PERSI
DEVER DE INFORMAR
EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
Sumário


I – As várias alíneas do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, configuram todas elas factos objetivos cuja verificação, por si só, determina a extinção do PERSI, enquanto no n.º 2 do preceito deparamo-nos com causas de extinção que também são um facto em si mesmas consideradas [v.g. as alíneas a), b), f), e g)], a par de outras causas de extinção cuja verificação carece de suporte factual que as densifique. Estão neste caso as causas de extinção previstas nas alíneas c) a e), relativamente às quais a instituição de crédito terá necessariamente de aduzir as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento, para que possa considerar-se cumprido o dever de informação que sobre si impende.
II – Quando a extinção do PERSI ocorre em virtude da verificação objetiva de uma das causas de extinção do procedimento que constituem, em si mesmas consideradas, um dos fundamentos legais de extinção a que se refere o n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, como acontece quando hajam decorrido 91 dias sem que tenha havido acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento, ou as partes tenham acordado, por escrito, na prorrogação daquele prazo, a comunicação de extinção do procedimento, contendo esse fundamento, ademais quando remetida na sequência da comunicação de integração onde o mesmo já havia sido indicado, satisfaz o dever de informação da instituição de crédito para com o cliente bancário, que sobre aquela impende nos termos do n.º 3 do artigo 17.º, atualmente conjugado com o artigo 9.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021.
III – Estando o indeferimento liminar reservado aos casos previstos no n.º 2 do artigo 726.º do CPC, e mais concretamente na sua alínea b), para as situações em que ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso, não se podendo concluir que no caso em presença tenha havido incumprimento das comunicações previstas no PERSI, pelo fundamento oficiosamente conhecido, o despacho recorrido não pode manter-se e a execução deve prosseguir.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Processo n.º 2348/22.4T8ENT.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]

*****
Recurso próprio, tempestivo e recebido no efeito devido, nada obstando ao respetivo conhecimento.
*
Apesar de não ser unânime a resposta que tem vindo a ser dada, designadamente neste tribunal da Relação, à questão de saber se a carta em que a instituição bancária comunica ao cliente que o PERSI, em que o mesmo havia sido integrado, se extinguiu por terem decorrido 91 dias, sem qualquer outra menção, tem ou não eficácia extintiva desse procedimento, cremos que a ausência de resposta uniforme não afasta a simplicidade da questão suscitada pelo Banco Recorrente, a qual já foi objeto de anteriores acórdãos deste Tribunal de Relação cujo sentido argumentativo sufragamos[2], pelo que, será proferida decisão sumária pela ora relatora, de harmonia com o preceituado no artigo 656.º do Código de Processo Civil[3].
*
I – Relatório
1. BANCO BPI, S.A., por requerimento executivo datado de 17.08.2022, instaurou contra AA a presente ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum sumário, visando a cobrança coerciva da quantia de 9.240,19 € e juros vincendos, dando à execução letra de câmbio emitida em 03.05.2022 e vencida em 13.05.22, subscrita pelo executado para garantia do pagamento da quantia que pela exequente lhe foi mutuada no âmbito do contrato de concessão de crédito entre ambos celebrado.

2. Por despacho proferido em 18.10.2022, na consideração que se impunha aferir da concreta natureza do crédito que esteve na base da livrança dada à execução e, a partir daí, verificar se foi dado cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o exequente foi convidado a esclarecer e/ou demonstrar nos autos, o que tivesse por conveniente a propósito da questão suscitada.

3. Por requerimentos de 25.10.2022, e 21.12.2022 (este, na sequência de novo convite dirigido após análise dos documentos juntos com o primeiro), a exequente juntou cópias impressas de duas missivas, delas constando como destinatário o executado e a morada do contrato celebrado, datadas de 2 de novembro de 2021 e 1 de fevereiro de 2022, a primeira dando conhecimento da integração do devedor no PERSI, e a última comunicando a extinção do procedimento “por terem decorrido 91 dias após o seu início”.

