ACIDENTE DE VIAÇÃO
MENOR
CULPA DO LESADO
CONCORRÊNCIA DE CULPA E RISCO
INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL
Sumário

- a doutrina tradicional, alicerçada na máxima de que a culpa afasta o risco, sempre sustentou que não pode admitir-se a concorrência entre o risco de interveniente e a culpa do outro para responsabilizar os dois, já que, sendo o facto imputável (não necessariamente censurável ou reprovável) ao próprio lesado, resulta quebrado o nexo entre os riscos próprios do veículo e o dano;
- mostra-se, contudo, consolidada a atual tendência jurisprudencial no sentido de se proceder a uma interpretação atualista do regime normativo criado na versão originária do Código Civil, particularmente em face dos utentes mais frágeis das vias de circulação, pelo que, em circunstâncias particulares e exigentemente fundamentadas, admite-se a possibilidade de concurso entre a responsabilidade fundada objetivamente nos riscos de circulação do veículo e a eventual culpa ou imputação ao lesado, em algum grau ou medida, do facto danoso;
- não obstante os ciclistas sejam considerados, a par dos passageiros e peões, vítimas de especial vulnerabilidade na sinistralidade rodoviária, desde que se trate de condutor autorizado do velocípede sem motor (com idade não inferior a 7 anos, atento o regime inserto no artigo 488.º, n.º 2, do CC, sob pena de serem considerados peões), estão sujeitos à responsabilidade objetiva consagrada no artigo 503.º e, em caso de colisão, ao regime do artigo 506.º relativo à concorrência de riscos;
- relativamente à omissão do dever de vigilância pelos pais, é chamado à colação o regime do artigo 571.º do CC, nos termos do qual ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais ou das pessoas de quem ele se tenha utilizado, desde que se trate de menor inimputável à luz do regime inserto no artigo 488.º, n.º 2, do CC, se ocorrer um acidente num local de circulação automóvel por imprudência dos pais, resulta afirmada a culpa do lesado;
- afigura-se adequado fixar o montante indemnizatório pela perda de rendimento futuro na quantia de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros) a lesado que contava, à data do acidente, 13 anos de idade e ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, com rebate profissional, sabendo-se que a esperança de vida se prolonga até aos 73,3 anos e a idade legal de acesso à reforma é, atualmente, de 66 anos e 4 meses;
- os padecimentos sofridos pelo Autor logo após o embate, no Hospital, no período subsequente às intervenções cirúrgicas, os padecimentos decorrentes da amputação pélvica esquerda e das demais lesões e alterações físico-funcionais que regista, o quantum doloris de grau 7, o dano estético de grau 6, a falta de autonomia para as atividades da vida diária, o sofrimento por se ver confinado a cama e a cadeira de rodas desde os 13 anos de idade, levando em linha de conta os montantes indemnizatórios atribuídos em casos concretos similares, implicam se considere adequado fixar em € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) a compensação a atribuir ao Autor a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimoniais;
- o recente normativo legal que, sob o n.º 3 do artigo 493.º-A do CC, estatui que no caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a morte, a privação de importante órgão ou membro ou afetação grave e permanente da sua incapacidade de locomoção, o seu proprietário tem direito, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º, a indemnização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante fixado equitativamente pelo tribunal, evidencia o acerto da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais sofridos pelos pais em caso de lesões graves de filho por aplicação das disposições conjugadas dos artigos 483.º e 496.º, n.º 1, do Código Civil.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré: A..., SA
Recorridos / Autores: AA, BB e CC

Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual os AA formularam os seguintes pedidos:
- a condenação da R ao pagamento ao A AA da quantia € 2.211.993,92 € e da quantia que se vier a liquidar em relação ao alegado nos artigos 328.º a 331.º da petição inicial;
- a condenação da R ao pagamento a cada um dos AA BB e CC da quantia de € 200.000,
A que acrescem juros de mora a contar da citação.
Alegaram, para tanto, ter sofrido danos em consequência do acidente de viação ocorrido no dia 21 de julho de 2014 por culpa do condutor do veículo pesado de mercadorias, de matrícula ..-..-TL, DD, tendo a R assumido a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos que aquele veículo pudesse vir a causar.
A R apresentou-se a contestar, contrapondo que foi o menor A que, com o seu velocípede, invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o veículo pesado de mercadorias, nele embatendo sensivelmente a meio. Sustenta, assim, que a responsabilidade pela produção do sinistro é de atribuir naturalisticamente ao A AA e juridicamente a seus pais, por omissão, sendo certo que o condutor do veículo seguro nada podia fazer para evitar o embate e as suas consequências. Impugna os danos alegados por desconhecimento concreto dos danos efetivamente verificados.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, conforme segue:
«a) Condeno a ré A... – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao autor AA as seguintes quantias:
i) A título de danos patrimoniais, € 845.000,00 (oitocentos e quarenta e cinco mil euros) (€ 540.000,00 + € 305.000,00), acrescidos de juros legais que vierem a vencer-se até integral cumprimento; até a limite da cobertura da apólice, a título de danos futuros, as quantias que o autor venha a despender com consultas médicas e tratamentos, incluindo fisioterapia (mediante prescrição médica), cirurgias, tudo exigido pelas lesões provocadas pelo acidente, deslocações para esse efeito necessárias, equipamento adaptado à sua situação e respetivas substituições impostas pelo decurso do tempo, como almofada para prevenção de escaras, cadeira de duche, cadeira de rodas manual ativa, cadeira de rodas tipo scooter, cama articulada, colchão de conforto, ortótese para pé e tornozelo para o membro inferior direito feita por medida, próteses para o membro inferior esquerdo transpélvica endoesquelética (mediante prescrição médica), adaptação de veículo automóvel, do computador, handcycle para desporto adaptado, adaptação de mesa de trabalho, poltrona; adaptações arquitetónicas da casa e prévio estudo com vista a que possa circular em cadeira e rodas. Tudo, a liquidar;
ii) A título de danos não patrimoniais, € 500.000,00, acrescidos de juros legais contados desde o dia seguinte ao da citação, o que perfaz um total até hoje de € 566.082,19 (quinhentos e sessenta e seis mil e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos) e os que vierem a vencer-se até integral cumprimento;
b) Condeno a ré A... – Companhia de Seguros, S.A., a paga, a título de danos não patrimoniais, a cada um dos dois autores, BB e CC, a quantia de € 35.000,00, acrescida de juros desde o dia seguinte ao da citação, o que perfaz o montante total até hoje de € 39.625,75 (trinta e nove mil, seiscentos e vinte cinco euros e setenta e cinco cêntimos) e os que vierem a vencer-se até integral cumprimento;
c) Absolvo a mesma ré do restante peticionado.

Custas a cargo do autor e da ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos autores.»

Inconformada, a R apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que declare a improcedência do pedido, dele absolvendo a Recorrente. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«I. O presente recurso vem interposto da Sentença que, a final, “condeno(u) a ré A... – Companhia de Seguros, S.A., a pagar:
Ao autor AA as seguintes quantias:
i) A título de danos patrimoniais, € 845.000,00 (oitocentos e quarenta e cinco mil euros) (€ 540.000,00 + € 305.000,00), acrescidos de juros legais que vierem a vencer-se até integral cumprimento; até a limite da cobertura da apólice, a título de danos futuros, as quantias que o autor venha a despender com consultas médicas e tratamentos, incluindo fisioterapia (mediante prescrição médica), cirurgias, tudo exigido pelas lesões provocadas pelo acidente, deslocações para esse efeito necessárias, equipamento adaptado à sua situação e respetivas substituições impostas pelo decurso do tempo, como almofada para prevenção de escaras, cadeira de duche, cadeira de rodas manual ativa, cadeira de rodas tipo scooter, cama articulada, colchão de conforto, ortótese para pé e tornozelo para o membro inferior direito feita por medida, próteses para o membro inferior esquerdo transpélvica endoesquelética (mediante prescrição médica), adaptação de veículo automóvel, do computador, handcycle para desporto adaptado, adaptação de mesa de trabalho, poltrona; adaptações arquitetónicas da casa e prévio estudo com vista a que possa circular em cadeira e rodas. Tudo, a liquidar;
ii) A título de danos não patrimoniais, € 500.000,00, acrescidos de juros legais contados desde o dia seguinte ao da citação, o que perfaz um total até hoje de € 566.082,19 (quinhentos e sessenta e seis mil e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos) e os que vierem a vencer-se até integral cumprimento;
b) Condeno a ré A... – Companhia de Seguros, S.A., a paga, a título de danos não patrimoniais,
A cada um dos dois autores, BB e CC, a quantia de € 35.000,00, acrescida de juros desde o dia seguinte ao da citação, o que perfaz o montante total até hoje de € 39.625,75 (trinta e nove mil seiscentos e vinte cinco euros e setenta e cinco cêntimos) e os que vierem a vencer-se até integral cumprimento;
II. Sem prejuízo do respeito e compaixão que a situação do Autor AA concita, crê a Ré que a Sentença em crise julgou incorretamente os factos e aplicou erradamente o direito, assim violando o disposto nos artigos 607º, nºs 3 e 4 do CPC e nos artigos 483º, 488º. 491º, 505º e 507º, todos do Código Civil;
III. Na Sentença em crise não se procede a uma verdadeira análise crítica da prova, tendo o Tribunal resumido essa tarefa a uma mera enunciação acrítica – para mais, muito resumida – das provas relevantes;
IV. Não se retira do trecho apresentado como fundamentação da decisão quanto à matéria de facto qualquer juízo crítico que, analisando em confronto as provas em concreto, demonstre às partes qual o percurso lógico para o Tribunal considerar provado um determinado facto – uma determinada versão da dinâmica do acidente – em detrimento de outro – ou de outra;
V. Em todo o caso, face à conceção jurisprudencial dominante será possível concluir que a nulidade da sentença, prevista no artigo 615º, nº 1, alínea b) apenas terá lugar, in casu, se se considerar existir uma total ausência de apreciação crítica da prova produzida e sua subsunção ao direito aplicável;
VI. Assim, e considerando-se que, apesar de tudo, não se trata de uma situação de ausência absoluta de fundamentação que impeça a compreensão e sindicância da decisão, terá aplicação o artigo 662º, nº 2, alínea d) do CPC, de acordo com o qual este artigo, “não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, deve a Relação determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. Ou seja, quando a decisão de algum facto essencial para o julgamento da causa não se mostre devidamente fundamentada deve o processo baixar para inserção da motivação em falta e ainda que para tanto seja necessário repetir a produção de prova” – Ac. TRL de 07/12/2021;
VII. Em sentido semelhante, pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-2005 que “A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto tem a ver com a análise crítica das provas e bem assim com a especificação dos fundamentos tidos como decisivos para a convicção do julgador” e ainda que “A falta de motivação da decisão de facto não consubstancia uma nulidade do artº 668º do CPC, isto é, não conduz à nulidade da sentença ou à anulação do julgamento, levando apenas a que o tribunal da Relação, a requerimento das partes, faça remeter os autos à 1ª instância a fim de aí ser suprida tal deficiência.”;
VIII. É da conjugação dos depoimentos do Autor AA, do condutor do veículo seguro e da testemunha EE com os demais meios constantes dos autos – nomeadamente auto de participação do acidente e fotografias - que há de reconstituir-se, em termos de verosimilhança racionalmente demonstrável, a dinâmica do trágico acidente que é descrito nos autos;
IX. A versão do sinistro que é descrita pelo Autor AA é flagrantemente desmentida pelos factos, resultando numa versão inverosímil relativamente aos factos conhecidos, pois resulta provado que o AA iniciou o atravessamento quando o veículo pesado já havia iniciado a travessia da passadeira e, inclusive, a cabine do condutor, já a havia atravessado;
X. A consideração crítica da prova produzida impõe, por isso, a alteração da matéria de facto no sentido de dar como não provada a seguinte matéria de facto:
3. Quando estava prestes a iniciar a travessia daquela Rua ... pela passadeira (de cor amarela, provisória, devido a obras) destinada à travessia de peões, foi o seu velocípede sem motor embatido na roda da frente pela roda direcional de trás do lado direito da cabine do veículo pesado de mercadorias ..-..-TL (arts. 5.º a 8.º da petição inicial)
8. O condutor do veículo pesado de mercadorias ..-..-TL não se apercebeu da presença do AA, acabando por colhê-lo (arts. 18.º e 19.º da petição inicial) (Apenas no segmento final, “acabando por colhê-lo”, que deverá ser eliminado)
9. Para a eclosão do acidente dos autos – e o facto de o condutor do veículo não se ter apercebido da presença do ciclista junto à passadeira – contribuiu o facto de no veículo pesado existirem vários ângulos ou zonas cegas ou mortas, o que era do conhecimento daquele condutor (arts. 22.º a 27.º da petição inicial)
12. Após o atropelamento, e porque o AA ficou preso entre os rodados traseiros direitos daquele veículo pesado de mercadorias, o condutor deste acabou por ter de recuar o dito veículo, com o que voltou a passar com o rodado traseiro por cima do corpo (arts. 39.º e 40.º da petição inicial) (Apenas no segmento inicial, “Após o atropelamento”, que deverá ser eliminado)
XI. Por outro lado, a consideração crítica da prova produzida impõe, por isso, a alteração da matéria de facto no sentido de dar como provada a matéria de facto constante dos artigos arts. 6º a 13.º da contestação – em suma, que o ciclista tivesse invadido a faixa de rodagem, embatendo por isso no pesado de mercadorias sensivelmente a meio e que quando o veículo seguro se aproximou do cruzamento, o ciclista ainda nele não se encontrava;
XII. Em face da alteração da matéria de facto suprarreferida, é de concluir que o condutor do veículo seguro não teve qualquer responsabilidade na produção do sinistro, que antes foi devido à conduta estradal imprudente do Autor AA, que, circulando desacompanhado de qualquer adulto por ele responsável, iniciou o atravessamento da rodovia quando o veículo seguro já se encontrava a concluir o atravessamento da passadeira;
XIII. É também de relevar que o menor circulava sozinho e desacompanhado dos seus pais, o que tem óbvia relevância sob o ponto de vista da circulação estradal - atividade que comporta risco – em face do disposto nos artigos 489º e 491º do Código Civil;
XIV. Assim, é de concluir que o acidente é de atribuir à culpa do Autor AA, lesado, (e dos seus pais, os obrigados à vigilância) o que, exclui a responsabilidade do condutor do veículo seguro – e da ora Ré - nos termos do disposto nos artigos 505º e 570º/2, ambos do Código Civil;
XV. Sem prejuízo do que antecede, entende a Recorrente que as indemnizações fixadas ao Autor AA são excessivas e violam, por isso, o disposto nos artigos 483º, 496º e 562º, todos do Código Civil;
XVI. Começando pelo dano patrimonial por perda de rendimentos futuros, que o Tribunal computou € 540.000, em é mister notar que não se vislumbra claramente qual o critério que o Tribunal usou para determinar o valor por perda de rendimentos;
XVII. De facto, mesmo considerando 48 anos de vida ativa (os resultantes da diminuição de 18 anos (maioridade) à idade de reforma, o Autor AA auferiria salário por 672 meses (considerando 14 vezes por ano);
XVIII. Considerando como base a única possível – o SMN, como de resto se admite na Sentença – verificamos que, ao longo desse período, o Autor AA auferiria cerca de €473.760 (672 meses X705€),
XIX. Deve também ser considerada a vantagem que para o Autor AA deriva do pagamento antecipado e que tem sido aceite como correspondendo a 1/3 da indemnização;
XX. Assim, e a este título, a indemnização arbitrada é excessiva, devendo ser reduzida a valores próximos dos € 320.000,00 (trezentos e vinte mil euros);
XXI. Já a propósito de outros danos patrimoniais, a Sentença divide-os entre os danos patrimoniais com a ajuda de terceira pessoa – que computa em € 305.000,00 – e os demais danos, cuja liquidação remete para execução de Sentença;
XXII. A quantia arbitrada a título de danos patrimoniais com a ajuda de terceira pessoa excede o montante que o Autor AA peticionou, a esse título, o que não deixa de ser significativo;
XXIII. Por outro lado, na Sentença usa-se o referencial da esperança de vida que não é minimamente adequado à situação dos autos, por força das comorbilidades de que padece o Autor AA;
XXIV. Por fim, também aqui se aplica o raciocínio que impõe que sejam tidas em conta as vantagens do recebimento antecipado;
XXV. Assim, ponderando esses fatores, a indemnização por dano futuro deverá, a este título, ser reduzida a um montante não superior a € 150.000,00;
XXVI. A Ré não questiona, naturalmente, a gravidade e seriedade dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor;
XXVII. Todavia, crê-se que na atribuição da indemnização arbitrada, o Tribunal não teve em devida conta a jurisprudência nacional, sendo que esta constitui a base de um juízo justo – e, por isso, equitativo – entre cidadãos do mesmo país;
XXVIII. Assim, em face da jurisprudência citada ao longo das presentes Alegações, deverá a indemnização arbitrada ser reduzida para valores não superiores a € 250.000,00;
XXIX. O nº 2 do artigo 496º do Código Civil contém uma norma excecional - ao princípio de que só o diretamente lesado deve ser indemnizado, princípio que se alcança da conjugação dos artigos 483º e 562º do Código Civil – que só se aplica aos casos de morte e é insuscetível de aplicação analógica;
XXX. De resto, a uniformização jurisprudencial efetuada a esse propósito pelo Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 6/14 (processo 6430/07.0TBBRG.S1) e seus fundamentos só são transponíveis para a situação dos cônjuges e não para o caso dos progenitores;
XXXI. Carece de sentido, tendo em conta a unidade do sistema jurídico (artigo 9º do Código Civil), que os Autores BB e CC sejam indemnizados em valores superior ao que resultariam para si nos casos de morte da vítima (veja-se, por exemplo, a Jurisprudência citada na própria Sentença em crise);
XXXII. A decisão em causa viola, assim, o disposto nos artigos 9º, 483º, 496 e 562º, todos do Código Civil.»
Os Recorridos apresentaram contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que se mostra correta, arbitrando valores indemnizatórios justos e adequados.

