-se com questões novas[21].

Os recursos constituem, assim, mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, pois que a diversidade de graus de jurisdição determina, em regra, que os tribunais superiores sejam apenas confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios[22].
E apenas podem ser excepcionadas desta regra aquelas situações em que essas questões novas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis.

Uma tal regra encontra a sua justificação no princípio da preclusão, quer por desprezar a finalidade dos recursos (art. 627º, nº 1 do C.P.C.), quer para não impedir a supressão de graus de jurisdição.

E, assim sendo, podemos então concluir que os recursos se destinam a sindicar as decisões impugnadas, estando, assim, a intervenção do tribunal “ad quem” circunscrita às questões que dela foram objecto, ou dito de outra forma, está-lhe vedado apreciar quaisquer outras, salvo se de conhecimento oficioso[23], uma vez que, nas questões novas, a parte submete a um tribunal de recurso questão que ao tribunal recorrido não cumpria conhecer, porque não lhe fora colocada.

Ora, como se referiu, analisada a decisão recorrida, à evidência se constata que nela não foi abordada esta questão.

Não tendo sido invocada pela Recorrente, como evidente resulta que uma tal questão, também não foi, nem poderia ter sido, apreciada pela decisão recorrida.

Assim, atento a que, por um lado, esta questão suscitada pela Recorrente no presente recurso, não constitui uma questão de oficioso conhecimento, e, por outro, representa uma “questão nova”, está, como é óbvio, este tribunal impedido de se pronunciar sobre ela.

Destarte, estando o objecto do recurso delimitado, por um lado, pelas conclusões das alegações e, por outro, pela impossibilidade de serem apreciadas questões novas, improcede, sem mais, quanto a esta questão, a presente apelação.

Por último alega a Recorrente que para que exista condenação “como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes.

Deve o tribunal apreciar os factos e o direito dos autos e aplicar á exequente, uma multa como litigante de má-fé pelas razões e fundamentos expostos nestas alegações, ou seja, deve à luz do direito e da substanciação dos factos ser revogada a decisão da multa aplicada à recorrente como litigante de má-fé.

A decisão recorrida procedeu a uma incorrecta subsunção dos factos ao direito e, em consequência interpretou e aplicou incorrectamente a lei, violando os artigos 10.º, 193.º, 198.º, 260.º, 577.º da al. b), 578.º, 608.º, 615.º n.º 1 al. b) e d), 703.º n.º 1 al. b), 704.º, 707.º, 713.º e 715.º, 716.º 729.º 726.º e 871.º todos do Código Processo Civil e ainda pelo que, não poderá a recorrente ser condenada em qualquer multa ou indemnização - vd. a contrário sensu, n.ºs 1 e 2, art.º 542.º CPC e art.º 543.º CPC”.
Ora salvo o muito e devido respeito, não se nos afigura que isto assim seja.

Na verdade, como se refere na decisão recorrida, “a Exequente veio alegar que a Executada deve ser condenada como litigante de má-fé “uma vez que a mesma recorre aos presentes autos, com o intuito único de tentar evitar que a embargada/exequente exerça um direito que lhe assiste decorrente da aquisição dos créditos e, de forma dolosa e consciente, alega fatos distorcidos e em que nada correspondem à verdade, numa tentativa desesperada de “levar a sua avante”.

Será a actuação da Executada/Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” censurável a ponto de ser condenado como litigantes de má-fé?

Cremos que sim.

Como se disse, o inadmissível surge apenas quando a parte, sabendo embora não ter razão, recorre ao processo (o que é ainda mais grave tratando-se de factos pessoais).

Na verdade, da conjugação dos elementos processuais alegados e juntos aos autos com a prova produzida em sede de audiência de julgamento, atentas ainda as próprias declarações de parte produzidas pelos legais representantes da Executada/Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...”, parece-nos que não pode a mesma deixar de ser condenada como litigante de má-fé.

