ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Sumário

I - Sempre que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que afeta o lesado não tem qualquer projeção negativa nos ganhos que poderá auferir, não envolve uma redução atual ou futura nos seus rendimentos, nem implica esforços suplementares para o exercício da sua atividade profissional ou para a realização das tarefas pessoais e familiares, deve o dano biológico ser relevado como dano não patrimonial.
II - É adequada a compensação de três mil e quinhentos euros por dano biológico na vertente não patrimonial a lesada com dezoito anos à data da alta, que ficou a padecer de um défice físico-psíquico de um ponto, sem qualquer repercussão permanente na atividade profissional.
III - O Tribunal da Relação tem poderes amplos de cognição em matéria de facto e de direito, ao contrário do que sucede com o Supremo Tribunal de Justiça que apenas conhece de questões de direito, não tendo por isso base legal, em segunda instância, a orientação restritiva na sindicação do juízo de equidade de que resulta a fixação da compensação por danos não patrimoniais, devendo antes a Relação proceder à fixação autónoma da compensação devida tendo em conta todos os fatores relevantes para o efeito.
IV - A compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil (primeira parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil), devendo atentar-se no disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, em ordem a uma aplicação, tanto quanto possível, uniforme do direito, assim se respeitando e realizando o princípio da igualdade.
V - Se o défice físico-psíquico de que a lesada passou a ser portadora foi já valorado anteriormente como dano biológico, na vertente não patrimonial, não pode de novo ser relevado em sede de danos não patrimoniais sob pena de se proceder a uma duplicação de valorações do mesmo dano para fundamentar a atribuição de diferentes compensações cumuladas.
VI - É adequada a compensação de oito mil euros a título de danos não patrimoniais a lesada de dezoito anos na data do sinistro que por causa das lesões sofridas viu limitada a sua liberdade de locomoção durante um pouco mais de um mês, tendo de usar um par de canadianas, que fez um total de quarenta tratamentos de fisioterapia com o inerente sofrimento deles resultantes, que sofreu dores de grau quatro numa escala de zero a sete, que ainda tem na atualidade dores, ainda que não quantificadas, que por força das lesões sofridas sofreu um défice temporário total de oitenta e seis dias e parcial de vinte e nove dias.

Texto Integral

Processo nº 3323/20.9T8VNG.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 3323/20.9T8VNG.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 22 de maio de 2020, no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto, com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, AA instaurou a presente ação declarativa sob forma comum contra A..., Companhia de Seguros, S.A. pedindo a condenação da ré a pagar-lhe o “montante líquido de 15.000,00 euros, sem prejuízo do montante que vier a ser fixado em incidente próprio de liquidação e ampliação do pedido, relativamente aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, decorrentes da IPP de que a A. vai ficar a padecer e que vai ser determinado por perícia médico legal, tudo acrescido de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da presente ação, até efetivo pagamento”.
Para fundamentar as suas pretensões a autora, nascida em .../.../1998, alegou, em síntese, que no dia 07 de agosto de 2016, pelas 19 horas, na Rua ..., freguesia ..., Vila Nova de Gaia, com a largura de 7,20 metros e dois corredores de circulação de sentidos opostos, piso em asfalto em razoável estado de conservação, era transportada, com o cinto de segurança colocado, no banco da frente do veículo de matrícula ..-..-QV e conduzido por BB; nesse mesmo dia e hora, na mesma rua, no sentido ... – ... circulava o veículo de matrícula ..-GX-.., conduzido por CC, a uma velocidade superior a sessenta quilómetros por hora e ao descrever uma curva para a sua direita, aproximou-se do eixo médio da via, transpondo-o parcialmente, passando a circular pelo corredor de circulação da esquerda, atento o seu sentido de marcha; em sentido oposto ao do veículo GX, no mesmo dia, hora e local circulava o veículo de matrícula ..-..-TT, conduzido por DD, seguido do veículo em que a autora se fazia transportar, ambos circulando pela hemifaixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha; ao descrever a curva para a direita antes referida, o condutor do veículo GX perdeu o controlo do veículo, invadindo a hemifaixa de rodagem da esquerda, atento o seu sentido, e onde circulavam os veículos TT e QV, indo o GX colidir com a sua frente nas partes laterais esquerdas dos veículos TT e QV; em consequência da colisão do veículo GX com o veículo QV, a autora sofreu os danos cuja reparação pretende obter nestes autos; a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente de acidente com a intervenção do veículo de matrícula ..-GX-.. estava transferida para a A..., Companhia de Seguros S.A., mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ....