Os AA BB e CC interpuseram recurso subordinado relativamente à quantia fixada a título de compensação pelo dano não patrimonial, na vertente de danos reflexos, devendo ser proferida decisão que condene a Recorrida a pagar a cada um a quantia nunca inferior a € 100.000,00 (cem mil euros). Concluíram a alegação do recurso nos seguintes termos:
«1ª - O presente recurso subordinado prende-se com o quantum compensatório que foi arbitrado aos aqui recorrentes BB e CC a título de dano não patrimonial próprio reflexo.
2ª - E isto porque a Meritíssima Juíza a quo, não obstante a vastíssima matéria de facto tida por provada, arbitrou timidamente – com o devido e muito respeito pela Meritíssima Juíza a quo – a quantia de € 35.000,00 a cada um dos recorrentes.
3ª - Com a devida modéstia e respeito por opinião diversa, pensamos que a questão da ressarcibilidade deste dano não patrimonial está absolutamente ultrapassada na nossa Jurisprudência e Doutrina,
4ª - motivo por que partilhamos, com a devida vénia, o entendimento de que o douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 6/14 abriu a porta à atribuição de compensação pelo dano não patrimonial sofrido não pela própria vítima, mas por aqueles que constam do nº 2 do artigo 496º do Código Civil, que não apenas o cônjuge do lesado.
Porém, obrigatório se torna que para que isso possa suceder que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito.
5ª - Sinal inequívoco do que acabou de se afirmar é o que decorre, entre muitos outros, do que se escreveu no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 07.02.2018, no Proc. nº 1896/13.1TBPVZ.P1, de cujo sumário se extrai o seguinte:
(…)
II) De acordo com o que era já enunciado na fundamentação desse Acórdão Uniformizador, a abrangência indemnizatória em causa não tem de se confinar apenas ao cônjuge da vítima sobrevivente; admite-se que outros possam e devam beneficiar da tutela relativamente a este tipo de danos.
III) Deste modo, a tutela indemnizatória em causa deve ser igualmente concedida à mãe de uma menor, vítima de acidente de viação com consequências graves, que com ela habita e é por ela única responsável, e que foi atingida, designadamente em termos psíquicos, pelas circunstâncias decorrentes desse sinistro e da assistência/auxílio que vem prestando à sua filha. (o sublinhado e destacado é nosso).
6ª - Muito bem anotou a Meritíssima Juíza a quo quando referiu o seguinte: - Que dano maior pode um adulto sofrer do que a perda de um filho ou assistir ao sofrimento de um filho?
Diremos nós que dano maior podem sofrer os recorrentes ao verem o seu filho sofrer fortes e lancinantes dores, dia após dia, deparar-se dia após dia com dificuldades físicas, sociais, arquitetónicas sem nada poderem fazer?
7ª - Dúvidas não podem nem devem subsistir de que este grave, penoso, permanente e brutal dano não patrimonial dos recorrentes e merecedor da tutela do Direito, atenta, obviamente, a sua clara e cristalina gravidade.
8ª - Que dano maior pode sofrer um progenitor em ver desvanecer as expectativas que, legitimamente, depositava nesse seu filho e que simplesmente desapareceram com o acidente de que foi vítima? Que dano maior pode sofrer um progenitor com as graves lesões e importantes e limitadoras sequelas de que o seu filho ficou a padecer, nomeadamente a amputação de um membro inferior sem possibilidade de colocação de adequada prótese que o atira irremediavelmente para uma cadeira de rodas até ao fim dos seus dias? Que dor maior pode sofrer um progenitor ao perceber que, pela lei da vida, pelo normal suceder, irá partir antes desse seu filho e que destino e cuidados lhe irão ser prestados e por quem?
9ª - A resposta a esta e outras tantas questões semelhantes que legitimamente se possam colocar terão de ter a mesma e única resposta: - uma brutal, lancinante e indescritível dor e sofrimento, uma impotência que nada nem ninguém conseguirá apagar ou sequer mitigar.
10ª - Por outro lado, e como se pode ler em vários doutos acórdãos dos nossos Tribunais Superiores, não se pode, nem deve, comparar este sofrimento com aquele que decorre da morte de um filho.
Não estamos, obviamente, a menosprezar ou minimizar a dor dos pais que perdem um filho; mas será absolutamente certo e pacífico que é bem distinto o desaparecimento físico do filho – que, repete-se, não menosprezamos – do sofrimento diário de um filho com fortes limitações físicas e motoras – provocadas por uma amputação que não permite sequer a colocação de uma adequada prótese – que o impedem de ter uma vida dita normal.
11ª - Assim, as gravíssimas lesões que o filho dos recorrentes sofreu em consequência do acidente de viação dos autos de que foi vítima e as lancinantes, importantes e limitadoras sequelas de que ficou a padecer em consequência daquelas – tal como, aliás, resulta da matéria de facto tida por provada nos pontos 14º a 76º – provocam aos recorrentes, seguramente, dor e sofrimento bem maior do que aquele que decorreria se tivesse resultado a sua morte do acidente de viação dos autos, uma vez que esse seu sofrimento, essa sua dor, essas suas limitações são diárias, sem tréguas, e desse modo assim se refletem nos recorrentes.
12ª - Daí que a compensação desse sofrimento dos recorrentes – pais da vítima – não pode, nem deve, ter como bitola o quantum, o montante que normalmente é arbitrado a um familiar em caso de morte.
Se assim fosse estar-se-ia a desvalorizar ou a menosprezar esse sofrimento diário, cuja intensidade aumenta na justa medida do aumento do sofrimento da própria vítima, no caso o filho dos recorrentes, com quem vivem diariamente e de quem procuram cuidar de igual modo diariamente.
13ª - Assim, e observando a matéria de facto tida por provada nos pontos 14º a 76º da douta decisão aqui em crise facilmente se conclui – com o devido respeito por opinião diversa – que a quantia de € 35.000,00 que foi arbitrada a cada um dos recorrentes pelo seu dano não patrimonial próprio (reflexo) não serve, de novo com o devido respeito, os princípios e ditames da Justiça.
14ª - É que comparando a matéria de facto tida por provada nos presentes autos com aquela que foi igualmente tida por provada nos autos que deram origem ao douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto referido na 5ª conclusão supra em que foi arbitrada àquela mãe a quantia de € 50.000,00 a título de dano reflexo, facilmente se percebe que a quantia de € 35.000,00 não cumpre, nem pode cumprir, os desígnios que com a mesma se pretendem alcançar.
15ª - Jamais se poderão tratar estes danos sofridos pelos recorrentes como efeitos meramente colaterais dos danos sofridos pelo seu filho. Não se está a querer tutelar apenas a dor resultantes do desgosto que lhes causa a dor e o estado em que o seu filho ficou, mas fundamentalmente os danos próprios que os recorrentes têm de suportar diariamente pela dor e sofrimento desse seu filho AA.
16ª - Por isso, apesar da gravidade da lesão dos recorrentes ser obviamente inferior à do próprio sinistrado – o seu filho AA – o acidente dos autos não deixou de lhes provocar grave perturbação e ansiedade, prejuízos estes que naturalmente merecem, pela sua gravidade, a tutela do Direito.
É um sofrimento que não pode ser contabilizado em termos diários, tanto mais que se verifica de forma contínua, sem tréguas, sem descanso, sem diminuição de intensidade.
17ª - A matéria de facto constante dos pontos 14º a 76º dos factos provados é absolutamente avassaladora e cristalinamente demonstrativa da gravidade e da intensidade desse sofrimento permanente.
Veja-se, inclusivamente a este propósito, as palavras que a Meritíssima Juíza a quo dirigiu, sobretudo, à recorrente BB, mão do AA, que viu com o acidente dos autos a sua vida sofrer um brutal revés, do qual a mesma jamais recuperará.
18ª - E se assim não fosse – e é – jamais a Meritíssima Juíza a quo teria dado como provada a matéria de facto inserta nos pontos 77º a 86º, onde está cristalinamente retratado o dano não patrimonial de cada um dos aqui recorrentes, progenitores do demandante AA.
19ª - Passou a vida da recorrente BB a girar literalmente em torno do seu filho, o demandante AA, e das suas necessidades e limitações diárias, no que não pode ser auxiliada pelo recorrente CC, seu marido, por estar igualmente confinado a uma cadeira de rodas em consequência de AVC que sofreu após o acidente que vitimou o seu filho AA, o que ainda aumenta o sofrimento e de um e de outra por razoes diversas: - uma porque deixou de ter vida própria; outro porque não consegue auxiliar o seu filho AA ou a sua esposa no que quer que seja.
20ª - Estão, por isso, os recorrentes em total consonância com os fundamentos da decisão aqui em crise; não estão, nem podem estar, de acordo com o quantum compensatório que lhe foi arbitrado a esse título pela Meritíssima Juíza a quo.
21ª - Assim, e comparando a matéria de facto que foi tida por provada no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto identificado na conclusão 5ª supra com a que foi tida por provada nos presentes autos no que tange às lesões e sequelas de que ambos os sinistrados sofreram e ficaram a padecer definitivamente, não têm, com o devido respeito por opinião diversa, a mais ténue semelhança.
22ª - Ainda assim – e bem – naquele douto aresto foi arbitrada à mãe da ali sinistrada a quantia de € 50.000,00 para a compensar pelo dano não patrimonial próprio, a título reflexo; e, com o devido e muito respeito pela Meritíssima Juíza a quo, nessa simples comparação se percebe que peca por defeito a atribuição nos presentes autos da quantia de € 35.000,00 aos aqui recorrentes para os compensar pelo seu dano não patrimonial próprio, a título reflexo, incomparavelmente superior ao daquela mãe.
23ª - E tendo os recorrentes peticionado, para cada um deles, a este título uma compensação pelos seus danos não patrimoniais – reflexos – de € 200.000,00, atenta a matéria de facto tida por provada, deverá cada um deles ver compensado esse seu grave, penoso, permanente, sem tréguas e lancinante dano não patrimonial em quantia nunca inferior a € 100.000,00, sendo, por isso e com o devido e merecido respeito pela Meritíssima Juíza a quo, a quantia de € 35.000,00 totalmente descabida e desproporcional.
24ª - Em jeito de conclusão sempre se dirá que para a compensação destes importantes danos não patrimoniais a título reflexo, que cada vez se verificam e estão cada vez mais na ordem do dia impõe-se aos nossos Tribunais (desde a 1ª Instância até ao Supremo Tribunal de Justiça) que, cumprindo a sua nobre tarefa, os comecem a valorar como os mesmos devem ser valorados, desde que, obviamente, tenham gravidade que mereçam a tutela do Direito.
25ª - E à semelhança do que sucedeu com a compensação pela perda do direto à vida, também esta compensação por danos não patrimoniais reflexos tem de sofrer a natural e óbvia evolução que acompanhe os tempos e ritmos da sociedade, o que é também a nobre tarefa dos nossos Tribunais.»
Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
Do recurso interposto pela R:
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da culpa pela eclosão do acidente;
- do caráter excessivo das indemnizações fixadas.
Do recurso subordinado:
- do valor indemnizatório fixado a título de compensação dos danos reflexos.