Na verdade, produzida a prova, ficaram demonstrados, para além de outros, os seguintes factos:
__ Por escritura datada de 16.05.2003, celebrada entre a “Banco 1..., S.A.” e a “SOCIEDADE AGRÍCOLA Quinta ... LIMIITADA” foi constituída hipoteca genérica sobre um conjunto de imóveis, designadamente, sob o bem indicado à penhora na presente execução – cfr. Cláusula 5ª III da referida escritura - e conforme se afere pela visualização da C.R.P. AP. 1 de 2003/05/21.
__ A referida hipoteca teve como finalidade garantir um conjunto de responsabilidades e obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir pela sociedade por quotas “SOCIEDADE AGRÍCOLA Quinta ... LIMIITADA” até ao montante capital de € 8.000.000,00 (oito milhões de euros).
__ As quantias disponibilizadas nos termos acima descritos e de acordo com o clausulado nos referidos contratos foram creditadas em contas correntes da titularidade da mutuária.
__ Sobre os capitais disponibilizados seriam devidos juros às taxas legais indicadas nos respetivos contratos, obrigando-se a referida sociedade devedora a amortizar e reembolsar as quantias disponibilizadas, acrescidas de juros e demais encargos nos termos previstos em cada um dos referidos contratos.
__ Os referidos contratos encontram-se em incumprimento, não tendo sido liquidados os valores em dívida desde as seguintes datas: a) 13.03.2012, b)16.08.2012, c) 12.06.2012, d) 26.03.2012.
__ Os representantes da Requerente e da Sociedade Agrícola Quinta ..., por contrato de compra e venda, outorgado no dia 10 de janeiro de 2012, na Conservatória do Registo Predial ..., e pelo preço aí declarado de 220.000,00€ (duzentos e vinte mil euros), declararam comprar e vender, respetivamente, o prédio misto denominado “Quinta...”.
__ Relativamente ao negócio acabado de referir, não foi pago pela “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” o preço de € 220.000 (duzentos e vinte mil euros) nem recebido pela sociedade insolvente Sociedade Agrícola Quinta ... Lda.
__ A “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” é uma sociedade comercial que tem por objeto a atividade do turismo de habitação, apartamentos, parque, animação, restauração e hotelaria, tendo sido constituída em 18/03/2004, sendo sócios fundadores AA (com uma quota no valor de € 30.000), AA (com uma quota no valor de € 7.500,00) e BB (com uma quota no valor de € 7.500,00), competindo a todos a gerência da sociedade.
__ A “Sociedade Agrícola Quinta ... Lda.” teve igualmente como sócios fundadores AA, AA, BB e, a sede social da sociedade situava-se na Avenida ..., no ..., coincidindo com a sede da aqui requerente e com a de outras sociedades detidas por estes.
__ A “Sociedade Agrícola Quinta ...” tinha por objeto a atividade da viticultura e produção de vinhos comuns e licorosos tendo, entretanto, sido declarada insolvente por sentença transitada em julgado, proferida em 12 de outubro de 2015, no âmbito do processo de insolvência n.º227/15...., que corre termos pelo Juízo de Comércio ....
__ A estrutura societária da “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” foi composta por AA, AA e BB tendo sido eles que assinaram em representação da “adquirente” o Contrato de Compra e Venda do imóvel em causa nos autos.
__ AA, transmitiu a quota que detinha na “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...”, no valor nominal de 30.000,00€, à sociedade comercial por quotas denominada “C... – Gestão, Administração de Bens Móveis e Imóveis, S.A.”, NIPC: ..., a qual se encontra sedeada na mesma morada da residência daquele – Avenida ..., ..., ... e que é igualmente administrada pelo referido cedente da quota.
__ Os dois filhos do Sr. AA, AA e BB, cada um outrora detentor de uma quota no valor unitário nominal de 7.500,00€ na requerente, transmitiram-nas à “Sociedade Agrícola Terras de ..., S.A.” com o NIPC: ... a qual, para além de estar igualmente sedeada na Avenida ..., ..., ..., tem como administrador o Sr. AA e como vogais desse mesmo conselho de administração os seus dois filhos AA e BB.
__ A transmissão por parte da insolvente “Sociedade Agrícola Quinta ...” em benefício da aqui embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” (relativamente ao contrato de compra e venda da Quinta ...) teve como único intuito sonegar um ativo que deveria integrar a massa insolvente, reputando-se tal ato como prejudicial àquele património autónomo, porquanto, visaram os mencionados intervenientes frustrar e/ou diminuir a satisfação dos interesses dos credores da insolvência que, à época, estava iminente.
__ Nos processos de insolvência da “Sociedade Agrícola Quinta ... Limitada”, bem com nos processos de insolvência de AA, DD e AA, foram reclamados pelo credor originário, Banco 1..., S.A., os créditos ora reclamados pela Exequente nos autos principais de execução, sem que aí, tenham sido impugnados ou merecido qualquer tipo de contestação por parte daqueles.
__ Em fevereiro de 2020 e ainda antes da instauração dos autos principais de execução que corre termos pelos autos principais, a embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” instaurou um procedimento cautelar contra a “M...” - que correu termos pelo Juízo Central ..., Juiz ..., sob o processo n.º 251/20.... – no qual foi alegada, para além do mais, o seguinte: “(…) 12. Após a aceitação das RECLAMAÇÕES DE CRÉDITOS, análise dos seus fundamentos, para a graduação, o credor Banco 1... (Banco 1...) pediu graduação de determinado montante ao AI em virtude da usa garantia real de que era detentor. 13. Na relação de créditos invocou VALOR GARANTIDO por deter uma HIPOTECA VOLUNTÁRIA na CRP 1044/...05 a seu favor na Quinta..., através da AP. 1 de 2003/05/21, conforme MAPA da RELAÇÃO DE CRÉDITOS. 13. Para além daquela HIPOTECA VOLUNTÁRIA, a favor da Banco 1..., também esta INSCRITO – AVERBADO – ANOTADO, uma PENHORA, a favor do Banco 2... pela AP. ... de 2008/06/16, outra PENHORA a favor do IGFSS, pela AP. ... de 2007/1/02, outra PENHORA a favor da FAZENDA NACIONAL pela AP. ...13 de 2013/01/24, respetivamente. 15. Na mesma CRP (Certidão de Registo Predial) da Quinta... consta a aquisição a favor da aqui REQUERENTE pela AP. ...03 de 2012/01/10 – AQUISIÇÃO”.
__ A “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” pretende protelar os autos principais de execução e impedir que a Exequente/Embargada “M..., Lda.” consiga alcançar a satisfação do crédito reclamado nos autos executivos e que ascendia, ao tempo da instauração desses autos, ao montante de 11.880.758,00€.