Citada, a ré contestou invocando a prescrição da obrigação de indemnizar, alegou que depois de feitas as necessárias averiguações concluiu que a responsabilidade pelo sinistro caberia ao condutor do veículo de matrícula GX por si segurado, admitindo parte dos factos alegados pela autora e impugnando por desconhecimento outros factos, concluindo pela procedência da exceção de prescrição por si invocada e, a não se entender assim, pela total improcedência da ação.
A autora replicou pugnando pela improcedência da exceção perentória de prescrição invocada pela ré.
As partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a dispensa de realização de audiência prévia, tendo ambas as partes declarado nada terem a opor a tal dispensa.
Fixou-se o valor da causa no montante de quinze mil euros, proferiu-se despacho saneador tabelar, relegando-se o conhecimento da exceção perentória de prescrição para final, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e conheceu-se dos requerimentos probatórios das partes.
Realizou-se a prova pericial requerida pela autora.
Designada data para realização da audiência final, a autora deduziu incidente de liquidação e requereu a ampliação do pedido pedindo a condenação da ré ao pagamento de indemnização no montante de oito mil euros, a título de incapacidade parcial permanente a acrescer à compensação por danos não patrimoniais pedida na petição inicial e no montante de quinze mil euros, montantes acrescidos de juros contados à taxa legal desde a citação e até integral embolso.
A ré contestou o requerimento de ampliação do pedido pugnando pela sua total improcedência.
A ampliação do pedido foi admitida.
A audiência final realizou-se numa sessão e em 27 de outubro de 2022 foi proferida sentença[1] que terminou com o seguinte dispositivo que na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso se reproduz:
Face ao exposto, e com estes fundamentos, o Tribunal decide:
a) julgar improcedente a exceção perentória de prescrição invocada pela R. A..., Companhia de Seguros, S.A..
b) condenar a R. A..., Companhia de Seguros, S.A. a pagar à A. AA a quantia de €7000,00 (sete mil euros), valor acrescido dos juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa anual legal aplicável aos juros civis, desde a citação e até efetivo pagamento, juros computados sobre o valor de €7000,00, juros que atualmente se contabilizam à taxa anual legal de 4%, absolvendo-se a R. da parte restante do pedido.
Em 04 de novembro de 2002, inconformada com a sentença, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso visa a revogação da douta Sentença, porquanto se discorda da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais e do dano biológico.
2.ª Entendemos, com o devido respeito, que o Tribunal a quo acabou por subvalorizar os danos assim advindos, nesta perspectiva, ao lesado, em claro e inequívoco alheamento dos dispositivos legais que regulam esta matéria, da doutrina e jurisprudência dominante e mais recente dos nossos Tribunais.
3.ª Quanto a indemnização fixada a título de Dano Bioloìgico: A este propoìsito provou-se que (cfr. nuìmero 41. dos factos provados):
− A data da consolidação médico-legal das lesões eì fixável em 29/11/2016;
− Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 86 dias;
− Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 29 dias;
− Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável num período total de 115 dias;
− Quantum Doloris 4/7;
− Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica fixável em 1 Ponto (em 100);
− As sequelas descritas não são causa de afectação em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional
− Dano Estético Permanente – não existente;
− Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer Não considerado por inexistência de verbalização de queixas e/ou perdas;
− Repercussão permanente na Actividade Sexual - Não considerado por inexistência de verbalização de queixas.
- Ainda que a Apelante tinha a idade de 18 anos a data do embate e que ajudava a progenitora no cafeì desta (cfr. nuìmero 40. dos factos provados).
5.ª O Tribunal Recorrido considerou, como base, o salário mínimo em 2016, que era de €530,00, posição que se discorda tal como o STJ já entendeu, que o mais adequado é o recurso ao valor do salário médio nacional, que, à data do acidente era de € 951,00.
