DESPESAS DE CONDOMÍNIO
PARTE COMUM DE PRÉDIO
LOCAÇÃO FINANCEIRA
Sumário

A responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio, mesmo as respeitantes à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, relativas a um imóvel dado em locação financeira ainda que pertença também ao locatário nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do DL 149/95, de 24 de Junho, não desonera o locador, perante o condomínio, desse pagamento.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

O Condomínio ..., pessoa colectiva n.º ...07, representado pelo Administrador de Condomínio em exercício, eleito em 20 de Janeiro de 2020, conforme acta nº ...8, do respectivo livro de actas, do condomínio em causa, o Senhor AA, NIF ...85, casado, titular do cartão de cidadão n.º ..., emitido pela República Portuguesa, válido até 18.04.2028, com residência electiva no espaço do Condomínio ..., na Rua...., n.º ..., em ... – ..., propôs a presente acção declarativa, com processo comum, contra a Banco 1..., SA., registada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o número único de matrícula e de pessoa colectiva ...46, com o capital social de € 3.844.143.745,00, com Sede na Av. ..., ... ....
Conclui assim o demandante pedindo a condenação da Ré a pagar ao A., a quantia de € 8.127,01, de prestações de condomínio, em atraso, por reporte à data de 03 de Janeiro de 2022, conforme conta corrente de dívida junta, como Doc. 19, bem como nas demais prestações vencidas e vincendas, até efectivo e integral pagamento em execução de sentença.
Regularmente citada, a R. contestou, defendendo-se por impugnação, contestando o valor em dívida; e por excepção, alegando a sua desresponsabilização pelo pagamento de quotas durante a vigência do contrato de locação financeira imobiliária celebrado, sendo que se encontram pagas todas as quotas vencidas após a entrega do locado.
Foi proferido despacho a convidar a A. ao aperfeiçoamento da petição inicial, o que a A. fez, tendo a R. exercido o direito ao contraditório.
Foi realizada audiência prévia nos autos, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 591.º, n.º 1, alíneas a) e b) do NCPC.
Veio então a ser proferida sentença que julgou a presente a acção procedente por provada e em consequência condenou a Banco 1..., SA.,, a pagar ao Autor, Condomínio ..., a quantia de € 8.127,01 (oito mil, cento e vinte e sete euros e um cêntimo), de prestações de condomínio em atraso, reportadas a 03 de Janeiro de 2022, bem como nas demais prestações vincendas, que ainda não se mostrem pagas, à razão mensal de € 188,81 (cento e oitenta e oito euros e oitenta e um cêntimos), até efectivo e integral pagamento.
Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões (transcrição):
«1. A ora Recorrente (Ex-Condomínio ...) celebrou, em 10.04.2015, com a empresa “A...”, contrato de locação financeira imobiliária que teve por base o imóvel objeto dos presentes autos e que constituiu a razão de ser da aquisição da fração dos autos, tendo o imóvel sido adquirido sob proposta do locatário, conforme resulta do referido contrato de locação financeira.
2. O contrato de locação financeira cessou, em 15.07.2019, tendo a Recorrente a partir de tal data, assumido o pagamento do valor de quotas de condomínio por conta da loja de que é proprietária.
3. O Recorrido pretende que a Recorrente Banco 1... seja condenada a pagar-lhe valores em dívida, a título de quotas de condomínio, vencidas até junho de 2019, altura em que vigorava o supra referido contrato de locação financeira.
4. Tal resulta da matéria de facto dada como provada, designadamente do seu ponto 18.
5. A responsabilidade pelo pagamento do valor devido a título de quotas de condomínio, durante o período em que vigorou o contrato de locação financeira mencionado, não é imputável à Recorrente Banco 1....
6. Não cabia à Recorrente Banco 1... efetuar os pagamentos referentes ao pagamento das quotas de condomínio respeitantes ao período durante o qual vigorou o contrato locação acima indicado, isto é, entre 15.07.2015 e 15.07.2019.
7. E, portanto, não cabia à Recorrente Banco 1... efetuar o pagamento, por não ser o mesmo por si devido, respeitante às quotas de condomínio vencidas e não pagas até junho de 2019 isto é, da dívida a que refere o ponto 18 dos factos provados da Sentença recorrida.
8. Tal obrigação impendia, sobre o locatário da fração ora em causa durante esse período, ou seja, sobre a empresa “A...”, conforme resulta do referido regime, designadamente do artigo 1º do DL n.º 149/95, de 24/06 (neste sentido, os Acórdãos do STJ de 10/07/2008, P. 08A1057, 6/11/2008, P. 08B2623 e de 02/03/2010, P.5662/07.5YYPRT-A.S1 e ainda da Relação de Lisboa de 03/11/2011, P. 3160/09.1TBALM- A.L1, 15/03/2012, P. 1175/11.9TVLSB.L1-8 e 06/11/2012, P. 20697/11.5T2SNT.L1-7, todos em www.dgsi.pt..
9. Do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.03.2010 decorre que é ao locatário financeiro imobiliário que compete a satisfação dos encargos relativos ao condomínio nos casos de locação financeira imobiliária de prédio constituído em propriedade horizontal, que em parte refere: “Tendo em conta a especificidade do contrato de locação financeira imobiliária, a sua função económica e o facto do locatário financeiro assumir uma posição muito próxima da do arrendatário vinculístico, mormente, quanto ao uso e fruição do imóvel (na locação financeira com a expectativa de se tornar dono do imóvel), e sendo certo que até no arrendamento pode o arrendatário convencionalmente arcar com as despesas de condomínio, não é cabido considerar-se como não ambulatória a obrigação de pagamento das despesas condominiais para as fazer recair sobre o locador financeiro, que não é o “dono económico” do imóvel, nem beneficia de qualquer vantagem directa inerente à respectiva fruição”.
10. A Recorrente tem registada a aquisição do direito de propriedade do imóvel a seu favor, o que determinaria a sua responsabilidade (art. 1424.º, n.º 1 do Código Civil.
11. Até 15.07.2019 o imóvel encontrava-se em regime de locação financeira, cujo art. 10.º, n.º 1, al. b) do respetivo regime jurídico, aprovado pelo DL n.º 149/95, de 24/06, prevê como obrigação do locatário “pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum.”
12. Tendo em consideração a figura do proprietário económico e financeiro do bem, que, no caso concreto, era o locatário, a responsabilidade pela obrigação de pagamento das despesas condominiais é deste e não do locador.
