EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRESCRIÇÃO
COVID-19
SUSPENSÃO DE PRAZO
Sumário


I - A suspensão dos prazos de prescrição das contra-ordenações desde 9 de Março de 2020 até 2 de Junho de 2020 e entre 22 de Janeiro e 6 de Abril de 2021 foi determinada pela Lei 1-A/2020 19 de Março e Lei 4-B/2021 de 1 de Fevereiro.
II - A suspensão do prazo de prescrição previsto no art.º 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020 não se traduz numa decisão mais gravosa para o arguido, pois o prazo de prescrição da coima mantém-se rigorosamente o mesmo, antes e depois da vigência da citada lei.
III - A aplicação da causa de suspensão do prazo prescricional prevista no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 a processos pendentes por factos anteriores ao início da sua vigência não viola a Constituição.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Proc. n.º 43/22.3T9MNC-A.G1

I – AA veio deduzir oposição à execução, mediante embargos, nos termos do disposto no artigo 728º do Código de Processo Civil, alegando, em síntese a prescrição do procedimento contraordenacional, e em consequência, ser extinta a execução.

O Ministério Público apresentou contestação, pronunciando-se pela improcedência dos embargos.

Os autos prosseguiram e foi proferido despacho saneador/sentença no qual se decidiu:

Decisão.

Por tudo quanto vem exposto, julgo integralmente improcedentes os presentes embargos de executado, por não provada a alegada exceção de prescrição do procedimento contraordenacional subjacente à formação do título executivo (art. 729.º, al. g) do Código de Processo Civil), devendo os autos executivos prosseguir ulteriores termos.


Inconformada a embargante interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

1- A sentença recorrida sufraga a tese de que se mostra conforme com o art.º 29.º, n.ºs 1, 3 e 4 da Constituição da República, a aplicação da causa de suspensão da prescrição prevista nos artigos 7.º, n.ºs 3 e 6, b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aos processos de natureza contraordenacional pendentes por factos anteriores à sua vigência e, nessa exata medida, não violado o disposto no art.º 3.º, n.º 2, do RGCOC;
2- No domínio da pandemia da COVID-19, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, consagrou a suspensão dos prazos de prescrição durante o período em que a grande maioria dos atos e prazos processuais foram, igualmente, suspensos (em parte dos anos de 2020 e 2021).
3- Esta lei consagrou a vigência de uma situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e, entre outras medidas, estabeleceu que, durante a vigência dessa situação excecional, considerar-se-iam suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos (cfr. artigo 7.º, números 3 e 4, da redação original, e artigo 6.º-B, nºs 3 e 4 da redação atual, introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro).
4- Tanto a redação original da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, como a redação introduzida pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, estabelecem que a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade «prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional/aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão».
5- Segundo a lei que prevê a suspensão dos prazos de prescrição — primeiro, desde 9 de março de 2020 até 2 de junho de 2020 [2 meses, 24 dias], e, depois, entre 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 [2 meses, 15 dias], ex vi Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e, ainda, dos artigos 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, e do artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril
—, os prazos prescricionais no âmbito contraordenacional foram dilatados;
6- Os referidos arts. 7º, nº 3 e 6º-B, nº 3, da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março [o art. 6º-B, na redacção da Lei nº 4-B/2021] preveem uma nova causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal e contraordenacional, cujos efeitos agravam a posição do agente, mediante a sua aplicação a factos praticados anteriormente à sua entrada em vigor.
7- O objecto do presente recurso é determinar se a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento, in casu, contraordenacional, introduzida pelo art. 7º, nº 3, da Lei nº 1-A/2020 e, posteriormente [na redacção da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro], no art. 6º-B, nº 3, da mesma Lei nº 1-A/2020, pode aplicar-se aos processos pendentes por factos praticados antes da sua vigência, sem atentar as normas da Constituição da República Portuguesa que consagram a proibição da aplicação retroactiva da lei penal e da lei contraordenacional in malam partem.
8- Importa, assim, determinar se tal aplicação viola as disposições dos arts. 2º, nº 4 do C. Penal, 3º, nº 2 do RGCOC, bem como viola as disposições do art. 29º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.
9- A recorrente entende que aquelas normas especiais, criadas em contexto pandémico violam de forma expressa os arts. 2º, nº 4 do Código Penal, 3º nº 2 do RGCOC, bem como viola as disposições do art. 29º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa.
10- De acordo com a tese da recorrente, o procedimento contraordenacional« estaria prescrito desde 15/02/2021, uma vez que o prazo prescricional aplicável é de 5 anos (al. a) do art.º 27.º do RGCO) e se iniciou com a apresentação da defesa escrita (em 15/02/2016).
11- A recorrente alicerça o seu entendimento no plasmado no artigo 2.º, n.º 1, do Código Penal, que determina que o momento de aplicação da lei penal no tempo é o da prática que leva à consumação do crime, sendo retroativa toda a aplicação a esses factos de lei que for posterior a esse momento.
12- E no n.º 4 daquele preceito legal que prescreve que, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente.
13- Ora, as leis especiais acima indicadas, criadas, em contexto pandémico, ao aumentarem o prazo da prescrição, agravaram a situação da recorrente,
14- Logo é inaceitável que se possam aplicar ao caso em análise, sem existir manifesta ofensa aos princípios legais e constitucionais (arts. 2º, nº 4 do Código Penal, 3º nº 2 do RGCOC, art. 29º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa).
15- Sendo imperioso considerar que o procedimento contraordenacional prescreveu antes (em 15/02/2021) de ser notificada a decisão final à aqui recorrente (24/06/2021).
16- Pelo que, encontrando-se prescrito o procedimento que está na base don surgimento do título executivo que serve de fundamento aos autos principais, deve o processo executivo ser extinto por falta de título executivo e consequentemente ordenado o levantamento da penhora do saldo da conta bancária da recorrente.