6.ª Considerando uma vida activa até aos 70 anos, a idade da Apelante à data do acidente, 18 anos, o valor de 951,00 € mensais, a esperança de média de vida que se situa nos 83 anos, a incapacidade de 1 ponto (em 100), tudo ponderado pela equidade, temos que um montante indemnizatório de €8.000,00, como justo, adequado e proporcionado a título de indemnização decorrente da IPP.
7.ª Em relação à compensação pelos danos não patrimoniais, deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, sendo tempo de acabar com miserabilismos indemnizatórios.
8.ª Ora, ponderando todos os factos provados na sentença recorrida, e que aqui se devem considerar integralmente transcritos, temos necessariamente de concluir que a verba arbitrada pelo Tribunal Recorrido para compensar o sofrimento, os danos e as sequelas definitivas de que à Apelante ficou a padecer, é manifestamente escassa, desadequada à situação em apreço, e desajustada aos padrões em vigor.
9.ª Atento o quadro retratado nos autos, o montante indemnizatório a atribuir à Apelante a título de danos não patrimoniais haverá de fixar-se em não menos da quantia de € 10.000,00.
10.ª Ao decidir nos termos constantes da douta sentença em recurso o Tribunal a quo violou o disposto nos Arts. 494º, 496º n.º 3, 562º, 564º n.º 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil.
A..., Companhia de Seguros, S.A. respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.
Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da indemnização por dano biológico;
2.2 Da compensação por danos não patrimoniais.
3. Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida que não foram impugnados, não se divisando fundamento legal para a sua alteração oficiosa
3.1 Factos provados
3.1.1
No dia 07/08/2016, pelas 19:00 horas, ocorreu um embate na Rua ..., freguesia ..., Vila Nova de Gaia.
3.1.2
Nesse embate, foram intervenientes:
a) o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Audi, de matrícula ..-GX-.., conduzido por CC (doravante apenas designado por “veículo GX”);
b) o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Toyota, de matrícula ..-..-TT, conduzido por DD (doravante apenas designado por “veículo TT”);
c) - o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Rover, de matrícula ..-..-QV, conduzido por BB (doravante apenas designado por “veículo QV”).
3.1.3
Momentos antes do embate, o veículo GX transitava no sentido ... – ....
3.1.4
A faixa de rodagem tinha a largura de 7,20 metros e era constituída por dois corredores de circulação, cada um afeto ao seu sentido de marcha, sendo o piso em asfalto.
3.1.5
O condutor do veículo GX, ao descrever uma curva que se apresentava para a sua direita, aproximou-se inopinadamente do eixo médio da via, transpondo-o parcialmente, passando a circular parcialmente pelo corredor de circulação da esquerda, atento o seu sentido de trânsito.
3.1.6
Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar e em sentido contrário ao seguido pelo veículo GX, circulavam os veículos TT e QV, sendo que o veículo TT seguia à frente do QV.
3.1.7
Os veículos TT e QV circulavam regularmente, pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de trânsito, e destinada ao seu sentido de circulação.
3.1.8
Quando se encontra a curvar, o condutor do veículo GX perdeu o controlo do veículo, invadiu totalmente a hemi-faixa de rodagem destinada ao sentido contrário e onde circulavam regularmente os veículos TT e QV, tendo atuado com imprudência, imperícia, falta de cuidado e desrespeito pelas normas estradais[2].
3.1.9
O veículo GX veio a colidir, primeiro com o veículo TT e seguidamente com o
veículo QV.
3.1.10
Os choques ocorreram com a frente as partes laterais esquerdas dos veículos envolvidos[3].
3.1.11
O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido tomado pelos veículos TT e QV.
3.1.12
A ré, logo após a deflagração[4] do embate, levou a efeito as competentes averiguações sobre a forma como ocorreu o sinistro estradal e concluiu, também, pela culpa, única e exclusiva do condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula GX.
3.1.13
E, em conformidade, assumiu toda – 100,00% - da responsabilidade pelas consequências danosas sofridas pela autora, em consequência do embate.
3.1.14
Para a ré estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel de matrícula ..-GX-.., através de contrato de seguro, válido e eficaz[5], titulado pela apólice nº ..., em vigor à data do embate.
3.1.15
A autora seguia, na altura do embate, como passageira do veículo QV, sentada no banco da frente, ao lado do condutor e com o cinto de segurança aposto.