13. A norma do art. 10.º, n.º 1, al. b) do DL n.º 149/95, de 24/06 não tem mera eficácia obrigacional, não releva apenas nas relações locador/locatário, antes é de aplicação universal, impondo-se a terceiros e, consequentemente, também ao condomínio.
14. Este entendimento é o que corresponde ao regime jurídico da locação financeira imobiliária, que assemelha o locatário à posição de condómino, para todos os efeitos, exceto no que se refere aos poderes de disposição da fração.
15. O locador financeiro, para este efeito, está mais próximo da posição de um credor hipotecário, mantendo juridicamente a qualidade de proprietário apenas até à amortização integral pelo locatário do montante despendido na aquisição do bem.
16. Veja-se que nem sequer se pode afastar esta legitimidade do locatário, com base no facto de o locador não ter comunicado ao condomínio a existência de locação financeira, pois a locação financeira está sujeita a registo (predial), sendo, portanto, de conhecimento público.
17. O próprio Recorrido conhecia da vigência de tal locação.
18. Encontrava-se na disponibilidade do condomínio acionar judicialmente o locatário que na vigência do contrato não efetua o pagamento das quotas devidas.
19. No caso dos autos o Recorrido optou por não acionar judicialmente o locatário, durante a vigência do referido contrato de locação e após o vencimento das quantias cujo pagamento reclama.
20. O Recorrido apenas após a cessação de vigência do referido contrato de locação acionou a Recorrente, tendo em vista o pagamento das quotas de condomínio que se venceram até junho de 2019, isto é, durante período em que vigorou contrato de locação financeira.
21. Não colhe o argumento de que a locatária foi declarada insolvente, para justificar a imputação à Recorrente da responsabilidade pelo pagamento das quotas de condomínio enquanto locadora, vencidas durante vigência do referido contrato de locação.
22. A Sentença de insolvência é consideravelmente posterior a tal vencimento, assim como o respetivo processo (sentença prolatada a 15.12.2020, no âmbito do processo n.º 1363/19...., que correram termos nos Juízos Locais Cíveis de ... – ...).
23. É certo que com a Lei n.º 8/2022, de 10/01, o artigo 1424º nº 1 do Código Civil passou a referir-se aos condóminos proprietários das frações e não apenas aos condóminos.
24. Tendo em consideração a especificidade do contrato de locação financeira imobiliária e a sua função económica, não se poderá possa concluir que uma norma genérica como o n.º 1 do art.º 1424º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 14/2006, possa vir derrogar a especificidade ínsita no apontado art.º 10.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 149/95, de 24/06, muito menos quando os princípios subjacentes à cessação da vigência da lei (art.º 7.º do Código Civil), exigem uma intenção inequívoca do legislador para que possa haver lugar a derrogação da lei especial pela lei geral.
25. Há que atentar na redação do supra indicado nº 1 do artigo 1424º do Código Civil como um todo. Diz o seguinte o referido preceito: “Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações”.
26. Salienta-se, no que concerne a este preceito, a expressão “salvo disposição em contrário…”. Este preceito refere que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações, salvo disposição em contrário, ou seja, salvo norma legal em contrário.
27. Pese embora o nº1 do artigo 1424º impute ao condómino proprietário do bem a responsabilidade pelo pagamento das despesas nele mencionadas, tal não seria aplicável a imóvel em relação ao qual se encontre vigente contrato de locação financeira, nem relativamente a quotas de condomínio vencidas durante o período de vigência de tal contrato.
28. O disposto no art. 10.º, n.º 1, al. b) do DL n.º 149/95, de 24/06 (Regime Jurídico da Locação Financeira), consubstancia a referida disposição legal em contrário, que estabelece que a responsabilidade pelas referidas despesas caberá ao locatário e não ao locador.
29. Conforme resulta da Sentença recorrida, as quotas às quais têm vindo a ser imputadas as prestações pagas pela recorrente Banco 1... após a cessação de vigência do contrato de locação financeira, são as vencidas durante a vigência de tal contrato, período em que vigorava o anterior regime legal.
30. Atenta a circunstância de que tais quotas se venceram em momento anterior à entrada em vigor da nova lei e em quem vigorava o contrato de locação financeira supra indicado, a responsabilidade pelo seu pagamento deve ser aferida pela lei nesse momento vigente, isto é, de acordo com o regime legal anterior à Lei nº 8/2022 de 10 de janeiro, pelo que, pelas quotas em apreço deverá responder o locatário financeiro e não a Recorrente.
31. Os pagamentos efetuados pela Recorrente ao Recorrido, a título de quotas de condomínio, após cessação de vigência do contrato de locação financeira supra indicado, não deveriam ter sido imputados por este às prestações vencidas durante a sua vigência de tal contrato.
32. Tais pagamentos deveriam ter sido imputados às prestações vencidas após a sua cessação e por cujo pagamento a Recorrente é efetivamente responsável.
33. Não andou bem o tribunal a quo ao entender que a responsabilidade pelo pagamento das quotas de condomínio, vencidas durante a vigência do contrato de locação financeira acima indicado, era da responsabilidade da locadora, in casu da Recorrente e que, por conseguinte, a imputação que foi levada a cabo pelo condomínio, ora Recorrido, foi corretamente efetuada.
34. Porquanto, nos termos do nº1 do artigo 12º do Código Civil a lei só dispõe para o futuro, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa – o que não se verificou no que à Lei nº 8/2022 concerne. Presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina regular.
Nestes termos e nos demais de Direito que forem doutamente supridos pelo superior critério de V.Exªs., deve o presente Recurso ser considerado procedente, revogando-se a Sentença ora Recorrida e substituindo-a por outra que reconheça que a responsabilidade pelos valores devidos, a título de quotas de condomínio, vencidas durante a vigência do contrato de locação financeira, celebrado entre e Recorrente e a sociedade “A...”, referentes à Loja ...7 do prédio a que corresponde o condomínio ora Recorrido, são da responsabilidade e unicamente imputáveis àquela sociedade locadora e não à Recorrente, e, por conseguinte, que não deveriam os valores pagos por esta, após a cessação do referido contrato de locação, a título de quotas de condomínio, ter sido imputados àquelas quotas.
Vossas Excelências farão, como sempre, a costumada
JUSTIÇA!»
