RECURSO
CASO JULGADO FORMAL
LIQUIDAÇÃO
Sumário

1 - O pagamento voluntário da dívida do executado na pendência do processo executivo pode ser feito processual ou extraprocessualmente, consoante integre o procedimento executivo ou seja exterior ao mesmo. E o pagamento da dívida do executado pode ser feito na pessoa do representante do credor (artigo 769.º do CC).
2 - O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigo 762.º/1 do Código Civil).
3 - Resulta das sentenças dadas à execução que o executado foi condenado (por tribunal estrangeiro) a realizar uma determinada prestação pecuniária na moeda específica/oficial do país daquele tribunal, ou seja, em ....
4 - Pelo que o executado ao ter procedido ao depósito, em ..., naquele país, da quantia que foi condenado a pagar ao exequente, acrescida dos juros de mora que se haviam vencido até à data do depósito, cumpriu a sua prestação independentemente de, na altura do referido depósito, os 3.726.000,00 ... valerem, eventualmente, menos que no momento da constituição da obrigação.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 231/08.5TBVRS-F.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
AA, exequente na presente ação executiva para pagamento de quantia certa movida contra BB, interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Execução ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., o qual determinou que a senhora agente de execução procedesse ao cálculo atualizado da responsabilidade do executado «nos termos supra referidos, e em obediência ao que consta do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, elaborando nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas, e na mesma deverão também ser considerando todos os montantes recuperados até ao momento, notificando da mesma todos os intervenientes».

O despacho sob recurso tem o seguinte teor:
«Refªs CITIUS ...43,
Veio o executado BB (Refª CITIUS ...43) requerer ao Tribunal que tome, de forma urgente, as necessárias medidas para decidir sobre as reclamações apresentadas e anular as transmissões dos bens imóveis, de modo a que possam regressar ao património do executado.
Para tanto alegou, em suma, que foi notificado em 14/12/2018 da decisão de venda da senhora Agente de Execução da fração autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano sito na ..., nºs ..., ... a ..., freguesia ..., concelho ..., e da fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., e apresentou reclamações dos atos da Agente de Execução referentes à determinação da quantia exequenda e venda dos referidos bens imóveis, pugnando pela ilegalidade dos atos de venda, pois dependiam da correta atualização da quantia exequenda que não havia sido efetuada, mas o Tribunal não tomou decisão sobre as reclamações, alegando que os autos estavam suspensos a aguardar a decisão de ação de revisão e confirmação de sentença estrangeira e embora tenha havido confissão nos autos do pagamento pelo executado ao exequente em 06/07/2009, do montante de 6.952.256,63 ..., tal não demonstra que a totalidade do montante foi pago no estrangeiro, sendo necessário aguardar a sentença final na referida ação de revisão e confirmação, e contrariamente ao afirmado pelo tribunal a quo, o venerando tribunal da Relação de Évora, no seu acórdão de 28/04/2022 decidiu que o que interessa definir é o valor devido no estrangeiro, sendo desnecessário esperar pelo resultado de qualquer ação de revisão ou confirmação estrangeira (que nada tem a ver com o facto de ter sido efetuado um pagamento extrajudicial no estrangeiro, nem poderá decidir sobre esse facto ou altera-lo), e decidiu ainda o acórdão que deve ser iniciado o incidente de liquidação da responsabilidade do executado, por poder demonstrar que a quantia exequenda está paga, e mais determinou que tal trata-se de um ato urgente, destinado a evitar um dano irreparável, e na sequencia deste acórdão e da sua notificação à Agente de Execução, a mesma veio responder em 13/06/2022 afirmando o valor das sentenças condenatórias que servem de base aos presentes autos cifra-se em 3.726.000,00 ..., acrescendo aquele valor juros à taxa de 15% até integral pagamento, que perfaz o valor de 3.226,256,63 ..., calculado desde a data de 06/12/2003 até à data de 06/07/2009, totalizando assim, o valor de capital acrescido de juros, calculados até 06/07/2009, 6.952.256,63 ..., confirmando que o valor pago a 06/07/2009 na ..., confessado nos presentes autos, corresponde exatamente ao montante do capital e juros que eram devidos à data do pagamento, pelo que nada é devido, a titulo de quantia exequenda e juros, desde o dia 06/07/2009 e consequentemente, tal como afirmava o executado, o ato da Agente de Execução de venda e adjudicação dos bens é ilegal, pois inexistia quantia exequenda devida à data, e face ao acórdão do Tribunal da Relação de Évora e o explicado no mesmo, quanto à desnecessidade e irrelevância da ação de revisão e confirmação da sentença estrangeira, demonstra-se necessário que o tribunal a quo tome decisão sobre as reclamações dos atos da agente de execução, devendo consequentemente anular os atos de transmissão dos bens imóveis que foram objeto de venda e adjudicação ao exequente, já se encontrando nos autos os elementos probatórios necessários para chegar a essa conclusão e face ao esclarecimento e cálculo aritmético realizado pela Agente de Execução em 13/06/2022 cumpre ao Tribunal a quo tomar as decisões sobre as reclamações, porquanto o executado está impedido de utilizar os seus bens que se encontram penhorados desde 2008, vendo-se impedido de perceber os frutos dos mesmos, degradando-se o estado dos bens em cada dia que passa.
Juntou 1 (um) documento.
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O exequente AA, veio (Refª CITIUS ...48) arguir a nulidade do requerimento apresentado nos autos pela senhora Agente de Execução, datado de 13/06/2022, alegando, em suma, que foi notificado do requerimento no qual a senhora Agente de Execução refere de forma infundada ser o valor das sentenças condenatórias de 3.726.000,00 ..., e que os juros moratórios até 06/07/2009 são do montante de 3.226.256,63 ..., concluindo que agirá em conformidade com o que lhe ordenar, não se alcançando a que e com que propósito a agente de execução apresentou este requerimento, nem o mesmo é compreensível, tendo a agente de execução conhecimento do acórdão proferido pela Relação de Évora, mas no despacho que a mandou notificar nada lhe foi ordenado, nem sequer solicitado, pelo que tinha que aguardar por despacho judicial, entretanto proferido e que já lhe foi comunicado, aguardando-se cumprimento ao mesmo, e independentemente de tais circunstâncias a agente de execução labora em erro, já que o titulo executivo da presente execução é o acórdão de 19/02/2008 do STJ, transitado em julgado que confirmou o acórdão do TRC, que reviu e confirmou 2 sentenças estrangeiras proferida na ... contra o executado, a favor do exequente, a que corresponde em 23/04/2008 o valor de 509.112,86 €, conforme melhor consta do requerimento executivo, e referir o “valor das sentenças condenatórias” e juros de mora a ..., em vez de Euros, além de infundado, é ato ininteligível, contra a Lei e contra a lei de processos, é ato nulo, pelo que ainda que não entenda o alcance e sentido do requerimento da agente de execução, à cautela, o exequente vem arguir a sua nulidade para os legais efeitos.
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O exequente AA veio (Refª CITIUS ...76) pronunciar-se acerca do requerimento apresentado pelo executado, alegando, em suma, que o executado vem pedir que seja dado cumprimento ao acórdão proferido pelo TRE, adiantando que da atualização da quantia exequenda deve resultar valor de “0” Euros, querendo substituir-se à Agente de Execução, já que a Agente de Execução ainda não deu cumprimento ao despacho de 17/06/2022 que mandou proceder à liquidação da responsabilidade do executado, na sequencia da decisão proferida pelo referido acórdão, devendo o executado aguardar pela liquidação da sua responsabilidade e abster-se de enxamear o processo com requerimentos que, ainda que processualmente inúteis, podem perturbar e condicionar o trabalho da agente de execução, já que esta de tudo vai tendo conhecimento.
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O exequente AA apresentou requerimento (Refª CITIUS ...29), alegando que ainda que não se entenda o pretende o executado, pois pede no requerimento para “o tribunal tomar as medidas necessárias para decidir sobre as reclamações apresentadas e anular as transmissões dos bens imoveis”, quando “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (artº 3º71 do CPC), e a verdade é que de acordo com a Conta Corrente Discriminada da Execução dada de 27-06-2002, o valor ainda em divida é de 1.204.175,04 €, valor que excede largamente o valor dos bens vendidos e penhorados nos autos.
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O executado BB veio (Refª CITIUS ...00), pronunciar-se sobre a reclamação apresentada pelo exequente do requerimento apresentado pela agente de execução datado de 13/06/2022, alegando, em suma, que o exequente vem insurgir-se do ato da agente de execução, que confirmou que o valor devido na ..., a título de capital acrescido de juros calculados até 06/07/2009 era de 6.952,63 ..., montante que nos presentes autos já está confessado ter sido recebido pelo exequente, na data indicada e se em 06/07/2009 era devido o montante de 6.952.256,63 ... a título de quantia exequenda (capital e juros) e foi pago nessa data o montante de 6.952.256,63 ..., é evidente que nada mais é devido a esse título desde Julho de 2009 e é este o facto contra o qual o exequente se insurge, nada havendo a criticar nesta decisão da agente de execução, que apenas corresponde ao cálculo aritmético do capital e juros devidos no país de origem da divida, na data em que o exequente confessou ter recebido aquele montante, alegando o exequente que esse ato é nulo, embora não explique porquê, sendo que o acórdão da Relação de Évora de 28/04/2022 veio precisamente determinar que o que deveria ser efetuado é o apuramento do valor devido no estrangeiro, e se está em causa “verificar o valor da quantia no país de origem”, é evidente que será em ..., pelo que não estamos perante uma decisão nula, mas tão-somente perante uma decisão tomada em cumprimento do referido acórdão do Tribunal da Relação de Évora que, consequentemente, deverá ser mantida pelo Tribunal.