III – Fundamentos
A – Os factos provados
No que respeita à decisão relativa à matéria de facto proferida em 1.ª Instância, a Recorrente alega que não se procedeu à análise crítica da prova, tendo antes o Tribunal resumido essa tarefa a uma mera enunciação acrítica – para mais, muito resumida – das provas relevantes, não tendo sido exarado qualquer juízo crítico que, analisando em confronto as provas em concreto, demonstre qual o percurso lógico para o Tribunal considerar provado um determinado facto – uma determinada versão da dinâmica do acidente - em detrimento de outro – ou de outra. Pugna, por isso, pela remessa dos autos à 1.ª Instância, conforme previsto no art. 662.º n.º 2, al. d) do CPC.
Embora se conceda assistir razão à Recorrente na apreciação avançada quanto à fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, certo é que, pretendendo ainda a Recorrente obter a alteração da decisão tomada quanto a factos específicos submetidos a instrução, não se retiraria efeito útil de tal diligência. Impõe-se, antes, proceder à reapreciação dessa decisão, na parte em que foi impugnada.
A Recorrente impugna a decisão que versou os pontos 3, 7[1], 9 e 12 dos factos provados, matéria factual que, no seu entender, pelo menos em parte, deve dar-se como não provada. Mais impugna a decisão relativa à factualidade alegada na contestação, os 2 últimos itens da factualidade não provada.
Está em causa o seguinte:
3. Quando estava prestes a iniciar a travessia daquela Rua ... pela passadeira (de cor amarela, provisória, devido a obras) destinada à travessia de peões, foi o seu velocípede sem motor embatido na roda da frente pela roda direcional de trás do lado direito da cabine do veículo pesado de mercadorias ..-..-TL (arts. 5.º a 8.º da petição inicial);
7. O condutor do veículo pesado de mercadorias ..-..-TL não se apercebeu da presença do AA, acabando por colhê-lo (arts. 18.º e 19.º da petição inicial), devendo ser eliminado o segmento acabando por colhê-lo;
9. Para a eclosão do acidente dos autos – e o facto de o condutor do veículo não se ter apercebido da presença do ciclista junto à passadeira – contribuiu o facto de no veículo pesado existirem vários ângulos ou zonas cegas ou mortas, o que era do conhecimento daquele condutor (arts. 22.º a 27.º da petição inicial)
12. Após o atropelamento, e porque o AA ficou preso entre os rodados traseiros direitos daquele veículo pesado de mercadorias, o condutor deste acabou por ter de recuar o dito veículo, com o que voltou a passar com o rodado traseiro por cima do corpo (arts. 39.º e 40.º da petição inicial), devendo ser eliminado o segmento após o atropelamento.
A provar-se, na ótica da Recorrente, será o seguinte:
- o ciclista invadiu a faixa de rodagem, embatendo por isso no pesado de mercadorias sensivelmente a meio;
- quando o veículo seguro se aproximou do cruzamento, o ciclista ainda nele não se encontrava.
A Recorrente alude às declarações de parte prestadas pelo A e aos depoimentos das testemunhas DD (o condutor do veículo pesado) e EE (a testemunha que seguia no passeio, de costas e em sentido contrário ao do camião e que foi alertada pelos gritos do A, já tombado sob o camião). Certo é que não há outras testemunhas do evento.
Ora, o A referiu que quando chegou à passadeira olhou para os dois lados, não viu carro nenhum e decidiu atravessar, tendo levado uma pancada quando estava mais ou menos a meio; estava a atravessar na passadeira, ia a metade, e levou com o camião que vinha da esquerda.
O condutor do veículo pesado referiu ter visto o ciclista quando circulava mais atrás. Quando rodou para a (…), para a rua que o A ciclista pretendia atravessar, uma senhora, que veio a apurar-se ser EE, gesticulava e gritava para que parasse. Só aí deu conta que o ciclista estava sob o 3.º eixo, a bicicleta mais para atrás do camião, junto do passeio – o que, aliás, se colhe do croquis de fls. 60. Afirmou que, quando virou à direita, o ciclista não estava na passadeira nem no passeio, junto à passadeira; que tinha visibilidade, e que não estava sequer no passeio. Afirmou que deu pela senhora a gesticular, mais de metade do camião tinha passado para lá da passadeira; talvez o 3.º e 4.ºs rodados em cima da passadeira.
EE referiu que vinha com as compras do ..., o AA passou por si de bicicleta, “ia um bocadinho na brincadeira, com a bicicleta, pronto, normal como as crianças, seguiu, ia de costas, e foi alertada por um grito, olhou e viu um vulto, o miúdo, por baixo do camião. Estava a meio do camião. Na leitura da testemunha, ele “foi apanhado na curva.”
Afigura-se não ser de acolher a versão do A. Se assim tivesse sido, teria sido colhido com a parte frontal do camião e a bicicleta teria sido projetada para a frente do camião.
Seguro é que o embate se dá com o rodado do 3.º eixo. Dentro da faixa de rodagem, não no passeio. No local onde estava assinalada passadeira amarela. Logo, o A ciclista já tinha iniciado a travessia, não estava prestes a fazê-lo.
Segundo o relatório técnico junto a fls. 53 vs. e ss, “o cenário mais provável e compatível com lesões, danos no velocípede e posições de imobilização, é ter ocorrido um contacto tangencial entre a lateral direita do veículo pesado e a lateral esquerda do velocípede, que causou o desequilíbrio do ciclista e a sua queda. Não é possível determinar com rigor onde ocorreu, (…) se o ciclista estaria a circular mais próximo do eixo da via (…) o ciclista estaria a circular mais próximo da berma.”
Já do auto de ocorrência consta que “a testemunha declarou verbalmente que o miúdo ia no passeio e que quando o camião fez a curva, este saiu do passeio entrando no entroncamento sem olhar se vinha algum veiculo, tendo sido colhido pelo camião com a roda de trás.” - cfr. fls. 409. Afirmou, no entanto, a referida testemunha na audiência final que seguia em sentido contrário, de costas para o local do embate, tendo sido alertada pelo grito de AA.
Certo é que se deu o embate, não tendo resultado demonstrado que o A ciclista foi colhido com a parte da frente do veículo pesado.
No entanto, não existe prova firme e segura de que o A ciclista tenha iniciado a travessia no momento em que o veículo pesado fazia a curva, indo colidir com o 3.º eixo desse veículo. Terá tentado imobilizar o velocípede antes de iniciar a travessia, ao ter-se deparado com o veículo pesado a fazer a curva, e não conseguiu? Havia areias no pavimento do passeio por ser local de obras?
Tal como não existe prova firme e segura de que o A ciclista estivesse parado na passadeira, dentro da faixa de rodagem, e tivesse sido colhido pelo 3.º rodado, atenta a manobra de mudança de direção à direita (cfr. relatório pericial de fls. 66, onde se refere que “é possível que a criança estivesse parada na via”).
Embora a questão do denominado ângulo morto tenha sido abordada e discutida na perícia técnico-científica cujo relatório consta de fls. 53 vs. e ss., certo é que a mesma é inconclusiva nessa matéria. Tal como foi referido pelo perito em audiência final, o camião tinha ângulos mortos que podem ter contribuído para o resultado final – uma possibilidade, não uma causalidade.
Compaginando estes elementos probatórios, não se alcançando outros relevantes, a convicção deste Tribunal é que resultou provado o seguinte:
3. O ciclista invadiu a faixa de rodagem pela passadeira (de cor amarela, provisória, devido a obras; deu-se o embate entre a lateral direita do veículo pesado, rodado do 3.º eixo, e a lateral esquerda do velocípede (arts. 5.º a 8.º da petição inicial, 6.º a 8.º da contestação);
7. O condutor do veículo pesado de mercadorias ..-..-TL não se apercebeu da presença do AA (arts. 18.º e 19.º da petição inicial)
12. Após o embate, e porque o AA ficou preso entre os rodados traseiros direitos daquele veículo pesado de mercadorias, o condutor deste acabou por ter de recuar o dito veículo, com o que voltou a passar com o rodado traseiro por cima do corpo (arts. 39.º e 40.º da petição inicial)
7 A. Quando o veículo seguro se aproximou do cruzamento, o ciclista ainda nele não se encontrava.
E que resultou não provado o seguinte:
3. com a seguinte redação: Quando estava prestes a iniciar a travessia daquela Rua ... pela passadeira (de cor amarela, provisória, devido a obras) destinada à travessia de peões, foi o seu velocípede sem motor embatido na roda da frente pela roda direcional de trás do lado direito da cabine do veículo pesado de mercadorias ..-..-TL (arts. 5.º a 8.º da petição inicial);
7. no segmento seguinte: O condutor do veículo pesado de mercadorias acabou por colher o A (arts. 18.º e 19.º da petição inicial);
9. Para a eclosão do acidente dos autos – e o facto de o condutor do veículo não se ter apercebido da presença do ciclista junto à passadeira – contribuiu o facto de no veículo pesado existirem vários ângulos ou zonas cegas ou mortas, o que era do conhecimento daquele condutor (arts. 22.º a 27.º da petição inicial);
12.no segmento que refere que ocorreu o atropelamento.