Nas contra-alegações, a A. conclui que:
«bem andou a M. Juíz a Quo, ao decidir, como o decidiu, no entendimento da responsabilidade solidária entre locadora e locatária financeira, pelas prestações dadas como provadas, como não pagas ao Condomínio, ora recorrido, pois os Condomínios, não podem ser prejudicados, nos seus normais direitos, pelas relações, contratuais, combinadas, entre partes terceiras, nas quais os mesmos, não intervenham: Res inter alios acta, aliis nec nocet nec prodest!
O Decreto Lei nº 149/95 de 24 de Junho, não resolve a questão do caso sub judice, nos presentes autos: E se o locatário não quiser, ou não puder pagar ? !...
“ É um facto que a Recorrente tem registada a aquisição do direito de propriedade do imóvel a seu favor, o que determinaria a sua responsabilidade (art. 1424.º, n.º 1 do Código Civil). “
Pois a não ser, assim, um mero comportamento de fato omissivo ( o simples não pagamento da prestação de condomínio ) da obrigada, perante a locadora financeira, eximiria a responsabilidade das duas, incluindo a proprietária, perante uma terceira parte: o condomínio, ora recorrido !
Como a recorrente, reconhece, nas suas próprias alegações, 52ª e 53ª:
Note-se que o próprio Recorrido juntou à petição inicial cópia da certidão predial que tem o averbamento da locação financeira, pelo que conhecia da vigência de tal locação.
É certo que, como refere a Sentença recorrida, “o condomínio não tem a faculdade de colocar termo ao contrato de locação financeira por falta de pagamento das quotas de condomínio.
Na suas alegações, a recorrida, insurge-se, ainda, contra a invocação pela Sentença a Quo do novo dispositivo do artigo 1424º, nº 1 do C.C. ( alegação 59 ):
É certo que com a Lei n.º 8/2022, de 10/01, o artigo 1424º nº 1 do Código Civil passar a referir- se aos condóminos proprietários das frações e não apenas aos condóminos.
Logo, em segundo lugar, e de acordo com essa tese que defende nas suas conclusões 29ª a 34ª, não deveria, ela recorrente, ser ( sequer ) responsável, pelas prestações, anteriores à entrada em vigor da nova redação do nº 1 do art. 1424º do C. Civil, com a Lei n.º 8/2022, de 10/01, por dizer respeito aos seus direitos adquiridos … anteriores ! …
Ou seja, segundo a sua tese, a locadora financeira imobiliária, não deveria pagar, em caso algum as prestações de condomínio, em dívida !
Ora, salvo o devido respeito, por melhor opinião, de V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, o intérprete da lei, não deve cingir-se à leitura literal da mesma, mesmo para defender uma tese que lhe seja conveniente, como é o caso da recorrente, nas suas Doutas Alegações, e Conclusões, a estes autos vindas !
Pelo que, como decorrência, do antes concluído, se é certo que na relação jurídico-contratual da Locação Financeira Imobiliária ( nos termos do D. L. nº 149/95, de 24/06 (Regime Jurídico da Locação Financeira), e no espírito de tal lei, está ínsita a ideia, a ratio, normativa do “ fruidor pagador “, de todos os encargos do imóvel, incluindo a renda ( do locatário ) ao locador.
Porém, tal circunstância do “ fruidor “ pagador, ser o principal responsável pelo pagamento das prestações mensais do condomínio, isso não pode afastar o regime geral do direito de propriedade, em caso de incumprimento do “ pagador fruidor “ ( o locatário ) … de modo a eximir, totalmente, o proprietário ( locador ) …
Pois tal não o admite, agora, o nº 1 do art. 1425º do C. Civil, como já não o admitia, antes, o art. 1305º do C. Civil, sob pena de existência de uma lacuna na lei, quando o locatário não pagar as prestações mensais do condomínio !
Pelo que, tal regra geral, de que sobre o locatário impende o pagamento das prestações mensais do condomínio, não poderá impedir, que as obrigações decorrentes da fruição do bem, não possam ser assacadas, quer solidariamente, contra o locatário, e contra o locador, quer subsidiariamente, contra o locador, quando o locatário, não as cumprir.
Pois, até no caso da responsabilidade subsidiária, em caso de demanda, para se eximir, ao pagamento ao credor, o responsável subsidiário se quiser beneficiar do benefício da excussão prévia, terá que invocá-lo no próprio processo onde é demandado - cfr. o art. 641.º, nºs 1 e 2 do C.C. e cfr., igualmente, os artigos 316º e ss., e o art. 745º, todos do C.P.C.!
E, a ser assim, deveria ter invocado, a ora recorrente ( em sede própria, isto é na contestação ) a sua própria “ ilegitimidade processual passiva “ ! …
O que não fez à luz do disposto no art. 30º do C.P.C..
Logo sendo parte legítima na ação, a ora recorrente, não poderá deixar de ser considerada como devedora na mesma lide, face à prova dos autos, em como nem a locatária, nem a locadora financeira, ela ora recorrente, pagaram as dívidas de condomínio, peticionadas na ação.
Concluindo que deve ser mantida a Douta Sentença, ora recorrida !
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. O Autor, Condomínio ..., abrange 97 fracções, de seis conjuntos de prédios distintos descritos na Conservatória do Registo Predial de
2. A Banco 2... S.A foi incorporada por fusão na Banco 1... SA., adquirindo esta última a titularidade de todo o património da primeira.
3. Por apresentação n.º 1241, de 4/10/2015, encontra-se registada a aquisição da loja n.º ...7, correspondente à fracção designada pelas letras Código do Trabalho, com a área de 97,50m2, do prédio sito na Av. do ..., n.° ..., ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...6, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., com o número ...71 da União de Freguesias ... e ...;
4. Por acordo escrito, datado de 4/10/2015, intitulado ““contrato de locação financeira imobiliária n.º ...75”, a Banco 2..., S.A. acordou ceder a utilização da referida loja à sociedade A..., Lda., durante 180 meses, pelo valor global de € 97.532,40.
5. Nos termos do acordo referido no ponto 4., a sociedade A..., Lda. estava obrigada ao pagamento mensal de 180 rendas, sendo o valor residual para efeitos do referido acordo, e nomeadamente para o exercício do direito de opção de compra, de € 3.575,00.
6. Do aludido acordo, consta ainda da cláusula 5.1, que a sociedade A..., Lda. ficaria responsável pelo pagamento das quotas do condomínio.
7. Em assembleia geral de condóminos, datada de 21/09/2020, a que corresponde a acta n.º ...9, foi colocado a discussão, e votação, o novo Regulamento de Condomínio, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2021.