Notificado que foi da nota discriminativa e justificativa elaborada pela senhora Agente de Execução, da mesma veio reclamar o executado BB (Refª CITIUS ...13), alegando, em suma, que em 09/07/2021 apresentou requerimento pelo qual solicitou que o Tribunal notificasse a agente de execução para proceder à correta atualização da quantia exequenda, justificando que a atualização já efetuada nos autos não correspondia ao montante devido no país de origem da divida após o pagamento efetuado em 06/07/2009 de 6.952.256,63 ... (confessado pelo exequente), sendo necessário fazer o cálculo do valor devido no estrangeiro, após o pagamento aí efetuado em 06/07/2009, e proceder à conversão do “saldo” (se existisse) para euros e só assim seria dado cumprimento à obrigação de atualização da quantia exequenda, após a confissão efetuada nos autos, tendo o tribunal a quo entendimento diferente, considerando que o saldo havia sido apurado devidamente e que não era necessário verificar o valor no estrangeiro, compara-lo com o pagamento confessado no estrangeiro, e determinar se uma quantia correspondia à outra, e entendendo o tribunal a quo que essa questão era objeto de decisão a tomar em ação de revisão e confirmação de sentença estrangeira e não nos presentes autos tudo conforme despacho de 11/10/2021 (refª ...60), e face à posição do Tribunal a quo o executado interpôs recurso desse despacho, e por acórdão de 28/04/2022 o Tribunal da Relação de Évora deu total provimento ao recurso e veio esclarecer que o que deveria ser efetuado é o apuramento do valor devido no estrangeiro, deixando absolutamente claro que, para que fosse atualizada a quantia exequenda em função do montante de 6.952.256,63 ..., pago em 06/07/2009, devia a agente de execução fazer a atualização em função do valor devido no estrangeiro e resulta daquele acórdão que a questão de saber se o valor pago no estrangeiro extinguiu ou não a dívida, de acordo com o que era devido nesse país, é assunto a ser verificado nos presentes autos e não na ação de revisão e confirmação da sentença estrangeira, pelo que o valor da quantia exequenda nos presentes autos (capital e juros) deveria ser atualizado de acordo com o cálculo aritmético que resultasse do montante devido no país de origem, em 06/07/2009, descontado o valor pago naquele país, nessa mesma data e do resultado obtido de acordo com a moeda do país de origem (...), à data de 06/07/2009, cabia a conversão para Euros, e analisado de outro prisma, a quantia exequenda (capital e juros) nos presentes autos tem de ser exatamente igual à quantia devida no país de origem, ao abrigo das sentenças estrangeiras, não podendo ser devido ou considerado um determinado montante num ordenamento estrangeiro (a titulo de quantia exequenda, ao abrigo de duas sentenças proferidas nesse mesmo ordenamento) mas ser devido em Portugal um montante diferente, isto porque o nosso sistema de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras apenas confere exequibilidade a estas, mas não permite que produzam, no nosso ordenamento jurídico, efeitos diferentes dois que existem no seu país de origem e do que foi apresentado nos autos pela agente de execução, não resultou uma nota discriminativa em que o valor, em Portugal, corresponde ao montante devido no estrangeiro, tendo sido apresentados nos autos três atos seguidos pela senhora Agente de Execução, sendo que no seu primeiro ato, de 13/06/2022 a AE calculou que o montante devido a título de capital e juros na ..., em 06/07/2009, era de 6.952.256,63 ... e tendo o executado pago o montante de 6.952.256,63 € nessa data, descontando-se um valor ao outro, resulta que o montante devido no país de origem das sentenças, em 06/07/2009, passou a ser de 0 ... (6.952.256,63 ... – 6.952.256,63 ... = 0 ...) e visto que foi ordenado pelo Tribunal da Relação de Évora que se procedesse ao cálculo do montante devido no país de origem desde o dia 06/07/2009, por forma a apurar o saldo devido, apenas se pode concluir que esse montante é zero, mas na nota discriminativa que foi apresentada pela AE, tal não é o caso, já que o valor de capital e juros pagos não corresponde ao valor do capital e juros devidos, sendo calculados juros até à data de 27/06/2002, num montante total de 1.449.288,60 € que a nota afirma não terem sido pagos, tendo a senhora Agente de Execução calculado que o montante total devido no estrangeiro, já incluindo juros, era de 6.952.256,63 ..., valor que o exequente confessou ter recebido em 06/07/2009, mas a nota discriminativa indica que o capital e juros são de montante muito superior e que nunca foram pagos, havendo uma contradição absoluta, estando a nota discriminativa incorreta em tudo o que esteja em contradição com o pagamento efetuado em 06/07/2009 ter liquidado a totalidade de capital e juros devidos, estando incorretamente calculadas as rúbricas 3 (“Devido ao Exequente-Detalhe”) e 5 (“Responsabilidade do Executado-Detalhe”), nomeadamente quanto aos montantes devidos a título de capital e juros, vencidos e vincendos, bem como as datas a tomar em consideração, o montante total indicado de capital e juros é de € 1.964.535,76, mas o montante total indicado como pago em 06.07.2009 é de apenas € 624.360,72, sendo que efetuado o calculo do montante devido no país de origem, em ..., o montante de capital e juros devidos (6.952.256,63 ...) corresponde exatamente ao montante pago em 06/07/2009, mas na nota discriminativa, o valor pago corresponde a menos de 1/3 desse valor, desconhecendo-se se o montante de juros vencidos indicados na nota, de € 451.213,48 corresponde aos juros que foram pagos no país de origem, ou até quando foram calculados e o montante indicado a titulo de juros vencidos, de € 998.075,12 só pode estar incorreto, não podendo haver calculo de juros após a data de 06/07/2009 e a senhora Agente de Execução ao valor devido no estrangeiro está a tomar em consideração a taxa de câmbio que era aplicável à data da ação executiva e ao valor pago no estrangeiro está a atribuir a taxa de câmbio respeitante a essa data, e daí que quando calcula o valor devido na moeda do país de origem, o “saldo” seja 0 ..., mas depois não consegue que o sistema informático utilizado para emissão da nota discriminativa “atualize” a quantia exequenda da mesma forma, ou seja, não consegue alterar a taxa de câmbio correspondente à quantia exequenda e juros, situação que a senhora Agente de Execução já explicou ao tribunal em audiência de julgamento respeitante ao apenso C, e na rúbrica 5 o “valor a ser pago pelo executado” indicado como sendo de € 1.204.175,04 está incorreto, desde logo, porque o montante total dos recebimentos está incorreto, pelos motivos já explicados e por outro lado, porque tendo sido determinado pela AE que o montante devido no estrangeiro em 06/07/2009 era a totalidade do capital e juros devidos, isso significa que o “total a pagar pelo executado” deveria ser de € 0,00, e em data posterior a 06/07/2009, o exequente recebeu outros valores, decorrentes da venda e adjudicação de dois bens no total de € 136.000,00, pelo que o saldo final até deve ser negativo, isto é, havendo valores a devolver ao executado e consequentemente a rúbrica da responsabilidade do executado deveria apresentar um montante de pelo menos € 136.000,00 a favor do executado, valor que desaparecerá de uma nota final, em caso de anulação das vendas e devolução dos bens aos executado.
Termina o executado pedindo que seja revogado o ato da agente de execução, sendo ordenado que a nota discriminativa e de responsabilidade do executado seja efetuada de forma a corresponder ao ordenado pelo Tribunal da Relação de Évora, isto é, de modo a que a quantia exequenda nos presentes autos corresponda à conversão para euros do saldo devido no país de origem, após o pagamento efetuado em 06/07/2009 nesse mesmo pais, sendo corrigidos os demais elementos respetivos da nota, nomeadamente juros indevidamente calculados.
Juntou 3 (três) documentos.
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O executado BB veio apresentar requerimento (Refª CITIUS ...69), alegando, em suma, que o Tribunal da Relação de Évora de 28/04/2022 ordenou a suspensão da execução para o efeito de se proceder à liquidação da responsabilidade do executado, resultando do acórdão a forma como esse cálculo deve ser efetuado, determinado que a decisão do tribunal a quo que ordenou à agente de execução que subtraísse a quantia de 6.952.256,63 ... (cuja receção em 06/07/2009 está confessada nos autos) era insuficiente, já que o que interessa verificar para efeitos de liquidação da responsabilidade é o montante devido no estrangeiro, o que não foi explicado nesse despacho do tribunal a quo, e foi o facto de ter sido mal calculada a atualização pela AE que levou ao recurso, no qual foi dado total provimento, e em 17/06/2022, determinou este tribunal que a senhora Agente de Execução elaborasse “nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas (provisória) considerando na mesma todos os montantes em divida a título de capital, juros e encargos, e também todos os montantes já recuperados até ao momento, notificando da mesma todos os intervenientes processuais”, mas esta determinação não vai ao encontro do ordenado pelo Tribunal da Relação, pois não indica que a nota deve ser efetuada de modo a corresponder ao “valor da quantia no país de origem e local devido dessa quantia” como foi ordenado pelo tribunal superior, e a agente de execução já manifestou ao tribunal que não sabe/não consegue efetuar o cálculo e emissão devida, nos termos determinados pelo
Tribunal da Relação de Évora, sendo apresentados nos autos 3 atos seguidos pela senhora