A factualidade provada resulta conformada nos seguintes termos:
1. Cerca das 17H20 do dia 21.07.2014 ocorreu um acidente de viação na Rua ..., na cidade ..., em que intervieram os veículos: velocípede sem motor, e sem matrícula, conduzido por AA, seu proprietário, de 13 anos e desacompanhado dos seus pais, e o veículo de matrícula ..-..-TL, pesado de mercadorias, propriedade de B..., Lda., e conduzido por DD, motorista, e que se deu do seguinte modo: o velocípede sem motor, modelo “...”, circulava pelo passeio do lado direito da avenida... (conhecida por “...”), atento o sentido norte – sul, em direção à Rua ... – fls. 407 (arts. 1.º a 3.º da petição inicial) - que pretendia atravessar da direita para a esquerda, atento o referido sentido de circulação (art. 4.º da petição inicial e parte do art. 4.º da contestação)
2. AA seguia da casa da avó para sua casa, na ..., sem capacete, sem fones, tal como fazia quase todos os dias de férias, como era o caso (art. 5.º do Código de Processo Civil)
3. O ciclista invadiu a faixa de rodagem pela passadeira (de cor amarela, provisória, devido a obras); deu-se o embate entre a lateral direita do veículo pesado, rodado do 3.º eixo, e a lateral esquerda do velocípede (arts. 5.º a 8.º da petição inicial, 6.º a 8.º da contestação);
4. Em consequência dessa colisão, o demandante AA acabou por se desequilibrar, caindo ao solo, tendo o rodado traseiro direito do referido veículo pesado de mercadorias passado por cima do AA, que levou arrastado – no meio dos dois rodados traseiros do lado direito – pela distância de 4,60 metros (arts. 9.º a 11.º da petição inicial)
5. O veículo pesado de mercadorias ..-..-TL circulava pela avenida ..., pretendendo o seu condutor, no entroncamento formado por essa avenida e a Rua ..., que se situa à sua direita, mudar de direção para a direita e passar a circular pela referida Rua ..., no sentido norte – sul (arts. 12.º e 13.º da petição inicial)
6. O condutor havia avistado o ciclista quando este seguia pelo passeio e a “...” apresentava trânsito lento, quer devido à época do ano (zona turística) quer devido às obras que existiam no local (arts. 14.º e 15.º da petição inicial). A passadeira destinada a peões ali existente era visível (art. 16.º da petição inicial)
7. O condutor do veículo pesado de mercadorias ..-..-TL não se apercebeu da presença do AA (arts. 18.º e 19.º da petição inicial)
7A. Quando o veículo seguro se aproximou do cruzamento, o ciclista ainda nele não se encontrava.
8. Apenas imobilizou o veículo que conduzia depois de ter escutado os gritos e visto o gesticular de uma mulher que se apercebera do sucedido e que tentava chamar a atenção do condutor (arts. 20.º e 21.º da petição inicial)
9. – não provado.
10. O veículo tinha as características constantes do quadro de fls. 35 (art. 5.º do Código de Processo Civil)
11. O velocípede sem motor ficou no estado representado na fotografia de fls. 59, com danos na parte dianteira, no aro e pneu anterior, dobra no guiador e garfo causados por esmagamento pelas rodas do veículo pesado (art. 33.º da petição inicial)
12. Porque o AA ficou preso entre os rodados traseiros direitos daquele veículo pesado de mercadorias, o condutor deste acabou por ter de recuar o dito veículo, com o que voltou a passar com o rodado traseiro por cima do corpo (arts. 39.º e 40.º da petição inicial)
13. O processo n.º 230/15.... veio a ser arquivado. Aí foi investigado o acidente objeto destes autos e ponderada a responsabilidade criminal do condutor do veículo pesado de mercadorias “TL” por crime de ofensa à integridade física grave negligente, tendo sido constituídos arguidos DD e “B...”. Aí consta um relatório pericial de reconstituição que conclui que o cenário mais provável e compatível com as lesões, danos no velocípede e posições de imobilização é ter ocorrido um contacto tangencial entre a lateral direita do veículo pesado e a lateral-esquerda do velocípede que causou o desequilíbrio do ciclista e a sua queda. Não é possível determinar com rigor onde ocorreu, pois não existem vestígios objetivos sobre o local da queda no solo ou correndo este contacto mais próximo do ponto de imobilização dos veículos o ciclista estaria a circular mais próximo do eixo da via no início dos rastros de travagem o ciclista estaria a circular mais próximo da berma. A velocidade do veículo pesado no início dos rastos de travagem é no máximo de 28,6 km/h. Não é explícito que se trata de um rasto de travagem, pode ser apenas um rasto de arrastamento do velocípede/vítima. Não é possível afirmar categoricamente que existiu falta de cuidado nem do condutor do veículo pesado nem da vítima. As características do veículo, muito alto e com ângulos mortos significativos, podem ter conduzido a que o condutor não tenha conseguido visualizar a presença da criança na via. Por outro lado, não é possível determinar com rigor a velocidade do velocípede sendo mesmo possível que velocípedes tivesse parado no instante da colisão – fls. 192 e ss./419 e ss. (art. 22.º da petição inicial e art. 5.º do Código de Processo Civil)
Dos danos
14. Em consequência do embate o autor sofreu traumatismo da coluna vertebral, do abdómen, da bacia, dos membros superiores e inferiores (art. 43.º da petição inicial)
15. Do local do acidente, e depois de ter sido estabilizado pela equipa da VMER que ali se deslocou para lhe prestar assistência e socorro, AA foi transportado para o S.U. do Centro Hospitalar ... – Unidade Hospitalar ..., onde deu entrada diretamente para a sala de reanimação, apresentando as seguintes lesões:
- hemorragia em toalha em toda a região pélvica;
- escoriação de todo o hemi-abdómen esquerdo;
- esfacelo do membro inferior esquerdo;
- esfacelo peniano;
- esfacelo do antebraço esquerdo e
- escoriação frontal pequena (arts. 44.º a 47.º da petição inicial)
16. Em face da gravidade e da extensão das lesões, e por que o AA entrou em choque hemorrágico, foi iniciada ressuscitação hemodinâmica, com entubação, ventilação e administração de bólus de fluidos e hemoderivados (art. 48.º da petição inicial)
17. Efetou TAC toraco-abdomino-pélvica, que revelou:
a) – importante traumatismo da bacia, com múltiplas fraturas, existindo fratura cominutiva do sacro, envolvendo os buracos sagrados e canal sagrado;
b) – fraturas deslocadas dos ramos isquio-púbicos bilateralmente e ílio-púbico esquerdo e fratura não deslocada do ramo ílio-púbico direito; c) – múltiplas bolhas áreas adjacentes;
d) – o ramo ílio-púbico esquerdo fraturado promove importante moldagem da bexiga, existindo risco de rutura;
e) – diástase da articulação sacroilíaca direita e diástase da sínfise púbica de cerca de 12 mm;
f) – fratura de L5 envolvendo o pedículo esquerdo e estendendo-se à faceta articular;
g) – desvio do trajeto da uretra, traduzindo traumatismo uretral provável (uretra membranosa e bulbar), existindo desvio da próstata;
h) – hematoma volumoso da região pré-sagrada e ilíaca, extra-peritonial, com focos de hemorragia ativa pré-sagrados, assinalando-se ainda foco hemorrágico ativo proveniente de ramo da ilíaca interna esquerda, parede retal;
i) – fratura do fémur esquerdo inter-trocantérica não deslocada;
j) – grande laceração com esfacelo da raiz da coxa esquerda, com exposição óssea;
k) – fratura do úmero esquerdo ao nível do epicôndilo (art. 49.º da petição inicial)
18. Após estabilização hemodinâmica, o demandante, atento seu grave estado de saúde, foi transferido, de helicóptero, para o S.U. do Hospital ..., em ..., onde foi admitido no dia 21 de julho de 2014, pelas 23H34, com prioridade vermelho – emergente pela Cirurgia Pediátrica e no dia seguinte transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos de Pediatria. No dia 5 de agosto de 2014 foi transferido para a Unidade de Queimados. Voltou aos Cuidados Intensivos entre 3 a 6 de outubro de 2014, de 13 a 22 de abril de 2015 e de 22 a 23 de junho de 2015 – fls. 218/219 v./228/239/240 e ss. (arts. 50.º, 51.º, 57.º, 61.º, 90.º, 93.º da petição inicial)
19. À entrada nesta Unidade vinha com o seguinte diagnóstico:
- politraumatizado/vítima de atropelamento;
- fratura de L5;
- fratura de ramos isquipúbicos, fractura ilio-púbico, diástase da articulação sacroilíaca e diástase da sínfise púbica;
- fratura inter-trocantérica do úmero esquerdo;
- fratura do epicôndilo do úmero esquerdo;
- suspeita de lesão da uretra membranosa vs bulbar;
- vesicostomia;
- colostomia no colon ascendente a 24.07.2014;
- insuficiência renal aguda.
20. Assim, à entrada na sala de reanimação do Hospital ... – ..., o AA apresentava-se sedado e ventilado, em plano duro e maca de vácuo, onde se manteve, com imobilização pélvica com lençol que, à exposição, revela extensa laceração da coxa esquerda com exposição óssea – lesão de degloving. Seguiu diretamente para o Bloco Operatório de urgência para controlo hemorrágico – fls. 240 (arts. 53.º a 55.º da petição inicial)
21. No bloco operatório, foi acompanhado por várias valências, tendo-se procedido à colagem da linha arterial na radial direita e:
- por Ortopedia: - foi realizada estabilização da bacia com fixador externo;
- por Cirurgia Plástica: - realizado desbridamento cirúrgico e enceramento do esfacelo do triângulo de Scarpa, coxa e perna esquerda com retalhos locais; e porque durante a mobilização para realização de penso do membro inferior esquerdo se constatou importante laceração perineal e anal, foi contactada a especialidade de Cirurgia Pediátrica;
- por Cirurgia Pediátrica: - foi realizada cistostomia eco-guiada, com saída de urina hemática, realizando-se reconstrução de neo-ânus;
- por Neurocirurgia: - TAC CE sem evidência de lesões intracranianas pós-traumáticas agudas e sem fraturas evidentes;
- por Cirurgia Vascular: - AngioTAC realizada no hospital de origem evidenciando hematoma pélvico e pré-sagrado, com imagem de extravasão de contraste proveniente de ramo ilíaca esquerda. Após fixação da bacia por Ortopedia, manteve TA 75-80 mmHg, pelo que se realizou angiografia disgnóstica por exposição femoral esquerda, que revelou integridade da aorta distal e eixos ilíacos, sem extravasões de contraste nem lesões oclusivas;
- por Imagiologia: - na manhã de 22.07.2014 realizou AngioTAC que mostrou múltiplos
artefactos condicionados pelo material de estabilização cirúrgica da bacia redução difusa do calibre da aorta e seus ramos viscerais, com permeabilidade do lúmen mantida, no contexto do síndrome de choque. Embora na fase arterial não se observem extravasões de contraste, salienta-se “blush” vascular na fase venosa no território extra-pélvico da ilíaca interna esquerda, significativamente menor que no anterior exame. Volumosa quantidade liquido intra-peritonial, em todos os quadrantes abdominais, e de liquido retro-peritonial e pélvico extra-peritonial. Densificação difusa das partes moles incluindo os planos musculares do períneo, coxa esquerda e flanco esquerdo por extensos esfacelos/hematomas. Fracturas complexas da bacia (em particular do sacro, 5ª vertebra lombar, ramos ílio ísquio púbicos bilaterais, pilar anterior do acetábulo esquerdo, fractura intra-trocantérica do fémur esquerdo), já conhecidas e estabilizadas, referindo-se diástase da sacroilíaca direita (distância de 8 mm) e fragmento ósseo ilio-púbico esquerdo destacado e localizado na cavidade pélvica adjacente à bexiga – fls. 241 (art. 57.º da petição inicial)
22. Durante o internamento foram realizadas várias visitas por equipa de Cirurgia Plástica e realizados pensos Daikin por suspeitas de contaminação por Pseudomonas da coxa esquerda e quadrantes esquerdos do abdómen (art. 58.º da petição inicial)
23. No dia 24.07.2014 realizou colostomia do cólon ascendente pela especialidade de Cirurgia Pediátrica, tendo, no dia 04.08.2014, sido submetido a mais uma cirurgia, desta feita pela especialidade de Cirurgia Plástica, para desbridamento da região posterior da coxa que se apresentava suja de fezes, com necrose dos músculos posteriores da coxa e fístulas com fezes na região glútea – fls. 237 (arts. 59.º e 60.º da petição inicial)
24. À admissão nesta Unidade de queimado encontrava-se ventilado e adaptado à ortótese mecânica, facilmente despertável, hemodinamicamente estável sem suporte aminérgico.
25. Foi submetido a balneoterapia sob anestesia geral balanceada, tendo sido realizada lavagem e desbridamento das lesões. Fez 2U CE durante essa intervenção cirúrgica, tendo-se retirado o cateter central na subclávia direita e colocou-se na veia jugular interna direita (arts. 63.º a 65.º da petição inicial)
26. Dada a existência de fezes na região do períneo e nádegas, apesar da colostomia, foi solicitada a observação do demandante pela especialidade de Cirurgia Pediátrica, serviço que verificou o seguinte: - ampola retal destruída na sua porção distal; fezes a saírem pelo intestino distalmente; duas locas importantes sendo uma anterior e outra posterior à ampola retal, sendo a anterior muito grande e profunda, na loca anterior a bexiga é palpável mas não está totalmente exposta (arts. 66.º e 67.º da petição inicial)
27. Como observaram, estas locas vinham cheias de fezes, tendo-se procedido à sua lavagem e colocada uma sonda de contenção fecal na sigmóidea, porque a ampola retal não existe, impedindo que as fezes escorram para os músculos adjacentes, Degloving da raiz da coxa esquerda com fasceite necronizante do membro inferior esquerdo (Anatomia Patológica) infetado com Pseudomonas aeruginosa, Enterococcus faecalis e faecium, Enterococcus cloacae, Stnetrphomonas maltophila em zaragatoas de 12.08.2014 (arts. 68.º e 69.º da petição inicial)
28. A nível neurológico o AA apresentava-se reativo, com abertura espontânea dos olhos, mobilização espontânea dos membros superiores e inferior direito (art. 70.º da petição inicial)
29. No dia 28.08.2014 teve um episódio de convulsão tónico-clónica que cedeu ao Diazepam. Efetuou TAC CE e EEG (padrão Alfa coma em provável relação com a terapêutica, não apresentando atividade epilética), tendo realizado Levetiracetam até ao dia 21.09.2014 (arts. 71.º a 73.º da petição inicial)
30. A nível respiratório, apresentava pneumonia associada ao ventilador a Pseodomonas aeruginoa a 15.09.2014. Permaneceu entubado e ventilado desde o dia 21.07.2014, tendo sido extubado no dia 26.08.2014, pelas 17h00, mantendo-se eupneico, assimetricamente bem e com boas saturações. No mesmo dia, foram observadas abundantes secreções mucopurulentas, apresentando ao RX torácico atelectasia do lobo superior do pulmão direito. Fez, em consequência, broncofibroscopia que revelou edema da mucosa glótica sem condicionar redução do calibre do lúmen, traqueia e ABD e ABE com hiperemia da mucosa e edema difuso, assim como abundantes secreções mucopurulentas bilaterais. Neste dia, e por ser ocorrido dessaturação, o Rúben foi novamente entubado e conectado ao ventilador, sendo que por revelar melhoria clínico-laboratorial e radiológica reiniciou processo de desmame, tendo, no dia 29.09.2014 sido extubado (arts. 74.º a 81.º da petição inicial)
31. A nível cardíaco, existindo monitorização invasiva com PICCO mostrando valores compatíveis com choque sético/hipivolémico. A nível metabólico/nutricional apresentava colostomia funcionante bem vascularizada, iniciando a alimentação entérica desde o dia 07.08.2014, data em que lhe foi colocada sonda naso-jejunal (arts. 82.º a 84.º da petição inicial)
32. No dia 29.09.2014 iniciou alimentação oral/misto, mantendo a sonda naso-jejunal (art. 85.º da petição inicial)
33. A cistostomia foi trocada duas vezes por extravasamento de urina. A nível osteoarticular apresentava:
- fratura exposta da bacia com fixadores externos desde 22.07.2014 a 15.09.2014;
- fratura inter-trocantérica do fémur esquerdo;
- fratura do epicôndilo do úmero esquerdo com tala gessada colocada em 21.07.2014 e retirada em 12.08.2014;
- fratura de L5 com terapêutica conservadora;
- miosite ossificante pós-traumática do membro inferior esquerdo (art. 86.º da petição inicial)
34. Apresentava, igualmente, fratura da uretra membranosa e bulbar com cistostomia desde 22.07.2014 e laceração perineal e anal com colostomia desde 24.07.2014 (art. 88.º da petição inicial)
35. No que respeita a cirurgias, pensos e vacuoterapia o demandante apresentava:
- no dia 04.09.2014 desbridamento e enxertia autóloga da região anterior da coxa e flanco esquerdo (zona dadora face anterior da coxa direita) – fls. 237;
- no dia 18.09.2014 desbridamento e enxertia da face posterior da coxa e nádega esquerda (zona dadora membro inferior direito) – fls. 236;
- do dia 19.08.2014 até ao dia 18.09.2014 realizou vacuoterapia no membro inferior esquerdo;
- apresenta áreas enxertadas cicatrizadas, com pequenas zonas de perda de enxerto – fls. 236 (art. 89.º da petição inicial)
36. No dia 03.10.2014 foi transferido para o Serviço de Cirurgia Pediátrica daquela Unidade Hospitalar, mantendo, nessa altura, indicação para continuar a reabilitação e cinesioterapia diárias, bem como apoio psicológico (arts. 90.º e 91.º da petição inicial)
37. Assim, e para lhe que fossem efetuados pensos, o AA necessitava ser submetido a sedação profunda (art. 92.º da petição inicial)
38. Por apresentar quadro depressivo iniciou seguimento pela psicóloga e pedopsiquiatria com Necessidade de intervenção psicofarmacológica, de outubro de 2014 a outubro de 2015, devido a alterações emocionais secundárias ao seu estado clínico de politraumatizado, vítima de atropelamento – fls. 227(art. 94.º da petição inicial)
39. No dia 13.04.2015, sob anestesia, o demandante foi ao Serviço de Imagiologia onde foi submetido a embolização das artérias glúteas, que decorreu sem intercorrências – fls. 211 (art. 95.º da petição inicial)
40. E em 14.04.2015, também sob anestesia geral, o AA foi submetido a hemipelvectomia esquerda e desarticulação do membro inferior esquerdo com encerramento da loca cirúrgica co retalho músculo-cutâneo – fls. 211. Durante esta cirurgia foi realizada anastomose da artéria ilíaca externa esquerda por lesão iatrogénica, tendo ocorrido, durante o procedimento cirúrgico, períodos de instabilidade hemodinâmica (arts. 96.º a 97.º da petição inicial)
41. Realizou pensos da hemipelvectomia no bloco operatório nos dias 17, 19 e 21 de abril de 2015 (art. 99.º da petição inicial).
42. Durante o internamento em Cirurgia Pediátrica, necessitou de controlo de dor pela Unidade de Dor, tendo sido colocado cateter epidural (D12 – L1) para administração de terapêutica (arts. 100.º e 101.º da petição inicial).
43. No dia 12.06.2015 o demandante apresentava-se:
- hemodinamicamente estável, apirético, com tolerância oral mantida;
- colostomia à direita e cistostomia funcionantes, apesar de se ter verificado ligeira diminuição do débito urinário;
- mantém seguimento pela Unidade de Dor Aguda e Dor Crónica, cumprindo o programa de hipnose diário com diminuição progressiva da necessidade de terapêutica analgésica, com sucesso;
- mantém seguimento pela Pedopsiquiatria e Psicologia, mantendo medicação anti-depressiva;
- mantém fisioterapia diariamente;
- realizou pensos em dias alternados sob anestesia geral até ao 24º dia de pós-operatório;
- desde então começou a realizar pensos na enfermaria cada vez com menos apoio anestésico;
- verificou-se uma boa evolução cicatricial da face anterior do coto amputado, sem exsudados ou sinais inflamatórios;
- região sagrada com tecido de granulação, sem exsudado;
- membro inferior direito com tecido de granulação e algum tecido desvitalizado com exsudado que se tem tornado mais produtivo e marcante na última semana, pelo que foi realizada lavagem; último penso realizado a 09.06.2015 no bloco operatório e sob anestesia geral;
- do pontos de vista infeccioso ocorreu novo isolamento de Klebsiella penumoniae multirresistente em urocultura de 02.06.2015 (art. 102.º da petição inicial).
44. Da nota de Alta do Hospital de ..., em ..., de fls. 21 e ss. pode retirar-se, além do mais, o seguinte:
- Diagnósticos:
- politraumatizado: Fratura exposta da bacia (ramos isquipúbicos, ilio-púbico esquerdo, sacro, diástese da articulação sacroilíaca e sínfise púbica); lesão de degloving do membro inferior esquerdo; fratura inter-trocantérica do fémur esquerdo; fratura do epicôndilo do úmero esquerdo; fratura da apófise transversa de L5; laceração do períneo; fratura da uretra bulbar e prostática;
- miostite ossificante grave e extensa da bacia e no membro inferior esquerdo;
- pós-operatório hemipelvectomia esquerda, desarticulação do membro inferior esquerdo e encerramento com retalho muscular pediculado;
- Défice de factor XIII;
- Litíase do aparelho urinário;
- Colonização da urina por Pseodomonas aeruginosa e MSSA;
- Reação adversa a contraste iodado.
- Procedimentos:
- 21.07.2014 – estabilização da bacia com fixador externo; desbridamento e encerramento de esfacelo no triângulo de Scarpa, coxa e perna esquerda. Cistostomia.
Reconstrução do neo-ânus;
- 24.07.2014 – Colostomia à direita;
- 25.11.2014 – Endoscopia Digestiva Alta;
- 08.01.2015 – Cateter Venoso Central tunelizado na veia subclávia direita;
- 09.01.2015 – Colocação de Cateter Epidural alta (D12 – L1) e de Stent uretral à esquerda;
- 13.04.2015 – Angiografia e embolização das artérias glúteas esquerdas;
- 14.04.2015 – Hemipelvectomia esquerda, desarticulação do membro inferior esquerdo e encerramento com retalho muscular pediculado;
- 29.04.2015 – Uretrocistoscopia e remoção de stent uretral;
- 09.06.2015 – Remoção de cateter epidural;
- 22.06.2015 – Encerramento de colostomia à direita, pelo Serviço de Cirurgia Pediátrica;
realização de colostomia mas distal (cólon transverso) posicionada no mesmo quadrante à direita;
– desbridamento cirúrgico da perna direita, região sagrada e bordo anal esquerdo, revestimento da perna direita e região sagrada esquerda com enxerto cutâneo colhida da coxa direita, realizado pelo Serviço de Cirurgia Plástica;
- 08.07.2015 – Revisão da Colostomia (libertação do topo proximal, abertura da aponevrose e reposicionamento do topo proximal);
- 13.08.2015 – Desbridamento cirúrgico e novo revestimento com enxertos (zonas dadoras: coto do membro inferior esquerdo, face lateral da coxa direita);
- 08.09.2015 – Remoção do CVC tunelizado; substituição da cistostomia (tentativa de colocação de botão para drenagem vesical);
- 10.09.2015 – Substituição da cistostomia (recolocação de Foley nº 18);
- 06.10.2015 – Desbridamento cirúrgico da coxa direita e revestimento com enxertos (zona dadora: região dorsal) (art. 103.º da petição inicial)
45. No dia 3 de fevereiro de 2020, o AA foi internado no Serviço de Urologia do centro ..., com diagnóstico de lesão uretral por fratura pélvica com vista a ser sujeito ao procedimento de uretroplastia anastomótica posterior (2.ª intervenção). Teve alta no dia 6, com as seguintes indicações: deve manter-se 4 semanas algaliado até ser reavaliado (…) - fls. 292 (art. 5.º do Código de Processo Civil)
46. No dia 13 de julho de 2020, foi sujeito a consulta de urologia - fls. 294 (art. 5.º do Código de Processo Civil)
47. Tinha de se submeter a uma intervenção cirúrgica delicadíssima, por força da miostite ossificante que começou a desenvolver devido à maciça destruição que sofreu ao nível da bacia, pélvis e coxa esquerda, a qual lhe provocava dores lancinantes que obrigaram à colocação de cateter epidural, pondo essa patologia (miostite ossificante) em causa os enxertos de pele que iam sendo realizados. A misotite ossificante caracteriza-se pela multiplicação desordenada de células ósseas no tecido muscular, gerando formas que ferem a pele e deformam o corpo, ou como referiu o pequeno demandante ao aqui signatário, “tinha os músculos a transformarem-se em osso” e que podia “petrificar” (arts. 104.º a 107.º da petição inicial)
48. Porque se tratava de uma situação de tal forma grave, a médica responsável pelo serviço onde se encontrava internado o AA, a srª Drª FF, decidiu solicitar ajuda a Centros de Trauma (Europa, ..., ... e ...), sendo que, maioritariamente, recebeu a noticia de que não existiam condições para realizar a manipulação cirúrgica, devendo aguardar-se pela evolução clínica – fls. 214 (arts. 108.º a 111.º da petição inicial)
49. Após apoio multidisciplinar no âmbito do qual o AA foi observado, e mantendo-se a recusa internacional para tratamento, ele acabou por ser submetido a essa intervenção cirúrgica naquela Unidade Hospitalar (Hospital ..., em ...), que demorou mais de 13 horas (arts. 112.º e 113.º da petição inicial)
50. No dia 03.11.2015, foi transferido para o Centro de Medicina ..., onde permaneceu internado, conforme relatório de fls. 199 v., e em tratamento até ao dia 09.06.2016, altura em que teve alta hospitalar, com as seguintes indicações: prótese modular tipo “canadense” para membro inferior esquerdo (recebeu), prótese cosmética para membro inferior esquerdo (recebeu), cadeira banho (recebeu), cadeira de rodas Action 5 (aguarda), almofada anti escara Proform NX da Varilite 40x40 (aguarda), AFO para MID (recebeu), um par de canadianas com punho ergonómico (recebeu) – fls. 198/199 - recolhendo a sua casa, onde permaneceu em repouso (arts. 114.º a 118.º da petição inicial)
51. Passou, depois a ser seguido no Serviço de Medicina Física e de ..., onde passou a realizar tratamentos de fisioterapia semanalmente, sendo, também, seguido no Serviço de Psicologia no Centro de Saúde da sua área de residência – fls. 204 (arts. 119.º a 121.º da petição inicial)
52. AA foi sujeito às consultas de fls. 208 (art. 5.º do Código de Processo Civil)
53. No dia 10 de maio de 2016, foi admitido no Hospital ..., vindo de urgência do Hospital ..., por mobilização da cistostomia que se mantinha funcionante. O balão tinha apenas 2 cc de água destilada. Realizada substituição da cistostomia por nova fley de longa duração (…) com indicação para regressar ao hspital de origem no mesmo dia – fls. 220 (art. 5.º do Código de Processo Civil)
54. No dia 23.11.2016 foi observado em consulta de avaliação no Centro de Medicina ..., onde se pôde constatar que utilizava material de colostomia que lhe era fornecido pelo Centro de Saúde, e bem assim que ainda aguardava pela realização de exame de competência do esfíncter anal no Hospital ..., em ..., para decisão de eventual encerramento do estoma Ao exame físico, mantinha pele integra, extensão completa do joelho, conseguia flexão dorsal ativa grau I da tibiotársica direita e coluna alinhada na posição de sentado – fls. 198 (arts. 122.º a 125.º da petição inicial), deambulando habitualmente em cadeira de rodas, sem utilizar qualquer prótese pelo risco de lesão cutânea – fls. 68 (art. 126.º da petição inicial)
55. AA foi internado no dia 28 de março de 2017 com alta no mesmo dia após sujeição a neuroestimulação anal + substituição de cateter de citostomia sob sedoanalgesia – fls. 210 (art. 127.º da petição inicial e art. 5.º do Código de Processo Civil)
56. No mês de setembro de 2016 retomou a frequência escolar, ainda que de forma irregular, devido às dificuldades físicas e psicológicas, assistindo também às aulas desde sua casa, com recurso a videochamadas (arts. 128.º a 130.º da petição inicial)
57. Apesar dos tratamentos a que se submeteu o demandante ficou a padecer definitivamente: – amputação pélvica esquerda, com desarticulação da anca, com amiotrofia e redução de força no membro inferior direito (Cap. III, Mc 0501); – dor fantasma do membro amputado – inferior esquerdo (Cap. I, Na 0801); – perturbações persistentes do humor, com grave repercussão na autonomia pessoal, social e profissional (Nb 0901); – rigidez do membro inferior direito na flexão dorsal entre 0º e 5º; – dores frequentes na coluna, com limitação funcional clinicamente objectivável, implicando terapêutica ocasional (Cap. III, Md 0905); – rigidez do membro inferior direito, na flexão dorsal ed 0º a 5º (Cap. III, Mc 1105); – dores e instabilidade da sínfise púbica e da articulação sacro-ilíaca associadas, com alteração estática da bacia e compromisso da marcha (Cap. III, Mc 1105); – anca direita dolorosa, por sobrecarga (Cap. III, Mf 1302); – colostomia (Cap. VI, Da 0101); – perturbações do aparelho digestivo, necessitando de acompanhamento médico frequente, tratamento contínuo e exigências dietéticas estritas, com repercussão no estado geral e incidência social (Cap. VI, nºs 2 e 3, Db 0302, Db 0303); – cistostomia permanente, com colocação de cateter para drenagem de urina (Cap. VII, Ub0501) e– cicatrização patológica das áreas enxertadas e das zonas dadoras, alvos de várias intervenções (Cap. X, Pa 0102).
58. Apresenta, assim, o demandante as seguintes alterações físico-funcionais:
- neuro-músculo-esqueléticcas: - amputação transpélvica à esquerda com incapacidade de marcha, amiotrofia e redução da força do membro inferior direito, desvio raquidiano;
- genito-urinárias e digestiva: - lesão grave das estruturas pélvicas com necessidade de colostomia e cistostomia;
- sensoriais e dor: - dor na hemipelve esquerda (que aumenta com a pressão sobre essa zona e condiciona a dificuldade em permanecer sentando), raquialgias e dor fantasma no membro amputado;
- da pele: - áreas de pele enxertada, friável e aderente aos planos subjacentes a recobrir a hemipelve esquerda, parte da região abdominal e do membro inferior direito (arts. 131.º e 132.º da petição inicial)
59. As lesões, consolidadas a 13 de setembro de 2017, 1151 dias após o evento traumático, provocaram ao AA um défice funcional total de 751 dias (incluindo para as atividades escolares) e parcial de 430 dias. O período de défice funcional com repercussão na disciplina de educação física foi fixado em 1151 dias, embora ainda hoje o AA esteja incapaz de realizar atividade física não adaptada (atividades desportivas e de lazer) e o exercício das atividades habituais implique esforços suplementares. Com efeito, as sequelas supra impedem o AA de desenvolver qualquer atividade que exija boa mobilidade e força dos membros inferiores, assim como do membro superior esquerdo – fls. 367 (arts. 133.º, 135.º, 136.º da petição inicial)
60. Foi fixado um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7, tanto no momento do acidente, com no decurso do demorado, extenso e penoso tratamento e cujas sequelas, com dores, que o vão acompanhar até ao fim dos seus dias e que se exacerbam com as mudanças de tempo, de quente para frio (arts. 134.º, e 144.º a 147.º da petição inicial) 61. E provocam-lhe um dano estético de grau 6 numa escala de 1 a 7 (art. 137.º da petição inicial), uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 7 numa escala de 1 a 7 (art. 138.º da petição inicial), um prejuízo sexual de grau 7 numa escala de 1 a 7 (art. 139.º da petição inicial) e um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, sendo de admitir dano futuro – fls. 367.
62. O AA ficou ainda com a necessidade das seguintes ajudas técnicas:
– almofada para prevenção de escaras;
– cadeira de duche;
– cadeira de rodas manual ativa;
– cama articulada;
– colchão de conforto;
– ortótese para pé e tornozelo para o membro inferior direito sob medida;
– prótese para o membro inferior esquerdo transpélvica endosquelética com articulação da anca e joelho com mecanismos de controlo hidráulico, pé em carbono com retorno de energia e revestimento cosmético (caso venha a suportar a mesma após cirurgia, ainda incerta).
63. E as seguintes adaptações:
a) – adaptações automóveis (caixa automática e comandos no volante);
b) – equipamento informático;
c) – handcycle para desporto adaptado;
d) – mesa de trabalho escolar;
e) – poltrona para trabalho e estudo;
f) – cadeira de rodas tipo scooter, elétrica para se deslocar fora do domicílio; e
g) – adaptação da habitação para ali poder circular livremente em cadeira de rodas – fls. 73 v. /367 (art. 140.º e 141.º, 288.º e ss. da petição inicial).
64. Ficou, igualmente por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, do auxílio de uma terceira pessoa, para as atividades de higiene diária e locomoção, num período de 5 horas por dia – fls. 367 (art. 142.º da petição inicial)
65. E, igualmente para futuro, necessita de acompanhamento médico, com consultas regulares, nas seguintes especialidades: – Psiquiatria/Psicologia; – Ortopedia; – Cirurgia Plástica (por ser necessário realizar novas cirurgias para otimização das áreas enxertadas, bem como do coto de amputação, dada a dificuldade que apresenta na execução técnica de protestização, devido ao nível muito alta da amputação, bem como da irregularidade da superfície do coto); – Medicina Física e de Reabilitação (para re-educação funcional e ensino do uso da prótese do membro inferior esquerdo, caso venha a ser essa a opção médica) – fls. 367 (art. 147.º da petição inicial)
66. Na altura do acidente o demandante tinha 13 anos de idade tendo nascido no dia .../.../2001 – fls. 76 (art. 148.º da petição inicial). Era um jovem saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, social e sociável (art.149.º da petição inicial)
67. À data do acidente tinha já terminado o 6º ano de escolaridade, encontrando-se, no momento do acidente dos autos, no gozo das férias escolares (art. 259.º e 260.º da petição inicial)
68. No ano letivo 2018/2019 frequentava o 9º ano de escolaridade (art. 261.º da petição inicial)
69. Não tinha, como não tem, qualquer ocupação remunerada (art. 263.º da petição inicial)
70. Seria expectável que o AA, iniciando qualquer atividade profissional auferisse, pelo menos, por lei, o correspondente à retribuição mínima garantida (art. 265.º da petição inicial)
71. O AA passou, passa e irá continuar a passar por momentos de grande dor física e psicológica (art. 151.º da petição inicial)
72. Está agora confinado a uma cadeira de rodas, uma poltrona ou uma cama, pois, atendendo à forma como ocorreu a lesão a nível do membro inferior esquerdo e consequente amputação, tem sido impossível colocar a prótese (arts. 153.º e 154.º da petição inicial)
73. Na zona onde reside o demandante não consegue contratar uma terceira pessoa por quantia inferior a 5,00 € por hora, o que representa uma despesa mensal de 500,00 €, 12 vezes por ano (arts. 325.º e 326.º da petição inicial)
74. Era uma criança feliz, alegre, bem disposta e de bem com a vida, que, rapidamente, percebeu que essa sua infância e adolescência tinha sofrido um fortíssimo e definitivo revés, do qual jamais irá recuperar. Vive dias melhores, dias piores, seja com as dores que o acompanham diariamente, seja com o facto de estar, desde o mês de julho de 2014, confinado a uma cama e a uma cadeira de rodas, realidade à qual não se consegue habituar, chorando (arts. 155.º a 165.º da petição inicial)
75. Deixou de brincar com os seus amigos na rua, onde jogava futebol e andava de bicicleta, bem como quando se deslocava para a escola sentia-se incomodado com os olhares dos outros alunos e deixou de sair com amigos e perdeu o interesse por tudo o que é comum naquelas idades, tendo passado a sua adolescência no interior de unidades hospitalares e em tratamentos (arts. 166.º a 173.º da petição inicial)
76. E agora que atingiu a maioridade tem outras preocupações que o atormentam, pois, ao contrário dos seus colegas e amigos, vai ter extrema dificuldade em poder obter a licença de condução (arts. 174.º a 175.º da petição inicial)
Dos danos da autora, mãe do AA
77. Logo que tomou conhecimento do acidente do filho, BB não mais saiu de próximo dele, tendo seguido com ele desde o Hospital ... para o Hospital ... em ..., de helicóptero, e ali viveu durante cerca de dois anos, temendo, por aquilo que os médicos lhe iam referindo nos briefings diários, pela vida do seu filho de 13 anos de idade, o que a marcou, incluindo a impossibilidade de colaboração dos vários hospitais internacionais que foram contactados pelo Hospital ... (arts. 183.º a 193.º da petição inicial)
78. Enquanto ali viveu durante dois anos, deixou de poder estar com a sua filha GG e o seu companheiro, o demandante CC, o que lhe provocou profunda tristeza, pois estava ali a sofrer sozinha, sem ter ao seu lado qualquer familiar que a pudesse apoiar (arts. 194.º a 196.º da petição inicial)
79. E maior era o seu sofrimento por saber que a sua filha GG, a quem foi diagnosticado o Síndrome de Asperger, necessitava de ajuda diária, e que não lhe podia valer (arts. 197.º e 198.º da petição inicial)
80. No mês de setembro de 2015 teve a notícia de que o seu companheiro, CC, tinha sofrido um AVC hemorrágico que acabou por colocá-lo, para o resto dos seus dias, numa cadeira de rodas, sujeito a tratamentos de fisioterapia e terapia da fala diários – fls. 77 (arts. 200.º a 202.º da petição inicial)
81. Passou, assim, a dividir-se entre ..., onde estava com a sua filha, em ... onde estava com o marido hospitalizado e em ..., onde tinha o demandante AA também internado, tendo dias em que estava de manhã em ..., à tarde em ... e ao fim do dia em ..., deslocando-se, sempre, de autocarro, onde muitas vezes chorou por tudo aquilo que estava a acontecer com a sua família (arts. 203.º a 205.º da petição inicial)
82. Por isso, e tendo uma família onde reinava a alegria, diversão e amor, BB, de repente, com 32 anos de idade passou a ter o seu filho numa cadeira de rodas, assim como o seu marido, sendo a ela que cabe olhar, agora, por todos os membros do seu agregado familiar. Deixou, assim, de ter vida própria, vivendo apenas em função das limitações dos seus filhos e marido, o que lhe provoca uma profunda tristeza, que a acompanha todos os dias, chorando, sofrendo pela situação atual e futura do filho (arts. 208.º a 219.º, 227.º a 229.º, 233.º da petição inicial)
83. Atualmente, residem num ..., não têm vida social relevante (arts. 220.º a 224.º da petição inicial), tendo o agregado cerca de € 700/mês (art. 225.º da petição inicial)
84. Uma vez que está dedicada a cuidar da família, BB não tem conseguido encontrar ocupação remunerada, nem lhe permite, tampouco, privar com outras pessoas para, de algum modo, espairecer de todo o sofrimento diário que vive (arts. 226.º, 230.º a 232.º da petição inicial)
Dos danos do pai do AA, CC
85. Após ter sido informado de que o seu filho AA tinha sido vítima de um acidente de viação deslocou-se ao local do acidente, onde ainda pôde ver o seu filho a ser assistido pela equipe médica do INEM, do que jamais se irá esquecer até ao fim dos seus dias (arts. 236.º a 238.º da petição inicial)
86. Por força do problema de saúde de que padece a sua filha GG (Síndrome de Asperger), o pai não teve possibilidade de acompanhar diariamente a evolução clinica do seu filho AA, fazendo-o apenas à distância e quando recebia telefonemas da sua esposa que acompanhava o seu filho AA no Hospital ..., em .... Sofreu em particular com as intervenções cirúrgicas a que o filho foi submetido e quando percebeu que o seu filho iria ficar condenado a locomover-se apenas numa cadeira de rodas por lhe ter sido amputado o membro inferior esquerdo, sem possibilidade de jogar futebol com ele, como habitualmente dar umas caminhadas como o faziam habitualmente e fazer outro tipo de brincadeiras, inclusivamente na praia (arts. 239.º a 240.º da petição inicial)
Da ré
87. A demandada assumiu a obrigação de indemnizar terceiros por via do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...72 referente ao veículo pesado de mercadorias ..-..-TL, propriedade de B..., Lda., e que no momento da colisão circulava sob a sua direção efetiva e no seu interesse, conduzido por DD, no exercício de funções laborais de que o tinha incumbido – fls. 120 (art. 332.º da petição inicial)