4. Nessa sequência, o tribunal facultou ao exequente a possibilidade de exercer o contraditório acerca da eventual adoção “do entendimento de acordo com o qual a carta de comunicação de extinção do PERSI não é suscetível de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicar o concreto fundamento legal da extinção nem, de forma conveniente, as concretas razões pelas quais foi considerada inviável a manutenção do procedimento”, que respondeu, defendendo ter dado pleno cumprimento ao PERSI, e pugnando pelo prosseguimento da ação executiva.

5. Em 20.02.2023 foi proferida decisão que julgou “oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pelo exequente “Banco BPI, S.A.”, dos termos da obrigatória comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolver o executado AA da instância executiva, determinando a extinção da execução”.

6. Inconformado, o exequente interpôs o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões[4]:
«IV. O recorrente integrou o Executado em PERSI, remetendo a respetiva comunicação.
V. A missiva foi remetida para a única morada conhecida pelo Banco recorrente, a saber, Rua ..., ..., ....
VI. O Banco nunca recebeu qualquer informação de mudança ou modificação no endereço postal, pelo que, presume-se que a morada conhecida pelo Banco é a morada de residência do ora Executado.
VII. Sendo a declaração eficaz, por produzidos os efeitos do disposto no artigo 224.º do Código Civil.
VIII. É o seguinte teor a comunicação de integração no PERSI:
““Extinção do PERSI
O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com declaração de insolvência do cliente bancário.”
IX. Consta da comunicação de extinção do PERSI (datada de 01-02-2022) “extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) associado ao contrato de crédito acima indicado, por terem decorrido 91 dias após o seu início”.
X. O decurso de 91 dias desde o início do procedimento é um dos motivos de extinção automática do PERSI - a par do determinado nas alíneas a), b) e d) do artigo 17º – artigo 17º, nº 1, alínea c) “O PERSI extingue-se (…)
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação;”
XI. A comunicação de extinção do PERSI indica o facto automático que determinou a extinção do PERSI – o decurso de noventa e um dia desde o início do procedimento.
XII. A comunicação de extinção do PERSI cumpre igualmente o regulado no artigo nº 9 do aviso do Banco de Portugal nº 17/2012 Portugal “A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, os seguintes elementos: b) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI”. (sublinhado e negrito nossos).
XIII. No caso em apreço estamos perante um dos factos automáticos de extinção do PERSI legalmente previstos – o decurso de 91 dias desde o início do procedimento (a par dos factos automáticos de extinção previstos nas alíneas a) e b) do artigo 17º, nº 1 do citado diploma.
XIV. No artigo 17º, nº 1 encontram-se previstos os factos automáticos de extinção do PERSI.
XV. No artigo 17º, nº 2 encontram-se elencados factos que podem motivar a extinção do PERSI por iniciativa da instituição de crédito “A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que (…) (sublinhado e negrito nossos).
XVI. O nº 1 e nº 2 distingue expressamente factos automáticos de extinção do PERSI (17º, nº 1) de factos que podem motivar a extinção do PERSI por iniciativa da instituição de crédito (17º, nº 2).
XVII. A comunicação de extinção do PERSI é eficaz porque menciona o facto automático extintivo do PERSI – o decurso de nove e um dias desde o início do procedimento (em concordância com o determinado no artigo 8º do aviso do Banco de Portugal nº 17/2012) e já previamente informada na comunicação de integração de tal facto extintivo.
XVIII. A comunicação de extinção do PERSI é afinal eficaz porque em consonância com a previsão do artigo 17º, nº 1 do citado diploma, não se encontrando o recorrente impossibilitado de intentar a presente ação executiva de acordo com o artigo 18º, nº 1, alínea b), contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo.».

7. Cumpre apreciar e decidir.
*****
II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do CPC, é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo evidentemente de questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
A questão colocada no presente recurso consiste em saber se o decurso do prazo de 91 dias desde a data da integração do cliente bancário em PERSI determina a extinção do mesmo, bastando que a instituição bancária comunique essa razão objetiva ao devedor, ou se a extinção do procedimento exige que sejam concomitantemente indicadas as razões que inviabilizaram a manutenção do procedimento.