3.1.16
No momento da ocorrência do embate e nos instantes que se seguiram, a autora
assustou-se, receando pela sua própria integridade física.
3.1.17
Como consequência direta e necessária do referido embate resultaram lesões corporais várias para a autora, o que fez com que fosse transportada em ambulância para o Centro Hospitalar ....
3.1.18
O transporte foi feito com imobilização total e através de plano duro, com colocação de colar cervical.
3.1.19
Foi recebida no Serviço de Urgência dessa Unidade Hospitalar e foram-lhe aí efetuados exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas.
3.1.20
Foram-lhe prescritos analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, os quais a autora se viu na necessidade de ingerir.
3.1.21
A autora apresentava, nesse momento, as seguintes lesões:
- toracalgia anterior;
- cervicalgia
- gonalgia esquerda.
3.1.22
A autora sentia dor à palpação do tórax – devido à pressão feita pelo cinto de segurança aquando do choque, agravada com os movimentos de flexão, extensão e rotação.
3.1.23
O estudo imagiológico, mormente a TAC torácica-abdominal, crânio e coluna cervical revelou que, aparentemente, não existiam lesões traumáticas.
3.1.24
O RX efetuado ao joelho detetou evidência de fissura na face anterior da rótula esquerda, [e a autora] apresentava escoriações nos braços e perna esquerda.
3.1.25
Teve alta hospitalar, no próprio dia, com recomendação de cuidados médicos, caso as dores persistissem e com terapêutica.
3.1.26
Regressando à sua residência, onde, face às dores, optou por se manter acamada.
3.1.27
Devido às dores que sentia, a autora recorreu ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ..., no dia 12 de agosto de 2016.
3.1.28
A autora tinha dores no joelho esquerdo, com edema, foi realizado Rx que revelou fratura do pólo inferior da rótula esquerda.
3.1.29
Nessa altura, porque não era recomendável a cirurgia, foi feita imobilização com
tala gessada – tala de Depuy - e orientada para reavaliação em consulta externa de Ortopedia.
3.1.30
A autora teve alta hospitalar, no dia seguinte, após lhe terem sido dadas as recomendações habituais e referidos os sinais de alarme e motivos pelos quais deveria voltar ao serviço de urgência – dores e febres.
3.1.31
Face à imobilização com tala gessada, a autora só se conseguia locomover com
duas canadianas, sentindo dores e mal-estar.
3.1.32
A autora frequentou as Consultas Externas de Ortopedia no Centro Hospitalar ..., tendo retirado a tala gessada no dia 12 de setembro de 2016 e realizado RX ao joelho que confirmou a fratura, no dia 15 desse mês.
3.1.33
A autora, neste período, manteve as duas canadianas como auxiliar de locomoção.
3.1.34
Entretanto, e dada a assunção de responsabilidade por parte da ré, a autora começou a ser seguida nos serviços clínicos da ré.
3.1.35
A autora deslocou-se às consultas no Hospital ... nos seguintes dias:
- 24 de agosto;
- 6 e 27 de setembro;
- 3, 7 e 29 de novembro de 2016, tendo tido alta clínica nesta data, tendo-lhe sido prescritos tratamentos de fisioterapia, que a autora realizou no Hospital ... nos seguintes dias:
- 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30 de setembro;
- 3, 4, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 28 e 31 de outubro;
- 7, 8, 9, 10, 11, 14, 14, 16, 17 e 18 de novembro de 2017[6].
3.1.36
A autora nasceu no dia .../.../1998.
3.1.37
Ainda hoje a autora sente dores, ao toque, no joelho esquerdo.
3.1.38
Antes do acidente, a autora era uma pessoa, do ponto de vista da ortopedia, sã, escorreita e saudável, forte, robusta e dinâmica e com alegria de viver.
3.1.39
À data do embate, a autora ajudava a mãe na exploração de um café.
3.1.40
Em face do embate, é possível indicar:
− A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 29/11/2016;
− Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 86 dias;
− Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 29 dias;
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período total de 115 dias;
− Quantum Doloris 4/7;
− Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 1 ponto;
− As sequelas descritas não são causa de afetação em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional;
− Dano Estético Permanente – não existente;
− Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer Não considerado por inexistência de verbalização de queixas e/ou perdas;
− Repercussão permanente na Atividade Sexual - Não considerado por inexistência de verbalização de queixas.