B – O Direito
Do recurso interposto pela R
Da culpa pela eclosão do acidente
Em 1.ª Instância considerou-se que não se apurou a culpa de qualquer um dos condutores e que a responsabilidade não pode ser assacada aos pais por omissão do dever de vigilância, sustentando-se que foram a massa e as caraterísticas do veículo pesado que levaram ao embate e à gravidade dos danos verificados no AA. Assim, enquadrou-se o evento no regime inserto no art. 506.º n.º 1, parte final, do CC.
A Recorrente R discorda.
No seu entender, a produção do sinistro foi devida à conduta estradal imprudente do A AA que, circulando desacompanhado de qualquer adulto por ele responsável, iniciou o atravessamento da rodovia quando o veículo seguro já se encontrava a concluir o atravessamento da passadeira; o menor circulava sozinho e desacompanhado dos seus pais, o que tem relevância sob o ponto de vista da circulação estradal (atividade que comporta risco) atento o disposto nos arts. 489.º e 491.º do CC. Conclui, assim, que o acidente é de atribuir à culpa do Autor AA, lesado, (e dos seus pais, os obrigados à vigilância) o que, exclui a responsabilidade do condutor do veículo seguro fundada no risco (art. 505.º do CC) e o dever de indemnizar (art. 570.º n.º 2 do CC) - nos termos do disposto nos arts. 505.º e 570.º/2, ambos do CC.
Tal posição alicerça-se, no plano factual, na afirmação de que o ciclista invadiu a faixa de rodagem, embatendo por isso no pesado de mercadorias sensivelmente a meio, nele ficando entalado e sendo, por isso, arrastado. Já no plano jurídico, na tese de que “a culpa afasta o risco”: a doutrina tradicional sempre sustentou que não pode admitir-se a concorrência entre o risco de um e a culpa do outro para responsabilizar os dois, já que, sendo o facto imputável (não necessariamente censurável ou reprovável) ao próprio lesado, resulta quebrado o nexo entre os riscos próprios do veículo e o dano.[2]
Ora, a segmento fáctico mencionado não integra o rol dos factos provados. O que consta assente é que se deu o embate entre os veículos, o pesado e o velocípede sem motor, nas circunstâncias descritas nos factos n.ºs 1 a 12 dos factos provados. É certo que o embate se deu na faixa de rodagem, mas não se apurou se AA foi embater no veículo pesado ou se, estando parado na via, foi colhido pelo veículo pesado, atenta a trajetória que tomou.
No plano do direito, e na senda do que, desde logo nos trabalhos preparatórios, Vaz Serra propugnava (sustentando que poderia haver concurso entre o risco do veículo e a conduta culposa ou não culposa da vítima, com as inerentes consequências ao nível da repartição de responsabilidade pelos danos, admitindo a exclusão total do dever de reparação dos danos pelo detentor do veículo apenas nos casos em que o acidente seja devido unicamente a facto do lesado[3]), vem a doutrina[4] e a jurisprudência aceitando, de forma geral, a concorrência entre o facto culposo ou meramente causal do lesado com o risco próprio do veículo, salvo se esse facto for a causa única do dano, admitindo-se que a indemnização seja totalmente concedida, reduzida ou excluída, conforme as circunstâncias do caso.[5]
O acórdão do STJ, nesta matéria, inovador foi proferido a 04/10/2007 (Santos Bernardino), reduzindo a indemnização em 60% devido à culpa da lesada, uma criança de 10 anos de idade que, seguindo em velocípede, saiu de uma estrada sem prioridade e foi embater no veículo automóvel, surpreendendo a condutora deste. Esta interpretação atualista das normas foi secundada, entre outros, nos acórdãos TRC de 07/10/2014 (Fonte Ramos), STJ de 17/05/2012 (António Geraldes), 01/06/2017 (Lopes do Rego), STJ de 19/12/2018 (Fátima Gomes).
Rui Ataíde e António Barroso Rodrigues[6] concluem que «deve interpretar-se o art. 505.º no sentido de ter sido pensado para excluir a responsabilidade do detentor unicamente quando o facto do próprio lesado tiver sido a causa exclusiva do acidente. Assim compreendido, o preceito autoriza em termos implícitos a redução da indemnização devida por esse detentor na hipótese de o facto do lesado ter sido apenas uma das causas que concorreu para a produção dos danos, em concurso com os riscos próprios do veículo. Aliás, quando o facto do lesado não for culposo, o procedimento preconizado limita-se a estender à aplicação do art. 505.º a solução do concurso de riscos consagrada no art. 506.º n.º 1 para a hipótese de colisão e veículos.
Deste modo, a exclusão da responsabilidade do detentor só pode resultar de uma apreciação em concreto das circunstâncias excecionais que se verifiquem no caso concreto, não devendo ser automática e liminarmente afastadas apenas porque no sinistro interveio um qualquer facto imputável ao próprio lesado.»
Lopes do Rego[7], em análise da evolução jurisprudencial[8] verificada no âmbito da controversa questão da admissibilidade da concorrência, em casos materialmente justificados (desde lodo pelas acrescidas necessidades de tutela efetiva das vítimas, conforme reconhecido pelo Direito Comunitário[9] e exigidas pelo princípio da proporcionalidade), da responsabilidade objetiva decorrente dos riscos próprios da circulação de veículos motorizados com a culpa ou imputação ao lesado dos danos por ele próprio sofridos no acidente, evidencia que se mostra consolidada a tendência jurisprudencial no sentido de se proceder a uma interpretação atualista do regime normativo criado na versão originária do CC, particularmente em face dos utentes mais frágeis das vias de circulação. Assim, em circunstâncias particulares e exigentemente fundamentadas, admite-se a possibilidade de concurso entre a responsabilidade fundada objetivamente nos riscos de circulação do veículo e a eventual culpa ou imputação ao lesado, em algum grau ou medida, do facto danoso. Sem embargo, conclui-se que «em tese geral, parece razoável e adequado considerar que a culpa grave do lesado – ao criar ele próprio um risco anormalmente acrescido de produção de eventos danosos – se sobrepõe, em princípio, aos riscos normais da circulação do veículo, descaraterizando assim a responsabilidade objetiva fundada no art. 503.º do CC. (…) este critério deverá ainda ser conjugado com um outro, que tome em consideração a eventual existência de riscos acrescidos associados às circunstâncias peculiares do veículo e da via em que circulava no momento do acidente, podendo tais riscos específicos e ampliados de sinistralidade operar algum grau de benevolência na avaliação da relevância da culpa atribuível ao lesado.»[10]
António Barroso Rodrigues[11] assinala que «a velha ideia de que não pode existir um concurso de responsabilidade por culpa (do lesado) e pelo risco (do lesante) – i.e., com base num (alegado) princípio de que «a culpa afasta o risco» - tem-se por ultrapassada. É usual fundar este entendimento num argumento de maioria de razão. Diz-se: se a culpa do lesado afasta a responsabilidade fundada na mera presunção de culpa (a minoriv.g., 491.º, 492.º, 493.º e 503.º/3 e 799.º/1), a responsabilidade determinada, em caso de ausência de culpa (ad maius), própria da responsabilidade objetiva, também deve ser afastada (570.º/2).» Segue este autor apontado que os campos de aplicação de um e outro regime são diversos, pois no art. 505.º está em causa a culpa exclusiva do lesado como fundamento ara a exclusão da responsabilidade do lesante enquanto que o art. 570.º/2 regula ao contributo causal do lesado na atenuação ou exclusão da indemnização devida pelo lesante, sendo certo que este último preceito respeita à fixação da indemnização, apurada que esteja a responsabilidade, sendo tal também aplicável à modalidade obrigacional. «A culpa do lesado deve ser concorrente e não exclusiva com o lesante, sob pena de exclusão da responsabilidade deste. (…) o contributo causal ex ante e exclusivo do lesado afasta a responsabilidade pelo risco.»[12]
Maria da Graça Trigo[13], por sua vez, salientando que o Código Civil não consagrou a orientação de concurso entre o risco e a culpa da vítima, defendida por Vaz Serra nos trabalhos preparatórios, avalia a tese tradicional e a revisão dela que vem sendo proposta por vários doutrinadores. Assinalando a viragem jurisprudencial do STJ na sequência do já citado acórdão de 04/10/2007 (Santos Bernardino), salienta ainda a jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal da EFTA no sentido de garantir a cobertura pelo seguro automóvel dos lesados que correspondam a categorias tidas como especialmente frágeis – passageiros, peões e ciclistas – objetivo que, para ser plenamente alcançado, implica o controlo da relevância da denominada contributory negligence.[14] Apontando que o fundamento para a responsabilidade objetiva do detentor do veículo é o perigo da simples circulação da máquina, e não apenas o perigo de mau funcionamento da máquina, sustenta que «o acolhimento da revisão da tese tradicional do não concurso implica, necessariamente, considerar que, sempre que o veículo se encontre em circulação, a respetiva força cinética faz com que seja causa adequada dos danos ocorridos, mesmo que a conduta do lesado, culposa ou não, tenha sido concausal em relação ao acidente de que resultam os danos. Não pode afirmar-se que, se o veículo estava em circulação, o lesado causou os danos em exclusivo. Na verdade, apenas se poderá defender a inexistência de causalidade adequada por parte do veículo nas hipóteses de veículos estacionados ou simplesmente parados no trânsito (com ou sem condutor), nas quais a ausência de força cinética faça com que os veículos não constituam fonte de qualquer perigo especifico.»[15] Finaliza dando conta de que a aceitação do concurso entre responsáveis pelo risco e responsáveis pela culpa, em particular no domínio da colisão de veículos na qual a existência da culpa não afastará a responsabilidade pelo risco, implicará a fixação da indemnização ponderando, antes de mais, a contribuição causal dos riscos de cada veículo para os danos verificados e, só num segundo plano, se ponderará o grau de culpa do lesado.»[16]
Termos em que se conclui não ser de acolher a alegação da Recorrente nesta matéria.
Reitera-se, antes, a apreciação lavrada em 1.ª Instância, no sentido de subsumir o caso ao regime inserto no art. 506.º n.º 1, 2.ª parte, do CC. Não obstante os ciclistas sejam considerados, a par dos passageiros e peões, vítimas de especial vulnerabilidade na sinistralidade rodoviária, desde que se trate de condutor autorizado do velocípede sem motor (com idade não inferior a 7 anos, atento o regime inserto no art. 488.º n.º 2 do CC, sob pena de serem considerados peões), estão sujeitos à responsabilidade objetiva consagrada no art. 503.º e, em caso de colisão, ao regime do art. 506.º relativo à concorrência de riscos.[17]
Relativamente à omissão do dever de vigilância pelos pais do AA, é chamado à colação o regime do art. 571.º do CC, nos termos do qual ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais ou das pessoas de quem ele se tenha utilizado. Desde que se trate de menor inimputável à luz do regime inserto no art. 488.º n.º 2 do CC, se ocorrer um acidente num local de circulação automóvel por imprudência dos pais resulta afirmada a culpa do lesado.[18] Mesmo nestes casos, se os vigilantes são os pais da criança, «o art. 571.º não pode deixar de ser interpretado em conformidade com as exigências do direito comunitário dos seguros, isto é, de forma a assegurar a proteção das vítimas ditas mais frágeis. A culpa dos pais obrigados à vigilância não pode, por isso, conduzir a qualquer redução da indemnização a pagar pelo detentor do veículo, nem permitirá que este exerça direito de regresso contra os pais, salvo se não existir ou tiver cessado a comunidade de vida entre eles e a vítima.»[19] É que, cabendo-lhes a obrigação do sustento do filho, o reembolso da seguradora traduziria em inadmissível prejuízo para a criança.