8. O novo Regulamento de Condomínio foi aprovado com os votos a favor de 83%, dos votos presentes, e com a abstenção de 17%, dos votos presentes.
9. Em 20 de Janeiro de 2021, foi realizada uma nova Assembleia Geral de Condomínio, a que corresponde a acta n.º ...0, no âmbito da qual foi efectuada a confirmação de permilagens e mensalidades a vigorar em 2021, e aprovação dos valores em dívida de condóminos passíveis de cobrança judicial, tendo sido decidido, caso não se chegue a acordo, avançar para acção judicial.
10. Em assembleia geral de condóminos, datada de 20/04/2021, a que corresponde a acta n.º ...1, foram discutidas e aprovadas, com 44% dos votos a favor, e 56% de abstenções, as novas quotas do condomínio, de acordo com as novas permilagens, corrigidas, aplicáveis a partir de 01 de Maio de 2021, alterando o regulamento de condomínio em conformidade.
11. Face a estes novos valores, a prestação mensal de condomínio da loja referida no ponto 4, passou a ser de € 188,81, sendo que anteriormente era de € 310,56.
12. Todas as actas supra referidas foram notificadas, via email, a todos os condóminos, presentes e ausentes, não tendo sido impugnadas judicialmente.
13. Em 30.06.2015, a conta corrente de dívida, da Loja ...7, para com o A., totalizava o valor de € 598,09;
14. Em 31.12.2015, referente ao ano de 2015, a conta corrente de dívida, da Loja ...7, para com o A., totalizava o valor de € 1.287,92;
15. Em 31.12.2016, e após vários pagamentos realizados, durante esse mesmo ano, a conta corrente de dívida, da Loja ...7, para com o A., totalizava o valor de € 1.394,95.
16. Em 31.12.2017, e após vários pagamentos realizados, durante esse mesmo ano, a conta corrente de dívida, da Loja ...7, para com o A., totalizava o valor de € 1.951,17.
17. Em 31.12.2018, e após ter realizado apenas um pagamento de € 313,06, durante esse mesmo ano, a conta corrente de dívida, da Loja ...7, para com o A., totalizava o valor de € 5.364,83.
18. Em 30.06.2019, a conta corrente de dívida, da Loja ...7, para com o A., totalizava o valor de € 7.946,43.
19. Em 31.12.2019, e dado não ter realizado nenhum pagamento durante esse mesmo ano, a conta corrente de dívida, da Loja ...7, para com o A., totalizava o valor de € 9.359,79.
20. Em 31.12.2020, e após três pagamentos realizados, durante esse mesmo ano, a conta corrente de dívida, da Loja ...7, para com o A., totalizava o valor de € 7.651,65.
21. Em 31.12.2021, e após quatro pagamentos realizados, durante esse mesmo ano, a conta corrente de dívida, da Loja ...7, para com o A., totalizava o valor de € 8.127,01.
22. A sociedade A..., Lda., foi declarada insolvente, por sentença prolatada a 15/12/2020, no âmbito do processo n.º 1363/19...., que correram termos nestes Juízos Locais Cíveis de ... – ....
23. Por despacho de 15-12-2020, transitado em julgado a 06-01-2021, após realização do rateio final, foi declarado encerrado o referido processo de insolvência, não tendo o A. obtido qualquer pagamento do crédito por si reclamado, no valor de € 8.428,11, com referência às quotas de condomínio da loja n.º loja n.º ...7.
24. O acordo referido no ponto 4, terminou a 15/07/2019, data em que a loja n.º ...7 foi entregue à R., tendo esta, após essa data, e até 3.01.2022, pagado ao A. a quantia global de € 8.095,04, com referência às quotas de condomínio dessa loja e que, entretanto, se foram vencendo.
OS FACTOS NÃO PROVADOS:
Com relevância para a decisão da presente acção não resultaram provados quaisquer outros factos.
Não se provaram os demais factos alegados pelas partes, a que se não fez menção expressa, expurgados de conceitos vagos, conclusos ou de direito, nem se relevaram todos quantos são irrelevantes para as soluções plausíveis de direito que o caso convoca.


2 – Objecto do recurso.

Questão a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 684.º, n.º 3, do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso: Saber sobre quem recai o pagamento dos encargos do condomínio quando as fracções se encontram dadas em locação financeira: se sobre o proprietário/locador se sobre o locatário.


3 - Análise do recurso.

Em causa está a questão de saber quem é responsável pelo pagamento das quotas do condomínio, vencidas durante o período do contrato de locação financeira: se o locador financeiro, se o locatário.
A recorrente defende que por as quotas se terem vencido antes da alteração decorrente da Lei n.º 8/22, de 10.01 são da exclusiva responsabilidade do locatário.

Esta questão tem dividido a jurisprudência, entre os que defendem que, o locatário é exclusivamente responsável pelo pagamento do condomínio e os que entendem que tal responsabilidade perante o condomínio cabe ao locador.
Defendem a primeira teoria – no sentido que é ao locatário que o condomínio deve exigir o pagamento de quotas em atraso – os Acs. STJ de 06/11/2008, proc. 08B2623; TRL de 06/11/2012 (Ana Resende); Ac. TRL de 03/11/2011 (Olindo Geraldes); Ac. STJ de 06/11/2008 (Santos Bernardino); Ac. TRP de 23/02/2012 (Deolinda Varão); Ac. TRP de 05/11/2007 (Anabela Luna de Carvalho); Ac. TRP de 14/03/2006 (Mário Cruz); Ac. TRP de 14/03/2005 (Fonseca Ramos); Ac. TRP de 20/12/2001 (Pires Condessa);
Os que defendem este entendimento, de que o locatário deve ser o exclusivo responsável, pelo pagamento das contribuições do condomínio, invocam a favor da sua tese o próprio regime da locação financeira, entendendo que este deve prevalecer sobre o regime geral do artigo 1424.º do Código Civil, e que ao mesmo deve ser atribuída eficácia erga omnes, impondo-se dessa forma ao condomínio, ainda que este seja um terceiro relativamente ao contrato de locação financeira, ou seja que o artigo 1424 do CC cede perante o art. 10/1-b-2-e do DL 149/95, pelo que quem tem de pagar essas despesas é o locatário financeiro
Defendem a segunda teoria – no sentido que é da responsabilidade do locador o pagamento das despesas de condomínio de imóvel constituído em propriedade horizontal, dado em objeto num contrato de locação financeira – os Ac. STJ de 19/03/2002 (Alípio Calheiros); Ac. TRL de 15/03/2012 (Amélia Ameixoeira); Ac. TRL de 06/11/2012 (Ana Resende (Voto de vencido); Ac. TRP de 06/05/2008 (Guerra Banha), Ac. TRL de 03/11/2011 (Olindo Geraldes (Voto de vencido), Ac. TRL de 27/06/2006 (Pimentel Marcos), Ac. TRP de 23/02/2012 (Deolinda Varão (Voto de vencido), Ac. TRP de 26/10/2006 (Fernando Baptista), Ac. TRP de 4/06/2001 (Narciso Machado);
Os que defendem este entendimento, invocam a favor da sua tese que, é o artigo 1424.º do Código Civil que tem natureza erga omnes, impondo-se de forma absoluta, que põe essas despesas a cargo do condómino, que é o proprietário locador financeiro, com direito de regresso sobre o locatário por força do art. 10/1-b do DL 149/95, enquanto as normas do Decreto-Lei n.º 149/95, designadamente o seu artigo 10.º, têm natureza obrigacional e eficácia apenas inter partes, pelo que perante o condomínio, o locador seria o responsável pelo pagamento das quotas, com direito de regresso sobre o locatário, nos termos do contrato de locação financeira.