Agente de Execução e no primeiro desses atos, a Agente de Execução em 13/06/2002 efetuou o cálculo com respeito à data de 06/07/2009 (data a que respeita a confissão de pagamento), devido no país de origem da divida e nesse ato concluiu que a quantia exequenda devida no estrangeiro, nos termos dos títulos executivos, a título de capital e juros, à data de 06/07/2009 era de 6.952.256,63 ... e o que o exequente confessou ter recebido nessa mesma data foi de 6.952.256,63 ..., e assim sendo, o pagamento confessado nos autos corresponde exatamente ao montante que a agente de execução afirmou ser devido, mas na data de 27/06/2022 emitiu nota discriminativa que não é correspondente ao valor devido no estrangeiro, de acordo com os seus próprios cálculos, já que face às contas da AE (ato de 13/06/2022) a quantia exequenda, no país de origem da dívida, no que respeita a capital e juros de mora passou a ser de 0 ... no dia 06/07/2009 e já na nota discriminativa apresentada pela AE resultaria que o capital e juros não foram integralmente pagos no estrangeiro, mas que seriam devidos ainda € 1.309.425,04 com cálculo de juros até ao dia 27/06/2022, e se o próprio Tribunal da Relação de Évora ordenou que o cálculo fosse efetuado de acordo com o montante devido no país de origem, não é possível que resulte o montante indicado na nota discriminativa quanto à responsabilidade do executado, já que o montante devido no país de origem (capital e juros) é igual a 0 ... e a responsabilidade do executado em Portugal (capital e juros) é igual a € 1.964.535,76, e face ao pedido de colaboração e dúvida sobre a forma de proceder ao cálculo da senhora Agente de Execução, deve este tribunal ordenar à senhora Agente de Execução que, nos termos do acórdão da Relação de Évora de 28/04/2022, a quantia exequenda (capital e juros) deve ser atualizada em função do valor devido no país de origem da divida e montante pago no mesmo, em 06/07/2009, ou seja, deve calcular o valor que era devido em 06/07/2009, na ..., a titulo de capital e juros, em ..., deve descontar desse valor o montante que foi pago, também em ... e, se dessa conta resultar um montante em divida, deve converter esse valor de ... para euros, de acordo com a taxa de juros aplicável em 06/07/2009 e esse montante convertido deverá ser o que consta na nota discriminativa, como o capital e juros devidos a partir de 06/07/2009 e quaisquer juros de mora só poderão ser aplicados a partir de 06/07/2009 se ainda existir um saldo em divida no estrangeiro, e só poderão ser aplicados sobre esse montante.
Termina o executado pedindo que o tribunal notifique a senhora Agente de Execução para efetuar o cálculo e atualização da responsabilidade do executado de modo a que nos presentes autos conste a título de quantia exequenda (capital acrescido de juros) um montante correspondente ao que era devido no país de origem em 06/07/2009, após o pagamento (já confessado pelo exequente), de modo a que não sejam objeto dos presentes autos capital, juros, ou quaisquer outros montantes que não tenham por consideração o montante devido no país de origem após esse pagamento.
Juntou 3 (três) documentos.
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O exequente AA veio (Refª CITIUS ...02), pronunciar-se sobre a reclamação da nota discriminativa apresentada pelo executado, alegando, em suma, que o executado vem colocar em causa a atualização da quantia exequenda efetuada pela agente de execução em 27/06/2002, da qual consta que naquela data o crédito do exequente é de € 1.204.175,04, mas não lhe assiste razão, por muito que escreva e repita, por requerimentos e mais requerimentos que apresente e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, do qual foi interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, ainda pendente, determinou “Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedentes e em consequência revogam a decisão recorrida substituindo-a por outra que ordena a suspensão da execução para o efeito de se proceder à liquidação da responsabilidade do executado”, sendo esta, e só esta, a decisão do Tribunal Superior, decisão que não manda atualizar a quantia exequenda em ..., nem que se proceda de modo diverso no cálculo do valor em divida nesta execução que não os termos previstos na lei de processo, pelo que todos compreendemos e aceitamos o despacho do tribunal que determinou que a senhora Agente de Execução elaborasse nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas (provisória), considerando na mesma todos os montantes em dívida a titulo de capital, juros e encargos, e também todos os montantes recuperados até ao momento, e dizemos, todos compreendemos e aceitando, aqui se incluindo o executado, pois que o mesmo conformou-se com o teor deste despacho, já que do mesmo não reclamou, nem recorreu, e analisando a nota discriminativa provisória, temos que a Agente de Execução deu integral e rigoroso cumprimento ao despacho do tribunal, considerando o valor do capital inicial (509.112,86 €), os juros de mora à taxa estabelecida no título, vencidos (451.213,48 €) e vincendos (998.075,12 €), as despesas da execução (6.134,30 €), o valor recebido pelo exequente (760.360,72 €) (624.360,72 €+ 105.000,00 €+31.000,00 €) de onde resulta o crédito a pagar pelo executado de 1.204.175,04 €, pelo que a reclamação não deve ser atendida.
Termina o exequente, pedindo que a reclamação seja julgada improcedente, mantendo-se a nota discriminativa provisória elaborada pela senhora agente de execução de 27/06/2009, nos seus precisos termos.
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O exequente AA veio (Refª CITIUS ...15) pronunciar-se acerca do requerimento apresentado pelo executado com a referencia CITIUS ...69, alegando, em suma, que o executado requer que o tribunal notifique a agente de execução para efetuar o cálculo e atualização da responsabilidade do executado, mas o peticionado é ininteligível, porquanto a agente de execução já procedeu à liquidação da responsabilidade do executado por decisão de 27/06/2022 e tendo sido notificado de tal decisão, o executado reclamou do ato da agente de execução por requerimento apresentado em 11/07/2022, reclamação a que o exequente já teve oportunidade de responder, e porque o que o executado tinha a dizer na reclamação do ato da agente de execução já o disse em sede de reclamação, não sendo processualmente admissível que venha corrigir ou complementar o que alegou com mais requerimentos, até porque o prazo de reclamação já estava ultrapassado, tratando-se manifestamente de requerimento anómalo, deve o mesmo ser rejeitado, desentranhado e devolvido ao executado.
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Cumpre apreciar e decidir.
Anote-se que a presente execução foi declarada suspensa até à prolação da decisão a proferir no recurso de revisão que corre termos no Venerando Tribunal da Relação de Coimbra sob o nº 19/18...., decisão de suspensão que foi confirmada pelo douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora datado de 24/10/2019, proferido no apenso B.
Aquele Venerando Tribunal da Relação de Évora, proferiu (Apenso D) acórdão datado de 28 de Abril de 2022, em cujo segmento decisório consta “Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e em consequência revogam a decisão recorrida substituindo-a por outra que ordena a suspensão da execução para o efeito de se proceder à liquidação da responsabilidade do executado”.
O exequente/recorrido AA interpôs recurso desse acórdão para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, ao qual foi atribuído efeito meramente devolutivo, tendo sido extraído traslado (cfr. nº 3 do artigo 676º, do Código de Processo Civil), que foi remetido para estes autos.
No douto acórdão, o Venerando Tribunal da Relação de Évora considerou que a decisão deste tribunal de 1ª instância que ordenou à senhora Agente de Execução que subtraísse «a quantia de 6.952.256,63 ..., entretanto paga pelo executado, ao valor da quantia exequenda reclamado nesta execução», sem qualquer referência ao modo como se deveria proceder à liquidação (tendo em conta que se trata de verificar o valor da quantia no país de origem e local devido dessa quantia), não se mostra adequada a apurar o saldo liquidado (artº 846 e 847º, CPC).
Na sequência do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora de 28 de Abril de 2022 (apenso D), o Tribunal determinou que a senhora Agente de Execução elaborasse nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas (provisória), considerando na mesma todos os montantes em divida a título de capital, juros e encargos, e também todos os montantes já recuperados até ao momento, notificando da mesma os intervenientes processuais.
A senhora Agente de Execução elaborou a nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas, considerando na mesma o pagamento efetuado pelo executado, na ... em 06/07/2009 (admitido pelo exequente) de 6.952.256,63 ... correspondente a 624.360,72 €, tendo por referência o câmbio desse dia em que cada Euro valia 11,135 ..., e da mesma resulta um valor ainda a pagar pelo executado de 1.204.175,04 €.
Na liquidação da obrigação exequenda no requerimento executivo, o exequente considerou a quantia em Euros (509.112,86 €), correspondente ao valor de 3.726.000,00 ... indicado na petição inicial de revisão e confirmação de sentença estrangeira apresentada em 06/10/2004 no Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que deu origem ao processo nº ...4 e calculou os juros de mora vencidos desde 06/12/2003 até à data da instauração da execução (24/03/2008) sobre aquele montante de 509.112,86 €, obtendo o valor de 341.161,41 €, perfazendo o montante de capital e juros de mora, 850.274,27 €, sendo certo o exequente reclamou também o montante de 110.052,07 € a titulo de juros compulsórios, montante que o Tribunal, em sede de oposição à execução declarou não ser devido.
Sendo entendimento do Venerando Tribunal da Relação de Évora, no último acórdão proferido, que o executado procedeu ao pagamento da quantia exequenda no país onde foram proferidas as sentenças que após revisão em Portugal, constituem titulo executivo, e que é desnecessário esperar pela decisão a proferir no processo de revisão de sentença estrangeira que corre termos no Venerando Tribunal da Relação de Coimbra sob o nº 19/18...., deve a senhora Agente de Execução proceder à elaboração da nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas, considerando que a quantia exequenda e os juros de mora vencidos até 06/07/2009 foram pagos em ..., nessa data (06/07/2009), então a senhora Agente de Execução deve calcular o valor que era devido em 06/07/2009, na ..., a título de capital e juros em ..., deve descontar desse valor o montante que foi pago, também em ... e, se dessa conta resultar um montante em dívida, deve converter esse valor de ... para euros, de acordo com a taxa de câmbio aplicável em 06/07/2009 e esse montante convertido deverá ser o que consta na nota discriminativa, como o capital e juros devidos a partir de 06/07/2009.
Assim, dando procedência à reclamação apresentada pelo executado, determina-se que a senhora Agente de Execução proceda, no prazo de 10 dias, ao cálculo atualizado da responsabilidade do executado, nos termos supra referidos, e em obediência ao que consta no douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, elaborando nova nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas e na mesma deverão também ser considerados todos os montantes recuperados até ao momento, notificando da mesma todos os intervenientes processuais.
Notifique.

