ENTREGA DE DOCUMENTOS
COMUNICAÇÕES POR CORREIO ELETRÓNICO
COMUNICAÇÕES POR TELECÓPIA
REQUERIMENTO DE ABERTURA DA INSTRUÇÃO
PROPORCIONALIDADE
Sumário

I – No domínio do processo penal é possível a apresentação de peças processuais por correio eletrónico avançado e simples, pelo que tal é forma admissível para a prática de atos processuais respeitantes a todos aqueles autos e / ou fases processuais que se mostram excluídos do âmbito de aplicação da aludida Portaria nº 280/2013, nota esta que conduz a que se recorra ao regime inserto na Portaria nº 642/2004 de 16 de junho.
II- Assim, sendo apresentado requerimento de abertura da instrução por via de correio eletrónico – email simples – onde não consta qualquer assinatura eletrónica avançada ou aposição de selo temporal por entidade terceira idónea, não estando verificados os pressupostos expressos no artigo 3º da dita Portaria é aplicável o plasmado no artigo 10º deste instrumento legal.
III- Nessa medida, há que apelar à disciplina decorrente do Decreto-lei nº 28/92, de 27 de fevereiro - regime regulador do envio de peças processuais através de telecópia -, mormente ao seu artigo 4º, nº 3, lido conjugadamente com 6º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro.
IV- Quer o Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de fevereiro, quer outro diploma legal, não apontam qualquer efeito a retirar para o caso de a parte não fazer juntar ao processo, no prazo legal de dez dias, os originais dos articulados ou dos documentos autênticos ou autenticados que haja apresentado, através de telecópia.
V- A não apresentação dos originais, no prazo legalmente previsto, não tem como efeito imediato / definitivo a invalidade ou a ineficácia do ato praticado por telecópia, o qual, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, só não aproveita à parte se esta, notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos.
VI- Registe-se que não se sufraga a ideia de que o disposto no dito nº 5 do artigo 4º do atrás referido diploma legal, apenas tem aplicação nas situações previstas no nº 4 e já não relativamente a articulados, documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, por força da leitura sequencial da normação em causa pois, o nº 1 do dito inciso assume abrangência ampla e, por outro lado, o nº 5 usando o vocábulo ato, sem qualquer destrinça, parece fazer supor que não foi intento do legislador fazer qualquer restrição / limitação na aplicabilidade do regime aqui inserto.
VII - Permitir a junção dos originais do RAI no prazo fixado em notificação para tal, não desencadeia um maior prazo para requerer a instrução já que a instrução foi efetivamente pedida no prazo devido sendo que o original de um documento em cópia, como decorre do vocábulo original, não encerra qualquer inovação em relação àquela, e nessa medida, não contém qualquer acrescentamento, novidade, alteração.
VIII- Esta solução não belisca a vertente da celeridade processual pois o que está em causa é um prazo curto – 10 dias figuram como prazo supletivo para a prática de atos processuais -, representando assim um tempo razoável / equilibrado / aceitável.
IX – Aponte-se, também, no sentido deste entendimento, o novel Acórdão nº 126/2023 do Tribunal Constitucional, de 29/03/2023, proferido no Processo nº 581/22, publicado no D.R. nº 99/2023, IIª série, de 23/05/2023, onde com toda a clareza se considera inconstitucional a interpretação normativa do artigo 287º, nº 3 do CPPenal, segundo a qual é possível a rejeição do requerimento de abertura de instrução, quando o mesmo foi apresentado através de correio eletrónico simples e não foi junto o original do aludido requerimento no prazo legalmente previsto, sem que o requerente seja previamente notificado para vir juntar o original desse requerimento.

Texto Integral


Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório


1. O processo de inquérito com o nº 2218/21.3T9STB que correu termos na Comarca ..., no Ministério Público, Departamento de Investigação e Ação Penal – ... de ..., culminou com acusação deduzida contra o arguido AA imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nº 1, do CPenal.

2. Em momento prévio ao dito despacho acusatório, o Digno Magistrado do Ministério Público, entendendo inexistirem indícios da verificação dos crimes de omissão de auxílio e de dano, p. e p., respetivamente, pelos artigos 200º e 212º do CPenal, os quais também foram objeto de tratamento no inquérito em causa, determinou o arquivamento dos autos nesta parte.

3. Inconformado com a decisão de arquivamento parcial tomada pelo Digno Mº Pº, BB, veio requerer a sua constituição como Assistente e, bem assim, a abertura da instrução, defendendo a pronúncia do arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de dano, p. e p., respetivamente, pelos artigos 143º e 210º do CPenal.