Neste sentido também, Ângela Sofia Miranda Guimarães, “Da responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira”, Abril de 2014, Universidade do Minho, pág. 80: “o art. 1424.º do CC é constituído por uma obrigação propter rem com eficácia erga omnes cuja imperatividade não pode ser afastada pelo art. 10/1-b do DL 149/95 por este ter uma eficácia que não extravasa da relação locador-locatário”; esta autora invoca vários acórdãos no mesmo sentido e considera que as coisas também são assim em Itália e no Brasil; e Pestana Vasconcelos, Direito Bancário, Almedina, 2017, págs. 282-283.
(Alguns defensores deste entendimento admitem que o condomínio possa, sempre ou apenas em alguns casos, exigir o pagamento do locatário financeiro, mantendo embora o locador financeiro também a responsabilidade por esses pagamento enquanto o locatário não as pagar).
A propósito da polémica transcreve-se o Ac. RG de 4 de novembro de 2021, Processo nº 216/20.3T8GMR.G1, Relator: Jorge Teixeira, que também remete para o Ac. mesma Relação de 10/05 de 2018, onde se rejeita a tese da obrigação exclusiva do locatário financeiro, com a qual concordamos inteiramente :
«(…)“Os que defendem o entendimento de que o locatário deve ser o exclusivo responsável pelo pagamento das contribuições do condomínio, invocam a favor da sua tese o próprio regime da locação financeira, entendendo que este deve prevalecer sobre o regime geral do artigo 1424.º do Código Civil, e que ao mesmo deve ser atribuída eficácia erga omnes, impondo-se dessa forma ao condomínio, ainda que este seja um terceiro relativamente ao contrato de locação financeira.
O artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de Junho, diploma que regula o regime jurídico do contrato de locação financeira, estabelece efectivamente na sua alínea b) que é obrigação do locatário financeiro pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum.
Parte da jurisprudência vem defendendo a eficácia erga omnes desta norma, considerando-a uma norma absoluta, e atribuindo carácter supletivo ao artigo 1424º do Código Civil que, estabelecendo que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos (os proprietários exclusivos da fracção que lhes pertence e comproprietários das partes comuns do edifício conforme n.º 1 do artigo 1420.º) em proporção do valor das suas fracções, ressalva a existência de disposição em contrário, entendendo que a norma do referido artigo 10º prevalecerá dessa forma sobre a regra geral do artigo 1424.º.
Os que defendem a responsabilidade do locatário pelo pagamento destas despesas e a eficácia erga omnes da norma invocam ainda o facto do contrato de locação financeira estar sujeito a registo (artigo 2º n.º 1 alínea l) do Código de Registo Predial e defendem que aquele, ainda que não sendo o “proprietário jurídico” do imóvel é o “proprietário económico” do mesmo, de que por regra se tornará verdadeiro dono no final do contrato.
Neste sentido, e de entre várias decisões podemos aqui referir o acórdão da Relação de Lisboa de 06/11/2012 (este acórdão tem voto de vencido declarando que “Discorda-se com o entendimento de que o contrato de locação financeira, que produz efeitos meramente obrigacionais, possa contender ou influir com a responsabilidade do titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma – e logo, nessa medida, condómino – perante o Condomínio pelo pagamento das dívidas respeitantes às despesas comuns com a respectiva manutenção e conservação. (…) Esta última – sufragada no acórdão - produz, como resultado necessário, a exoneração do pagamento das prestações de condomínio por parte do titular de um direito real sobre o imóvel, substituindo-o pelo titular de um direito meramente obrigacional sobre o prédio. 19ª – Conclusão esta juridicamente inaceitável”), 27/04/2014, 06/04/2017 (podendo ler-se no sumário deste acórdão que “Perante a especificidade do contrato de locação financeira, a sua sujeição a registo e a regra constante do art. 10º, nº1, b) do Regime Jurídico da Locação Financeira, as despesas do condomínio são da responsabilidade do locatário e não do locador”) os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10/07/2008, de 06/11/2008 (em cujo sumário consta que “4. Estas normas não têm mera eficácia obrigacional, não relevam apenas nas relações locador-locatário, antes são de aplicação universal, impondo-se a terceiros e, consequentemente, também ao condomínio ... (…) o locatário não é, juridicamente, o proprietário do bem locado, mas é o “proprietário” económico desse bem, de que, por via de regra, se tornará verdadeiro dono no termo do contrato. 6. Estando uma fracção autónoma dada em locação financeira, é do locatário financeiro que o condomínio deve exigir o pagamento dos “encargos condominiais” respectivos: o estatuto do locatário financeiro é, em tudo, idêntico ao de qualquer condómino, sendo sobre ele, e não sobre o locador, que impende a responsabilidade por esse pagamento”) e 2/3/2010 (em cujo sumário se pode ler que “X) - Compete ao locatário financeiro imobiliário o pagamento dos encargos relativos ao condomínio, em caso de locação financeira imobiliária de prédio constituído em regime de propriedade horizontal”; este acórdão tem voto de vencido declarando que, da imposição legal, ao locatário financeiro, da obrigação de pagar as despesas de condomínio não decorre a exoneração do proprietário dessa fracção); o acórdão da Relação do Porto de 29/05/2014 (podendo ler-se no sumário que “II - Impende sobre o locatário financeiro a obrigação de pagamento ao condomínio das despesas de fracção autónoma objecto da locação”) e de 07/04/2016 (em cujo sumário se pode ler que “Estando as fracções a que respeitam as despesas de condomínio dadas em locação financeira é o locatário financeiro o responsável pelo respectivo pagamento” (todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Do outro lado estão aqueles que defendem que perante o condomínio o responsável pelo pagamento é o locador financeiro, proprietário do bem locado, e que, ainda que no contrato de locação financeira a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio pertença ao locatário, tal não desonera o locador desse pagamento.
