PRESUNÇAO DE LABORALIDADE
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
Sumário


I – Mostrando-se violada a imposição de especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diferente, bem como a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, deve ser, de imediato, rejeitada a impugnação da matéria de facto, nos termos do art. 640.º, nºs. 1, al. b) e 2, al. a), do Código de Processo Civil.
II – Em face do disposto no art. 12.º do Código do Trabalho, basta que se verifiquem duas das situações aí previstas para que se presuma a existência de um contrato de trabalho, presunção essa que, por ser uma presunção juris tantum, permite à entidade empregadora efetuar contraprova, ou seja, comprovar que, apesar de tais situações em concreto se verificarem, na análise da globalidade da relação contratual estabelecida, inexiste contrato de trabalho.
III – No caso em apreço, não só se mostraram verificadas as alíneas a), c) e d) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, passando, por isso a ser da competência do empregador a prova de factos suscetíveis de afastar a presunção; como o empregador não procedeu à prova de quaisquer factos suscetíveis de descaracterizar a relação existente como de trabalho.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Proc. n.º 1526/21.8T8FAR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA (Autora) intentou a presente ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “BB” (Ré), pedindo que a ação fosse julgada procedente, por provada, sendo a Ré condenada:
- reconhecer a ilicitude do despedimento, e, consequentemente, por opção da Autora, que, desde já, manifesta a sua intenção para, em substituição da sua reintegração, ser a Ré condenada no pagamento de indemnização que à presente data se traduz na quantia global €3.726,66 €;
- nas retribuições vencidas e vincendas que a Autora deixou de auferir desde o despedimento – 23 de Março de 2021 – até ao trânsito em julgado da decisão judicial;
- nos parciais de antiguidade vencidos e vincendos até ao trânsito em julgado da decisão judicial;
- nos parciais de créditos vencidos desde 24 de Março de 2021 até trânsito em julgado da decisão judicial e respeitantes a subsídios de férias e de Natal;
- na liquidação do valor global respeitante a créditos vencidos e referentes a salários dos meses de Março, Abril e Maio de 2020, dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março, todos do ano de 2021, proporcionais, subsídio de natal e proporcionais de subsidio de férias, respeitantes aos anos de 2017 e 2021, bem como, subsídios de natal e subsídio de férias, respeitantes aos anos de 2018, 2019 e 2020, bem como, proporcional de retribuição referente a férias vencidas e não gozadas respeitantes aos anos de 2017, 2019, 2020 e 2021, bem como, retribuição referente a férias vencidas e não gozadas respeitante ao ano de 2018, todos no montante global €14.576,66;
- nos juros de mora vincendos à taxa legal própria; e
- nas custas e demais encargos legais.
Alegou, em síntese, que a Ré a admitiu ao seu serviço em 1 de agosto de 2017, sem formalização de contrato e por tempo indeterminado, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, mediante retribuição no valor mensal de €1.040,00, prestar a atividade de empregada de mesa, balcão, cozinha, limpeza e efetuar encomendas de produtos aos fornecedores no estabelecimento comercial explorado pela Ré.
Mais alegou que prestava a sua atividade profissional para a Ré de quarta a segunda-feira, até 10 horas diárias, usufruindo de folga à terça-feira.
Alegou igualmente que a Ré, em 23 de março de 2021, despediu verbalmente a Autora, sem ter procedido a qualquer processo disciplinar, sendo, por isso, tal despedimento ilícito, não lhe tendo igualmente pago vários salários, subsídios de Natal, proporcionais de férias não gozadas e subsídios de férias.
Alegou, por fim, que em face da ilicitude do despedimento de que foi alvo, a Ré deve indemnizá-la, nos termos do art. 391.º, n.º 1, do Código do Trabalho, num patamar não inferior a 30 dias de retribuição e pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declarar ilícito o despedimento.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver por acordo o litígio.
A Ré apresentou contestação, pugnando, a final, pela total improcedência da ação, e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.
Para o efeito, alegou nunca ter contratado, ainda que verbalmente, a Autora, nem a ter despedido ou de qualquer outra forma feito cessar qualquer contrato de trabalho que nunca existiu, visto nunca ter efetivamente existido qualquer vínculo laboral entre si e a Autora.
Foi proferido despacho saneador, onde foi fixado o valor da causa em €18.303,32 e identificados os temas de prova.
Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida a respetiva sentença em 14-10-2022, com a seguinte decisão:
Em face do exposto julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) declaro que BB despediu ilicitamente AA;
b) consequentemente, condeno BB a pagar a AA:
1. a título de indemnização, em substituição da reintegração, a quantia correspondente a 30 (trinta) dias de retribuição base por cada ano de antiguidade ou fração, atendendo-se ao tempo decorrido até ao trânsito em julgado desta decisão, em montante a fixar em liquidação de sentença;
2. a título de compensação, o montante das retribuições (incluindo subsídios de férias e de natal) que deixou de auferir até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescida dos juros de mora, à taxa legal desde o vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento, em montante a fixar em liquidação de sentença, com dedução das quantias referidas no art.390º nº 2 do Código de Trabalho
c) condeno BB a pagar a AA:
1. a quantia de €1155,00 (mil cento e cinquenta e cinco euros) a título de remanescente de vencimento dos meses de março a maio de 2020;
2. a quantia de €25,00 (vinte e cinco euros), a título de remanescente de retribuição de janeiro de 2021;
3. a quantia de €665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros) a título de retribuição de fevereiro de 2021;
4. a quantia de €509,83 (quinhentos e nove euros e oitenta e três cêntimos) a título de retribuição de março de 2021.
5. a quantia de €232,08 (duzentos e trinta e dois euros e oito cêntimos) a título de subsidio de natal de 2017;
6. a quantia de €580,00 (quinhentos e oitenta euros) a título de subsidio de natal de 2018;
7. a quantia de €600,00 (seiscentos euros) a título de subsidio de natal de 2019;
8. a quantia de €635,00 (seiscentos e trinta e cinco euros) a título de subsidio de natal de 2020;
9. a quantia de €149,40 (cento e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos) a título de subsidio de natal de 2021.
10. a quantia de €506,36 (quinhentos e seis euros e trinta e seis cêntimos) a título de remuneração de férias e subsidio de férias de 2017;
11. a quantia de €1160,00 (mil cento e sessenta euros) a título de férias e subsidio de férias de 2018;
12. a quantia de €818,18 (oitocentos e dezoito euros e dezoito cêntimos) a título de férias e subsidio de férias de 2019;
13. a quantia de €865,90 (oitocentos e sessenta e cinco euros e noventa cêntimos) a título de férias e subsidio de férias de 2020;
14. a quantia de €298,80 (duzentos e noventa e oito euros e oitenta cêntimos) a título de remuneração de férias e subsidio de férias de 2021
15. os juros de mora incidentes sobre as quantias referidas em c), à taxa legal, desde a citação, e até efetivo e integral pagamento;
d) absolvo a R. do demais peticionado;
e) custas por A. e R., na proporção do decaimento e sem prejuízo do apoio judiciário auferido (cfr.art.527º do CPC ex vi art.1º nº 2 al. a) do CPT).
Não se conformando com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
(…).
A Autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
(…)
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Não houve resposta ao parecer.
Tendo sido mantido o recurso nos seus exatos termos, foram colhidos os vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Falta de fundamento legal da sentença;
2) Impugnação fáctica;
3) Inexistência de contrato de trabalho entre Autora e Ré.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. A R. deteve a exploração da unidade hoteleira de snack bar afecto ao Clube …, desde data não apurada de meados de 2017 e até dia não apurado de meados de março de 2021.
2. Em 01 de agosto de 2017 a R. admitiu a A. ao seu serviço, sem formalização de contrato e por tempo indeterminado para, sob as suas ordens, direção, fiscalização e mediante pagamento de retribuição, lhe prestar trabalho de empregada de mesa, balcão, cozinha, limpeza e para fazer em seu nome encomendas a fornecedores no dito estabelecimento.
3. A R. pagava à A. quantia mensal não concretamente determinada, não inferior ao salário mínimo nacional.
4. Por determinação da R. a A. trabalhava 8 horas por dia, em turno por aquela determinado.
5. A A. tinha folga à terça feira.
6. Em consequência da pandemia de Covid-19 a R., no dia 16 de janeiro de 2021, encerrou o estabelecimento.
7. Em dia não apurado de meados de março de 2021, a R. comunicou à A. que não abriria mais o estabelecimento pelo que cessava o contrato.
8. A R. não pagou à A. qualquer quantia a título de subsidio de natal, subsidio de férias, remuneração de férias não gozadas durante o tempo de duração da relação contratual.
9. Entre março e maio de 2020 a título de vencimento a R. pagou apenas à A. a quantia de € 750,00.
10. No mês de Janeiro de 2021 a R. pagou à A. a quantia de €640,00.
11. A R. não pagou à A. qualquer quantia referente ao vencimento de fevereiro e março de 2021.
E deu como não provados os seguintes factos:
1. A A. auferisse €1 040,00 por mês.
2. A A. prestasse 10 h de trabalho por dia.
3. O despedimento tenha ocorrido em 23 de março de 2021.
4. Em 2019 a A. gozou 7 dias de férias.
5. Em 2020 a A. gozou 7 dias de férias
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) existe falta de fundamento legal na sentença recorrida; (ii) a sentença recorrida fez um incorreto julgamento da matéria de facto; e (ii) se existe, ou não, entre Autora e Ré um contrato de trabalho.
1 – Falta de fundamento legal da sentença
(…)
Pelo exposto, improcede a invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação.