3.2 Factos não provados
3.2.1
1. No momento indicado no número 1 dos factos provados [3.1.1], o veículo GX transitava a uma velocidade superior a 60 Km/hora.
3.2.2
O condutor do veículo GX conduzia de forma distraída, não prestando atenção à
atividade que desempenhava e ao estado da via, nem aos restantes veículos automóveis que, na altura, transitavam pela mencionada via.
3.2.3
Nos trinta dias seguintes ao momento indicado no número 31 dos factos provados [3.1.31], a autora sentiu tonturas e ausência completa de forças para se movimentar.
3.2.4
Nesse período, por dores, que se agudizavam sempre que se movimentava na cama, e por não ter posição para dormir, a autora não conseguia descansar/dormir.
3.2.5
A autora necessitava de ajuda para se deitar e levantar.
3.2.6
Os tratamentos de fisioterapia consistiam na aplicação dos seguintes métodos:
- Técnicas especiais de cinesiterapia;
- Cinesiterapia corretiva postural;
- Parafinoterapia;
- Fortalecimento muscular / mobilização articular,
que eram dolorosos, obrigando à ingestão de medicação analgésica e anti-inflamatória,
em SOS e quando sentia muitas dores.
3.2.7
As dores mencionadas no número 38. dos factos provados [3.1.37] manifestam-se sempre que a autora caminha, sobe e desce escadas, nas mudanças de tempo e tenta correr.
3.2.8
Ainda hoje a autora sente dores localizadas ao nível do tórax e da parte lombar.
3.2.9
Em função do embate, não pode a autora fruir e gozar a vida como fazia até então, encontrando-se irremediavelmente atingida a sua saúde, capacidade de ter prazer,
tranquilidade e bem-estar consigo mesmo.
3.2.10
Por força do embate e depois de ter alta hospitalar, a autora esteve acamada por não se poder movimentar.
3.2.11
A autora, na data do embate, auferia o valor de € 951,00 mensais de remuneração.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da indemnização por dano biológico
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida no que respeita ao montante arbitrado a título de dano biológico, sustentando que atentando no termo da vida ativa aos setenta anos, à esperança média de vida de oitenta e três anos, ao salário médio de € 951,00, à idade da lesada na data do sinistro (dezoito anos) e à incapacidade permanente geral de um ponto que a afeta após e em consequência do sinistro, esse valor deve ser fixado em oito mil euros.
A recorrida pugna pela manutenção da decisão recorrida referindo que a determinação do dano biológico se faz com recurso à equidade e não com base em qualquer fórmula, que o salário médio nacional era de € 840,26, que a esperança de vida para as mulheres, em 2016 era de oitenta anos, que o valor a arbitrar deve ter em conta o montante que o lesado gastará consigo ao longo da vida e bem assim a disponibilidade imediata de um capital.
Na decisão recorrida no que respeita esta questão, no essencial, escreveu-se o seguinte:
− A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 29/11/2016;
− Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 86 dias;
− Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 29 dias;
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período total de 115 dias;
− Quantum Doloris 4/7;
− Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 1 Ponto (em
100);
− As sequelas descritas não são causa de afetação em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional
− Dano Estético Permanente – não existente;
− Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer Não considerado por inexistência de verbalização de queixas e/ou perdas;
− Repercussão permanente na Atividade Sexual - Não considerado por inexistência de verbalização de queixas.
A A. tinha a idade de 18 anos à data do embate. Apenas se provou que a A. ajudava a progenitora no café desta (cfr. número 40. dos factos provados).
Por isso, tomamos por base o salário mínimo em 2016, que era de €530,00 [nota de rodapé nº 2 com o seguinte conteúdo: “Decreto-Lei n.º 254-A/2015, de 31/12.”].
Com base na simuladora existente no sítio http://danocorporal.apseguradores.pt/#BASE_INFO, que é disponibilizada pela Associação Portuguesa de Seguradores [nota de rodapé nº 3 com o seguinte conteúdo: “https://www.apseguradores.pt/pt/], com base nas aludidas Portarias 377/2008 e 679/2009, chegamos a um valor de €2.337,81, que se arredonda para €2500,00.