Para os que perfilham este entendimento é o artigo 1424 do Código Civil que tem natureza erga omnes, impondo-se de forma absoluta, enquanto as normas do Decreto-Lei n.º 149/95, designadamente o seu artigo 10º, têm natureza obrigacional e eficácia apenas inter partes, pelo que perante o condomínio, o locador seria o responsável pelo pagamento das quotas, com direito de regresso sobre o locatário, nos termos do contrato de locação financeira.
Neste sentido, entre outros, podemos aqui citar o acórdão do STJ de 19/03/2002 (em cujo sumário se pode ler que “Porque a imposição legal do locatário financeiro da obrigação de pagar as despesas do condomínio não exonera o proprietário da fracção autónoma, é este, parte legítima na execução movida pela administração do condomínio para obter o pagamento da respectiva quota-parte”); os acórdãos da Relação do Porto de 04/06/2001 (cujo sumário refere “II - Se a fracção estiver locada e, por acordo com o senhorio, o arrendatário assumir a responsabilidade pelo referido pagamento, tal convenção é inoponível aos restantes condóminos, pelo que o pagamento só pode ser exigido do senhorio/proprietário, sem prejuízo do direito de regresso contra o locatário.
III - Isto é aplicável mesmo ao caso de o gozo da fracção se basear em contrato de locação financeira”), de 06/05/2008 (podendo ler-se no sumário “2. Num quadro em que a obrigação de pagar as despesas de condomínio cabe ao locatário, seja por transferência da lei (locação financeira), seja por transferência do locador (arrendamento urbano), a Assembleia de Condóminos, se lhe for comunicada a transferência dessa obrigação, pode exigir o pagamento quer ao locatário, quer ao locador; todavia, o proprietário locador só fica desonerado da dívida se e quando o locatário pagar”) e de 12/09/2016 (em cujo sumário se pode ler que “A responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira, ainda que pertença também ao locatário financeiro, não desonera o locador/proprietário desse pagamento, pelo que este tem legitimidade para ser demandado como executado”), e o acórdão da Relação de Lisboa de 27/06/2006 (em cujo acórdão se lê que “Nos casos de locação financeira imobiliária, ainda que registada a favor do locatário, tendo por objecto uma fracção autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal, perante o condomínio continua a ser o locador (proprietário) o responsável pelas despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum a que se refere o artigo 1424º do Código Civil” (todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Na Doutrina o Professor Gravato Morais defende também que o condomínio pode exigir do locador financeiro o pagamento das prestações em dívida relativas a despesas de condomínio, entendendo que se só ao locatário assistisse a obrigação de pagamento tal “significaria exonerar do pagamento das prestações de condomínio o titular de direito real sobre o imóvel, substituindo-o pelo titular de um direito obrigacional sobre o prédio” (“Responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira”, Cadernos de Direito Privado, nº 20, páginas 50 a 60, 2007); no mesmo sentido podemos ainda referir a tese de Mestrado de Ângela Sofia Miranda Guimarães, de Abril de 2014, com o tema “Da responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira”, realizada sob a orientação do Professor Gravato Morais, onde é defendido que o responsável perante o condomínio pelo pagamento das despesas vencidas e não pagas pelo locatário é o locador -Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 24/05/2018, proferido no processo nº 501/15.6T8PTL.G1, inwww.dgsi.pt.
A posição de Gravato Morais, “faz decorrer essa possibilidade do facto de o condomínio ter aceite a assunção da dívida (art. 595 do CC) pelo locatário no contrato com o locador, enquanto no entendimento da outra tesse, a posição de Rui Pinto, que aceita os fundamentos da corrente anterior quanto à responsabilidade do locatário, mas adere, quanto à responsabilidade do locador, à construção feita pelo ac. do TRP de 06/05/2008, proc. 0821567: “Num quadro em que a obrigação de pagar as despesas de condomínio cabe ao locatário, seja por transferência da lei (locação financeira), seja por transferência do locador (arrendamento urbano), a Assembleia de Condóminos, se lhe for comunicada a transferência dessa obrigação, pode exigir o pagamento quer ao locatário, quer ao locador; todavia, o proprietário locador só fica desonerado da dívida se e quando o locatário pagar.”
Gravato Morais entende que se só ao locatário assistisse a obrigação de pagamento tal “significaria exonerar do pagamento das prestações de condomínio o titular de direito real sobre o imóvel, substituindo-o pelo titular de um direito obrigacional sobre o prédio”- Responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira, anotação ao ac. do TRP de 14/03/2006, proc. 168/06, Cadernos de Direito Privado, n.º 20, páginas 50 a 60, Dez. 2007; e Manual de Locação Financeira, 2011, 2.ª ed., Almedina, págs. 121-127]; Rui Pinto, A execução de dívidas do condómino, 05/06/2017, no blog do IPPC, págs. 9/11, defende que a posição do locatário não corresponde a qualquer assunção de dívida.
De tudo decorre, assim, com linear evidência que:
- Existe uma outra corrente que defende que o artigo 1424 do CC cede perante o artigo 10/1-b-2-e do DL 149/95, pelo que quem tem de pagar essas despesas é o locatário financeiro, isto porque estas regras especiais não têm mera eficácia obrigacional, não relevam apenas nas relações locador-locatário, antes são de aplicação universal, impondo-se a terceiros e, consequentemente, também ao condomínio.
- E existe ainda uma outra corrente que aceita que o condomínio possa, sempre ou apenas em alguns casos, exigir o pagamento do locatário financeiro, mantendo embora o locador financeiro também a responsabilidade por esses pagamentos enquanto o locatário não as pagar.»