*****
III – Fundamentos
III.1. – De facto
Para além do que consta no relatório, as incidências processuais relevantes para o conhecimento do objeto do recurso são as seguintes:
1. A missiva de integração do executado no PERSI, datada de 02.11.2021, tem como destinatário o ora executado e o seguinte teor:
«(…) Contrato de Crédito nº ...02
Exmo(a). Senhor(a),
Informamos V/Exa. que relativamente ao contrato de crédito em epígrafe, não foi possível proceder à liquidação dos seguintes valores já vencidos:
Detalhe das prestações em atraso: (…)
Nos termos previstos no Decreto-Lei nº227/2012 de 25 de Outubro, o contrato de crédito acima indicado foi integrado, na presente data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), sobre o qual pode encontrar informação detalhada no Anexo a esta carta. Para que possamos avaliar a capacidade financeira de V/Exa. e propor-lhe, quando tal seja viável, uma solução para a regularização da situação de incumprimento, solicitamos que, no prazo máximo de 10 dias a contar da recepção desta carta, contacte o seu Balcão, prestando-lhe as seguintes informações actualizadas:
- situação profissional;
- dimensão do agregado familiar;
- rendimentos líquidos mensais do agregado familiar (incluindo prestações sociais);
- e encargos mensais com operações em outras instituições de crédito.
Para qualquer esclarecimento adicional, poderá contactar o seu Balcão. (…)».
2. No ANEXO a que se refere a missiva consta a seguinte informação (sendo os destaques de origem):
«O PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, visa promover a regularização de situações de incumprimento através de soluções negociadas entre o cliente bancário e a instituição de crédito.
Negociação de soluções
Nos 30 dias após a integração do crédito em incumprimento em PERSI (data indicada na presente comunicação), a instituição de crédito deve avaliar a capacidade financeira do cliente bancário, propondo-lhe soluções para renegociar o contrato de crédito ou consolidar dívidas, quando tal seja viável.
O cliente bancário deve responder à(s) proposta(s) no prazo de 15 dias, podendo apresentar alterações ou propostas alternativas.
A instituição de crédito não está obrigada a aceitar as propostas do cliente bancário.
Garantias do cliente bancário
Durante o PERSI, as instituições de crédito não podem:
• Resolver o contrato de crédito;
• Iniciar ações judiciais contra o cliente bancário; e
• Ceder o crédito a outra entidade que não seja uma instituição de crédito, salvo para efeitos de titularização.
Deveres do cliente bancário
O cliente bancário deve colaborar com a instituição de crédito na procura de soluções para a regularização da situação de incumprimento.
Para tal deve respeitar os prazos para disponibilizar os documentos e as informações que lhe sejam solicitados (10 dias) e responder à(s) proposta(s) da instituição de crédito (15 dias).
Extinção do PERSI
O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.
A instituição de crédito pode ainda extinguir o PERSI caso:
• Verifique não ser viável a apresentação de propostas;
• Ocorra a penhora ou seja decretado arresto sobre bens do cliente bancário;
• Seja nomeado administrador judicial provisório no âmbito de processo de insolvência;
• O cliente bancário não colabore durante o PERSI;
• O cliente bancário ou a instituição de crédito recuse a(s) proposta(s) apresentada(s);
• O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa direitos ou garantias da instituição de crédito.
A instituição de crédito deve informar o cliente bancário dos fundamentos para a extinção do PERSI.
Mediador do Crédito
O cliente bancário que esteja a incumprir um contrato de crédito à habitação e seja igualmente mutuário de outros contratos de crédito pode beneficiar das garantias do PERSI por um período adicional de 30 dias caso solicite a intervenção do Mediador do Crédito nos 5 dias seguintes à extinção do PERSI.
Rede de apoio ao cliente bancário
Os clientes bancários com créditos em risco de incumprimento ou em atraso no pagamento das suas prestações podem obter informação, aconselhamento e acompanhamento junto da rede extrajudicial de apoio ao cliente bancário, a título gratuito.
A rede de apoio ao cliente bancário é constituída por entidades habilitadas e reconhecidas pela Direção-Geral do Consumidor.
Para mais informações sobre a rede de apoio, consulte o "Portal do Consumidor", em www.consumidor.pt.