Do caráter excessivo das indemnizações fixadas
Relativamente ao dano patrimonial por perda de rendimentos futuros, fixado em € 540.000,00 a Recorrente alega que não se vislumbra o concreto critério usado pelo Tribunal e que, levando em conta 48 anos de vida ativa, o salário de € 672,00 por 14 vezes por ano, pelo que implicaria no montante e € 473.760,00, e a redução em 1/3 que vem sendo aceite pelo pagamento antecipado do capital, a indemnização deve ser reduzida ao montante de € 320.000,00 (trezentos e vinte mil euros).
Está em causa a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, que é determinante de consequências negativas a nível da sua atividade geral, justificando a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial. Importa, pois, determinar o montante justo e adequado a indemnizar o dano aqui em discussão, a perda de capacidade de ganho decorrente do défice funcional de integridade físico-psíquica de que AA ficou afetado.
Em temos jurisprudenciais, vem sendo entendido que, por um lado, o dano biológico é o prejuízo que se repercute nas potencialidades e na qualidade de vida do lesado, afetando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social ou sentimental, determinando-lhe a perda de faculdades físicas ou intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a sua idade. E, por outro, que esse dano é indemnizável de per se, como dano patrimonial futuro, independentemente de se verificarem ou não consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado. Tendo o lesado ficado com incapacidade permanente e com sequelas em termos de rebate profissional, esforço acrescido ou particular repulsa, deve aquela incapacidade relevar em termos de prejuízo funcional, ou seja, do chamado dano biológico.[20]

No Ac. STJ de 27 de outubro de 2009[21], o dano biológico vem caracterizado como a diminuição somático-psíquica do lesado, com natural repercussão na sua vida, ressarcível como dano patrimonial ou compensável a título de dano moral, tudo dependendo de apreciação casuística, em termos de verificação se a lesão lhe originou, no futuro, durante o período ativo da sua vida, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz apenas numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. Ali é entendido que a mera necessidade de um maior dispêndio de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial, porque o exercício de qualquer atividade profissional se vai tornando mais penoso com o desgaste natural da vitalidade - paciência, atenção, perspetivas de carreira, desencantos – e da saúde, implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. Ora, tal agravamento, desde que se não repercuta, direta ou indiretamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de lucro, traduzir-se-á em dano moral, a fixar segundo a equidade, nos termos do artigo 496.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil.
No Ac. RC de 12/04/2011[22], pode ler-se que a incapacidade permanente é, de per si, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto. Em situações de relativa autonomia da limitação funcional, a incapacidade permanente parcial com reflexo na atividade em geral e profissional, não deverá ser compensada por forma englobante no contexto “dano biológico” mas como dano patrimonial.
Do Ac. STJ de 21/03/2013[23] alcança-se que o dano biológico, dano corporal lesivo da saúde, está na origem de outros danos (danos-consequência) designadamente aqueles que se traduzem na perda total ou parcial da capacidade de trabalho. Constitui dano patrimonial a perda de capacidade de trabalho permanente geral de 15 pontos que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão a justificar, nos termos do art.º 564.º n.º 2 do CC, indemnização correspondente ao acrescido custo do trabalho que o lesado doravante tem de suportar para desempenhar as suas funções laborais.
O que decorre, desde logo, da circunstância de que “o estado de saúde normal é a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal.”[24]
No que respeita aos critérios a adotar para fixação do quantum indemnizatório, tem-se entendido que assentam na equidade, à luz do regime inserto no art. 566.º n.º 3 do CC. Porém, «a utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, cuja prossecução implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Os critérios seguidos pela Portaria n.º 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extra-judicial, e se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações fixado pelo Código Civil.»[25]
À luz de tais ensinamentos bem como dos parâmetros que vem sendo aplicados pelos tribunais superiores[26], importa levar em linha de conta a seguinte factualidade provada:
- o Recorrido contava, à data do acidente, 13 anos de idade;
- a esperança de vida prolonga-se até aos 73,3 anos;[27]
- a idade legal de acesso à reforma é, atualmente, de 66 anos e 4 meses;
- o Recorrido ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, com rebate profissional;
- a RMMG[28] à data da prolação da sentença[29] cifra-se em € 705,00.[30]

Por aplicação das regras decorrentes da Portaria n.º 377/2008 e respetivo anexo IV (arts. 3.º al. b) e 8.º da citada Portaria), na redação atualizada, a indemnização ascenderia, segundo o simulador da Associação Portuguesa de Seguradores[31], ao montante de € 279.258,08. Procedendo às operações inerentes a tal tabela, ou seja, multiplicando por 92 o valor de € 2.293,11 constante da tabela atenta a idade do Recorrido à data do acidente, alcança-se o montante de € 210.966,12, valor fixado com referência à RMMG de 2007, no montante de €403[32]. Tomando por referência a RMMG de € 705,00 e aplicando a regra matemática de três simples, obtém-se o montante indemnizatório de € 369.059,83.
Trata-se do montante apontado como critério orientador para efeitos de apresentação, pelas seguradoras aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, em caso de incapacidade permanente parcial – v. art. 1.º da referida portaria.
Já aplicando a tabela inserta no Ac. do STJ de 04/12/2007[33], considerando 48 anos de vida ativa e o fator 25,26671, alcança-se o valor de € 229.431,83, a que se reduziria 1/3 pela antecipação da disponibilidade do capital. Tal construção considera uma taxa de juro de 3%, manifestamente desajustada dos tempos presentes.
Afigura-se, no entanto, que a utilização de tais instrumentos só pode servir para determinar o minus indemnizatório[34], o qual terá de ser corrigido com vários elementos que possam conduzir a uma indemnização justa[35], já que tais tabelas não contemplam, designadamente, os seguintes itens:
- o prolongamento da IPP para além da idade de reforma (entrando na base de cálculo a referência à idade de reforma aos 65 anos, não significa necessariamente que se deixe de trabalhar depois dessa idade, ou que se deixe de ter atividade depois dela);
- a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade e do próprio aumento de produtividade;
- a tendência para o aumento da vida ativa para se atingir a reforma nem o aumento da própria longevidade;
- a inflação;
- a progressão na carreira e, decorrentemente, a progressão salarial.[36]
Por outro lado, afigura-se não ser devida a redução da quantia apurada em 1/3 a título de compensação da vantagem decorrente da antecipação do capital, desde logo atentas as reduzidas taxas de juros que atualmente se registam e se perspetivam, e ainda por se levar em linha de conta que, sendo a incapacidade de 92 pontos, seria de considerar afetada a totalidade do rendimento a auferir até ao termo da vida ativa, o que implicaria, à luz da RMMG atual, na verba de € 473.760,00 (672 meses x € 705,00).
Considerando tudo o que se deixa exposto, dado que não resulta da factualidade assente que o Recorrido em nada tenha contribuído para a eclosão do acidente, nem o seu contrário, afigura-se adequado fixar o montante indemnizatório pela perda de rendimento futuro na quantia de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros).