Cumpre apreciar e decidir.
Não obstante a figura do dano biológico ser no domínio da responsabilidade por facto ilícito, normalmente resultante de acidente de viação[7], daquelas que mais desencontros jurisprudenciais tem suscitado, a tal ponto que o nosso Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão ainda não muito distante no tempo[8], em sede de apreciação do preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso de revista excecional, refere que “[a]cresce que surgiu, de há anos para cá, a figura do “dano biológico” cujas dúvidas começam na conceptualização, continuando no capítulo referente à autonomização ou não relativamente às parcelas que tradicionalmente se fixavam”, julga-se que ainda se revela de interesse prático no enquadramento de certos casos, como sucede precisamente na hipótese dos autos.
Na situação em apreço, é manifesto que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que afeta a autora não tem qualquer projeção negativa nos ganhos que poderá auferir[9], não envolve uma redução atual ou futura nos seus rendimentos, nem implica esforços suplementares para o exercício da sua atividade profissional ou para a realização das tarefas pessoais e familiares.
Neste contexto, o denominado dano biológico configura-se como um dano não patrimonial cujo cômputo se deverá subordinar às regras vigentes para a fixação das compensações por danos não patrimoniais (artigo 496º, nºs 1 e 4 do Código Civil)[10].
Não obstante o reduzido défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que afeta a autora, atenta a natureza pessoal do bem jurídico atingido, reveste-se de gravidade suficiente para ser merecedor de uma compensação por danos não patrimoniais pois que inequivocamente a integridade físico-psíquica da autora foi atingida por causa do acidente imputável ao condutor do veículo segurado pela ré.
Tomando como referência situações de dano biológico julgadas neste Tribunal da Relação do Porto e nesta secção cível[11], que a nosso ver se revestem de maior gravidade quanto à dimensão das sequelas e à sua projeção patrimonial, embora de menor gravidade na sua previsível duração futura e tendo ainda em conta o tempo decorrido desde a prolação das decisões de Tribunal da Relação tomadas como referência e a erosão no poder de compra da moeda, afigura-se-nos que uma compensação no montante de três mil e quinhentos euros é mais adequada para compensar o dano biológico sofrido pela recorrente na sua vertente não patrimonial.
Deste modo, procede parcialmente esta questão recursória, alterando-se a decisão recorrida neste ponto aumentando a compensação por dano biológico para o montante de três mil e quinhentos euros e com base em pressupostos diferentes dos adotados pelo tribunal recorrido.
4.2 Da compensação por danos não patrimoniais
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida no que respeita à fixação da compensação por danos não patrimoniais, pugnando por que seja fixada em montante não inferior a dez mil euros, atendendo aos graves danos que sofreu e plasmados nos factos provados.
Atendendo ao défice funcional físico-psíquico de um ponto de que ficou a padecer a recorrente e o quantum doloris de grau quatro numa escala crescente de zero a sete, a recorrida pugna pela manutenção da compensação arbitrada pelo tribunal recorrido.
Na decisão recorrida, no que respeita a fixação da compensação por danos não patrimoniais escreveu-se, no essencial, o seguinte:
Tendo em consideração as dores e os incómodos da A., designadamente com os tratamentos as quais teve de se submeter, e ao susto e as dores que sofreu (cfr. números 6 a 36. dos factos provados), e às dores que ainda hoje sente ao toque no joelho, e com recurso à equidade, entendemos que devemos acrescer o valor de €4500,00.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais, importa sublinhar que não seguimos a orientação que se tem vindo a manifestar nalguns Tribunais da Relação, na senda do acórdão seminal do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de novembro de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego no processo nº 381-2002.S1, acessível na base de dados da DGSI e no sentido de que o controlo da decisão de fixação equitativa da compensação por danos não patrimoniais se regeria pelos mesmos parâmetros que vigoram no recurso de revista, ou seja, de que o juízo de equidade deverá, “em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.