Para outras informações sobre os regimes relativos ao incumprimento de contratos de crédito consulte o seu Balcão BPI, o Portal do Cliente Bancário, em http://clientebancario.bportugal.pt, e o portal "Todos Contam", em www.todoscontam.pt.
3. A missiva visando a comunicação da extinção do PERSI, datada de 01.02.2022, tem como destinatário o aqui executado e, na parte que ora releva considerar, o seguinte teor:
«(…) Contrato de crédito não hipotecário nº ...02
Exmo(a). Senhor(a),
Informamos V. Exa. que, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) associado ao contrato de crédito acima indicado, por terem decorrido 91 dias após o seu início. (…)».
*****
III.2. – O mérito do recurso
Conforme decorre da decisão recorrida, e não é impugnado pelo Apelante, o contrato subjacente à emissão da livrança dada à execução insere-se no âmbito do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 (alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06.08), nomeadamente face ao disposto no seu artigo 2.º, n.º 1, alínea c), aplicando-se-lhe por isso as obrigações decorrentes do PERSI, o que não foi sequer posto em causa pelo exequente, que juntou documentos destinados a demonstrar o cumprimento daquele procedimento relativamente ao aqui executado.
Em face do disposto no artigo 14.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 227/2012, não sofre igualmente dúvidas o entendimento expresso em numerosos arestos dos Tribunais Superiores de que a integração de cliente bancário no PERSI é obrigatória sempre que se mostrem verificados os seus pressupostos, e que a falta de integração do devedor no PERSI pela instituição de crédito, a omissão da informação devida, ou a ausência de comunicação da extinção do procedimento, constituem violação de normas de caráter imperativo. Por isso, e atento o preceituado no artigo 18.º, n.º 1, alínea b), do referido diploma, vem sendo reiteradamente afirmado que o cumprimento das obrigações que impendem sobre as instituições bancárias, constitui uma verdadeira condição objetiva de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), configurando o respetivo incumprimento uma exceção dilatória atípica ou inominada, insuprível, e de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC)[5]. Como tal, a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artigo 573.º do CPC, que afasta a aplicação do princípio da preclusão. Assim, o limite temporal preclusivo desse conhecimento, no âmbito do processo executivo em que ora nos movemos, é o previsto no artigo 734.º do Código de Processo Civil, ou seja, o primeiro ato de transmissão do bem penhorado[6].
Conforme entendimento expresso no mencionado aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021[7], e atento o que dispõem os artigos 14.º, n.º 4, 17.º, n.º 3, e 20.º do diploma a que nos vimos reportando[8], as comunicações de integração no PERSI, como de extinção do mesmo, têm de ser feitas ao cliente bancário “em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do CC”, e são declarações recetícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a sua receção pela executada (pelo menos presumida), princípio de prova[9] que a apelante, de resto, cumpriu, sendo que mais recentemente o STJ veio mesmo afirmar que “o regime criado pelo DL n.º 227/2012, de 25-10, não exige (…) que a prova da comunicação aos destinatários dirigida para o endereço conhecido do remetente e sobre o efectivo conhecimento pelos destinatários do teor da instauração do PERSI e sua integração nele bem como da extinção do procedimento tenham lugar unicamente através de prova documental, sendo admissível o recurso complementar a outros meios de prova e a presunções judiciais nos termos do art. 351.º do CC”[10], isto obviamente caso a execução haja de prosseguir e alguma questão seja suscitada pelo executado a este respeito.
Com efeito, tendo presente que no caso estamos perante despacho liminar, a questão nuclear colocada nestes autos é apenas a referida, respeitante ao conteúdo da comunicação de extinção do PERSI, importando determinar se se encontra ou não demonstrado o (in)cumprimento da obrigação de comunicação e informação expressa no 3.º do artigo 17.º do diploma legal em referência, em termos que configurem a dita exceção dilatória insuprível decorrente da violação de normas de caráter imperativo que determinem o incumprimento de condição de procedibilidade da ação executiva.
A este respeito, ponderou-se na decisão recorrida que “a questão essencial que se nos coloca é a de saber se a supra citada missiva com data de 01-02-2022 é ou não apta a considerar validamente cumprido o artigo 17.º, n.ºs 3 a 5, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, que dispõe nos seguintes termos:
«3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5 – O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3».