I.2.
O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1.º No despacho recorrido o M.mo Juiz determinou que a Agente de Execução elaborasse nota discriminativa da execução, considerando que a quantia exequenda e os juros de mora vencidos até 06/07/2009 foram pagos em ..., na data de 06/07/2009, calculando o valor que era devido nessa data na ..., a título de capital e juros em ..., e descontando desse valor o montante que foi pago, também em ....
2ª- Ora, além de contraditória com decisão imediatamente anterior, o M.mo Juiz excede a decisão proferida no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-4-2022, pois que, deste não constam os termos em que deve ser efetuado o cálculo atualizado da quantia exequenda, nomeadamente não se diz que “a quantia exequenda e os juros de mora vencidos até 06/07/2009 foram pagos em ..., nessa data (06/07/2009)” nem que “ a senhora Agente de Execução deve calcular o valor que era devido em 06/07/2009, na ..., a título de capital e juros em ...”.
3ª- Com efeito, o que se decide no citado acórdão é: “… acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e em consequência revogam a decisão recorrida substituindo-a por outra que ordena a suspensão da execução para o efeito de se proceder à liquidação da responsabilidade do executado”, nada mais.
4ª- Esta foi a decisão do Tribunal superior, decisão que não manda atualizar a quantia exequenda em ..., nem que se proceda de modo diverso no cálculo do valor em dívida nesta execução que não os termos estabelecidos na lei de processo civil português.
5ª- Aliás, outro foi o entendimento do M.mo Juiz recorrido imediatamente antes proferido, de 17-06-2022, com a referência ...39, que ordenou à Agente de Execução atualizar a quantia exequenda, do seguinte teor: “Assim, em obediência ao doutamente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, determino que a senhora Agente de Execução elabore nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas (provisória), considerando na mesma todos os montantes em dívida a título de capital, juros e encargos, e também todos os montantes já recuperados até ao momento, notificando da mesma os intervenientes processuais”.
6ª- Despacho esse com o qual o Executado se conformou, pois que do mesmo não apresentou reclamação, nem recorreu, aceitando que a Agente de Execução liquidasse provisoriamente a responsabilidade do Executado, nos termos em que foram cumpridos pela Agente de Execução em 27-06-2022.
7ª- Pelo que, não tendo o Executado reclamado ou recorrido desse despacho de 17-06-2022, o mesmo tornou-se definitivo no processo, transitou em julgado, tornou-se incontestável no processo, não podendo ser revogado, ou substituído, nem mesmo pelo Juiz que o proferiu.
8ª- Ora, o despacho recorrido, ao contrariar outro despacho, que lhe é anterior, transitado em julgado, sobre o mesmo objeto - ordenar à Agente de Execução que procedesse à atualização da quantia exequenda, como foi determinado pelo acórdão do tribunal superior –, é ilegal, porque ofende o caso julgado (art.ºs 619º e 620º do CPC).
Em todo o caso,
9ª- Não pode prevalecer o entendimento de que, produzindo uma sentença estrangeira em Portugal os mesmos efeitos que lhe são reconhecidos no país de origem, o valor entregue na ... em 2009 deve ser abatido no valor em ... que consta do título executivo, como se tudo se passasse na ..., como se estivéssemos perante execução a correr termos num tribunal ....
10ª- É que, a execução intentada contra o Executado e no âmbito da qual o Executado entendeu entregar ao antigo advogado do Exequente na ... 6.952.256,63 ..., à revelia do Exequente, contra a vontade deste, é execução que corre em Portugal, sendo-lhe aplicável as normas processuais de Portugal, e a moeda com curso legal em Portugal é o Euro, não o .... Como consta do Acórdão do TRL de 19-12-2006, processo 7681/2006-1, consultável em www.dgsi.pt/jtrl : “ A confirmação de uma sentença estrangeira, após revisão, traduz-se pela atribuição do estado do foro, dos efeitos que lhe cabem no Estado de origem, com o ato jurisdicional, segundo a lei desse mesmo Estado, ou seja, o efeito de caso julgado e o efeito de título executivo”.
12ª- Aliás, na oposição à execução que apresentou em 03-10-2008, o Executado não contesta nem o capital em dívida na presente execução, à data em que a execução foi instaurada, de € 509.112,86, nem a data de vencimento da obrigação, nem a taxa de juros de 15,50%, nem o cálculo dos juros vencidos até então, de € 341.161,41.
13ª- Assim, os 6.952.256,63 ... entregues pelo Executado na ... ao antigo advogado do Exequente, terão naturalmente que ser considerados como pagamento por conta da dívida em execução em Portugal, conforme aliás o M.mo Juiz (bem ) entendeu no despacho de 02-04-2015: «Tomei conhecimento do teor do expediente apresentado nos autos pelo exequente AA, no qual o exequente admite que o executado liquidou por conta da quantia exequenda o contravalor em euros de R 6.952.256,63, pelo que tal valor deve ser subtraído ao valor da quantia exequenda reclamada nesta execução. Dê conhecimento à senhora Agente de Execução».
14ª- Despacho a que a Agente de Execução em 05-10-2017 deu cumprimento, tendo proferido a seguinte decisão, que não foi alterada: “Em 06/07/2009 o executado procedeu ao pagamento da quantia de 624.360,72 €. Como o valor em dívida, naquela data, era de € 953.079,71 (quantia exequenda, atualizada, acrescida dos juros vencidos até 06/07/2009); com aquele pagamento, o executado passou a ser devedor do valor de € 328.718,99 acrescido de juros, que à data de hoje ascendem a € 419.756,14 – totalizando assim o valor de € 748.475,13, acrescido de honorários e custas prováveis no valor de € 11.460,00”.
15ª- E só considerando o pagamento feito pelo Executado como pagamento por conta da dívida exequenda se respeitam os interesses de quem, tendo obtido duas sentenças condenatórias, com transito em julgado, na ..., não conseguiu nesse país executar essas decisões, por ausência de património do Executado, sendo forçado a rever e confirmar e em seguida executar essas decisões em Portugal, pois que era aqui que se encontrava património do Executado.
16ª- Pois que, nos anos que se seguiram à prolação das sentenças na ..., o ... foi sucessivamente depreciando face ao Euro, de forma tão significativa que em 8 de dezembro de 2003 – data do início da mora – 1 Euro valia 7,7674 ..., enquanto que em 06-07-2009, data da entrega pelo Executado, 1 Euro já valia 11,135 ....
17ª- Sendo manifesto que foi em razão da depreciação do valor do ... que o Executado engendrou o pagamento daquela quantia, não ao Exequente, mas ao seu antigo advogado do Exequente na ..., país onde o Exequente não residia, como meio de se livrar de uma dívida muito superior naquela data, que já se encontrava em processo executivo contra ele Portugal.
18ª- Isto sendo certo que, atendendo que na data de 06-07-2009 estavam penhorados diversos imóveis propriedade do Executado em Portugal, pelo que o tribunal em Portugal era e é o único tribunal competente para tramitar a execução (art.º 63º/d, do CPC),
19ª- A entrega de ... feita pelo Executado ao antigo advogado do Exequente tem que ser considerada por conta da dívida na presente execução, cumprindo-se o disposto no art.º 785º do CC (depois de converter o valor em Euros, primeiro imputa-se nos juros, depois nas despesas, depois no capital), sendo o capital então em dívida, desde o início do processo, de € 509.112,86.
20ª- Não há que elaborar “nova nota discriminativa “, como se diz no despacho recorrido, pois que, a nota discriminativa e discriminativa da execução já foi elaborada pela Agente de Execução em 27-06-2022, nos termos determinados pelo M.mo Juiz, constando da mesma o capital inicial em dívida de € 509.112,86, fixado na data de instauração da execução (24-03- 2008), os juros de mora à taxa estabelecida no título executivo, vencidos e vincendos, as despesas da execução, o contravalor em euros de 6.952.256,63 ... pagos por conta pelo Executado e os demais valores já recuperados na execução. ser então devida ao Exequente a quantia de € 1.309.425,04.
21ª- O despacho recorrido deve, pois, ser revogado, por violar despacho anterior no processo, sobre o mesmo objeto, ou seja, caso julgado, e conter determinação ilegal, ofendendo o nosso ordenamento jurídico.
22ª- O despacho recorrido viola nomeadamente o disposto nos art.ºs 619º e 620º do CPC.
Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, proferindo-se douto acórdão que revogue a decisão recorrida, assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA.».