Ora, não merecendo a questão muito aprofundado desenvolvimento, dado o muito que está publicado sobre esta controvérsia, que é cabalmente esclarecedor dos seus termos e das argumentações que a sustentam, e que, em nosso entender, praticamente esgota o tema, dada a inexistência de novas argumentações, sempre diremos que, em nosso entender, a segunda corrente – da obrigação exclusiva do locatário financeiro – será de rejeitar, por, entre o mais, afastar, sem fundamento, a obrigação do locador financeiro constante do art. 1424 do CC, sendo que, o locador financeiro condómino não se pode descartar, por contrato celebrado com terceiro, da obrigação de pagar esses encargos, contra o disposto no art. 1420/2 do CC, em prejuízo do condomínio.
Por outro lado, conforme se refere no já citado Acórdão da Relação do Porto 12/09/2016 esta “acarreta uma enorme desprotecção do condomínio e dos restantes condóminos, pois basta pensar nos casos – e não são tão pouco frequentes como se possa fazer crer – em que o locatário não só não paga as despesas de condomínio (que podem ascender a verbas elevadas) como se desinteressa do cumprimento do contrato de locação financeira (muitas vezes por manifesta impossibilidade financeira – insolvência). Se apenas o locatário for o responsável pelo pagamento o condomínio nunca poderá penhorar o imóvel para garantir o seu crédito, uma vez que o locatário não é o proprietário jurídico da fracção. Proprietário é o locador que poderá ver a sua fracção enriquecida à custa dos demais condóminos que suportaram as despesas que ele não suportou (nem as suportou o locatário)”.
Assim, é também nosso entendimento a norma do referido artigo 10º alínea b) tem apenas eficácia inter partes e não erga omnes, pois que, o legislador expressamente aponta para uma eficácia inter partes do diploma aplicando-se esta norma na relação locador/locatário, na qual, por força da lei, é o locatário que responde pelas despesas correntes perante o locador.
Com efeito, como se refere no citado Acórdão da Relação de Guimarães “o artigo 10º ao enunciar que é obrigação do locatário financeiro pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum reporta-se à relação entre os contraentes, sendo certo que o diploma (o Decreto-Lei n.º 149/95) visa regular o regime da locação financeira e as relações o locador e o locatário; já os artigos 1420º e seguintes do Código Civil, onde se insere o referido artigo 1424º, visam regular os direitos e encargos dos condóminos, resultando deste artigo que é o condómino, ou seja o proprietário (pois quem assume a qualidade de proprietário de fracção autónoma será, por inerência, considerado condómino do prédio) o responsável pelo pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.
Assim, e ainda que sobre o locatário, no âmbito do contrato de locação financeira, recaia a obrigação de pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, perante o condomínio, terceiro relativamente ao contrato de locação, o responsável em última análise (caso o locatário não pague voluntariamente) será sempre o locador.
Daqui não decorre que o locatário fique desonerado da obrigação de pagamento daquelas despesas pois que perante o locador o mesmo se obrigou a esse pagamento, assim, pagando o locador ao condomínio, ficará com o direito de pedir ao locatário o que tenha pago a esse título.
Da mesma forma, o facto de a alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho estabelecer que é obrigação do locatário o pagamento das despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum não desonera o locador financeiro desse pagamento perante o condomínio”.
(…)
“Numa relação (respeitante ao imóvel locado e às partes comuns) que se pode configurar como tripartida (condomínio, locador financeiro e locatário financeiro) será possível perspectivar dois níveis distintos: por um lado a relação entre as partes contraentes na locação financeira e, de outro lado, a relação destas perante o condomínio, terceiro em face do contrato de locação financeira.
Parece-nos que a conclusão a retirar terá de ser que o responsável pelas despesas de condomínio, perante o condomínio, é quem figura como proprietário e este é o locador e não o locatário; de facto, o locador financeiro do ponto de vista jurídico é o único proprietário da fracção autónoma pois que, independentemente da fruição do imóvel pelo locatário, este apenas poderá vir a adquirir no final do contrato de locação financeira. E, ainda assim, tal aquisição não deixa de constituir apenas um cenário hipotético ou, mais rigorosamente, uma expectativa jurídica (de aquisição do bem pelo locatário financeiro) facilmente afastada pela resolução do contrato no caso de incumprimento das prestações, pelo não exercício da faculdade de opção pela venda do bem ou simplesmente por mero acordo das partes.
E, analisando o referido artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 parece-nos ainda de salientar que o legislador apenas previu como obrigação do locatário financeiro, o pagamento das despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum; e quanto à obrigação de conservação a mesma reporta-se ao próprio bem locado e já não às partes comuns; de facto decorre de forma linear da alínea e) do n.º 1 do referido preceito que é obrigação do locatário financeiro “ “assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente”. Parece-nos, por isso, que mesmo na relação entre locador e locatário, e no que toca às partes comuns e serviços de interesse comum, o legislador reservou apenas para este a obrigação do pagamento das despesas correntes, deixando para o locador a responsabilidade de pagar as despesas extraordinárias, designadamente de conservação das partes comuns.
É que na locação financeira o que está em causa não deixa de ser a cedência do gozo temporário de uma coisa (ainda que o locatário a possa vir a adquirir decorrido o período acordado) e o locador financeiro nunca deixa de ser o proprietário da fracção autónoma do prédio constituído em regime de propriedade horizontal. Conforme decorre do artigo 1º do DL 149/95, de 24 de Junho, o contrato de locação financeira, é definido como aquele pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante a simples aplicação dos critérios nele fixados. Compreende-se pois que, sendo cedido o gozo temporário de uma coisa, o legislador tenha considerado como obrigação do locatário, perante o locador, o pagamento das despesas correntes e já não das despesas extraordinárias, estas a cargo do locador por força da sua qualidade de proprietário” – Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 24/05/2018.
Assim, e concluindo, não entendemos que a norma da referida alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 tenha carácter erga omnes e seja oponível ao condomínio, terceiro relativamente ao contrato de locação financeira.
Destarte, somo também de entender, que “o entendimento que perfilhamos no sentido do locador responder perante o condomínio parece-nos ser o que melhor assegura a posição do condomínio (terceiro alheio à celebração do contrato de locação financeira) de ver saldada a divida decorrente do não pagamento das despesas pois que respondendo o locador com o seu património poderá desde logo nomear à penhora o imóvel objecto do contrato de locação financeira (propriedade do locador), enquanto que relativamente ao locatário financeiro poderia indicar à penhora apenas a expectativa de aquisição”- Cfr. O citado Acórdão Relação de Guimarães, de 24/05/2018.