Em cumprimento deste n.º 5, e face às alterações introduzidas pelo susodito Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06/08, foi dado à estampa o Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021 (publicado no Diário da República n.º 244/2021, Série II de 2021-12-20, Parte E), de cujo artigo 9.º, sob a epígrafe «[c]omunicação de extinção do PERSI», decorre o que segue, no que aqui releva e que corresponde ao precedente artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012):
«A comunicação pela qual a instituição informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, os seguintes elementos:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal; (…)»
Revertendo à situação dos autos, e salvaguardando o devido respeito por melhor opinião, estamos em crer que a sobredita comunicação alegadamente dirigida ao aqui executado em 01-02-2022 dando-lhe conta da extinção do PERSI em que havia sido integrado não satisfaz os requisitos enunciados, mormente os que foram objecto de negrito e sublinhados nossos.
Na verdade, ao executado terá sido transmitido que aquele procedimento se extinguiu «por terem decorrido 91 dias após o seu início», mas nenhuma palavra se acrescentou no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», informá-lo em que concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento, descrevendo os factos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo a mesmo.
Repare-se que na comunicação em causa o exequente, para além de não indicar a concreta norma habilitante (refere-se apenas aos «termos previstos no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro»), se limitou a transcrever o que em parte resulta da alínea c) do n.º 1 do seu artigo 17.º, omitindo por completo quaisquer «factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento»”.
Louvando-se no que decorre do preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º 227/2012, observou que “Num tal quadro, em que ali também são ponderadas as «assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito», o cumprimento do PERSI não pode, do nosso ponto de vista, e tal como repetidamente temos vindo a acentuar, ser olhado como mero pró-forma, o que seria o caso dos autos se porventura o tribunal aceitasse como validamente cumprida a obrigatória comunicação de extinção daquele procedimento nos sobreditos termos em que foi levada a cabo pelo exequente”, e seguidamente convocou em suporte da posição assumida, os Acórdãos deste Tribunal da Relação de Évora de 25-11-2021, de 24-03-2022[11], e de 07-04-2022, que sindicaram, em sentido concordante, o entendimento defendido na decisão ora recorrida, com a consequente extinção da instância executiva, por faltar a dita condição de admissibilidade.
Não desconhecemos a aprofundada fundamentação expressa nos citados arestos, em defesa da referida interpretação do preceito, que aqui não reproduzimos integralmente para evitar inútil repetição, mas que julgamos estar devidamente espelhada nos sumários dos acórdãos de 25.11.2021 e 07.04.2022, onde respetivamente se consignou que «a extinção do PERSI com o fundamento legal de terem decorrido 91.º dias subsequentes à data da integração do cliente bancário nesse procedimento, não exime a entidade bancária de lhe comunicar, para além daquele fundamento legal, as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI», e que «uma carta em que a instituição bancária comunica ao cliente que o PERSI em que o mesmo havia sido integrado se extinguiu por terem decorrido 91 dias, sem qualquer outra menção, não tem eficácia extintiva desse procedimento».
Porém, com o devido respeito – que é muito –, não cremos ser essa a interpretação do preceito que melhor se compagina com a constatação do facto objetivo que o decurso do tempo constitui – o mesmo ocorrendo, por exemplo, com a declaração de insolvência do cliente bancário, prevista na alínea d) – por comparação com outras causas de extinção do procedimento, essas sim, carecendo de adicional descrição que consubstancie as razões que fundamentam a extinção do PERSI, por iniciativa da instituição de crédito.
Com efeito, se bem virmos, as várias alíneas do n.º 1 do artigo 17.º configuram todas elas factos objetivos cuja verificação, por si só, determina a extinção do procedimento. Como se afirmou no aresto deste Tribunal de 09.02.2023, relatado pela segunda adjunta nestes autos, e cuja fundamentação subscrevemos, «no nº1 do citado art.º 17º enunciam-se os quatro fundamentos de extinção (ope legis) do PERSI”. (…) Naturalmente que quando ocorre um dos fundamentos de extinção enunciados no nº1 a tarefa informativa do Banco está facilitada já que aí se elencam, afinal, os fundamentos (automáticos[3[12]]) de extinção do PERSI. Não se descortina que explicitação adicional é de exigir ao Banco quando esteja em causa uma das situações aí objectivamente definidas: pagamento ou extinção da dívida, obtenção de um acordo; decurso do prazo de 90 dias subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento ou declaração de insolvência do cliente bancário.