2 – Impugnação da matéria de facto
No entender da Recorrente, o tribunal a quo apenas credibilizou as testemunhas da Autora, tendo desvalorizado os depoimentos das testemunhas da Ré.
Não indicando expressamente quais os factos que pretende impugnar, das suas conclusões parece, porém, resultar, através de uma análise interpretativa, que a Autora não tinha horário de trabalho e que a Ré não pagava qualquer quantia à Autora, ou seja, que não concorda com o teor dos factos provados 3 e 4.
Apreciemos.
Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre a Recorrente, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016:[4]
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

Conforme referimos supra, nas conclusões recursivas, apesar de não constar de forma concreta os factos que se mostram impugnados, através de uma análise interpretativa, é possível concluir que se trata dos factos provados 3 e 4, considerando a Recorrente que deveriam ter sido dados como não provados.
Procedendo à análise das respetivas alegações, entende a Recorrente que o tribunal a quo, ao invés de valorizar os depoimentos das testemunhas da Autora, deveria ter valorizado os depoimentos das testemunhas da Ré. Porém, destes depoimentos, para além de não identificar a que testemunhas, em concreto, da Ré se reporta, conforme imposto, sob pena de imediata rejeição, pela al. b) do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, a Recorrente não dá qualquer cumprimento à obrigatoriedade, também sob pena de imediata rejeição, de indicar com exatidão as passagens da gravação dos depoimentos em que funda a sua discordância ou de proceder à transcrição dos excertos que considera relevantes. Na realidade, não só não se mostram identificadas as testemunhas cujos depoimentos impunham decisão diversa, como não consta qualquer indicação do início e termo, nas gravações, desses depoimentos, nem consta qualquer transcrição desses depoimentos.
Cita-se, a este propósito, o acórdão do STJ, proferido em 03-11-2020:[5]
II - Para efeitos do disposto nos arts. 640.º e 662.º, n.º 1, do CPC, de acordo com a abundante jurisprudência do STJ, importa distinguir, de um lado, entre as exigências da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)), da especificação dos concretos meios probatórios convocados (art. 640.º, n.º 1, al. b)) e da indicação da decisão a proferir (art. 640.º, n.º 1, al. c)) - que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto - e, de outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados (art. 640.º, n.º 2, al. a)) - que visa facilitar o acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação. Enquanto a inobservância das primeiras (art. 640.º, n.º 1, als. a), b) e c)) implica a rejeição imediata do recurso na parte infirmada, o incumprimento ou o cumprimento deficiente da segunda (art. 640.º, n.º 2, al. a)) apenas acarreta a rejeição nos casos em que dificultem, gravemente, a análise pelo tribunal de recurso e/ou o exercício do contraditório pela outra parte.

No caso em apreço, não só se mostra violada a imposição de especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão diferente, o que implica a imediata rejeição do recurso; como o incumprimento da exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados implica, por não lhes ser feita qualquer específica menção, uma grave dificuldade de análise pelo tribunal ad quem daquilo que a Recorrente pretende que seja verificado, inviabilizando igualmente a possibilidade de um verdadeiro e eficaz contraditório.
Deste modo, rejeita-se, de imediato, a presente impugnação da matéria de facto, nos termos do art. 640.º, nºs. 1, al. b) e 2, al. a), do Código de Processo Civil, mantendo-se na íntegra a factualidade constante da sentença recorrida.
2 – Inexistência de contrato de trabalho entre Autora e Ré
De acordo com as conclusões da Apelante, inexistiu qualquer relação laboral entre a Autora e a Ré.
Dispõe o art. 11.º do Código do Trabalho que:
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

Estipula o art. 12.º do Código do Trabalho que:
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.
4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º.