Face à matéria de facto supra dada como provada, a nosso ver, a Executada/Embargante “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...” pretende com os presentes embargos protelar a concretização da execução e cobrança coerciva da quantia reclamada pela Exequente nos autos principais de execução bem sabendo a Executada/Embargante que, quando outorgou o contrato de compra e venda da “Quinta...”, o mesmo estava onerado com uma hipoteca que incide sobre um bem “a Quinta...”, e que tal bem responde perante a Exequente/Requerida.

Atenta a qualidade que os legais representantes da Embargante, ouvidos em audiência de discussão e julgamento, detinham em ambas as sociedades (compradora e vendedora do negócio Quinta ...), entendemos que os mesmos não podiam desconhecer, como não desconheciam, os contratos/empréstimos que a “Sociedade Quinta ...” celebrou com a primitiva credora, a Banco 1... pois, ainda que ao tempo pudessem não estar completamente esclarecidos, pelos menos ao tempo em que foram deduzidos os embargos de executado, tinham obrigação de conhecer até porque já correram outros processos em que estas questões foram discutidas e decididas mas, ainda que, mesmo assim, não soubessem, o que não é crível, pelo menos com a providência cautelar que foi interposta nestes autos, os mesmos inteiraram-se dos factos que, mais uma vez, foram discutidos em audiência de julgamento.

Ficámos também convencidos que a dívida exequenda não se encontra paga, nem pela devedora, entretanto declarada insolvente, nem por qualquer outra pessoa, não podendo desconhecer os legais representantes da Embargante tais factos, atenta a qualidade que detinham e a relação familiar com o Sr. AA, pais dos legais representantes da Embargante.

Note-se que na reclamação de créditos apresentada pela Banco 1... na insolvência da devedora “Sociedade Agrícola Quinta ...”, conforme factos supra dados como provados, o crédito da ora Exequente/Embargada foi reconhecido e graduado na posição que lhe compete e não foi impugnado por quem quer que seja, designadamente, pela Devedora, contudo, a ora Embargante pretendia, nos presentes embargos, pôr em causa a existência e validade do crédito exequendo.

Pensamos que os legais representantes da Embargante sabiam que não tinha sido pago o valor de 200.000,00€ porque não é razoável nem crível, face ao normal acontecer, que o Sr. AA (pai), homem experiente nos negócios, efectuasse um negócio de um imóvel por tão baixo preço quando o tinha adquirido alguns anos antes por mais de um milhão de euros, não havendo qualquer vantagem para a “Sociedade Agrícola Quinta ...” em vender pelo preço declarado na respectiva escritura de compra e venda de tal imóvel.

Parece-nos que tal negócio era mesmo muito desvantajoso para a “Sociedade Agrícola Quinta ...”, que estava em perigo de insolver, como veio efectivamente a acontecer.