A título de indemnização pelos gastos com pagamento de serviços de auxílio por terceira pessoa, o Tribunal de 1.ª Instância fixou a verba de € 305.000,00, tomando como referencial o montante mensal de € 500,00.
O que, na ótica da Recorrente, se afigura excessivo, devendo fixar-se em montante não superior a € 150.000,00. Invoca que excede o que a esse propósito foi peticionado (a quantia de € 232.493,92, com base na despesa de € 500,00, 12 meses por ano, durante 38,7 anos), dando conta de que, é certo, não resulta ultrapassado o pedido global; que, por força das comorbilidades de que padece o A a esperança de vida será menor; que se impõe reduzir o capital por força do pagamento antecipado.
Afigura-se que tal indemnização há de ter referência o pagamento da verba apurada (€ 500,00) mas 13,5 vezes por ano, conforme decorre da lei relativa ao contrato de serviço doméstico[37], o que implicará na verba de € 260.500,00.
Não está afirmado que a esperança de vida de AA será diversa da que decorre do padrão decorrente do respetivo ano de nascimento, pelo que não está o Tribunal legitimado a tomar tal dado como critério definidor do montante indemnizatório. A redução do capital decorrente do pagamento antecipado afigura-se não ser devida, quer pelo valor da taxa de juro que se regista e perspetiva para os tempos mais próximos quer porque a vantagem da antecipação atenuará, de algum modo, a perda decorrente do aumento, no decurso do tempo, da prestação mensal.
Não se alcançando o critério aplicado em 1.ª Instância, fixa-se o montante indemnizatório em causa na apontada verba de € 260.500,00 (duzentos e sessenta mil e quinhentos euros).

Em sede de danos não patrimoniais, o montante indemnizatório fixado em 1.ª Instância pelos danos sofridos pelo A AA ascende a € 500.000,00. O que a Recorrente coloca em crise, sustentando que tal montante deve fixar-se em valor não superior a € 250.000,00.
Ora, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artigo 496.º do CC. O montante adequado a indemnizá-los, nos termos do disposto no art. 496.º, n.º 3, 1.ª parte e 494.º do CC, resultará de um julgamento de equidade que terá por base o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções, atendendo às circunstâncias concretas de cada caso tendo em conta a situação económica do agente e do lesado, bem como o grau de culpa daquele, sem esquecer os padrões geralmente adotados pela jurisprudência.
Estão em causa prejuízos de natureza infungível em que, não sendo possível uma reintegração por equivalente, importa atribuir ao lesado uma compensação que proporcione certas condições decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização por tais danos, «sem embargo da função punitiva que, outrossim, reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indiretamente, esses danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar a havido sofrimento moral»[38]. Abrange, «nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de atividades agradáveis».[39] O valor da indemnização deve ter um alcance significativo, que não simbólico ou miserabilista[40], apurado segundo um juízo de equidade (art. 496.º n.º 3 do CC), efetivando a procura da justiça do caso concreto, assente numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, sem olvido do princípio da igualdade (art.º 13.º da CRP), iluminador da uniformização de critérios, tendo em atenção os padrões de indemnização normalmente adaptados na jurisprudência em casos similares.[41]
Considerando toda a factualidade elencada que contende com tal questão, que traduz os padecimentos sofridos pelo A logo após o embate, no Hospital, no período subsequente às intervenções cirúrgicas, os padecimentos decorrentes da amputação pélvica esquerda e das demais lesões e alterações físico-funcionais que regista, o quantum doloris de grau 7, o dano estético de grau 6, a falta de autonomia para as atividades da vida diária, o sofrimento por se ver confinado a cama e a cadeira de rodas desde os 13 anos de idade, levando em linha de conta os montantes indemnizatórios atribuídos em casos concretos submetidos a apreciação superior[42], afigura-se adequado fixar em € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) a compensação a atribuir ao A a tal propósito.

A Recorrente contesta as indemnizações atribuídas aos AA BB e CC, pais de AA a título de compensação por danos de natureza não patrimonial, pelo montante de € 35.000,00 a cada um dos AA progenitores, considerando-se terem sofrido dano direto indemnizável à luz do regime inserto nos arts. 483.º e 496.º/1 do CC.
A Recorrente sustenta que não lhes assiste o direito a tal indemnização. É que o art. 496.º n.º 2 do CC consubstancia norma excecional ao princípio de que só o diretamente lesado deve ser indemnizado (conforme resulta dos arts. 483.º e 562.º do CC), e só tem aplicação aos casos de morte, sem consentir aplicação analógica. Mais salienta que a uniformização jurisprudencial decorrente do AUJ n.º 6/14, e respetivos fundamentos, apenas se aplicam aos cônjuges, e não já aos progenitores.
Está em causa a problemática da indemnização dos danos morais reflexos, sofridos pelas denominadas vítimas secundárias, em casos de lesão corporal. Sendo certo que o art. 496.º/2 do CC consagra o direito a indemnização por danos não patrimoniais aos familiares ali elencados em caso da morte da vítima, vem-se colocando a questão de saber se lhes assiste o direito a tal indemnização nos casos de lesão grave, em regra, incapacitante da vítima.
Desde logo Abrantes Geraldes[43] desenvolveu o estudo dessa problemática, começando por salientar que o direito à indemnização por danos de natureza não patrimonial radica direta e prioritariamente nas disposições conjugadas dos arts. 483.º e 496.º/1 do CC, onde se incluem os prejuízos diretamente ocorridos na esfera pessoal do sinistrado. Contudo, inquietado pela posição de pais cujo filho é repentinamente atirado para uma situação de grave afetação física ou psíquica, a exigir intensos, contínuos e até vitalícios esforços ou cuidados assistenciais destinados a suprir uma situação de absoluta ou de grave dependência[44], analisando criticamente a doutrina e jurisprudência relevante nesta matéria, concluiu que o modo como se mostra estruturado o art. 496.º do CC “não consente que se faça uso do disposto no n.º 2 para limitar, por essa via, o âmbito de aplicação mais vasto do seu n.º 1 e, assim, restringir o princípio geral de que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
É, pois, a partir deste preceito (…) que deve proceder-se à identificação não apenas dos danos de natureza não patrimonial que merecem ser ressarcidos, como ainda dos potenciais beneficiários.”[45] Caberá, assim, averiguar se o sujeito encontra tutela na norma violada, se os danos invocados mantêm com o facto lesivo o adequado nexo de causalidade e se os danos são suficientemente graves que devam ser ressarcidos.
Sintetizando, deixa consignado que “são ressarcíeis os danos não patrimoniais suportados por pessoas diversas daquela que é diretamente atingida, designadamente quando fique gravemente prejudicada a sua relação com o lesado ou quando as lesões causem neste grave dependência ou perda de autonomia que interfira fortemente na esfera jurídica de terceiros” e que “tal direito de indemnização deve ser circunscrito, por ora, às pessoas indicadas no n.º 2 do art. 496.º do CC.”[46]
Ora, o Ac. do STJ de 09/01/2014, sob o n.º 6/2014, uniformizou jurisprudência no seguinte sentido: Os artigos 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.
É certo que apenas se reporta aos danos sofridos pelo cônjuge da vítima sobrevivente. Porém, como desde logo ali foi consignado, «não nos compete determinar aqui quais, dos chegados ao lesado, podem pedir compensação pelo sofrimento próprio. Estaríamos a ir para além do objeto do processo e a invadir terreno próprio do poder legislativo. O que temos de deixar bem claro é que a nossa referência ao cônjuge não pode ser interpretada como excluidora de outros.»
Constam desse acórdão, entre outros, os seguintes fundamentos:
«É, pois, na figura dos danos não patrimoniais sofridos por outrem nos casos em que a vítima sobrevive, que temos de nos situar.
15. Não vemos no texto constitucional qualquer imposição de afastamento da tutela deste tipo de danos.
Pelo contrário, o Acórdão deste Tribunal de 25.11.98, transcrito no BMJ n.º 481, 470, estribou-se no n.º 1 do artigo 68.º da Constituição da República Portuguesa, para considerar que os pais cujo filho de tenra idade ficou gravemente ferido num acidente de viação, tinham direito a compensação pelo sofrimento que para eles mesmos adveio.
(…)
Temos, pois, que nos situar na interpretação dos artigos 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1.
(…)
Entretanto foi decorrendo o tempo e intensificou-se o entendimento no sentido de que o mencionado artigo 496.º e, bem assim, os preceitos com ele relacionados, devem ser interpretados em ordem a encerrarem, pelo menos nos casos mais graves, a compensabilidade dos danos não patrimoniais sofridos por pessoa diferente da vítima, quando esta se mantém viva.
Assim, Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I, 491, nota de pé de página, Abrantes Geraldes, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, IV, 262 e seguintes e Temas da Responsabilidade Civil, II, Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, 188 e Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 7.ª ed., 348 e seguintes.
Sendo já vários os Acs. deste Tribunal que acolhem esta interpretação: de 8.3.2005, revista n.º 4486/04, 30.5.2006, processo n.º 1259/06 (com um voto de vencido), 8.9.2009, revista n.º 2733/06.9TBBCL.S1, 26.5.2009, revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1 (estes dois com texto disponível no dito sítio), 8.2.2011, revista n.º 1469/07.8TBAMPT.P1.S1, 28.2.2013, processo n.º 60/2001.E1.S1 (também com texto disponível no mesmo sítio) e 23.4.2013, processo n.º 291/04.8 TBRMR-A.L1.S1.
(…)
21. Numa visão, os danos não patrimoniais sofridos por pessoa diferente da vítima sobrevivente são encarados sempre como "reflexos", "indiretos" ou "por ricochete". Haveria o "lesado direto" e o "lesado indireto".
Noutros entendimentos, porém, o leque de direitos desta pessoa diferente da vítima sobrevivente já abrangeria o direito a uma relação plena, saudável, com a mesma, de sorte que, com o atingimento desta, se desenharia um quadro de ofensa direta aos direitos daquela. Os danos não seriam "reflexos", mas "diretos" e não se deveria falar em "lesado direto", contraposto a "lesado indireto". Carneiro da Frada convoca mesmo a figura do "dano existencial" que seria atingido também nestes casos, ainda que, na enumeração que faz, inclua a expressão "reflexamente afetados" (Themis, Edição Especial de 2008, Código Civil Português, Evolução e Perspectivas Actuais, 52).
Casos há, efetivamente, em que a relação entre o dano provocado a uma pessoa que se mantém viva e o sofrimento também infligido a outra é tão estreita, que se pode dizer que o atingimento desta tem lugar, se não necessariamente, pelo menos em regra. Apontam-se como exemplo as situações em que alguém presencia ofensa de intensa gravidade a pessoa relativamente à qual tem uma relação de muita afetividade ou em que um cônjuge vê o outro sexualmente afetado.
Neste entendimento, quando o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil alude a "outrem", abrangeria os casos em que o atingimento duma pessoa também provocava danos noutra. A abrangência não determinava sequer interpretação extensiva deste ou do n.º 1 do artigo 496.º, tudo repousando na relação de causalidade.
(…)
Toda a argumentação que justifica a interpretação atualista que vimos assumindo tem como pressuposto que os danos do lesado sejam particularmente graves e que tenham determinado no outro sofrimento muito relevante. Já Vaz Serra, no apontado texto da RLJ, justificava a sua posição com o caso dum filho que é atingido tão gravemente que os pais têm sofrimento não inferior ao que teria lugar se tivesse falecido.»
Temos então aqui argumentos que dão acolhimento a que, pelo menos nos casos mais graves, sejam compensados os danos não patrimoniais sofridos por pessoa diferente da vítima. “Afirmando lapidarmente que «não pode questionar-se que, para além do cônjuge, outros podem e devem beneficiar da tutela desse tipo de danos», admitiu obter dicta o Supremo Tribunal de Justiça ser manifestamente esse o caso do sofrimento motivado pela lesão grave da saúde de um filho.”[47]
O acolhimento, na jurisprudência e na doutrina, da tese da ressarcibilidade dos danos de natureza não patrimonial nestes casos é patenteado no trabalho recentemente desenvolvido por Maria Campos Ferreira Almeida Garrett sob o título Responsabilidade Civil por Danos não Patrimoniais Reflexos: a Relevância do Regime do Artigo 493.º-A do Código Civil.[48]
Na verdade, importa ainda levar em linha de conta o recente normativo legal que, sob o n.º 3 do art. 493.º-A do CC, estatui o seguinte: no caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a morte, a privação de importante órgão ou membro ou afetação grave e permanente da sua incapacidade de locomoção, o seu proprietário tem direito, nos termos do n.º 1 do art. 496.º, a indemnização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante fixado equitativamente pelo tribunal.
Tal regulamentação evidencia o acerto da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais sofridos pelos pais em caso de lesões graves de filho por aplicação das disposições conjugadas dos arts. 483.º e 496.º n.º 1 do CC. «O facto de o próprio ordenamento jurídico ter sido modificado de modo a integrar a tutela dos danos não patrimoniais emergentes de lesões causadas em animas de companhia, nos termos do n.º 3 do art. 493º-A do CC (aditado pela Lei nº 8/17, de 3-3) revela bem que o conteúdo do que sejam danos de natureza não patrimonial relevantes não deve ser alcançado através da cristalização de uma solução, de sentido mais restrito, que se considerava, porventura, aceitável aquando da aprovação do Cód. Civil de 1966, há mais de 50 anos, mas que já não corresponda à atual sensibilidade social.»[49]
No recente Ac. do STJ de 15/12/2022 (Cura Mariano), mostra-se exarado que «o AUJ n.º 6/2014, proclamando a sua neutralidade face a estas duas teses, assumiu uma leitura atualista do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil, de modo a que a dor e o sofrimento, particularmente graves, das pessoas com uma relação afetiva de grande proximidade com o lesado fosse indemnizável em situações em que este, apesar de sobrevivente, tivesse sofrido lesões, também elas particularmente graves.
É esta a orientação que deve ser seguida, procurando verificar-se, no caso concreto, se estas exigências se encontram preenchidas, justificando-se ou não reconhecer a esses terceiros um direito de indemnização. Nesta operação a realizar num campo em que o traçado das margens é ténue e irregular na determinação do que é “particularmente grave” há que valorar, por um lado, as caraterísticas das lesões sofridas e das suas sequelas, e por outro lado, o grau de sofrimento das pessoas mais próximas do lesado assistirem ao padecimento de um ente querido, além da privação da qualidade do relacionamento com este e ainda o custo existencial do acréscimo das necessidades de acompanhamento.»
Acolhendo-se o que vem enunciado em tal acórdão, aponta-se a seguinte jurisprudência posterior ao AUJ n.º 6/2014:
- o acórdão de 09/07/2015 (Távora Victor) atribui à mãe de sinistrado em acidente de viação, que em consequência das lesões sofridas não pode participar autonomamente na vida em sociedade ou desempenhar autonomamente qualquer atividade profissional, dependendo de terceiros, nomeadamente da sua mãe, do ponto de vista cognitivo para resolver as exigências pessoais e sociais, na sua interação pessoal com o exterior, uma indemnização de € 40.000,00;
- o acórdão de 26/09/2017(João Camilo) atribuiu à mãe de uma menor sinistrada em acidente de viação, que na sequência das lesões sofridas foi submetida a três intervenções cirúrgicas; esteve internada, algaliada e foi fortemente medicada; foi sujeita a diversos tratamentos, internamentos, consultas, tendo a autora a acompanhado em todos eles e concedido à sinistrada toda a atenção, companhia e afeto para a estabilizar psíquica e emocionalmente, uma indemnização de € 50.000,00;
- o acórdão de 23/10/2018 (Henrique Araújo) não atribuiu à filha do sinistrado em acidente de viação, indemnização pelos danos resultantes do choque emocional provocado pela notícia do acidente e pelo sofrimento inerente ao acompanhamento do pai na recuperação física e psicológica das graves lesões sofridas por este, por se ter entendido que não estavam em causa danos morais particularmente graves;
- o acórdão de 28/03/2019 (Soares Tomé) não atribuiu indemnização ao marido da sinistrada em acidente de viação pela tristeza e desgosto e acompanhamento daquela provocado pelas lesões por esta sofridas, por se ter entendido que as lesões sofridas não determinaram sequelas consolidadas que devam ser qualificadas de particular ou elevada gravidade, não obstante os diversos e múltiplos padecimentos que ela teve de suportar durante a enfermidade e convalescença, assim como a dor, angústia e sofrimento do A. ocorreram perante a situação de enfermidade e convalescença da sua mulher, com receio de que ficasse de todo incapacitada para as atividades quotidianas, o que não veio a verificar-se, sendo portanto de carácter meramente temporário;
- o acórdão de 10/09/2019 (José Rainho) atribuiu à mãe do menor sinistrado em acidente de viação, que, na sequência das lesões sofridas, ficou definitivamente incapaz para o exercício de qualquer profissão e dependente de ajudas de terceiros na execução das atividades da vida diária, uma indemnização de € 90.000,00;
- o acórdão de 20/04/2021 (Fátima Gomes) atribuiu aos pais da menor sinistrada em acidente de viação, que na sequência das lesões sofridas ficou muito dependente dos pais, não se sentindo confiante para enfrentar o exterior sozinha, com receios constantes, não se conseguindo auto determinar e organizar no mundo exterior, uma indemnização de € 20.000,00.
Termos em que se conclui não merecer censura a decisão proferida em 1.ª Instância no sentido de, a coberto do regime inserto nos arts. 483.º e 496.º/1 do CC, atribuir indemnização de danos de natureza não patrimonial aos AA pais de AA.