Assim e concluindo, somos de entender que no âmbito do contrato de locação financeira que tem por objecto fracção autónoma, cabe ao locatário por força do disposto no artigo 10º nº 1 alínea b) do DL 149/95, de 24 de Junho, a obrigação de pagar as despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum, sendo que, no entanto, e perante o condomínio, no caso do locatário financeiro não proceder a esse pagamento, a responsabilidade cabe ao locador financeiro enquanto proprietário da fracção autónoma e condómino em conformidade com o disposto no artigo 1424º do Código Civil.
Por último apenas mais uma observação apenas para dizer que esta tese que perfilhamos e que os Recorrente dizem também ser a que seguem, já que referem expressamente que “seguem o entendimento seguido por este Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, plasmado no Acórdão de 10-05-2018, proferido no processo 501/15.6T8PTL”, não nos leva a concluir, como pretendem os Recorrentes, que “O responsável pelas despesas de condomínio, perante o condomínio, é quem figura como proprietário e este é o locador e não o locatário/recorrente”, e de que “Jamais poderia pois ser exigido pela Autora aos aqui RR, o pagamento das quantias reclamadas nos autos, tanto que sendo a Autora sabedora da existência do citado contrato de locação financeira, optou por demandar apenas os aqui RR”.
Isto porque, “Neste quadro em que a obrigação de pagar as despesas de condomínio cabe ao locatário, seja por transferência da lei (locação financeira), seja por transferência do locador (arrendamento urbano), a Assembleia de Condóminos, se lhe for comunicada a transferência dessa obrigação, pode exigir o pagamento quer ao locatário, quer ao locador; todavia, o proprietário locador só fica desonerado da dívida se e quando o locatário pagar” – Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 6/05/2008, proferido no processo, n.º 0821567, in www.dgsi.pt.
Conclui-se, assim, dizendo que, como assertivamente referem os Recorridos, “a querela jurisprudencial sobre quem é o responsável pelo pagamento do condomínio nos casos de locação financeira, porquanto, a questão não se divide entre os que defendem que é ao locatário quem cabe exclusivamente a responsabilidade pelo pagamento e aqueloutros que defendem que tal responsabilidade cabe ao locador, mas tão somente entre aqueles que defendem a responsabilidade exclusiva (por via legal) do locatário financeiro e aqueles que entendem que a responsabilidade do locatário financeiro não desobriga a responsabilidade do locador financeiro (existindo assim dois co-obrigados – um e sempre o locatário; ou dois, o locatário e o locador)”, sendo que, em qualquer das teses, é sempre o locatário financeiro responsável pelo pagamento das despesas de condomínio, do que inelutavelmente se impõe a conclusão de que nunca estará em causa a sua legitimidade, qualquer que seja a tese perfilhada.».
Pelo exposto e fazendo nossos os argumentos referidos, também nós concluímos que o locador é responsável pela obrigação de pagamento das despesas condominiais.
Por último, importa ainda referir que, o entendimento que perfilhamos no sentido do locador responder perante o condomínio, parece-nos ser o que melhor assegura a posição do condomínio (terceiro alheio à celebração do contrato de locação financeira) de ver saldada a divida decorrente do não pagamento das despesas, pois que, respondendo o locador com o seu património, poderá desde logo nomear à penhora o imóvel objecto do contrato de locação financeira (propriedade do locador).
Conforme se refere no já citado Acórdão da Relação do Porto 12/09/2016 a tese contrária “acarreta uma enorme desprotecção do condomínio e dos restantes condóminos, pois basta pensar nos casos – e não são tão pouco frequentes como se possa fazer crer – em que o locatário não só não paga as despesas de condomínio (que podem ascender a verbas elevadas) como se desinteressa do cumprimento do contrato de locação financeira (muitas vezes por manifesta impossibilidade financeira – insolvência). Se apenas o locatário for o responsável pelo pagamento o condomínio nunca poderá penhorar o imóvel para garantir o seu crédito, uma vez que o locatário não é o proprietário jurídico da fracção. Proprietário é o locador que poderá ver a sua fracção enriquecida à custa dos demais condóminos que suportaram as despesas que ele não suportou (nem as suportou o locatário)”.
Assim cremos que a segunda corrente – da obrigação exclusiva do locatário financeiro – é de rejeitar, por, entre o mais, afastar, sem fundamento, a obrigação do locador financeiro constante do art. 1424 do CC: o locador financeiro condómino não se pode descartar, por contrato celebrado com terceiro, da obrigação de pagar esses encargos, contra o disposto no art. 1420/2 do CC, em prejuízo do condomínio.
Como explica Gravato Morais - «Responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira», anotação ao ac. do TRP de 14/03/2006, proc. 168/06, Cadernos de Direito Privado, n.º 20, páginas 50 a 60, Dez2007; e Manual de Locação Financeira, 2011, 2.ª ed., Almedina, págs. 121-127 - se só ao locatário assistisse a obrigação de pagamento tal “significaria exonerar do pagamento das prestações de condomínio o titular de direito real sobre o imóvel, substituindo-o pelo titular de um direito obrigacional sobre o prédio”.
Também Rui Pinto, in A execução de dívidas do condómino, O5/06/2017, no blog do IPPC, págs. 9/11, defende que a posição do locatário não corresponde a qualquer assunção de dívida.
Em conclusão, em face de todo o exposto entendemos que a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio, mesmo as respeitantes à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, relativas a um imóvel dado em locação financeira ainda que pertença também ao locatário nos termos do 10º n.º 1 alínea b) do DL 149/95, de 24 de Junho não desonera o locador, perante o condomínio, desse pagamento (mesmo quando o contrato de locação financeira celebrado entre as partes atribui expressamente tal responsabilidade à locatária, até porque, tal obrigatoriedade já resulta da lei, atento o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, o qual dispõe que o locatário financeiro é obrigado a «Pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum», sendo que esta disposição legal, deve ser entendida com alcance meramente inter partes, existindo direito de regresso do proprietário locador sobre o locatário financeiro, pois que, quanto ao condomínio a obrigação é solidária).
Improcede, assim, integralmente, o recurso.

Sumário (da relatora):
(…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 20.04.2023
Elisabete Valente
Ana Isabel Pessoa
José António Moita