Julgamos que o Sr. AA (pai) não teria celebrado tal negócio, “a nosso ver simulado”, caso o mesmo não tivesse sido outorgado com outra sociedade da “família AA” (veja-se a composição societária de cada uma das sociedades compradora e vendedora da Quinta...).

Não ficámos com dúvidas que o único intuito que presidiu à dita “venda” foi retirar este imóvel da “Sociedade Agrícola Quinta ...” para que o mesmo não respondesse pelas dívidas, muitíssimo avultadas da “R...” (o AI da insolvência referiu em julgamento que, ao que se recordava, rondavam os 12 milhões de euros) e, assim, colocá-lo numa empresa “controlada” pelas mesmas pessoas da família AA.

Como resulta do articulado de contestação aos presentes embargos, a Exequente/Embargada não requereu o depoimento de parte dos legais representantes da sociedade Executada/Embargante, “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...”.

Uma vez que foi a própria Executada/Embargante, “Sociedade Turística e Hoteleira, Quinta ...”, que requereu nos autos a tomada de declarações de parte aos seus

legais representantes deveriam os mesmos ter aproveitado essa oportunidade e, em audiência de discussão e julgamento, reporem a verdade dos factos”.
(…)
Assim, considerado exposto, tal como sucede com a decisão recorrida, também a nós se nos afigura que “o seu comportamento e actuação é censurável porque tem, única e exclusivamente, como objectivo o protelar da lide e dificultar a satisfação, atempada, do crédito exequendo”.

Improcede, assim, na íntegra, a presente apelação.

Sumário – 663, nº 7, do C.P.C.
I- Como decorre no disposto no artigo 615, nº 1, al. d), do C.P.C., não basta à regularidade da decisão a fundamentação que contém, revelando-se ainda necessário que trate e aprecie a divergência jurídica carreada para autos pelas partes, podendo assim considerar-se que esta causa de nulidade da decisão complementa a da nulidade por falta de fundamentação, pois que, o contraditório proporcionado às partes com relação aos aspectos jurídicos da causa não pode deixar de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.
II- Decorrendo a posse do Autor de um negócio simulado, celebrado entre ele e o irmão com vista a prejudicar o direito da Ré, há que considerar tal posse como de má-fé.
III- Contudo, uma vez que a simulação é um vício que afecta a substância do negócio e não a forma, a posse deveria ser tida como titulada.
IV- Tendo sido interposta acção judicial na qual foi declarado nulo o aludido negócio jurídico, e tendo a nulidade efeito retroactivo, tudo se passa como se o negócio nunca tivesse sido celebrado, pelo que a posse do Autor passa a carecer de título, e isto desde o início

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.
Guimarães, 11/ 05/ 2023.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.



[1] Cfr. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 690.
[2] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, reimpressão, p. 142.
[3] Cfr., p. ex., A. Varela e outros, obra citada, p. 690; Alberto dos Reis, obra e local citado (estabelecendo também uma correspondência directa entre o vício em questão e a exigência mencionada no art. 660º, nº 2 do C.P.C.); Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, 1982, p. 142.
[4] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., pg. 54.
[5] Cfr. Anselmo de Castro, obra e local citados na nota anterior.
[6] In Estudos sobre o Novo Processo Civil, pg 362.
[7] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 26/11/2009, proferido no processo nº 996/05.6TCLRS.L1-6, in www.dgsi.pt
[8] Cfr. acórdão da Relação de Coimbra, de 11/06/2019[8],proferido no processo nº 355/16.5T8PMS.C1, in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 689/690.
[10] Cfr. Lebre de Freitas CPC anotado, 2008, vol II, pag. 704.
[11] Cfr.  Acórdão da Relação de Lisboa, de 15/12/2005, proferido no processo nº 11523/2005-6, in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Acórdão da Rel. De Guimarães, proferido no processo nº 2576/06.0TBSTS.P1.
[13] Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
Posição que doutrina e jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência (por mais recente) o Acórdão do STJ de 8/01/2019, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
[14] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 127.
[15] Ac. do STJ (4ª secção), de 12.03.2015 (Mário Belo Morgado), proc. 756/09.5TTMAI.P2. S1, in www.dgsi.pt.
[16] Abrantes Geraldes, in ob. cit. págs. 228 e 229.
[17] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pg. 94.
[18] Cfr. Abrantes Geraldes, obra e local supra referidos.
[19] Cfr. Ac. do S.T.J., de 20 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt.
[20] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de
[21] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pg. 94.
[22] Cfr. Abrantes Geraldes, obra e local supra referidos.
[23] Cfr. Ac. do S.T.J., de 20 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt.