DESPEDIMENTO
ILICITUDE DO DESPEDIMENTO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Sumário


I - Tendo a sentença condenatória, transitada em julgado, condenado o réu (ex-empregador) a pagar à autora, na sequência da ilicitude do despedimento, as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença (retribuições intercalares), deduzidas do valor que a mesma recebeu a título de subsídio de desemprego, e não constando factos assentes na sentença dos quais resultem que a autora recebeu subsidio de desemprego, há que concluir que a determinada dedução não depende apenas de simples cálculo aritmético.
II- A mesma está dependente da alegação e prova de factos que não constam assentes na sentença, o que implica que se observe o contraditório e que este se realize na própria ação declarativa através do incidente de liquidação, seguindo-se para o efeito o regime processual previsto nos artigos 358.º a 361.º, do Código de Processo Civil, e só depois de fixada tal liquidação, a sentença passa a constituir título executivo quanto à mencionada condenação genérica.
III- Sendo assim, a sentença só constitui título executivo após liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida, de harmonia com o disposto no artigo 704.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
IV- A penhora deve limitar-se sempre aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação – artigo 735.º, n.º 3 do CPC..
V- Evidenciando os autos que existe excesso de penhora, tal como foi alegado no incidente de oposição à penhora, esta deve ser imediatamente reduzida para os limites legalmente previstos.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
Por apenso à ação executiva que AA moveu a Santa Casa da Misericórdia (…), veio esta última deduzir oposição à penhora, alegando, em síntese, que ao valor dos salários intercalares em cujo pagamento foi condenada, devem ser descontados os montantes auferidos a título de subsídio de desemprego, tal como consta da sentença condenatória. Sucede que a exequente, logo após o despedimento, solicitou e foi-lhe atribuído, o subsídio de desemprego, pelo que nada lhe é devido, a título de salários intercalares.
Logo, concluiu, a quantia peticionada pela exequente não corresponde àquela em que a executada foi condenada, pelo que existe um excesso de montantes penhorados.
Mais acrescentou, que face à incerteza do valor respeitante às retribuições intercalares, a exequente deveria ter instaurado incidente de liquidação para que se apurasse o valor que lhe é devido, que, depois, deveria ser indicado como quantia exequenda. Concluiu que, em face do referido, a obrigação exequenda não pode ser considerada certa, exigível e líquida.
O incidente seguiu a tramitação que resulta dos autos e, no final, foi proferida decisão que julgou improcedente a deduzida oposição à penhora.

Inconformada, a executada veio interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«a) O Tribunal a quo decidiu improcedente a oposição da aqui Recorrente, mantendo as penhoras efetuadas.
b) Em síntese, foi a Embargada condenada a pagar à Exequente, a quantia de 9.890,25 € a título de compensação pelo despedimento ilícito, “acrescida da quantia de 600,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais a que acrescem os salários intercalares devidos desde o despedimento até ao seu trânsito em julgado da sentença, descontando-se os montantes que a Embargada auferiu a título de subsídio de desemprego e que a Embargada deverá entregar à Segurança Social, julgando-se a ação improcedente quanto ao demais peticionado”.
c) A Embargante, como bem refere a douta sentença aqui recorrida, deduziu oposição, alegando “que ao valor dos salários intercalares devidos devem ser descontados os montantes auferidos a título de subsídio de desemprego pela Executada sendo essa operação de liquidação prévia à instauração da execução e não sendo passível de descontar através de simples cálculo aritmético. Mais alega a Exequente que prestou caução pela qual deve ser assegurado o pagamento da quantia exequenda.” E, peticionando a procedência da invocada exceção, deverá ser julgada inexequível a obrigação exequenda, com a consequente extinção da instância executiva e pelas idênticas razões deverá a penhora feita ser reduzida, mantendo-se a mesma apenas sobre a parte liquidada da condenação e que corresponde à caução prestada.
d) A douta decisão aqui recorrida entendeu que “De acordo com o preceituado pelo artigo 713º do CPC “A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.” E, de acordo com o previsto pelo artigo 716º, nº 1 “Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.” De acordo com o número 4 do mesmo artigo quando “a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético o executado é citado para contestar, em oposição à execução, mediante embargos…” sendo esta disposição aplicável às “execuções de decisões judiciais ou equiparadas quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no processo de declaração…” (nº 5). De acordo com o preceituado no nº 8 “Se uma parte da obrigação for ilíquida e outra líquida, pode esta executar-se imediatamente.” E “Requerendo-se a execução imediata da parte líquida, a liquidação da outra parte pode ser feita na pendência da mesma execução, nos termos em que é possível a liquidação inicial” (nº 9).”
e) Com o devido respeito, entende a Embargante, aqui Recorrente, que estamos perante uma situação de incerteza do valor, logo, deveria a exequente ter instaurado incidente de liquidação, com vista a fixar o valor devido e que deveria ser, após, o indicado como quantia exequenda.
f) Ao não o fazer, instaura a exequente ação executiva sem que o valor seja certo e exigível. A obrigação exequenda não é certa, exigível e líquida. Pelo que, previamente à instauração da execução, deveria a exequente fazer pelo cumprimento dos requisitos da obrigação exequenda.
g) Desde logo, porque não estamos perante uma simples liquidação dependente de cálculo aritmético – artigo 716.º, n.º 5 do CPC. 12.º Não tendo a exequente requerendo a execução imediata apenas da parte líquida, mas antes da sua totalidade, estamos perante a exceção a que se refere a al e) do artigo 729.º do CPC, que deverá ser reconhecida.
h) Ora, tendo havido uma condenação genérica, cfr. artigo 609.º, n.º 2 do C.P.C., a sentença só constitui título executivo após liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida (art. 706.º n.º 6 do C.P.C).
i) Quanto ao valor correspondente às quantias já líquidas, a caução prestada é suficiente para as garantir, sem necessidade de reforço de penhora.
j) Pelo que, deve a douta sentença ora recorrida ser revogada e julgada procedente a invocada exceção, deverá ser julgada inexequível a obrigação exequenda, com a consequente extinção da instância executiva e pelas idênticas razões deverá a penhora feita ser reduzida, mantendo-se a mesma apenas sobre a parte liquidada da condenação e que corresponde à caução prestada.
NESTES TERMOS,
E nos melhores de Direito, apelando ao sempre mui douto suprimento de V.Exas., deve o presente ser recebido e acolhidas que sejam, porque legais e válidas, as razões expostas, deverá a douta sentença ora recorrida ser revogada e julgada procedente a invocada exceção, deverá declarada inexequível a obrigação exequenda, e julgada procedente e provada a oposição apresentada, com as consequências legais, com o que se fará a desejada JUSTIÇA!»

Contra-alegou a exequente, pugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Após a subida do processo à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.

*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso podem ser, assim, identificadas:
. Saber se deveria ter sido previamente instaurado incidente de liquidação;
. Saber se há excesso de penhora.
*
III. Matéria de Facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1 - Por sentença proferida em 19 de Março de 2021, entretanto transitada em julgado, foi julgada a ação parcialmente procedente por provada, declarando-se ilícito o despedimento da Exequente AA e a Executada Santa Casa da Misericórdia (…) condenada no pagamento da quantia de 9.890,25 € a título de compensação pelo despedimento ilícito, acrescida da quantia de 600,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, a que acrescem os salários intercalares devidos desde o despedimento até ao seu trânsito em julgado da sentença, descontando-se os montantes que a Embargada auferiu a título de subsídio de desemprego e que a Embargada[2] deverá entregar à Segurança Social, julgando-se a ação improcedente quanto ao demais peticionado.
2 – No seu requerimento executivo, a Exequente procede ao cálculo do valor líquido devido a título de remunerações intercalares, descontando os valores recebidos a título de subsídio de desemprego, peticionando a cobrança coerciva - além das quantias de 9.890,25 € e 600,00 € - da quantia de 9.568,14 €, perfazendo o valor total da quantia exequenda 20.058,39 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal.
3 – Encontra-se junta aos autos certidão do ISS pelo qual se atesta o recebimento, pela Embargada, da quantia de 13.538,02 a título de subsídio de desemprego.
4 – A Executada prestou caução no valor total de 10.490,25 €.
5 – Encontra-se penhorada à ordem dos presentes autos o valor de 8.746,05 €, a título de caução prestada nos autos, depois de descontado o valor das custas do processo, conforme referência 31730185 de 9 de Maio de 2022.
6 – Encontra-se penhorada à ordem dos presentes autos o saldo da conta bancária no valor de 13.576,91 €, conforme referência 2069069 de 20 de Maio de 2022.
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E considerou que não se provou:
A – Que a caução prestada nos autos seja suficiente para assegurar o pagamento da quantia exequenda acrescido das custas do processo.
*
IV. Enquadramento jurídico
Conforme referido supra as questões suscitadas no recurso podem, assim, identificar-se:
. Saber se deveria ter sido previamente instaurado incidente de liquidação;
. Saber se há excesso de penhora.
Tais questões coincidem com as que foram apresentadas na oposição à penhora.
Vejamos, portanto, como as mesmas foram apreciadas na sentença recorrida:
«O artigo 703.º, nº 1 do CPC consagra “À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.”, sendo que, nos termos previstos pelo nº 2 “Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação
dele constante.”
Nos termos do disposto pelo artigo 704º, nº 1 do CPC “A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.”
De acordo com o preceituado pelo artigo 713º do CPC “A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.” E, de acordo com o previsto pelo artigo 716º, nº 1 “Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.” De acordo com o número 4 do mesmo artigo quando “a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético o executado é citado para contestar, em oposição à execução, mediante embargos…” sendo esta disposição aplicável às “execuções de decisões judiciais ou equiparadas quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no processo de declaração…” (nº 5). De acordo com o preceituado no nº 8 “Se uma parte da obrigação for ilíquida e outra líquida, pode esta executar-se imediatamente.” E “Requerendo-se a execução imediata da parte líquida, a liquidação da outra parte pode ser feita na pendência da mesma execução, nos termos em que é possível a liquidação inicial” (nº 9).
Por seu turno, nos termos previstos pelo artigo 735º, nº 1 do CPC “estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda.” E, de acordo com o preceituado pelo nº 3 do mesmo artigo “A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução.”
Nos termos do disposto pelo artigo 784º, nº 1, al. a) a oposição à penhora pode ser deduzida com fundamento na inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada.
Compulsados os autos, verifica-se que a Exequente deu início aos autos de execução procedendo à liquidação do valor devido a título de remunerações intercalares, o qual depende de simples cálculo aritmético, conforme facilmente se alcança do teor conjugado da sentença proferida, e que constitui título executivo, e, bem assim, do teor do próprio requerimento executivo, sendo devida a quantia líquida de 9.568,14 €.
Mas ainda que assim não fora, sempre se dirá que a execução tem fundamentos para prosseguir em relação às demais quantias fixadas por sentença, certas, líquidas e exigíveis.
Por fim diga-se que facilmente se constata, que o valor prestado a título de caução nos presentes autos - 10.490,25 € - ao qual terão que ser descontados os valores devidos a título de custas do processo, é manifestamente insuficiente para acautelar o pagamento da quantia exequenda que orça no total os 20.058,39 € ao qual acrescem juros de mora, vencidos e vincendos.
Assim, verifica-se que a penhora realizada não peca por excessiva contrariamente ao que pretende fazer crer a Oponente, atendendo por um lado, ao valor da quantia exequenda e, por outro, ao valor provável das custas do processo da responsabilidade da Executada.
Tudo visto e ponderado, o tribunal considera falecer razão à Oponente, tendo necessariamente que improceder a presente oposição à penhora com as legais consequências,
o que se determinará.».
Analisemos.
Resulta pacifico nos autos que a sentença condenatória que foi apresentada como sendo o título executivo, condenou a recorrente, simultaneamente, em obrigações líquidas (pagamento da quantia de 9.890,25 € a título de compensação pelo despedimento ilícito, acrescida da quantia de 600,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais) e em obrigação ilíquida (pagamento dos salários intercalares devidos desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, descontando-se os montantes que a exequente auferiu a título de subsídio de desemprego).
Para além das mencionadas prestações, existe, ainda, a condenação na obrigação de juros.
A controvérsia suscitada no recurso relaciona-se com a obrigação ilíquida.
No entender da recorrente, a exequente deveria ter instaurado, primeiro, um incidente de liquidação, para que aí se determinasse o valor em dívida, e, só depois, poderia ter apresentado esse valor como quantia exequenda.

Com interesse para a questão em debate, escreveu-se no Acórdão da Relação de Évora de 02/05/2019, proferido no Proc. n.º 293/15.9T8LLE-A.E1[3]:
« Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado (artigo 609º nº 2 do Cód. Proc. Civ.).
Trata-se de uma condenação que não se basta a si própria (evitaremos qualificá-la como genérica, para evitar confusões conceptuais com os pedidos genéricos ou ilíquidos e com as obrigações genéricas ou ilíquidas), carecendo de densificação ulterior.
Em que sede deverá, então, proceder-se à referida liquidação?
No nº 1 do artigo 358º do Cód. Proc. Civ. prevê-se que, na pendência da causa, o autor deduza, se possível, incidente para liquidar o pedido genérico formulado, quando ele se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito [tais pedidos genéricos são admissíveis ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 556º daquele diploma], a não ser que, no tocante à universalidade, o autor não disponha de elementos para a concretização do pedido. Nessa situação, a liquidação opera-se no âmbito da ação executiva, nos termos do nº 7 do artigo 716º do Cód. Proc. Civ. (artigo 556º nº 2 do citado Código).
Mas o incidente de liquidação também pode ser deduzido depois de proferida “sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º” (artigo 358º nº 2 do Cód. Proc. Civ.). Duas interpretações deste preceito se nos afiguram possíveis: (i) considerar que se enfatiza aqui a possibilidade de liquidação posterior à sentença (em contraponto à hipótese do nº 1 do artigo) e que a condenação genérica a que alude deve ser aquela que se reporta a uma das situações naquele nº 1 contempladas ou (ii) considerar que se pretende abarcar no incidente de liquidação todas as hipóteses de condenação abrangidas pelo nº 2 do artigo 609º do Cód. Proc. Civ..
Propendemos para a segunda, tendo em conta o que se dispõe no nº 6 do artigo 704º do Cód. Proc. Civ..
Assim, só não haverá necessidade de deduzir incidente de liquidação quando esta se puder alcançar através de simples cálculo aritmético. Neste caso, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na condenação e concluir por um pedido líquido, que o executado pode contestar em sede de embargos (artigo 716º nº 1 e 5 do Cód. Proc. Civ.).
Impõe-se, então, aferir se, no caso concreto, a liquidação depende de simples cálculo aritmético.
Neste aspeto, a nossa posição coincide com a expressa no Ac. RL de 19.3.19 (http://www.dgsi.pt, Proc. nº 5576/17.0T8LSB.L1-1), em que se escreveu:
«“A liquidação feita por simples cálculo aritmético assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução. Estes são, nos termos gerais, os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permita esse conhecimento”[Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, 1ª ed., 2013, pg. 242].
(…)

Castro Mendes [Ação Executiva, AAFDL, 1980, pg. 18] considera que ainda nos encontramos no domínio do simples cálculo aritmético quando este se “baseie em números que possam ser provados por documentos juntos com o requerimento inicial”.
Por seu turno “a liquidação que não depende de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, um cálculo aritmético, assenta em factos (i.e., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem do conhecimento oficioso, são passíveis de controversão” [Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, 1ª ed., 2013, pg. 243].
Em face do exposto temos que a distinção entre depender ou não de simples cálculo aritmético assenta fundamentalmente na ideia de que a liquidação se basta ou não com o simples fazer contas, trabalhar com números, em que a controversão possível é apenas relativamente à exatidão desses números e dos correspondentes cálculos. E daí que adiramos à posição expressa por Castro Mendes, pois que nesses casos não estamos perante uma indagação factual (suscetível de controversão e produção de prova) necessária a apurar um valor necessário para o cálculo mas apenas perante a mera obtenção de um valor numérico cuja exatidão pode ser imediatamente verificada.»

Ainda com importância para a solução da questão que se analisa, reproduzimos o seguinte excerto do Acórdão da Relação de Lisboa de 20/04/2026, prolatado no Proc. n.º 2226/08.0TTLSB-B.L1-4[4]:
«Vejamos então como deve ser liquidada a sentença que condenou a empregadora a pagar ao trabalhador os salários e subsídios de férias e de Natal intercalares vencidos após o despedimento até ao seu trânsito em julgado da sentença, subtraídos das quantias por ele entretanto auferidos.
Mas previamente importa referir que para nos abalançarmos a tal desiderato importa considerar as disposições do Código de Processo Civil de 2013, atendendo a que a execução da sentença deu entrada em juízo a 24-05-2015 e ao disposto no art.º 6.º, n.os 3 e 4 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
Nessa medida, cabe logo conhecer os seus artigos:
704.º:
1.A sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo.
(…)
6.Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º.
(…)
609.º
(…)
2.Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
(…)
716.º
1.Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.
(…)
4.Quando a execução se funde em título extrajudicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o executado é citado para a contestar, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568.º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os n.ºs 3 e 4 do artigo 360.º.
5.O disposto no número anterior é aplicável às execuções de decisões judiciais ou equiparadas, quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, bem como às execuções de decisões arbitrais.
(…).
Destarte, duas conclusões se podem inquestionavelmente retirar destes normativos: a primeira, é que a liquidação da sentença que não dependa de simples cálculo aritmético só constitui título executivo após a liquidação e esta tem que ser feita no processo declarativo sempre que haja necessidade de se acrescentar ou alegar factos que não constam provados na sentença exequenda (cit. art.º 704.º, n.º 2); só assim não será se não vigorar o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, caso em que a liquidação constituiria o início e um incidente da execução (cit. art.º 716.º, n.os 1 e 5).[3]
Ora, como bem referiu o Mm.º Juiz a quo, está bem de ver que a liquidação da sentença na parte em dissídio não depende de simples cálculo aritmético, pois que, ao contrário do que acontece nesse caso, a liquidação não se basta com os termos da condenação. Quer dizer, para se poder liquidar a sentença não basta tomar em linha de conta a sua parte decisória (e seus fundamentos) e efetuar uma operação matemática de adição, multiplicação ou ambas, ao invés do que ocorre com a liquidação da sentença na parte em que foi aceite para execução nos autos.
Na verdade, quanto à parte aceite para execução, tendo a empregadora sido condenada a pagar ao trabalhador a quantia mensal de € 3.833,16, por cada ano completo ou fração a título de indemnização de antiguidade, desde 01-03-2000 até ao trânsito em julgado da sentença, acrescida dos juros de mora computados à taxa de 4% desde esta data até integral pagamento, todos os factos a tomar em conta resultam da sentença (ou seus fundamentos) ou advêm ao conhecimento do juiz ou do solicitador de execução por virtude do exercício das suas funções e por isso não precisam de ser alegados nem provados pelo interessado, sendo antes de conhecimento oficioso:[4] o número de prestações (ou seja, o número de anos completos ou fração para cálculo da indemnização de antiguidade) acha-se com a simples adição de meses ou fração decorridos desde 01-03-2000 até transitou em julgado em 14-09-2014,[5] pelo que o capital (c) se apura multiplicando o número de prestações acima considerado pela quantia unitária de € 3.833,16; o tempo (tp) é o número de anos, meses e/ou dias decorridos; a taxa de juro (tj) é de 4%; restará, depois dividir esse produto por 100, 1200 ou 36500 conforme se considere a unidade de tempo em anos, meses ou dias. Ou seja (cx tp x tj) : 100 (1200 ou 36500).
Porém, já o mesmo não acontece com a liquidação da sentença na parte em que foi rejeitada para execução nos autos.
Com efeito, nesta parte foi a empregadora e executada condenada a pagar ao trabalhador e exequente as retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal, vencidos desde 12-05-2008 até ao trânsito em julgado da sentença, no montante unitário de € 3.833,16, acrescidas dos juros de mora computados à taxa de 4% desde a data da citação até integral pagamento, descontadas das importâncias que o autor tenha obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento.
Assim, para determinar as retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal, no montante unitário de € 3.833,16, vencidos desde 12-05-2008 até 14-09-2014,[6] data do trânsito em julgado da sentença, basta saber quantos meses decorreram entre esses dois períodos de tempo e, depois, multiplicar o produto por aquele valor unitário (ou, o que resulta no mesmo, somá-lo tantas vezes quantos os meses), pelo que isso se faz por mera operação aritmética. Porém, não sabemos nem podemos saber se há alguma quantia a descontar relativamente àquilo que o autor possa ter obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento uma vez que daí não decorre que tenha recebido o que quer que fosse. É verdade que o autor apresentou como tal determinado valor que, segundo ele, corresponde ao do subsídio de desemprego que entretanto percebeu mas isso, note-se bem, não decorre do título, como teria que decorrer, mas da sua alegação. Como já decidiu esta Relação de Lisboa, "se a sentença da ação de impugnação do despedimento condenou no pagamento das retribuições vencidas desde os 30 dias que antecederam a propositura da ação e vincendas até ao trânsito em julgado da decisão final ou até à efetiva reintegração na empresa, sem prejuízo do desconto dos montantes referidos no n.º 2 do art.º 390.º do CT, a liquidar e não constam da sentença, quaisquer dados sobre se o A. beneficiou de subsídio de desemprego, por que valor e período, nem se iniciou, após o despedimento, outra atividade remunerada e quais os valores que auferiu, não é possível proceder ao cálculo aritmético da obrigação exequenda, pelo que liquidação terá de ser feita em incidente a tramitar nos termos do art.º 378.º a 380.º-A do CPC".[7] Na mesma linha segui a Relação do Porto, sustentando que "não depende de simples cálculo aritmético (embora implique também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo, e que não são notórios nem de conhecimento oficioso".[8] Por isso, continuou o citado aresto, "tal não ocorre no circunstancialismo em que o título executivo é uma sentença que condenou a empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que declarou o mesmo ilícito, deduzidas as importâncias recebidas por este a título de subsídio de desemprego, situação em que a obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam a liquidação, o que implica que se observe o contraditório e que esta se realize na própria ação declarativa através do incidente de liquidação, seguindo-se para o efeito o regime processual previsto nos artigos 358.º a 361.º, do novo Código de Processo Civil, e só fixada tal liquidação a sentença constitui título executivo".
Destarte e em conclusão diremos que tendo o recorrente liquidado na ação executiva o pedido de condenação genérica quando isso não dependia de simples cálculo aritmético, já que alguns dos factos não constavam do título e teriam, por conseguinte, que ser alegados em incidente de liquidação a processar na ação declarativa, naturalmente que o recurso não pode proceder, devendo antes ser confirmado o despacho nele sindicado.»

Devido à sua relevância, acrescenta-se, ainda, um excerto do Acórdão da Relação do Porto mencionado no anterior aresto citado. Trata-se do Acórdão datado de 20/10/2014, proferido no Proc. n.º 692/11.5TTMAI-C.P1[5], onde se escreveu:
«Nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e aqui aplicável face ao que estatui o artigo 6.º do respetivo diploma preambular), «[t]oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.».
O título executivo, para além de determinar o fim da execução, que pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo (n.º 6 do artigo 10.º citado), define os limites objetivos (montante da quantia, identidade da coisa, especificação do facto) e os limites subjetivos (identidade das partes) em que se irá desenvolver a ação executiva.
Por sua vez, à execução podem servir de base as sentenças condenatórias [artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil].
Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante (n.º 2 do mesmo artigo 703.º).
No caso em apreço, como resulta do relato supra, o exequente instaurou a execução precisamente com base numa sentença condenatória.
A referida sentença condenou a empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições que este deixou de auferir desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, devendo deduzir-se o subsídio de desemprego que o mesmo eventualmente haja auferido no referido período de tempo.
No âmbito do Código de Processo Civil de 1961, posterior à reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, era, ao que se conhece, uniforme a doutrina e a jurisprudência no sentido de que a liquidação de sentença condenando em obrigações genéricas tem necessariamente que ser efetuada em sede declarativa, através do incidente previsto nos artigos 378.º a 380.º-A, daquele Código [cfr., entre outros, na doutrina, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, 2004, págs. 337-339, Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 4.ª Edição, Almedina, págs. 279-280, e na jurisprudência, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-11-2012 (Proc. n.º 187/10.4YYLSB-1.L1.7), o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-03-2013 (Proc. n.º 4071/11.6TBGMR-B.G1), e os acórdãos desde tribunal de 28-03-2012 (Proc. n.º 55/2000.P1), de 06-01-2014 (Proc. n.º 1029/10.6TTVNG.P1, este relatado pelo ora relator e em que intervieram como adjuntos os também aqui adjuntos), e de 03-02-2014 (Proc. n.º 139/07.1TBTBC.P2), disponíveis em www.dgsi.pt.].
Com efeito, estipula o artigo 661.º, n.º 2, do anterior Código de Processo Civil, que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
Assim, de acordo com o preceito em causa a condenação no que vier a ser liquidado só deve verificar-se em relação a situações em relação às quais se encontre comprovada a existência de danos ou de direitos da parte, mas não existam elementos indispensáveis para fixar o quantitativo, ainda que com recurso à equidade.
E, como a jurisprudência da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado, o citado preceito contempla não apenas as situações em que foi deduzido um pedido genérico, mas também aquelas em que se formulou um pedido específico mas em que não foi possível coligir elementos probatórios suficientes para precisar o objeto e/ou a quantidade da condenação [vide, entre outros, os acórdãos de 28-08-2005 (Proc. n.º 578/05), de 22-03-2006 (Proc. n.º 3729/05), de 10-01-2007 (Proc. 4319/06), e de 23-11-2011 (Proc. n.º 277/09.6TTBCL.P1.S1), encontrando-se o segundo publicado em www.dgsi.pt].
Tem-se, pois, por incontroverso que só deve condenar-se no que vir a ser liquidado se no momento da formulação do pedido ou no momento da prolação da sentença não existirem elementos que permitem fixar o objeto ou a quantidade do pedido.
De acordo com o n.º 5 do artigo 47.º do anterior Código de Processo Civil, tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 6 do artigo 805.º.
E, em conformidade, prescreve o n.º 2 do artigo 378.º que o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2, do artigo 661.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.
O mesmo regime se extrai do novo Código de Processo Civil.
Assim, estipula o n.º 6 do artigo 704.º, deste compêndio legal, que tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a condenação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º.
E nos termos prescritos no n.º 2 do artigo 358.º, o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e, caso, seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.
Finalmente, de acordo com o disposto no artigo 556.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal, é permitido formular pedidos genéricos quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade, de facto ou de direito, ou ainda quando não seja possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil.
Ensina Alberto dos Reis (Processo de Execução, vol. I, p. 446), que é ilíquida a obrigação quando é incerto o seu quantitativo; ou, no dizer de Antunes Varela é ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, Almedina, págs. 918 e 920).
Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, 2014, 7.ª Edição, Almedina, pág. 241), escreve que «[a] expressão pedido genérico que consta no artigo 556º, nº 1, está utilizada no sentido de pretensão de fazer valer um direito de crédito pecuniário de quantitativo não apurado ou um direito real ou de crédito a uma universalidade, designadamente um rebanho, uma biblioteca ou uma herança.
Por seu turno, a expressão liquidação está utilizada em sentido amplo, em termos de abranger realidade diversa da mera determinação quantitativa de obrigações pecuniárias».
Assim, resulta dos normativos legais que se deixaram indicados:
i) deve condenar-se no que vier a ser liquidado se no momento da formulação do pedido ou no momento da prolação da sentença não existirem elementos que permitam fixar o objeto ou a quantidade do pedido;
ii) perante uma condenação genérica, que não dependa de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo (quanto à parte ilíquida) após a liquidação no processo declarativo;
iii) essa liquidação pode ser deduzida depois de proferida a sentença de condenação genérica e, em tal caso, a instância extinta considera-se renovada.
Rui Pinto Duarte (Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 483) escreve que «[a] liquidação dependente de simples cálculo aritmético assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução. Estes são, nos termos gerais, os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permite esse conhecimento (…).
A liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, uma cálculo aritmético, assenta em factos (i.é., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem de conhecimento oficioso, são passíveis de controversão».
Deste modo, sempre que o título executivo é uma sentença e o quantum da obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam o pedido, deve a liquidação ser realizada na própria ação declarativa através do incidente de liquidação: nestes casos só perante a indicação pelo Autor de todos os elementos necessários para o apuramento da liquidação a efetuar, bem como a apresentação das respetivas provas, elementos esses que serão objeto de contraditório a ser exercido pela outra parte, é possível fixar o montante da obrigação.
Diversamente, a liquidação depende de simples cálculo aritmético, processando-se na própria execução, se, embora ilíquida, assenta em factos não controvertidos, que se encontram abrangidos pela segurança do título executivo, e o exequente especifica os valores que considera compreendidos na prestação devida e conclui o requerimento executivo com um pedido líquido (cfr. artigo 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); esta situação poderá verificar-se ainda que a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, uma vez que também aqui estão em causa factos não controvertidos – pois encontram-se abrangidos pelo título executivo –, e do que se trata é tão [só] de apurar da verificação da condição suspensiva ou do cumprimento da prestação por parte do credor ou de terceiro, fixados na obrigação a cumprir (cfr. n.º 1 do artigo 715.º).
No caso em apreço, desde logo a sentença condenatória que o recorrente apresentou como título executivo aponta no sentido de que a liquidação não depende de simples cálculo aritmético.
Com efeito, na mesma se consignou expressamente – quanto à condenação da empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, deduzido o montante auferido a título de subsídio de desemprego –, que “a liquidação se relega para o respetivo incidente, nos termos dos artigos 661.º/2 e 378.º/2 do Código de Processo Civil”.».

Concordamos, totalmente, com o exposto nos acórdãos citados, particularmente com os dois últimos arestos que se reportam a situações semelhantes à dos presentes autos.
Assim, atenta a fundamentação nos mesmos exposta, para a qual se remete para evitar tautologias, importa analisar o caso concreto.
Resulta da sentença condenatória que a recorrente tem de pagar à ex-trabalhadora (a exequente) as retribuições que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença (retribuições intercalares), deduzidas do valor que a mesma recebeu a título de subsídio de desemprego.
Consta da sentença que a remuneração mensal a considerar para o cálculo das retribuições intercalares é de 659,35 €.
Porém, a sentença não refere se a exequente auferiu, e em que período, subsídio de desemprego, bem como o valor atribuído a tal prestação social.
Infere-se do exposto que a determinada dedução às retribuições intercalares do (eventual) subsídio de desemprego auferido, apenas foi ordenada por se tratar de matéria de conhecimento oficioso.[6]
Por conseguinte, a partir da sentença condenatória não é possível saber se, efetivamente, a exequente recebeu subsídio de desemprego.
Assim sendo, a liquidação da condenação genérica que se analisa não depende apenas de simples cálculo aritmético.
A mesma está dependente da alegação e prova de factos que não constam assentes na sentença, o que implica que se observe o contraditório e que este se realize na própria ação declarativa através do incidente de liquidação, seguindo-se para o efeito o regime processual previsto nos artigos 358.º a 361.º, do Código de Processo Civil, e só depois de fixada tal liquidação, a sentença passa a constituir título executivo quanto à mencionada condenação genérica.
Sendo assim, a sentença só constitui título executivo após liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida, de harmonia com o disposto no artigo 704.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.
Deste modo, assiste razão à recorrente quanto à primeira questão suscitada no recurso.
Em consequência, não pode ser realizada qualquer penhora pela alegada dívida exequenda de 9.568,14 € (respeitante a retribuições intercalares).

Avancemos para o conhecimento da segunda questão suscitada no recurso.
Resulta do anteriormente exposto que a sentença condenatória constitui título executivo, quanto à parte líquida.
A recorrente foi condenada a pagar à exequente a quantia de 9.890,25 € a título de compensação pelo despedimento ilícito, acrescida da quantia de 600,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido dos juros moratórios vencidos e vincendos à taxa legal.
A recorrente prestou caução no valor total de 10.490,25 €.
Encontra-se penhorado, à ordem dos presentes autos, o valor de 8.746,05 €, a título de caução prestada nos autos, depois de descontado o valor das custas do processo, conforme referência 31730185 de 9 de maio de 2022.
Encontra-se também penhorado, à ordem dos presentes autos, o saldo da conta bancária no valor de 13.576,91 €, conforme referência 2069069 de 20 de maio de 2022.
Destarte, encontra-se penhorado o valor total de 22.322,96, que se nos afigura ser manifestamente excessivo.
Lembremos que, nos termos do n.º 3 do artigo 735.º do Código de Processo Civil, a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação.
Porém, a caução prestada não é suficiente para garantir o pagamento das quantias liquidadas, pelo que se justifica a manutenção da penhora do saldo da conta bancária, ainda que a penhora deste saldo deva ser reduzida para o valor de 5.000 €, considerando as obrigações líquidas ( 9.890,25 € + 600,00 € = 10.490,25 €), os juros vencidos liquidados até à apresentação do requerimento executivo (235,21 €), as despesas prováveis que constam do auto de penhora (2.029,36) e os juros vincendos, bem como o valor da caução que se encontra penhorado (8.746,05 €).
Termos em que se conclui pela parcial procedência do recurso interposto, com a consequente, revogação parcial da sentença recorrida.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, e declara-se que não pode ser realizada qualquer penhora pela alegada dívida exequenda de 9.568,14 € (respeitante a retribuições intercalares) e que a penhora do saldo da conta bancária é reduzida para o valor de 5.000,00 €.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.
Notifique.

Évora, 11 de maio de 2023
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)

__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Afigura-se-nos que existe aqui um lapso material e que, provavelmente, se quereria escrever “Embargante”.
[3] Acessível em www.dgsi.pt.
[4] Idem.
[5] Idem.
[6] Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2012, Proc. n.º 154/06.2TTMTS-C.P1.S1; Acórdão da Relação de Évora de 19/12/2013, Proc. n.º 679/12.0TTPTM.E1; e Acórdão da Relação do Porto de 19/04/2021, Proc. n.º 4188/18.6T8VFR-D.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.