Portanto, a explicitação das “razões da inviabilidade da manutenção do procedimento” só faz, a nosso ver, sentido quando a extinção do PERSI tenha por fundamento uma das situações em que o Banco decide pôr-lhe termo à luz do disposto no nº2 do artigo 17º, mormente nas elencadas nas alíneas c) e e) em que tal exigência se coloca com maior acuidade ( v.g. discriminação dos actos praticados pelo cliente bancário que no entender do Banco são susceptíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da mesma instituição de crédito)».
Com efeito, no n.º 2 do preceito, deparamo-nos com causas de extinção que também são um facto em si mesmas consideradas [v.g. as alíneas a), b), f), e g)], a par de outras causas de extinção cuja verificação carece de suporte factual que as densifique. Estão neste caso as causas de extinção previstas nas alíneas c) a e), relativamente às quais a instituição de crédito terá necessariamente de aduzir as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento, para que possa considerar-se cumprido o dever de informação que sobre si impende, tal como vinha previsto no artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17.12.2012), e atualmente se encontra vertido no artigo 9.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 243, Parte E, de 17.12.2021[13], Avisos que deram cumprimento ao preceituado no n.º 5 do artigo 17.º do diploma em referência, estabelecendo os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação ao cliente bancário, prevista no seu n.º 3.
Em síntese, cremos que, quando a extinção do PERSI ocorre em virtude da verificação objetiva de uma das causas de extinção do procedimento que constituem, em si mesmas consideradas, um dos fundamentos legais de extinção a que se refere o n.º 1 do artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, como acontece quando hajam decorrido 91 dias sem que tenha havido acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento, ou as partes tenham acordado, por escrito, na prorrogação daquele prazo, a comunicação de extinção do procedimento, contendo esse fundamento, satisfaz o dever de informação da instituição de crédito para com o cliente bancário, que sobre aquela impende nos termos do n.º 3 do artigo 17.º, atualmente conjugado com o artigo 9.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021.
Revertendo estas considerações ao caso em apreço, cremos – tal como se concluiu no citado Acórdão deste Tribunal, de 09.02.2023 –, “que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, não poderia deixar de perceber qual o fundamento legal concreto da extinção do PERSI, quais as consequências disso advenientes e as possibilidades que ainda tinha para tentar reverter a situação”.
Com efeito, logo no Anexo à carta enviada ao devedor comunicando a sua integração no PERSI, constava mencionado após o título salientado a negrito “Extinção do PERSI” que “O PERSI extingue-se no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário”.
Depois, na missiva onde foi comunicada a extinção do PERSI, foi concretamente indicado que: nos termos previstos no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, extingue-se na presente data o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) associado ao contrato de crédito acima indicado, por terem decorrido 91 dias após o seu início. Portanto, é perfeitamente compreensível que o fundamento legal que determinou a extinção do procedimento foi o decurso do prazo de 91 dias desde a integração no PERSI, fundamento que, aliás, já havia sido anunciado na carta de integração como determinando a extinção do PERSI, não se nos afigurando que, sendo objetivo, careça de qualquer outra informação adicional para ser entendido.
Na verdade, é preciso não esquecer, tal como se exarou no acórdão deste Tribunal de 26.05.2022, que «os documentos apresentados devem ser interpretados no seu contexto», sendo certo que, tanto naquele como neste caso em apreço, “foi remetida informação adicional aos executados, sobre vários temas do PERSI, esclarecendo que este se extinguia “no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo das partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.”
Donde, resta concluir como ali se conclui que, «neste quadro, ao enviar as cartas de extinção do PERSI invocando o decurso do prazo referido no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), não se pode afirmar, sem mais, que os executados não estavam informados que o decurso do aludido prazo era causa de extinção do procedimento.