Apreciemos.
Consta da sentença recorrida, relativamente à existência de uma relação laboral entre Autora e Ré, a seguinte fundamentação:
[…] O funcionamento da presunção[6] exige, como da norma se extrai, a presença de pelo menos duas das circunstâncias que, a verificarem-se, fazem presumir a existência de contrato de trabalho.
E porque se trata de presunção iuris tantum compete à outra parte do contrato provar o contrário (cfr.art.350º do Código Civil), i.e. que apesar da verificação das circunstâncias não foi realizado qualquer contrato de trabalho.
No caso vertente, como supra se mencionou, a A. prestava a actividade empregada de mesa, balcão, cozinha e limpeza e efetuava encomendas a fornecedores no dito estabelecimento, explorado pela R pelo que é de concluir pela verificação da presunção constante da alínea a) do art.12º do Código de Trabalho.
Atento o tipo de atividade comercial desenvolvida e a atividade da A. é licito concluir que os instrumentos e equipamentos de trabalhos pertenciam à R. pelo que se verifica, igualmente, a alínea b).
Apurado que está que a A., por determinação da R. trabalhava, em turnos de 8 horas por dia, por aquela determinados e com folga à terça feira, está verificada a presunção da alínea c) da mesma norma .
Finalmente, tendo-se provado que a atividade era prestada mediante pagamento de contrapartida monetária não inferior ao ordenado mínimo nacional verificada está também a presunção a que alude a alínea d).
Não tendo havido elisão da presunção é de concluir pela existência de contrato de trabalho.

Concorda-se, no essencial, com a mencionada fundamentação.
Efetivamente, em face do disposto no citado art. 12.º do Código do Trabalho, basta que se verifiquem duas das situações aí previstas para que se presuma a existência de um contrato de trabalho, presunção essa que, por ser uma presunção juris tantum, permite à entidade empregadora efetuar contraprova, ou seja, comprovar que, apesar de tais situações em concreto se verificarem, na análise da globalidade da relação contratual estabelecida, inexiste contrato de trabalho.
Da matéria factual dada como assente, denotam a existência de um contrato de trabalho os seguintes factos:
- A Autora efetuava a sua atividade profissional enquanto empregada de mesa, balcão, cozinha e limpeza e ainda efetuando encomendas junto dos fornecedores em estabelecimento explorado pela Ré, mais concretamente, na unidade hoteleira de snack bar, afeto ao Clube …;
- Em troca dessa atividade profissional a Ré pagava à Autora quantia mensal não concretamente determinada, não inferior ao salário mínimo nacional; e
- A Autora encontrava-se obrigada a cumprir um horário de 8 horas por dia, em turnos, que eram determinados pela Ré, folgando às terças-feiras.
Ora, a prova de tais factos permite que se mostrem verificadas as alíneas a), c) e d) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, ou seja, três das alíneas, pelo que, funcionando a presunção aí prevista, passa a competir ao empregador, ou seja, à Ré, provar factos suscetíveis de afastar tal presunção, de maneira a que se verifique uma descaracterização da relação contratual como sendo de trabalho. Porém, a Ré não provou quaisquer factos que permitissem proceder a tal descaracterização.
Na realidade, não só se mostram preenchidas três das alíneas da presunção prevista no art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, como todo o contexto em que a atividade da Autora se desenvolvia, se insere num contexto de subordinação jurídica típica de uma relação laboral.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir que, mostrando-se provados os elementos factuais que se subsumem a três das situações previstas no art. 12.º, n.º 1, do Código do Trabalho, passa a atuar a presunção aí prevista de que estamos perante um contrato de trabalho, não tendo a Ré logrado ilidir tal presunção, pelo que bem andou a sentença recorrida em qualificar a presente relação contratual como sendo um contrato de trabalho.
Nesta conformidade, improcede a pretensão da Apelante.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso totalmente improcedente, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Notifique.
Évora, 11 de maio de 2023
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço

__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] No âmbito do processo n.º 781/11.6TBMTJ.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 140.
[4] No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[5] No âmbito do processo n.º 294/08.3TBTND.C3.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[6] Reportando-se a sentença à presunção prevista no art. 12.º do Código do Trabalho.