Procede, assim, parcialmente o recurso interposto pela R, reduzindo-se as verbas arbitradas a título de indemnização pela perda de rendimento futuro, pelos encargos com auxílio de terceira pessoa e pelos danos de natureza não patrimonial sofridos por AA.

Do recurso subordinado
Do valor indemnizatório fixado a título de compensação dos danos reflexos
Os AA BB e HH, que tinham peticionado a verba de € 200.000,00 para cada um de si, rotulam de descabida e desproporcional a quantia de € 35.000,00 que lhes foi arbitrada, atenta a factualidade provada e em face dos valores que vêm sendo atribuídos a título de indemnização de tais danos a pais de vítimas que sofreram sérias e graves lesões. Pugnam pela fixação de quantia não inferior a € 100.000,00 (cem mil euros).
É manifesto que as lesões sofridas por AA em consequência do acidente assumem caráter gravíssimo, que tais lesões lhe acarretaram e acarretam padecimentos que condicionaram gravemente o seu estado de saúde por longo período até alcançar consolidação das lesões. Ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, sendo de admitir dano futuro, foi fixado um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7, tanto no momento do acidente, com no decurso do demorado, extenso e penoso tratamento e cujas sequelas, com dores, que o vão acompanhar até ao fim dos seus dias, um dano estético de grau 6 numa escala de 1 a 7, uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 7 numa escala de 1 a 7, um prejuízo sexual de grau 7 numa escala de 1 a 7. Por força das sequelas de que ficou a padecer definitivamente, ficou dependente do auxílio de uma terceira pessoa, para as atividades de higiene diária e locomoção, num período de 5 horas por dia.
A gravidade dos danos ocorridos justifica a indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pelos pais em decorrência de tal situação.
Importa considerar que, na altura do acidente, o filho tinha 13 anos de idade, era um jovem saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, social e sociável. Acompanharam o considerável sofrimento físico e psicológico do filho, sabendo-se que irá continuar a passar por momentos de grande dor física e psicológica. Está agora confinado a uma cadeira de rodas, uma poltrona ou uma cama, pois, atendendo à forma como ocorreu a lesão a nível do membro inferior esquerdo e consequente amputação, tem sido impossível colocar a prótese. Era uma criança feliz, alegre, bem-disposta e de bem com a vida, que, rapidamente, percebeu que essa sua infância e adolescência tinha sofrido um fortíssimo e definitivo revés, do qual jamais irá recuperar. Vive dias melhores, dias piores, seja com as dores que o acompanham diariamente, seja com o facto de estar, desde o mês de julho de 2014, confinado a uma cama e a uma cadeira de rodas, realidade à qual não se consegue habituar, chorando.
Relativamente à A BB, provou-se a seguinte factualidade:
77. Logo que tomou conhecimento do acidente do filho, BB não mais saiu de próximo dele, tendo seguido com ele desde o Hospital ... para o Hospital ... em ..., de helicóptero, e ali viveu durante cerca de dois anos, temendo, por aquilo que os médicos lhe iam referindo nos briefings diários, pela vida do seu filho de 13 anos de idade, o que a marcou, incluindo a impossibilidade de colaboração dos vários hospitais internacionais que foram contactados pelo Hospital ....
78. Enquanto ali viveu durante dois anos, deixou de poder estar com a sua filha GG e o seu companheiro, o demandante CC, o que lhe provocou profunda tristeza, pois estava ali a sofrer sozinha, sem ter ao seu lado qualquer familiar que a pudesse apoiar.
79. E maior era o seu sofrimento por saber que a sua filha GG, a quem foi diagnosticado o Síndrome de Asperger, necessitava de ajuda diária, e que não lhe podia valer.
80. No mês de setembro de 2015 teve a notícia de que o seu companheiro, CC, tinha sofrido um AVC hemorrágico que acabou por colocá-lo, para o resto dos seus dias, numa cadeira de rodas, sujeito a tratamentos de fisioterapia e terapia da fala diários.
81. Passou, assim, a dividir-se entre ..., onde estava com a sua filha, em ... onde estava com o marido hospitalizado e em ..., onde tinha o demandante AA também internado, tendo dias em que estava de manhã em ..., à tarde em ... e ao fim do dia em ..., deslocando-se, sempre, de autocarro, onde muitas vezes chorou por tudo aquilo que estava a acontecer com a sua família.
82. Por isso, e tendo uma família onde reinava a alegria, diversão e amor, BB, de repente, com 32 anos de idade passou a ter o seu filho numa cadeira de rodas, assim como o seu marido, sendo a ela que cabe olhar, agora, por todos os membros do seu agregado familiar. Deixou, assim, de ter vida própria, vivendo apenas em função das limitações dos seus filhos e marido, o que lhe provoca uma profunda tristeza, que a acompanha todos os dias, chorando, sofrendo pela situação atual e futura do filho.
83. Atualmente, residem num ..., não têm vida social relevante, tendo o agregado cerca de € 700,00/mês.
84. Uma vez que está dedicada a cuidar da família, BB não tem conseguido encontrar ocupação remunerada, nem lhe permite, tampouco, privar com outras pessoas para, de algum modo, espairecer de todo o sofrimento diário que vive.
Relativamente ao A CC cumpre assinalar o seguinte:
85. Após ter sido informado de que o seu filho AA tinha sido vítima de um acidente de viação deslocou-se ao local do acidente, onde ainda pôde ver o seu filho a ser assistido pela equipe médica do INEM, do que jamais se irá esquecer até ao fim dos seus dias.
86. Por força do problema de saúde de que padece a sua filha GG (Síndrome de Asperger), o pai não teve possibilidade de acompanhar diariamente a evolução clinica do seu filho AA, fazendo-o apenas à distância e quando recebia telefonemas da sua esposa que acompanhava o seu filho AA no Hospital ..., em .... Sofreu em particular com as intervenções cirúrgicas a que o filho foi submetido e quando percebeu que o seu filho iria ficar condenado a locomover-se apenas numa cadeira de rodas por lhe ter sido amputado o membro inferior esquerdo, sem possibilidade de jogar futebol com ele, como habitualmente dar umas caminhadas como o faziam habitualmente e fazer outro tipo de brincadeiras, inclusivamente na praia.
Considerando tudo o que se deixa exposto, procedendo a um julgamento de equidade com base no bom senso, equilíbrio e noção das proporções, atendendo às circunstâncias concretas de cada um dos progenitores e aos padrões que vêm sendo adotados pela jurisprudência (supra enunciados), afigura-se adequado fixar a BB a indemnização no valor de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) e a II a indemnização no valor de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros).

Procedem, parcialmente, as conclusões da alegação do recurso subordinado.

As custas do recurso principal e do recurso subordinado recaem sobre a Ré A..., na proporção do decaimento, delas estando isentos os AA por via do benefício do apoio judiciário – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)


IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso principal e do recurso subordinado, em consequência do que:
- se revoga a sentença quanto ao montante indemnizatório do dano patrimonial por perda de rendimentos futuros, condenando-se a Ré a pagar ao Autor (…) a quantia de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros);
- se revoga a sentença quanto ao montante indemnizatório do dano patrimonial decorrente do auxílio de terceira pessoa, condenando-se a Ré a pagar ao Autor (…) a quantia de € 260.500,00 (duzentos e sessenta mil e quinhentos euros);
- se revoga a sentença quanto ao montante indemnizatório do dano não patrimonial do Autor (…), condenando-se a Ré a pagar-lhe a quantia de € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros);
- se revoga a sentença quanto aos montantes indemnizatórios dos danos não patrimoniais dos Autores (…) e (…), condenando-se a Ré a pagar à Autora (…) a quantia de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) e ao Autor (…) a quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros).
Confirmando-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas do recurso principal e do recurso subordinado pela Ré (…) Portugal, na proporção do decaimento, delas estando isentos os AA por via do benefício do apoio judiciário.

*

Évora, 20 de abril de 2023
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
(assinatura digital)
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite
(assinatura digital)
__________________________________________________
[1] A Recorrente assinalou o n.º 8, mas com o teor factual inserto no n.º 7 dos factos provados.
[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 4.º edição, págs. 517 e 518. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 13.ª edição, págs. 338 e 339.
[3] Cfr. BMJ n.º 86, págs. 161-163 e n.º 90, pág. 59.
[4] Cfr. Brandão Proença, Acidentes de Viação e Fragilidade por Menoridade, Juris et de Jure, FDUCP, 1998, pág. 111.
[5] Rui Mascarenhas de Ataíde e António Barroso Rodrigues, Julgar n.º 46 - 2022, Acidentes de Viação. Responsabilidade Subjetiva, Presunções de Culpa e Responsabilidade Objetiva, pág. 29.
[6] Ob. cit., pág. 31.
[7] Julgar n.º 46 – 2022, A Problemática da Concorrência da Responsabilidade Objetiva, Decorrente dos Riscos de Circulação do Veículo, com a Culpa do Lesado, págs. 33 e seguintes.
[8] Onde são enunciados acórdãos do STJ com os respetivos sumários.
[9] A União Europeia iniciou o processo de uniformização da legislação dos Estados-Membros relativamente ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis e à obrigatoriedade de segurar essa responsabilidade, tendo como objetivo garantir a todas as vítimas de acidentes de viação – em particular às mais vulneráveis – uma efetiva, suficiente e não discriminatória indemnização e assegurar a livre circulação de veículos e de pessoas no mercado interno bem como a concorrência entre os serviços de seguros – cfr. Lopes do Rego, Julgar n.º 46 – 2022, pág. 45.
[10] Pág. 60.
[11] O Concurso de Responsabilidade Civil, Ensaio sobre o Concurso das Modalidades Delitual e Obrigacional da Responsabilidade Civil, págs. 327 e 328.
[12] Pág. 329.
[13] Reflexões acerca da concorrência entre risco e culpa do lesado na responsabilidade civil por acidente de viação, Estudos dedicados ao Prof. Dr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Vol. II, UCP, 2015, págs. 467 e seguintes.
[14] Pág. 477.
[15] Págs. 486 e 487.
[16] Pág. 497.
[17] Cfr. Maria da Graça Trigo, ob. cit., págs. 488 e 489.
[18] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 588.
[19] Maria da Graça Trigo, ob. cit., pág. 494.
[20] Acórdão do STJ de 08/09/2009.
[21] Relatado por Sebastião Póvoas.
[22] Relatado por Fonte Ramos.
[23] Relatado por Salazar Casanova.
[24] Álvaro Dias, in Dano Corporal. Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, 2001, pág. 133.
[25] Cfr. Acórdão do STJ de 04/06/2015 (Maria dos Prazeres Beleza) e demais acórdãos aí citados.
[26] Acórdão do STJ de 25/11/2209, proc. n.º 397/03.0GEBNV.S1 Autor/lesado com 8 anos de idade à data do acidente, incapacidade de 80% acrescida de 5% de dano futuro, indemnização de € 350.000,00; acórdão do STJ de 11/09/2014, no proc. n.º 3437/07.0TBVCT.G1.S1 Autora/lesada com 18 anos de idade à data do acidente, incapacidade de 19 pontos, indemnização correspondente a danos patrimoniais futuros fixada em € 72.000,00; acórdão do STJ de 04/06/2015, no proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, Autora/lesada com 17 anos de idade à data do acidente, incapacidade de 16,9 pontos, indemnização pelos danos patrimoniais futuros em € 55.000,00; acórdão do STJ de 26/01/2017, no proc. n.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1 Autora/lesada com 29 anos de idade à data do acidente, incapacidade de 13 pontos, indemnização pelo dano biológico em € 70.000,00; acórdão do STJ de 06/04/2021, proc. n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1, A/lesado com 6 anos de idade à data do acidente, incapacidade de 50 pontos, indemnização em € 300.000,00.
[27] Cfr. www.pordata.pt.
[28] Referencial invocado na p.i. para cálculo da indemnização.
[29] Já que o valor indemnizatório será reportado àquela data.
[30] Decreto-Lei n.º 109-B/2021, de 7 de dezembro.
[31] https://www.apseguradores.pt/pt/ferramentas/simuladores/valoriza%C3%A7%C3%A3o-de-dano-corporal.
[32] DL n.º 2/2007, de 03/01.
[33] Relatado por Mário Cruz, onde publicita “tabela acessível a qualquer jurista ou cidadão, que, em seu entender, permite através de operações aritméticas simples, chegar a resultados muito semelhantes na determinação da indemnização da IPP, como dano patrimonial futuro, tendo apenas como suporte a aplicação do programa informático Excel à fórmula utilizada pelo STJ no Acórdão de 1994.05.05 e que foi construída tendo como referência a atribuição de 3% ao fator aí indicado como taxa de juro previsível no médio e longo e prazo, taxa essa que, apesar dos anos, tem vindo a confirmar-se dada a estabilidade do euro”.
[34] Veja-se que o valor alcançado com a aplicação da tabela no acórdão de 4/12/2007, de € 53.123,782 conduz a indemnização fixada, pela equidade, em € 110.000,00.
[35] Acórdão do STJ de 04/12/2007, já referido.
[36] Acórdão do STJ de 04/12/2007, já referido.
[37] Artigos 12.º/1 e 18.º do DL n.º 235/92, de 24 de Outubro.
[38] Acórdão do STJ de 17/01/2008.
[39] Acórdão do STJ de 26/01/2012.
[40] Cfr. Acórdão do STJ de 25/06/2002.
[41] Cfr. Acórdãos do STJ de 22/10/2009 e de 24/04/2013.
[42] Cfr. montantes das indemnizações arbitradas nomeadamente nos Acórdãos do STJ de 19/01/2016 (José Raínho), 11/02/2016 (João Trindade), 14/07/2016 (João Trindade) e 16/03/2017 (Maria da Graça Trigo).
[43] Temas da Responsabilidade Civil, Vol. II, Indemnização dos Danos Reflexos, 2005.
[44] Cfr. fls. 31 e 32.
[45] Cfr. fls. 76 e 77.
[46] Cfr. fls. 89 e 90.
[47] Nuno Trigo dos Reis e Oriana Queluz, As Dores de uma Lesão Invisível: do «Dano não Patrimonial Reflexo» ao Dano Psíquico, Julgar n.º 46.º- 2022, pág. 161, nota 18.
[48] Dissertação de Mestrado em Direito Forense sob a orientação da Professora Maria da Graça Trigo, 2021, UCP.
[49] Ac. do STJ de 25/3/2021 (Abrantes Geraldes).