I.3.
O recorrido apresentou resposta às alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A. O despacho recorrido (referência Citius ...20) consiste numa decisão sobre reclamação de ato de agente de execução (referência Citius n.º ...94);
B. No presente caso não existe qualquer contradição entre o despacho recorrido, que julgou procedente a reclamação do ato da Agente de Execução e, consequentemente, ordenou a elaboração de nova nota discriminativa) e o despacho anterior, de 17/06/2022 (referência Citius n.º ...39), que havia ordenado a elaboração da nota discriminativa;
C. Simplesmente, tendo sido ordenada a elaboração de nota, mas tendo sido elaborada incorretamente, foi a mesma objeto de reclamação, que foi julgada procedente pelo despacho recorrido;
D. Assim, por não estarmos perante situação excecional em que seja sempre admissível recurso, face ao disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 723.º do Código do Processo Civil, o presente recurso é inadmissível, dado que o Juiz decide as reclamações de atos de agente de execução “sem possibilidade de recurso”;
E. Com a interposição do presente recurso, o Exequente procura, aparentemente, protelar os autos e impedir a elaboração de nova nota discriminativa pela Agente de Execução, que demonstrará que a quantia exequenda foi liquidada, tendo até procedido a pedido de substituição da mesma com esse intuito;
F. Sem embargo da inadmissibilidade do recurso, à cautela, o Recorrido não pode deixar de responder ao seu teor, que se alicerça essencialmente em dois fundamentos: A referida “contradição” entre o despacho recorrido e o despacho de 17/06/2022; O erro na determinação da forma de calcular a atualização da quantia exequenda, face ao pagamento extrajudicial efetuado no país da dívida.
Quanto ao primeiro destes fundamentos, uma análise cronológica e processual permite verificar que inexiste qualquer contradição entre os referidos despachos, nomeadamente:
Requerimento de 09/07/2021 (ref.ª Citius ...76), para a Agente de Execução ser ordenada a atualizar a quantia exequenda de acordo com o montante devido no país da dívida, após o pagamento extrajudicial em 06/07/2009 de R 6.952.256,63 (confessado pelo Exequente); Despacho de 11/10/2021 (refª Citius n.º ...60), em que o Tribunal a quo indeferiu esse requerimento; Recurso interposto em 03/11/2021 desse despacho (ref.ª Citius ...58); Acórdão de 28/04/2022 que deu provimento ao recurso (ref.ª Citius ...02); Requerimento da AE em que informou que o valor devido no país da dívida, em 06/07/2009, era R 6.952.256,63 (ref.ª Citius n.º ...58); Despacho de 17/06/2022 (referência Citius n.º ...39) em que o Tribunal a quo determinou que a Agente de Execução elaborasse nota discriminativa; Nota discriminativa elaborada pela AE em 27/06/2022 (ref.ª Citius ...79); Requerimento da Agente de Execução, de 06/07/2022, em que a própria informou o Tribunal que tinha dúvidas sobre a correção da nota que havia elaborado e pediu a colaboração do mesmo na análise e elaboração da nota (ref.ª Citius n.º ...84); Reclamação apresentada da nota discriminativa, em
11/07/2022 (referência Citius n.º ...94); Despacho de 25/10/2022, em que o Tribunal a quo julgou procedente a reclamação e ordenou a elaboração de nova nota discriminativa (referência Citius ...20).
H. Com efeito, estamos simplesmente perante uma situação em que o Tribunal a quo ordenou a elaboração de nota discriminativa(provisória), essa nota foi incorretamente elaborada (sendo que a própria AE alertou o Tribunal quanto a essa possibilidade), foi objeto de reclamação, e a reclamação foi julgada procedente e, por conseguinte, ordenou a elaboração de nova nota discriminativa, nos termos determinados pelo Tribunal da Relação de Évora;
I. Nada há a criticar quanto ao despacho de 17/06/2022 e é evidente que esse despacho não tem a virtude de poder fazer transitar em julgado o teor de uma nota discriminativa elaborada (incorretamente) em data posterior, ou impedir que essa incorreção de ato da agente de execução pudesse ser objeto de reação ao abrigo do artigo 723.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil;
J. Quanto ao segundo argumento, também é falso que o Tribunal da Relação de Évora, no seu Acórdão de 28/04/2022 (ref.ª Citius ...02), não tivesse indicado a forma como deveria ser efetuada a atualização da quantia exequenda, face ao pagamento efetuado no país da dívida;
K. Pelo contrário, pronunciou-se expressamente sobre essa questão, decidindo que a atualização deve ser efetuada “tendo em conta que se trata de verificar o valor da quantia no país de origem e local devido dessa quantia” e que “é necessário, que o Tribunal a quo faça o cálculo aritmético do montante devido no estrangeiro, após o pagamento de 06/07/2009”, de modo a calcular corretamente a responsabilidade do Executado;
L. Mais determinou que, ao não incluir essa indicação em despacho anterior, a decisão do Tribunal de 1ª Instância que havia ordenado à Agente de Execução que subtraísse “a quantia de 6.952.256,63 ..., entretanto paga pelo executado, ao valor da quantia exequenda reclamado nesta execução”, sem indicar a forma concreta que deveria ser feita essa subtração, não se mostrava adequado a apurar o saldo liquidado;
M. Em Portugal, o sistema de revisão e confirmação de sentenças estrangeiras, previsto nos artigos 978.º a 980.º do CPC, é um sistema meramente formal, que confere exequibilidade às sentenças estrangeiras, mas que não cria uma “dívida nova” ou autónoma em Portugal;
N. Por conseguinte, uma execução a correr em Portugal, que tenha como título executivo duas sentenças proferidas por Tribunal ... (..., ... - processos n.ºs 2002/4031 e 2004/1396), não pode produzir efeitos diferentes dos que existem no país da dívida;
O. Assim, tendo o Executado sido condenado ao abrigo dessas sentenças a pagar ao Exequente a quantia de 3.726.000,00 ..., acrescidos de juros de mora, à taxa de 15,5%, a calcular desde 06/12/2003, o mero cálculo aritmético permite verificar que, em 06/07/2009, esse montante totalizava 6.952.256,63 ....
P. Tendo sido recebido esse montante, extrajudicialmente, no país e moeda da dívida, na data indicada, conforme confessado nos autos pelo Exequente, a atualização da quantia exequenda nos presentes autos tem de ser efetuada de acordo com o montante devido no país da dívida, conforme foi já decidido pelo Tribunal da Relação de Évora em Acórdão proferido a 27 de Maio de 2021 no Apenso C, bem como no Acórdão de 28/04/2022;
Q. Tendo o pagamento sido efetuado extrajudicialmente, no país e moeda da dívida (...), quaisquer variações cambiais entre o ... Sul-Africano e o Euro são irrelevantes.
Nestes termos e nos melhores de Direito:
A) Deve o recurso interposto ser julgado inadmissível; ou, caso
assim não se entenda,
B) Deve ser julgado totalmente improcedente.
Assim será feita JUSTIÇA!».