Ademais, interpretando o artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal, a comunicação de extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respectivo fundamento legal, o que é compatível com os n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do DL n.º 272/2012, que incluem factos que automaticamente extinguem o procedimento – o pagamento, o acordo, o decurso do prazo legal ou a declaração de insolvência do cliente bancário – e outros que envolvem um processo decisório da instituição de crédito.
Nestes termos, não se pode dizer que as cartas que comunicaram a extinção do PERSI por decurso do prazo estipulado no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), não sejam suficientemente claras, rigorosas e legíveis, em especial quando o cliente já estava devidamente informado das consequências do decurso do prazo de 91 dias.
Ponderando, finalmente, que nos encontramos perante um despacho liminar de indeferimento, que deve ser reservado para situações de manifesta e indiscutível improcedência do pedido, mesmo que subsistam dúvidas sobre a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, a execução deve prosseguir, tanto mais que o processo admite aos executados a oportunidade de deduzir a sua oposição, podendo invocar todos os fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração – artigo 731.º do Código de Processo Civil».
Com efeito, estando o indeferimento liminar reservado aos casos previstos no n.º 2 do artigo 726.º do CPC, e mais concretamente na sua alínea b), para as situações em que ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso, não se podendo concluir, pelas sobreditas razões, que no caso em presença tenha havido incumprimento das comunicações previstas no PERSI, pelo fundamento oficiosamente conhecido, o despacho recorrido não pode manter-se e a execução deve prosseguir.
Consequentemente, a apelação procede, sendo de revogar o despacho recorrido.
*****
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
*****
Évora, 28 de abril de 2023
Albertina Pedroso [14]

__________________________________________________
[1] Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 1.
[2] Por exemplo, em 09.02.2022, processo n.º 3358/20.1T8ENT.E1, relatado pela Juíza Desembargadora que é a segunda adjunta nestes autos, e em 26.05.2022, processo n.º 18/22.2T8ENT.E1, cujo entendimento seguiremos de perto. Em sentido contrário, cfr., Acórdãos proferidos em 25.11.2021, processo n.º 17026/20.0T8PRT.E1, em 07.04.2022, processo n.º 451/21.7T8ENT.E1, e em 29.09.2022, processo n.º 2764/18.6T8STB-A.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt, como os demais arestos que sejam citados sem menção de outra fonte.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Que se transcrevem na parte que importa ao objeto do recurso.
[5] Cfr., Ac. STJ de 13.04.2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, e mais recentemente, Ac. STJ de 02.02.2023, processo n.º 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1.
[6] Cfr., Acs. TRE de 28.06.2018, processo n.º 2791/17.0T8STB-C.E1, e de 09.06.2022, processo n.º 6388/16.4T8STB-D.E1.
[7] Seguido no aresto deste TRE de 14.10.2021, processo n.º 2915/18.0T8ENT.E1.
[8] Com as alterações introduzidas pelo DL n.º 70-B/2021, de 6 de agosto, que estabelece medidas de proteção para os clientes bancários abrangidos pelas medidas excecionais e temporárias de proteção de créditos e altera o regime relativo à prevenção e regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito, tendo designadamente reforçado os deveres de informação ao cliente bancário.
[9] Cfr., a este respeito, Ac. TRE de 16.12.2021, processo n.º 1415/19.6T8ENT-A.E1, relatado pelo Juiz Desembargador que neste autos é primeiro adjunto, seguindo o entendimento já preconizado no mencionado Acórdão STJ de 13.04.2021.
[10] Cfr. Ac. STJ de 28.02.2023, processo n.º 7430/19.2T8PRT.P1.S1.
[11] Este publicado na Colectânea de Jurisprudência, N.º 317, Ano XLVII, Tomo II/2022, pp. 251 a 255.
[12] [3] É o próprio Banco de Portugal que no seu portal ( https://clientebancario.bportugal.pt/pt-pt/gestao-do-incumprimento) assim os qualifica: “O PERSI extingue-se ainda automaticamente (…) “.
[13] Que revogou o Aviso n.º 17/2021.
[14] Texto elaborado, revisto e assinado eletronicamente pela Relatora.