O Ministério Público apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Para a decisão foram considerados os seguintes factos:

- A quantia reclamada no requerimento executivo respeita a uma coima aplicada no âmbito de uma contraordenação ambiental cometida pela executada.
- Tal contraordenação ambiental derivou da descarga num monte situado num lugar ermo, designado ..., freguesia ..., concelho ... (local habitualmente usado como lixeira nas redondezas), de resíduos domésticos (cfr. auto de contraordenação nos autos principais).
- No dia 22 de Outubro de 2015, pelas 10h30, os militares da GNR ..., constataram, que na ..., ..., ..., havia sido efetuada uma descarga de vários resíduos (papel, plástico- lixo doméstico), junto a um amontoado do brita.
- Após verificarem as várias cartas que se encontravam no local, identificaram a produtora dos resíduos como sendo BB, aqui embargante.
- Tais factos integram a contraordenação prevista no artigo 3.º do artigo 9.º do D.L. n.º 178/2006 de 05 de Setembro, alterado pelo D.L. n.º 73/2011 de 17 de Junho , punido pela alínea a) do n.º 1, do artigo 67.º do D.L nº 178/2006 de 05 de Setembro alterado pelo D.L n.º 173.º/2011 de 17 de Junho, com uma coima de 10.000,00 € a 100,000,00 €, conforme a alínea a) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei 50/3006 de 9 de Agosto alterada pela Lei n.º 89/2009 de 31 de Agosto, retificada pela Declaração de Retificação n.º 70/2099 de 01 de Outubro e com a segunda alteração pela Lei n.º 114/2015 de 28 de Agosto,
- A arguida/embargante foi condenada numa coima no valor de 5.000,00 € (cinco mil euros, beneficiando de atenuação especial, e no pagamento das custas do processo no valor de € 153,00 € (cento e cinquenta e três euros).

Da análise do procedimento contraordenacional é possível retirar a seguinte factualidade:

A)- A contraordenação praticada pela arguida ocorreu no dia 22/10/2015 conforme auto de notícia.
B)- Foi instaurado um processo de contraordenação pela GNR ... e notificada a arguida para audição e defesa, através de aviso de receção datado de 21/01/2016.
C)- A arguida apresentou um requerimento em 15/02/2016 no exercício do seu direito de audição e defesa.
D)- Em 15/06/2021, foi proferida decisão, pela Comissão de Coordenação e desenvolvimento do Norte, a qual condenou a arguida, numa coima no valor de 5.000,00 €, acrescida de custas.
E)- A arguida foi notificada de tal decisão através de carta registada, datada de 24/06/2021.
F). Em 21/06/2022 foi a arguida notificada da interposição do presente processo executivo e da penhora de saldos bancários realizada no mesmo, para querendo se opor à execução e/ ou à penhora.