I.4.
O recurso interposto pelo exequente foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).

II.2.
As questões que importa decidir são as seguintes:
1 – Questão prévia: (in)admissibilidade do recurso.
2 – Violação do caso julgado formal.
3 – Subsidiariamente, saber se ocorre erro de julgamento.

II.3.
FACTOS
Os factos a considerar constam da decisão recorrida.

II.4.
Apreciação do objeto do recurso
II.4.1.
Questão prévia: (ina)dmissibilidade do recurso
O recurso em causa vem interposto do despacho proferido pelo tribunal de primeira instância prolatado em 25-10-2002, com a ref.ª ...20.
Defende o apelado que o recurso não é admissível atento o disposto no artigo 723.º/1, alínea c) do Código de Processo Civil e por não estarmos perante situação excecional em que seja sempre admissível recurso.
O segmento decisório do despacho recorrido tem o seguinte teor: «Assim dando procedência à reclamação apresentada pelo executado, determina-se que a senhora agente de execução proceda, no prazo de 10 dias, ao cálculo atualizado da responsabilidade do executado, nos termos supra referidos, e em obediência ao que consta do douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, elaborando nova nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas e na mesma deverão também ser considerados todos os montantes recuperados até ao momento, notificando da mesma todos os intervenientes processuais» (negrito nosso).
O despacho recorrido surge na sequência do requerimento apresentado em 11/07/2022, pelo executado BB mediante o qual aquele apresentou uma “Reclamação de Ato da Agente de Execução (Nota Discriminativa e de Responsabilidade do Executado)”, concretamente, sobre a nota discriminativa e justificativa de honorários apresentada pela senhora agente de execução em 27/06/2022.
De acordo com o disposto no artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil as decisões sobre reclamações de atos do agente de execução não são impugnáveis por via do recurso, sendo para nós manifesto que no despacho sob recurso o julgador a quo decidiu sobre a reclamação apresentada pelo executado relativa à nota discriminativa e justificativa de honorários que fora apresentada pela senhora agente de execução em 27/06/2022[1].
Apesar de resultar do disposto no artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil que aquele despacho, em princípio, não é recorrível, há que atentar no disposto no artigo 629.º do Código do Processo Civil, o qual sob a epígrafe Decisões que admitem recurso, dispõe no seu n.º 2, alínea a), o seguinte:
«Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado».
De acordo com o normativo legal citado, independentemente do valor do processo ou do valor da sucumbência, é sempre admissível recurso nos diversos graus de jurisdição quando vise a impugnação de decisões relativamente às quais seja invocada pelo recorrente a ofensa do caso julgado formal ou material.
É justamente o caso: na sua conclusão n.º 8 o apelante invoca expressamente a violação do caso julgado ao sustentar que «Ora, o despacho recorrido, ao contrariar outro despacho, que lhe é anterior, transitado em julgado, (…) é ilegal porque ofende o caso julgado (arts. 619.º e 620.º do CPC)». Sendo que o “outro despacho anterior” é o despacho proferido pelo julgador a quo em 17-06-2022 (com a ref.ª ...39) que ordenou à agente de execução que liquidasse provisoriamente a responsabilidade do executado.
Assim sendo, tendo sido expressamente invocada a violação de caso julgado (formal), o recurso em causa é legalmente admissível.