4. Tendo sido admitida a constituição como Assistente de BB, a Mmª JIC, por despacho proferido em 14 de janeiro de 2023, rejeitou o requerimento de abertura de instrução por aquele formulado, entendendo estar patente uma situação de inadmissibilidade legal, por apresentação do RAI através de meio legalmente não admissível, nos termos do disposto no artigo 287º, nº 3 do CPPenal.

5. Inconformado com tal despacho, o Assistente ao mesmo reagiu, interpondo recurso, extraindo da respetiva motivação do recurso as seguintes conclusões: (transcrição)

A) O despacho recorrido, ao rejeitar liminarmente o RAI enviado tempestivamente por e-mail sem aposição de assinatura electrónica certificada e cronologicamente validada por entidade terceira, sem ter convidado o Assistente a entregar os originais da peça processual em 10 dias, viola os direitos do Assistente a um processo equitativo;
B)Na verdade, em processo penal, nas fases de inquérito e instrução, é admissível o envio de peças processuais por este meio de correio eletrónico, o que foi confirmado pelo STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2014 do STJ, de 15 de Abril, e pelo Ac. de 24/01/2018;
C)Da falta de cumprimento pelo Recorrente da norma do DL 28/92 de 27/02, para o qual remete a Portaria 624/2004 – fazer chegar aos autos os originais em 10 dias - não extrai a lei qualquer cominação;
D)Por outro lado, são taxativos os casos em que o RAI pode ser rejeitado, e nenhum deles se verifica no caso – art. 287.º, n.º 3 do CPP;
E)Trata-se apenas de fazer chegar aos autos a confirmação material de uma peça processual já enviada no prazo legal para a prática do acto;
F)A consequência da omissão do acto de confirmação, que constitui uma mera irregularidade, não pode nem deve ser a rejeição sumária e inapelável da peça processual, uma vez que esta tem como consequência a anulação do acto praticado de requerer a abertura da instrução, fase fundamental para a defesa dos direitos em causa no processo penal, tanto os dos arguidos como os dos ofendidos e assistentes;
G)O argumento de que a prática do acto “a convite”, já após os 10 dias, violaria o prazo peremptório de 20 dias previsto para a abertura da instrução carece de razoabilidade dado que os referidos originais mais não são do que a matriz e teor do que, dentro do prazo legal de 20 dias, tinha sido enviado – a peça processual já existe nos autos e deu entrada dentro do prazo, sendo que apenas poderia ser aceite uma peça original absolutamente identificável no seu teor com o que já tinha dado entrada;
H)É um contrassenso perverso que se anule, sem hipótese de regularização, um acto processual fundamental como o RAI, praticado dentro do prazo legal, por ter sido omitido um acto de mera confirmação e instrumental àquele, pois dá-se primazia a esta sobre aquela, à remessa acessória e confirmativa sobre o envio principal, feito e recebido em tempo;
I)São aplicáveis ao processo penal, supletivamente na integração de lacunas, as disposições do processo civil (art. 4.º do CPP), pelo que, ao não existir norma que extraia consequências expressas da falta de entrega em juízo dos originais enviados por correio electrónico, deverá o juiz, ao abrigo dos artigos 6.º, n.ºs 1 e principalmente 2, e 146.º do CPC, convidar a parte a sanar o acto;
J)No sentido propugnado pronunciaram-se os Acórdãos dessa Relação de
22/11/2022, processo 10/21.4GALLE-E.E1,
22/09/2022, Processo 223/15.8T9EVR-B.E1,
27/09/2022, Processo 3019/21.4T9STB-A.E1, sendo que neste último se invocam os princípios constitucionais que também fundamentam a decisão do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 174/2020, de 11/03/2020, atrás referido;
e ainda os Acórdãos de
22/09/2022, Processo 223/15.8T9EVR-B.E1,
26/04/2022, Processo 708/19.7T9OLH.E1,
07/06/2022, Processo 707/19.9PBFAR-F.E1, e
24/05/2022, Processo 975/17 .0T9EVR, todos deste Tribunal da Relação;
K)Violados se encontram os artigos 6.º, n.ºs 1 e 2 e 146.º do Código do Processo Civil;
L)Violado se encontra o art. 287.º, n.º 3 do Código do Processo Penal;
M)Ao manter-se o despacho recorrido, interpretar-se-á a norma aplicada, que é o n.º 3 do art. 4.º do DL n.º 28/92 de 27/02, contrariamente à Constituição da República Portuguesa, violando diretamente o seu artigo 20.º, que, sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legí-timos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).
Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, o despacho recorrido ser revogado e ser em sua substituição proferido despacho nos moldes suprarreferidos, que notifique o assistente para, em 10 dias, juntar aos autos o original do RAI.

Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.

6. Notificado o M.º P.º, do despacho de admissibilidade do recurso e deste, apresentou articulado de resposta junto do Tribunal recorrido, concluindo nos termos seguintes: (transcrição)

1.Interpôs o assistente BB recurso do douto despacho proferido a fls. 161-162 v. 0 dos autos supra epigrafados, que, ao abrigo do disposto no art. 0 287.0 , n. 0 3, do Código de Processo Penal, rejeitou, com fundamento em "inadmissibilidade legal", o requerimento de abertura de instrução de fls. 128-130 v. 0 dos mesmos autos (apresentado por aquele sujeito processual);
2.Pugna o ora recorrente, a final, no sentido de dever "o despacho recorrido ser revogado e ser em sua substituição proferido despacho (. . .) que notifique o assistente para, em IO dias, juntar aos autos o original do RAI";
3.Ora em apreço no presente recurso estará, no essencial, aquilatar da observância, in casu, das formalidades de que dependia o envio do requerimento de abertura de instrução do assistente BB a juízo através de correio electrónico, designadamente, daquelas consagradas nos art.0s 2. 0 e 3. 0 da Portaria n. 0 642/2004, de 16 de Junho — a saber, (i) a mensagem de correio electrónico remetida por mandatário forense deve conter necessariamente a aposição da assinatura electrónica do respectivo signatário, (ii) a assinatura electrónica deve ter associado um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário e (iii) a expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada mediante a aposição de selo temporal por
uma terceira entidade idónea —, e, em caso negativo, das consequências legais daí resultantes, mormente, da possibilidade de vir tal requerimento a ser rejeitado nos termos em que o foi;
4.Sem necessidade, quanto a este ponto, de mais alongadas considerações, comecese por dizer que, uma vez compulsados os autos, temos como não efectivamente observadas, in casu, as supra explicitadas formalidades de que dependia o envio a juízo através de correio electrónico do dito requerimento instrutório apresentado pelo assistente BB;
5.Sendo que, nesse cenário, impunha-se que o original do mencionado requerimento fosse remetido ou entregue na secretaria judicial no prazo de IO (dez) dias, contado do envio por telecópia, com vista a ser incorporado no processo, em conformidade com o disposto nos art. 0s 4. 0, n.0 3, do Decreto-Lei n.0 28/92, de 27 de Fevereiro, e 6.0, n. 0 1, al. b), do Decreto-Lei n. 0 329-A/95, de 12 de Dezembro, sucedendo que tal não veio a ocorrer, tudo conforme, nesta parte, bem se refere no douto despacho ora recorrido;
6.Aqui chegados, restará ajuizar sobre o acerto do entendimento perfilhado pela Meritíssima Juiz de Instrução Criminal a quo de que "não deverá haver lugar a um convite para junção dos originais", com a consequente rejeição do aludido requerimento, sendo que relativamente a esta questão existem soluções divergentes, designadamente, quer no sentido do indeferimento de requerimentos de abertura de instrução enviados por meio de correio electrónico que não observam os acima referidos requisitos legais consagrados, quer no sentido da concessão de prazo para apresentação dos originais dos requerimentos que se encontrem nessa mesma situação (vejam-se, a título meramente exemplificativo e entre os mais recentes, respectivamente, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Evora de 24.05.2022, proferido no Processo n. 0 8/21.2PAOLH.E1, e de 07.06.2022, prolatado no Processo n. 0 707/19.9PBFAR-F.E1)•,
7.Pese embora a controvérsia em torno desta questão, somos de aderir ao entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Evora de 22.11.2022, Processo n. 0 10/21.4GALLE-E.E1, Relatora: Laura Goulart Maurício, acessível in www.dgsi.pt, cujo sumário refere, de modo lapidar: «I. A falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução do arguido, remetido a juízo, por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, no prazo legal de 10 dias, não tem como consequência imediata a
rejeição liminar daquele requerimento, por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto no artigo 2870, no 3, do Código de Processo Penal. II. O dever de notificar o arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura da instrução, que foi remetido por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, antes de rejeitar o requerimento de abertura de instrução corresponde à exigência de um processo equitativo, revelando-se desproporcional, sancionar essa omissão, com a rejeição liminar».
Face a todo o exposto, entendemos que deverá ser dado provimento ao recurso, designadamente, sendo o douto despacho ora posto em crise revogado e substituído por outro que determine a notificação do assistente BB para, no prazo de IO (dez) dias, querendo e sob pena de rejeição do respectivo requerimento de abertura de instrução, apresentar o original desse mesmo requerimento.
V. Exas., porém, farão como fôr de
JUSTIÇA

7. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Senhor Procuradora-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se no sentido da procedência do recurso, referindo Acompanhamos a completa resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância.
Porque a mesma nos parece fundamentada, qualquer adenda de substância seria despiciente, restando-nos acompanhá-la, na íntegra.
Pelo exposto, entendemos que o recurso interposto deve ser julgado procedente[1].

Cumprido que foi o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPPenal, não foi apresentada resposta ao parecer.

8. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que ainda possam ser objeto de pronunciamento, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do CPPenal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo Assistente, importa apreciar e decidir a seguinte questão: verificação de situação enquadrável em noção de inadmissibilidade legal da instrução, decorrente do estatuído no nº 3 do artigo 287º do CPPenal.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido pronunciou-se da seguinte forma: (transcrição)

Na sequência da prolação do despacho de arquivamento veio o assistente, BB requerer a abertura da instrução por meio do requerimento de fls. 128 e ss. remetido a juízo por correio eletrónico.
De acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 287º do CPP são fundamentos de indeferimento do requerimento de instrução a extemporaneidade, a incompetência do juiz e inadmissibilidade legal da instrução.
No presente caso, o requerimento não é extemporâneo, e o tribunal é competente. Importa apreciar a admissibilidade do RAI
Como é sabido, o envio por correio eletrónico no âmbito do processo penal e concretamente para apresentação de Requerimento de Abertura de Instrução ( RAI), é admissível - neste sentido ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2014, publicado no DR 1.ª série, n.º 74, de 15 de Abril de 2014, que pôs termo a decisões contraditórias a tal respeito, quando fixou que: “Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Pena”.
Esta jurisprudência mantém atualidade como decidiu recentemente o STJ : “A jurisprudência fixada no AFJ 3/2014, de 06-03-2014, mantém plena atualidade, na medida em que a Portaria 280/2013, de 26-08, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às ações referidas no seu artigo 2.º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência.” – acórdão de 24-1-2018, proc. número 5007/14.8TDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
Não obstante, é exigível o cumprimento do disposto na Portaria n.º 642/2004, de 16/06, ex vi artigo 4º CPP, concretamente, nos seus artigos 3.º, n.ºs 1 a 3 e 10.º que prescrevem que “ 1- O envio de peças processuais por correio eletrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura eletrónica avançada.(…); 3- A expedição da mensagem de correio eletrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.” (…) “ à apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia”.
No situação em análise, o requerimento de abertura de instrução foi remetido a juízo por correio eletrónico simples, sem a aposição de assinatura eletrónica, pelo que o mesmo não cumpre o preceituado no citado artigo 3º, 1 da Portaria 642/2004. Assim, de acordo com o citado artigo 10.º da referida portaria, é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia. Tal regime consta do DL 28/92, de 27/02, do qual importa sublinhar o artigo 4.º que prescreve, no que ora interessa, que: “ As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respetivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exatos, salvo prova em contrário. (…) Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos”.
O prazo de 7 dias deve ter-se alargado para 10 em consequência do disposto no artigo 6.º, n.º 1, al. b), do DL 329-A/95, de 12-12. Tal prazo já decorreu desde a data de envio do correio eletrónico ( 05/09/2022), sem que tenha ocorrido a entrega dos originais, nem tão pouco, se verificou a respetiva remessa por correio, o que se consigna para os termos do artigo 10.º da Portaria 642/2004, de 16/06.
O recebimento dos requerimentos de abertura da instrução, nas condições referidas, teria por consequência nas palavras Exm.ª Desembargadora Maria João Sousa e Faro: “Permitir a prática de um ato sem ser pela forma processualmente estabelecida, representa um intolerável favorecimento da parte que infringe a regra em detrimento da outra que a acata e, à sombra da prevalência do primado da substância sobre a forma, abrir-se-á a porta à eventual admissibilidade de interposição de recursos por outras vias igualmente perspetiváveis (v.g. através de envio de um CD) e, por esse motivo, à instalação do arbítrio» - fim de transcrição – negrito no original – Ac. da Relação de Évora de 10/10/2019 (Proc. 2428/10.9TBEVR.E2), acessível em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido citamos também os Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/04/2021, proc. nº 914/18.1T9ABF-B.E1 e de 08/02/2022, proc. nº 157/19.7T9RMZ-A.E1, in www.dgsi.pt. Neste último pode ler-se : “Ora, quando o nº 5 prevê a notificação para exibição dos originais está a referir-se apenas aos casos do nº 4 (“originais de quaisquer outras peças ou documentos”) e não também aos casos do nº 3 (“originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados”).Não faz sentido que seja de outra forma: quanto aos articulados (em sentido amplo, abrangendo, portanto, o r.a.i.), documentos autênticos ou autenticados, a “parte” tem que juntar os originais no prazo de 10 dias; quanto a outras peças processuais (que não sejam articulados) ou outros documentos (que não autênticos ou autenticados) a “parte” deve conservar os originais, devendo apresentá-los se para isso for notificada. Não há aqui qualquer convite ou alerta para a prática de um acto que deveria ter sido praticado anteriormente. O que há é uma notificação para exibição dos originais relativamente a peças processuais e/ou documentos que a “parte” não tinha a obrigação de juntar antes, mas apenas de os conservar. Para os casos, como o dos autos, em que não se trata de conservar os originais mas sim de os juntar no prazo de 10 dias, não há lugar a qualquer notificação para a prática do acto que deveria ter sido praticado anteriormente (junção dos originais), precisamente porque há a obrigação de os juntar no prazo de 10 dias. Se a “parte” não juntar os originais nos termos do referido nº 3, fica precludido o direito que se pretendia fazer valer e que neste caso é a abertura da instrução.É assim que acontece sempre que é estabelecido um prazo para a prática de um acto, excepto quando a lei prevê expressamente que haja lugar a qualquer notificação que permita ainda a prática do acto para além do prazo legalmente previsto, o que, como já se viu, não é o caso.”
Este último Acórdão citado assinala ainda a corrente entendimento jurisprudencial anterior no mesmo sentido: Assim se decidiu nos acórdãos referidos pelo Ministério Público na resposta ao recurso (acs. da rel. de Coimbra de 13/5/2020, da rel. de Lisboa de 13/12/2016 e da rel. de Évora de 13/4/2021), a que se acrescenta o recente acórdão desta relação de 30/11/2021, sumariado como a seguir se indica, e que no seu texto afasta também qualquer possibilidade de “convite”:
“1 - Ao requerimento de abertura de instrução enviado através de correio eletrónico com o recurso ao servidor de correio eletrónico da Ordem dos Advogados, não constando assinatura eletrónica certificada nem a aposição de selo temporal por entidade terceira idónea, aplica-se o artigo 10º da Portaria número 642/2004, de 16 de Junho, do qual resulta que à apresentação de peças processuais por correio electrónico é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia.
2 - Este último regime encontra-se regulado no DL número 28/92, de 27 de Fevereiro, o qual estabelece no seu artigo 4º, a obrigatoriedade de serem remetidas, no prazo de 10 dias, (artigo 6.º, número 1, al. b), do DL número 329-A/95, de 12-12), ou entregues na secretaria, os originais das peças processuais.”.
Assim, entende-se que não deverá haver lugar a um convite para junção dos originais, não só porque tal obrigação resulta claramente da lei (n.º 3 do artigo 4.º do DL 28/92) e as partes, ainda mais se representadas por Advogados, devem ser responsabilizadas pelos seus atos, como, dessa forma, estaríamos a conceder um prazo para além daquele que é perentório - de 20 dias para requerer a abertura da instrução previsto no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, porque legalmente inadmissível, rejeito o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente BB - artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Notifique.

2.2. Da questão a decidir

Como acima se expendeu, o thema decidendum cinge-se à verificação ou não de situação de inadmissibilidade legal da instrução, decorrente da apresentação de RAI, alegadamente, por meio / forma legalmente não admissível.
Debruçando um olhar, ainda que rápido, sobre o objeto da discussão, surge patente que nada se questiona sobre a possibilidade de o aqui Assistente recorrente peticionar a realização desta fase facultativa do processo e que opera o interesse em fazer comprovar judicialmente, a decisão decorrente do encerramento do inquérito.
Em litígio exubera antes o modo como a instrução foi requerida, ou seja, o caminho seguido pelo Assistente recorrente para apresentar o seu RAI e se o mesmo padece de alguma falha irrecuperável / inultrapassável.
Surge irrefutável, crê-se, que no domínio do processo penal é possível a apresentação de peças processuais por correio eletrónico avançado e simples, decorrendo tal, desde logo, do decidido pelo Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, quando fixou em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150º, nº 1, alínea d), e nº 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27-12, e na Portaria nº 642/2004, de 16-06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4º do Código de Processo Penal[2].
Diga-se, igualmente, que esta linha jurisprudencial, ao que se pensa, permanece aplicável às ações excluídas da Portaria nº 280/2013, nomeadamente nas ações que se encontrem na fase de inquérito e / ou instrução, e de acordo com o artigo 17º, da Portaria nº 267/2018 de 20 de setembro[3] sendo que, nessa medida, aquela, no respeitante à tramitação eletrónica dos processos judiciais, não tem aplicação no âmbito dos processos crime que se encontrem em fase de inquérito e / ou de instrução.
Deste modo, claro emerge que o correio eletrónico se apresenta como forma admissível para a prática de atos processuais relativos a todos aqueles autos e / ou fases processuais que se mostram excluídos do âmbito de aplicação da aludida Portaria nº 280/2013, nota esta que conduz a que se recorra ao regime inserto na Portaria nº 642/2004 de 16 de junho.
Esta regula a forma de apresentação a juízo dos momentos processuais enviados através de correio eletrónico, aplicável no que respeita ao envio de peças processuais em processo penal.
O artigo 3°, n° 1 desta Portaria nº 642/2004, de 16 de junho diz que o envio de peças processuais por correio eletrônico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do n° 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n° 290-D/99 de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada, afirmando o seu nº 3 que a expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2 º do Decreto-Lei nº 290D/99, de 2 de Agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.
Tal como o narrado no despacho em sindicância, in casu, o Assistente recorrente apresentou o seu RAI por via de correio eletrónico – email simples – do qual não consta qualquer assinatura eletrónica avançada ou aposição de selo temporal por entidade terceira idónea - o requerimento de abertura de instrução foi remetido a juízo por correio eletrónico simples, sem a aposição de assinatura eletrónica, pelo que o mesmo não cumpre o preceituado no citado artigo 3º, 1 da Portaria 642/2004 -, sendo que não estando cumpridos os pressupostos expressos no citado artigo 3º da dita Portaria é aplicável o plasmado no artigo 10º deste instrumento legal que reza À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.
E, neste seguimento, há que apelar à disciplina decorrente do Decreto-lei nº 28/92, de 27 de fevereiro - regime regulador do envio de peças processuais através de telecópia -, mormente ao seu artigo 4º, nº 3, que impõe que os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos, sendo que por força do disposto no artigo 6º, nº 1, alínea b), do Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, o afirmado prazo de sete dias é alargado para dez dias.
Percorrendo todo o processado, e no que tange ao RAI do Assistente recorrente, nenhum dado emerge que aponte para que o mesmo tenha cumprido a exigência supra adiantada, ou seja, que tenha junto o RAI aos autos, em original, no prazo de dez dias contados da sua apresentação por email / correio eletrónico simples.
Desponta aqui o cerne do dissídio em presença, ou seja, apurar sobre qual a consequência / cominação / sanção a retirar da não apresentação dos originais das peças processuais remetidas a juízo, por telecópia, no prazo legalmente estabelecido de dez dias, se a defendida pelo tribunal recorrido ou outra.
E, neste particular conspecto, ao que se pensa, despontam duas grandes linhas de entendimento – uma que segue a tese sufragada no despacho revidendo, e outra que acalentando a posição recursiva preconiza (a) falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução do arguido, remetido a juízo, por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, no prazo legal de 10 dias, não tem como consequência imediata a rejeição liminar daquele requerimento, por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto no artigo 287º, nº 3, do Código de Processo Penal (…) O dever de notificar (…) para apresentar o original do requerimento para a abertura da instrução (…) corresponde à exigência de um processo equitativo, revelando-se desproporcional, sancionar essa omissão, com a rejeição liminar[4].
Ao que se presume, ainda que de uma leitura meramente transversal, quer o Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de fevereiro, quer outro diploma legal, não apontam qualquer efeito a retirar para o caso de a parte não fazer juntar ao processo, no prazo legal de dez dias, os originais dos articulados ou dos documentos autênticos ou autenticados que haja apresentado, através de telecópia.
Entendeu o tribunal ad quo que a inobservância de tal determina a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal da instrução, ao abrigo do preceituado no artigo 287º, nº 3, do CPPenal, não havendo lugar à notificação do apresentante do requerimento de abertura de instrução para apresentar o respetivo original.
Não se desconhecendo ser este o entendimento maioritário que se vem sufragando, suportando-se, o mesmo, muito na ideia de que (a) realização de um convite por parte do Tribunal, para junção dos originais, redundaria na obnubilação de dever legalmente imposto (…) e na “implosão” do prazo peremptório de 20 dias para requerer a abertura da instrução previsto no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[5], a verdade é que não se segue tal rumo.
Com efeito, e como já se adiantou, nada na lei aponta / delineia / fixa qualquer sanção para a falta de apresentação do original da telecópia de qualquer peça processual, no prazo legalmente previsto de dez dias.
Por seu turno, no domínio do ordenamento processual civil, quando se admitia a presentação de peças processuais por telecópia, era pacificamente aceite que não fixando a lei cominação específica, para a falta de apresentação dos originais de tais peças, no prazo fixado na lei, era possível, o fazer para além desse prazo, desde que se não deixasse de a fazer quando para o efeito se era notificado.
Ou seja, ante tal orientação jurisprudencial, a não apresentação dos originais, no prazo legalmente previsto, não tem como efeito imediato / definitivo a invalidade ou a ineficácia do ato praticado por telecópia, o qual, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 5, do Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro, só não aproveita à parte se esta, notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos.
Diga-se, ainda, neste segmento argumentativo, e salvo mais avisada opinião, que não se suporta o entendimento de que o disposto no dito nº 5 do artigo 4º do atrás referido diploma legal, apenas tem aplicação nas situações previstas no nº 4 e já não relativamente a articulados, documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, por força da leitura sequencial da normação em causa. Ao que se pensa, o nº 1 do artigo 4º assume abrangência ampla e, por outro lado, o nº 5 usando o vocábulo acto, sem qualquer destrinça, parece fazer supor que não foi intento do legislador fazer qualquer restrição / limitação na aplicabilidade do regime aqui inserto.
Considerando tal, não se vislumbra razão ponderosa / justa / equilibrada que permita afastar esta via de ação, antes de se optar pela radical solução perfilhada na decisão recorrida, ancorada, salvo melhor e mais avisada opinião, num excessivo formalismo em detrimento das garantias de proteção das partes envolvidas no processo e em nome de garantias de um processo justo.
Na realidade, permitir a junção dos originais do RAI no prazo fixado em notificação para tal, não desencadeia um maior prazo para requerer a instrução. A instrução foi efetivamente pedida no prazo devido. O original de um documento em cópia, como decorre do vocábulo original, não encerra qualquer inovação em relação àquela, e nessa medida, não contém qualquer acrescentamento, novidade, alteração.
Logo, o tal alegado alargamento de prazo não surte o menor efeito no que se pretende alcançar com a peça inicialmente junta em cópia.
Por outro lado, o argumento que se vem utilizando da doutrina ensaiada pelo o Acórdão do STJ nº 7/2005, publicado no D.R. nº 212, Série I-A, de 04.11.2005, no sentido de que “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido, não tem aqui qualquer cabimento.
Não há novo RAI do Assistente, não há qualquer correção / alteração / emenda a fazer ao conteúdo da peça apresentada, há apenas e só a confirmação de um articulado / peça que fora junta em devido tempo.
Ainda, a alegação de que esta solução belisca a vertente da celeridade processual, também não colhe, pois o que está em causa é um prazo curto – 10 dias figuram como prazo supletivo para a prática de atos processuais, representando assim um tempo razoável / equilibrado / aceitável.
Cite-se, também, em abono do caminho que está seguir, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 174/2020, de 11/03/2020, proferido no Processo nº 564/2018, onde se decidiu Julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, do artigo 144.º, n.ºs 1, 7 e 8, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, com o disposto nos artigos 286.º, 294.º e 295.º do Código Civil, e artigo 195.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho segundo a qual é nulo o recurso apresentado pelo arguido a juízo, por correio eletrónico, dentro do prazo, no âmbito do processo penal, sem prévio convite à apresentação daquela peça processual pela via considerada exigível, por ferir, de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, na modalidade de direito a um processo equitativo - artigos 18º e 20º, nº 4 da CRP.
Reforçando todo o posicionamento que se vem sufragando, mencione-se o novel aresto – Acórdão nº 126/2023 - do Tribunal Constitucional, de 29/03/2023, proferido no Processo nº 581/22, publicado no D.R. nº 99/2023, IIª série, de 23/05/2023, onde com toda a clareza se considera inconstitucional a interpretação normativa do artigo 287º, nº 3 do CPPenal, segundo a qual é possível a rejeição do requerimento de abertura de instrução, quando o mesmo foi apresentado através de correio eletrónico simples e não foi junto o original do aludido requerimento no prazo legalmente previsto, sem que o requerente seja previamente notificado para vir juntar o original desse requerimento[6].
Em presença de todo o expendido, por se entender que se mostra desproporcional / desadequado / desajustado que a falta de apresentação do original do RAI do Assistente apresentado, por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, no prazo legal de 10 dias, tenha como consequência imediata e definitiva a rejeição liminar daquele requerimento, por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto no artigo 287º, nº 3, do CPPenal, importa que se notifique o mesmo para, em prazo a fixar, apresentar o original, caminho este a seguir até por imperativo constitucional[7].
Sequentemente, considerando assistir razão ao Assistente recorrente, importa revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que determine a notificação daquele, por via do seu Ilustre Mandatário, para, em prazo a fixar, apresentar o original do RAI remetido ao tribunal por correio eletrónico simples.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo Assistente BB e consequentemente, decidem:
a) Revogar o despacho recorrido;
b) Determinar que sequentemente, se proceda à notificação do Assistente, através do seu Ilustre Mandatário para, em prazo a fixar, apresentar o original do RAI remetido ao tribunal por correio eletrónico simples.

Sem Custas.

Évora, 25 de maio de 2023

(o presente acórdão, foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94º, n.º 2, do CPPenal)

(Carlos de Campos Lobo - Relator)
(Ana Bacelar – 1ª Adjunta)
(Renato Barroso – 2º Adjunto)

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[1] Cfr. fls. 197.
[2] Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 3/2014, de 06/03/2014, publicado no DR, 1ª Série, de 15 de Abril de 2014.
[3] Acórdão do STJ, de 24/1/2018, proferido no Processo nº 5007/14.8TDLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt. onde se pode ler - A jurisprudência fixada no AFJ 3/2014, de 06-03-2014, mantém plena actualidade, na medida em que a Portaria 280/2013, de 26-08, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às acções referidas no seu artigo 2.º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência(…) Deve, em consonância com o mencionado AFJ 3/2014, de 06-03-2014, considerar-se admissível, em processo penal, a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no art. 150.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC de 1961, na redacção do DL 324/2003, de 27-12, e na Portaria 642/2004, de 16-06, aplicáveis conforme o disposto no art. 4.º do CPP (…) Face ao disposto no art. 10.º da Portaria 642/2004, de 16-06, tratando-se da apresentação de um requerimento de interposição de recurso e respectiva motivação por correio electrónico simples e sem validação cronológica, haverá que aplicar ao caso concreto o estatuído no DL 28/92, de 27-02, que, disciplina o regime do uso da telecópia na transmissão de documentos entre tribunais, entre tribunais e outros serviços e para a prática de actos processuais (…)Verificando-se que, através do email o Mandatário do recorrente enviou cópia em formato PDF do requerimento de recurso interposto para este STJ e respectiva motivação, no prazo de que este dispunha para o recurso e que tal email foi efectivamente recebido, naquela data, no Tribunal da Relação, dando o recorrente cabal cumprimento ao disposto no art. 4.º, n.º 5, do DL 28/92, de 27-02, juntando aos autos os originais no prazo de 10 dias aí estabelecido, conclui-se que o recurso apresentado em juízo, por meio de correio electrónico simples, é válido e tempestivo.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22/11/2022, proferido no Processo nº 10/21.4GALLE-E.E1.
No mesmo sentido o Acórdão do mesmo tribunal, que aqui se segue na essência e de perto, de 7/02/2023, proferido no processo nº 223/15.8T9EVR.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13/04/2021, proferido no Processo nº 914/18.1T9ABF-B.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] No dito Acórdão pode claramente ler-se Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa efetuada na decisão recorrida do artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, no sentido de ser admissível a rejeição do requerimento de abertura de instrução, quando o mesmo foi apresentado através de correio eletrónico simples e não foi junto o original do aludido requerimento no prazo legalmente previsto, sem que o requerente seja previamente notificado para vir juntar o original desse requerimento.
[7] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 29/09/2022, proferido no Processo nº 223/15.8T9EVR-B.E1, disponível em www.dgsi.pt.
Ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/05/2020, proferido no Processo nº 359/17.0GBFND.C1, disponível www.dgsi.pt, onde se pode ler «Revogar o despacho proferido em sede de audiência de julgamento (…) que indeferiu liminarmente o PIC apresentado (…), devendo a lesada/demandante B. ser notificada para, em prazo a designar, vir juntar aos autos os originais (em suporte de papel) do PIC que formulou.»