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Conforme resulta dos autos a apelante foi condenada numa coima no valor de € 5.000,00, pela prática de uma contra-ordenação negligente p. e p. pelo artigo 3º, n.º 1, alínea b) do Decreto-lei n.º 156/2005 de 15 de Setembro.

De acordo com o disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis nºs 356/89, de 17 de outubro, 244/95, de 14 de setembro, 323/2001, de 17 de dezembro, e Lei nº 109/2001, de 24 de dezembro , o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido. 
Dispõe o artigo 27º do mesmo diploma que:
O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79;
b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79;
c) Um ano, nos restantes casos.

Por sua vez o artigo 27-A do mesmo diploma dispõe que:

1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
 b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
 c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
 2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Por seu turno o artigo 28º dispõe que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início  e ressalvado o tempo de suspensão tiver decorrido o período de sete anos e meio.

Assim, considerando o disposto no citado artigo e tendo em consideração que a execução foi instaurada em 8 de Fevereiro de 2022 e que a apelante foi notificada para a mesma no dia 21/06/2002, nesta data  ainda não tinha decorrido o referido prazo de sete anos e seis meses.
Outra questão é saber se  as causas de suspensão, nomeadamente a Lei 1-A/2020 de 19 de Março  e a Lei 16/20 de 29 de Maio  e a lei n.º 13-B/2021 de 5 de Abril são aplicáveis no caso concreto.
Sendo o prazo de prescrição de cinco anos  e tendo em conta o que consta provado em A) a E) o prazo prescricional interrompeu-se em 15 de Fevereiro de 2016 , data em que a embargante foi notificada para audição e defesa.
A partir dessa data iniciou-se a contagem de novo prazo de cinco anos, que terminaria em 15 de fevereiro de 2021, desde que não ocorresse qualquer suspensão ou interrupção .
No entanto, de acordo com a citada Lei 1-A/2020 e Lei 4-B/2021 foi determinada a suspensão dos prazos de prescrição das contra-ordenações desde 9 de Março de 2020 até 2 de Junho de 2020 e entre 22 de Janeiro e 6 de Abril de 2021.
Assim, o processo de contra-ordenação estava pendente quando ocorreu pela primeira vez a suspensão do prazo de prescrição.
Considerando estes prazos o término do prazo de  cinco anos ocorreria em 23 de Julho de 2021, sendo que a decisão da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento do Norte foi proferida em 15 de junho de 2021, da qual a embargante foi notificada em 24/6/2021.
Nessa data não tinha também decorrido o prazo previsto no artigo 28 do RGCO.
As normas previstas nas citadas leis, sobre a suspensão dos prazos durante a pandemia em nada ofendem o disposto no artigo 2º, n.º 4 do Código Penal.
A suspensão do prazo de prescrição previsto no art.º 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020 não se traduz numa decisão mais gravosa para o arguido, pois o prazo de prescrição da coima mantém-se rigorosamente o mesmo, antes e depois da vigência da citada lei. A única diferença é que, esta, por razões de superior interesse público, suspendeu-o temporariamente, para voltar, depois, a correr.
Durante os dois períodos referidos -  9 de Março de 2020 até 2 de Junho de 2020 e entre 22 de Janeiro e 6 de Abril de 2021- o procedimento contraordenacional não podia continuar por falta de autorização legal, ante a paralisação imposta por lei para os atos e prazos a decorrer na Administração, no Ministério Público e nos Tribunais.
O prazo de prescrição suspendeu-se durante o período em que não foi autorizado legalmente o andamento do processo, ou seja, levantado legalmente o obstáculo (legal) da suspensão dos atos e prazos no procedimento contraordenacional.
A aplicação da causa de suspensão do prazo prescricional prevista no n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 a processos pendentes por factos anteriores ao início da sua vigência não viola a Constituição, conforme decidiu o Tribunal Constitucional nos seus acórdão n.º  798/2021  de 21/10, onde se decidiu não julgar inconstitucional o artigo 7.°, n.°s 3 e 4, da Lei n.° l-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência. No mesmo sentido decidiram os acórdãos n.ºs  500/2021 de 20 de Setembro, e 660/2021  de 29/07/2021, do mesmo Tribunal.
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III- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 11 de Maio de 2023.