II.4.2.
Caso julgado formal
Importa, por conseguinte, determinar se ao proferir o despacho recorrido o tribunal a quo violou o caso julgado formado pelo despacho proferido em 17 de junho de 2022 com a ref. ...39.
É consabido que o caso julgado consiste na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão decorrente do seu trânsito em julgado (artigo 628.º do CPC). Assim, uma decisão transitada em julgado não pode ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo por aquele que a proferiu.
É igualmente incontrovertido que o caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, evitando que uma mesma ação seja instaurada várias vezes que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias, garantindo-se, desta forma, a resolução definitiva das situações litigiosas que são trazidas à barra dos tribunais.
Dir-se-á, finalmente, que o caso julgado formal só é vinculativo no processo em que a decisão foi proferida, ao passo que o caso julgado material é também suscetível de valer num processo distinto daquele em que a decisão foi proferida.
Descendo agora ao caso sub judice estão em confronto dois despachos proferidos pelo julgador a quo, a saber: o despacho recorrido e o despacho prolatado em 17 de junho de 2022 com a ref. ...39, que tem o seguinte teor: «Tomei conhecimento do teor do douto acórdão do tribunal da Relação de Évora de 28/04/2022 (traslado) que revogou o despacho proferido por esta 1.ª instância e decidiu substitui-lo por outro que ordene a suspensão da execução para o efeito de se proceder à liquidação da responsabilidade do executado. Assim, em obediência ao doutamente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora determino que a senhora Agente de Execução elabore nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas (provisória), considerando na mesma todos os montantes em dívida a título de capital, juros e encargos, e também todos os montantes já recuperados até ao momento, notificando da mesma os intervenientes processuais» (negritos nossos).
O despacho de 17 de junho de 2022 não foi objeto de recurso, pelo que transitou em julgado. Nele, o julgador de primeira instância limitou-se a ordenar a suspensão da execução para que se procedesse à liquidação da responsabilidade do executado através da elaboração, pela agente de execução, da competente nota de discriminativa e justificativa de honorários e despesas; refira-se que no referido despacho o julgador não deu quaisquer coordenadas à agente de execução sobre a forma como tal nota discriminativa e justificativa deveria ser elaborada (e tanto assim foi que, em 06/07/2022, a senhora agente de execução solicitou «a colaboração do tribunal para a análise e elaboração da referida nota discriminativa»).
Sucede que a nota discriminativa e justificativa provisória apresentada pela senhora agente de execução na data de 27/06/2022 (e na sequência do referido despacho judicial de 17/06/2022) foi objeto de uma reclamação por parte do executado através de requerimento datado de 11/07/2022, tendo sido sobre essa reclamação que incidiu o despacho sob recurso. Ou seja, o despacho recorrido decidiu de uma reclamação da nota discriminativa e justificativa apresentada pela senhora agente de execução, logo decidiu sobre uma questão completamente nova e distinta da questão sobre que versou o despacho de 17/06/222: neste último decidiu-se, tão só, suspender a execução para que se pudesse proceder à liquidação da responsabilidade do executado e desta forma apurar-se se a quantia exequenda estava, ou não, integralmente paga (obstando, assim, em caso de resposta afirmativo, à venda de mais bens do executado); no despacho recorrido decidiu-se sobre o (des)acerto da forma como a concreta nota discriminativa e justificativa apresentada pela agente de execução foi elaborada, traçando-se os vetores condutores para a elaboração de uma nova nota discriminativa e justificativa.
Por conseguinte, é por demais evidente que os dois referidos despachos não tratam a mesma questão, logo, não são contraditórios entre si: no despacho recorrido decide-se uma reclamação (do executado) relativa à nota discriminativa apresentada pela senhora agente de execução, reconhecendo-se a justeza da reclamação e determinando-se, em conformidade, a elaboração de uma nova nota discriminativa, dando-se as coordenadas à agente de execução para a respetiva elaboração, ao passo que no despacho anterior, o de 17.06.2022, o julgador a quo se limitou a ordenar a liquidação da responsabilidade do executado, através da elaboração de nota discriminativa e justificativa.
Sendo o caso julgado abrangido pela parte decisória conjugada com os respetivos fundamentos[2], parece-nos, assim evidente, que os dois despachos em apreço não são contraditórios entre si e que não se verifica ofensa de caso julgado.
Improcede, pois, este segmento do recurso.

II.4.3.
Reapreciação do mérito
O apelante defende que «não há que elaborar “nova nota discriminativa”, como se diz no despacho recorrido, pois que a nota discriminativa e discriminativa da execução já foi elaborada pela senhora Agente de Execução em 27/06/2022 e nos termos determinados pelo M.mo. Juiz, constando da mesma o capital inicial em dívida de 509.112,86€, os juros de mora, à taxa estabelecida no título executivo, vencidos e vincendos, as despesas da execução, o contravalor em euros de 6.952.256,63 ... pagos por conta pelo Executado e os demais valores já recuperados na execução, sendo então devida ao Exequente a quantia de 1.309.425,04€».
O apelado, por sua vez, defende que o valor atualizado da quantia exequenda a considerar na nota discriminativa e justificativa deve corresponder «ao montante devido no país da dívida, após o pagamento efetuado nesse mesmo país, conforme esclarecido pelo Tribunal da Relação de Évora».
Vejamos.
Não é controvertido que o título executivo dado à presente execução é composto por duas sentenças estrangeiras proferidas pelo ..., ..., no âmbito dos processos n.ºs 2002/4031 e 2002/1396.
As referidas sentenças foram objeto de processo de revisão e confirmação em Portugal, de forma a poderem ser dadas à execução.
O reconhecimento de decisões estrangeiras consiste na aceitação por um outro Estado (Estado do reconhecimento) dos efeitos que aquelas decisões produzem nos seus Estados de origem. O reconhecimento de decisões estrangeiras decorre do preenchimento de certos requisitos formais, pelo que não implica qualquer reapreciação do mérito da causa pelo tribunal de reconhecimento. A regra é, pois, a proibição da reapreciação do mérito da decisão proferida por tribunal estrangeiro – cfr. artigo 983.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
O reconhecimento da decisão estrangeira implica que esta produz no segundo Estado (Estado do reconhecimento) os mesmos efeitos que realiza no Estado de origem, não podendo produzir no Estado de reconhecimento efeitos que são desconhecidos no Estado de origem.
Note-se que o reconhecimento de decisões estrangeiras não se confunde com a execução dessas decisões estrangeiras. O primeiro consiste na extensão a um segundo Estado dos efeitos processuais que elas produzem no Estado de origem; a segunda consiste na atribuição de executoriedade a essas decisões num segundo Estado e esta execução só pode recair sobre decisões com um conteúdo condenatório.
No direito interno português, e sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, as sentenças proferidas por tribunais (ou por árbitros) em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente – artigo 706.º/1 do Código de Processo Civil.
Em face das sentenças estrangeiras dadas à execução – que como se disse foram revistas e confirmadas por acórdãos transitados em julgado – BB, aqui executado, foi condenado a pagar a AA, aqui exequente, a quantia de 3.726.000,00 ..., acrescidos de juros de mora, à taxa de 15,5%, a calcular desde 06/12/2003. Resulta, pois, dos títulos executivos acima referidos que o executado está obrigado ao cumprimento, perante o exequente, de uma prestação pecuniária: o pagamento da quantia de 3.726.000,00 ..., a título de capital, e o pagamento de juros sobre a referida quantia, calculados à taxa de 15,5%, contados desde a data de 06/12/2003 (e até integral e efetivo pagamento).
A obrigação pecuniária a que o executado está vinculado por força da sua condenação por um Tribunal ... é uma obrigação cujo objeto é uma prestação em dinheiro. E na sentença proferida pelo Tribunal ..., fixou-se a quantia que o devedor havia de pagar ao credor: 3.726.000,00 ..., acrescida de juros de mora, calculados a determinada taxa. Estamos, portanto, perante uma obrigação pecuniária de quantidade. Nesta, as partes, ou o tribunal, só indicam a quantia que o devedor há-se pagar ao credor.
Resulta igualmente das sentenças dadas à execução que o executado foi condenado (por tribunal estrangeiro) a realizar uma prestação pecuniária na moeda específica/oficial do país daquele tribunal, ou seja, em ....
Dito isto, e compulsados os autos verifica-se o seguinte:
(i) Mediante requerimento datado de 3 de agosto de 2009, o executado alegou que em 6 de julho de 2009 transferiu para uma conta bancária trust em nome do mandatário do exequente, na ..., dr. CC, o valor de 6.952.256,63 ..., «montante correspondente ao capital e juros devidos nos termos das sentenças proferidas na ... nos processos n.ºs 2002/4031 e 2004/1396, as quais, após revisão e confirmação, constituem o título executivo na presente execução»;
(ii) Em anexo ao requerimento de 3 de agosto de 2009, o executado juntou documentos comprovativos do depósito da quantia de 6.952.256,63 ... na conta do referido dr. CC, na ...;
(iii) Em 10 de fevereiro de 2015, o exequente apresentou requerimento nos autos de execução no qual reconheceu que «consta dos autos que, em 6 de julho de 2009, o executado depositou em conta bancária do dr. CC, na ..., a quantia de 6.952.256,63 ...» e ainda que «recebeu do executado, em maio de 2011 e através do dr. CC, 6.952.256,63 ...»;
(iv) Valor (de 6.952.256,63 ...) que inclui o capital em dívida (3.726.000,00 ...) e os juros de mora vencidos sobre aquela quantia contados entre 06/12/2003 e 6 de julho de 2009 (data do pagamento), calculados à taxa legal de 15,5%.
O exequente confessou, por conseguinte, em 3 de agosto de 2015, que recebeu do executado o valor de 6.952.256,63 ..., correspondente a capital e juros de mora e está comprovado nos autos que o depósito daquela quantia ocorreu no dia 6 de julho de 2009, o que o exequente também reconheceu, sendo irrelevante, para o que aqui se discute, se o mandatário do exequente apenas entregou aquela quantia ao segundo em maio de 2011 (como afirma o exequente).
O pagamento voluntário da dívida do executado na pendência do processo executivo pode ser feito processual ou extraprocessualmente, consoante integre o procedimento executivo ou seja exterior ao mesmo. E o pagamento da dívida do executado pode ser feito na pessoa do representante do credor (artigo 769.º do CC), o que não é posto em causa no presente recurso.
O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigo 762.º/1 do Código Civil).
Quando o pagamento da dívida é feito extraprocessualmente, rege o disposto no n.º 5 do artigo 846.º do CPC: o executado/terceiro deve comprovar documentalmente nos autos o pagamento, acompanhado de documento comprovativo da quitação[3][4]. Quando o requerente junte documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente ou qualquer outro título extintivo, suspende-se logo a execução e liquida-se a responsabilidade do executado. Por sua vez o artigo 847.º do mesmo diploma legal explicita a forma como se deve proceder à “liquidação da responsabilidade do executado”.
No caso concreto resulta dos autos e foi reconhecido pelo exequente que o executado procedeu extraprocessualmente ao depósito, na ..., de uma determinada quantia, depósito que foi realizado na moeda oficial do país em que foi condenado a realizar tal prestação e pelo valor nominal que o ... tinha no momento do cumprimento. E ao valor do capital em dívida, o executado fez ainda acrescer o montante correspondente aos juros de mora que se haviam vencido desde a data da constituição em mora e até àquele momento (6 de julho de 2009), calculados à taxa de 15,5%.
Depósito que, como já assinalámos, foi efetuado numa conta em nome do mandatário do exequente, na ..., em 06/07/2009.
Por conseguinte, o exequente realizou a prestação pecuniária a que estava obrigado (artigo 762.º/1 do Código Civil).
Pese embora, a alegação do exequente de que «nos anos que se seguiram à prolação das sentenças na ..., o ... foi sucessivamente depreciando face ao euro e de forma tão significativa que em 8 de dezembro de 2003 – data do início da mora – um euro valia 7,7676 ..., enquanto que em 06/07/2009, data da entrega pelo executado, um euro já valia 11,135 ...», dir-se-á que não é no âmbito da presente execução que deve ser discutida uma eventual atualização da prestação pecuniária por virtude de eventuais flutuações do valor da moeda sul africana entre a data em que a obrigação se constituiu e a data em que a obrigação foi cumprida. Isto é, não incumbe ao tribunal da execução reconhecer ao exequente o direito a uma eventual atualização do valor da quantia em dinheiro que o executado foi condenado a pagar-lhe.
Em suma, o executado foi condenado, por Tribunal ..., a pagar ao exequente um determinado quantitativo, em ...; pelo que o executado ao ter procedido ao depósito, em ..., naquele país, da quantia que foi condenado a pagar ao exequente, acrescida dos juros de mora que se haviam vencido até à data do depósito, cumpriu a sua prestação independentemente de, na altura do referido depósito, os 3.726.000,00 ... valerem eventualmente menos que no momento da constituição da obrigação.
Destarte, bem andou o tribunal recorrido ao considerar que na elaboração da nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas, deve considerar-se que:
- A senhora agente de execução deve calcular o valor que era devido pelo executado ao exequente, em 06/07/2009, na ..., a título de capital e de juros, tudo em ...;
- A senhora agente de execução deve descontar desse valor o montante que foi pago, também em ..., pelo executado, na data de 06/07/2009: se dessa operação resultar que a quantia exequenda - 3.726.000,00 ..., acrescida de juros de mora, calculados à taxa de 15,5% e contados desde 06/12/2003 até à data de 06/07/09 não foi satisfeita na sua totalidade, então deve converter a diferença alcançada de ... para euros de acordo com a taxa de câmbio aplicável em 06/07/2009 e o montante convertido deverá considerar-se como capital remanescente, ao qual acrescerão juros de mora a partir de 06/07/2009.
Resulta assim do exposto que a apelação tem de improceder, devendo manter-se o despacho recorrido.
Improcede, por conseguinte, a apelação.


Sumário:
(…)


III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar improcedente a apelação, mantendo o despacho recorrido.
As custas de parte são da responsabilidade do apelante (arts. 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º, 533.º ex vi art. 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).

Notifique.
DN.
Évora, 20 de abril de 2023

Cristina Dá Mesquita
Rui Machado e Moura
(1.º Adjunto)
Eduarda Branquinho
(2.ª Adjunta)



__________________________________________________
[1] Com efeito na fundamentação do despacho recorrido faz-se constar que:
- na sequência do acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 28 de abril de 2002, no apenso D, e por despacho proferido em 17/06/2002, o tribunal de primeira instância ordenou à senhora agente de execução que elaborasse «nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas (provisória), considerando na mesma todos os montantes em dívida a título de capital, juros e encargos, e também os montantes já recuperados até ao momento, notificando da mesma os intervenientes processuais»;
- a senhora agente de execução elaborou a nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas «considerando na mesma o pagamento efetuado pelo executado na ..., em 06/07/2009 (admitido pelo exequente) de 6.952.256,63 ..., correspondente a € 624.360,72, tendo por referência o câmbio desse dia em que cada euro valia 11,135 ..., e da mesma resultar um valor ainda a pagar pelo executado de € 1.204.175,04»;
E, de seguida, o julgador a quo concretiza a forma como a senhora agente de execução deve proceder à elaboração da (nova) nota discriminativa e justificativa de honorários e despesas, ali tendo feito constar que: «considerando que a quantia exequenda e os juros de mora vencidos até 06/07/2009 foram pagos em ..., nessa data (06/07/2009), então a senhora agente de execução deve calcular o valor que era devido em 06/07/2009, na ..., a título de capital e juros em ..., deve descontar desse valor o montante que foi pago, também em ..., e, se dessa conta resultar um montante em dívida, deve converter esse valor de ... para euros, de acordo com a taxa de câmbio aplicável em 06/07/2009 e esse montante convertido deverá ser o que consta na nota discriminativa, como o capital e juros devidos a partir de 06/07/2009».
[2] Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, pp. 578-579, Estudos sobre o Novo Processo Civil, LEX, Lisboa 1997, «não é a decisão enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão».
[3] A afirmação feita pelo executado de que o exequente recebeu já a quantia exequenda, se desacompanhada de qualquer prova documental, não tem qualquer eficácia, sendo irrelevante para a extinção da instância.
[4] Dispõe o artigo 846.º do Código de Processo Civil, epigrafado Cessação da execução pelo pagamento voluntário, que:
«1 – Em qualquer estado do processo pode o executado ou qualquer outra pessoa fazer cessar a execução, pagando as custas e a dívida.
2 – O pagamento é feito mediante a entrega direta ou depósito em instituição de crédito à ordem do agente de execução.
3 – Nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, quem pretenda usar da faculdade prevista no n.º 1 solicita na secretaria, ainda que verbalmente, guias para depósito da parte líquida ou já liquidada do crédito do exequente que não esteja solvida pelo produto da venda ou adjudicação de bens.
4 – Efetuado o depósito referido no número anterior, susta-se a execução, a menos que ele seja manifestamente insuficiente, e tem lugar a liquidação de toda a responsabilidade do executado.
5 – Quando o requerente junte documento comprovativo de quitação, perdão ou renúncia por parte do exequente ou qualquer outro título extintivo, suspende-se logo a execução e liquida-se a responsabilidade do executado».