Na verdade, o Tribunal da Relação tem poderes amplos de cognição em matéria de facto e de direito, ao contrário do que sucede com o Supremo Tribunal de Justiça que apenas conhece de questões de direito, não tendo por isso base legal, em segunda instância, a orientação restritiva na sindicação do juízo de equidade de que resulta a fixação da compensação por danos não patrimoniais, devendo antes a Relação proceder à fixação autónoma da compensação devida tendo em conta todos os fatores relevantes para o efeito.
A compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil (primeira parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil).
Também nesta vertente deve atentar-se no disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, em ordem a uma aplicação, tanto quanto possível, uniforme do direito, assim se respeitando e realizando o princípio da igualdade.
Pela sua própria natureza, os danos não patrimoniais não são passíveis de reconstituição natural e, por outro lado, nem em rigor são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente.
A compensação arbitrada nestes casos não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas sim uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento, paliativo que numa sociedade que deifica o dinheiro assume naturalmente esta feição.
Importa ainda não perder de vista que apenas são compensáveis os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, estando afastados do círculo dos danos indemnizáveis os simples incómodos (artigo 496º, n.º 1, do Código Civil).
Ensina o Professor Antunes Varela[12] que a “gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”. Em nota de rodapé, na mesma página da obra citada, aludia o Ilustre Professor ao facto de Carbonnier considerar de todo aberrante a decisão judicial que concedeu a indemnização por danos morais pedida pelo dono duma écurie de course, com fundamento no desgosto que lhe causou a morte de um dos seus cavalos. Embora este exemplo não tenha na atualidade a pertinência que tinha num tempo em que os animais eram vistos exclusivamente como coisas[13], destituídos de sentimentos[14], aponta para que o sofrimento a compensar atinja um patamar mínimo de gravidade para que se torne merecedor da tutela do direito[15]. Existe como que uma tolerância ou adequação social de certo nível de incomodidade ou sofrimento e que constitui o preço que cada ser humano tem de pagar por viver em sociedade.
No caso em apreço, não se discute a compensabilidade dos danos não patrimoniais sofridos e que a recorrente ainda sofre no presente (recorde-se o ponto 3.1.37 dos factos provados) mas apenas a medida da compensação adequada.
Os factos que se devem relevar são os seguintes:
- No momento da ocorrência do embate [07 de agosto de 2016] e nos instantes que se seguiram, a autora assustou-se, receando pela sua própria integridade física (ponto 3.1.16 dos factos provados);
- Como consequência direta e necessária do referido embate resultaram lesões corporais várias para a autora, o que fez com que fosse transportada em ambulância para o Centro Hospitalar ... (ponto 3.1.17 dos factos provados);
- O transporte foi feito com imobilização total e através de plano duro, com colocação de colar cervical (ponto 3.1.18 dos factos provados);
- Foi recebida no Serviço de Urgência dessa Unidade Hospitalar e foram-lhe aí efetuados exames radiológicos às regiões do seu corpo atingidas (ponto 3.1.19 dos factos provados);
- A autora apresentava, nesse momento, as seguintes lesões:
- toracalgia anterior;
- cervicalgia
- gonalgia esquerda (ponto 3.1.21 dos factos provados);
- A autora sentia dor à palpação do tórax – devido à pressão feita pelo cinto de segurança aquando do choque, agravada com os movimentos de flexão, extensão e rotação (ponto 3.1.22 dos factos provados);
- O RX efetuado ao joelho detetou evidência de fissura na face anterior da rótula esquerda, [e a autora] apresentava escoriações nos braços e perna esquerda (ponto 3.1.24 dos factos provados);
- Teve alta hospitalar, no próprio dia, com recomendação de cuidados médicos, caso as dores persistissem e com terapêutica (ponto 3.1.25 dos factos provados);
- Regressando à sua residência, onde, face às dores, optou por se manter acamada (ponto 3.1.26 dos factos provados);
- Devido às dores que sentia, a autora recorreu ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ..., no dia 12 de agosto de 2016 (ponto 3.1.27 dos factos provados);
- A autora tinha dores no joelho esquerdo, com edema, foi realizado RX que revelou fratura do pólo inferior da rótula esquerda (ponto 3.1.28 dos factos provados);
- Nessa altura, porque não era recomendável a cirurgia, foi feita imobilização com tala gessada – tala de Depuy – e orientada para reavaliação em consulta externa de Ortopedia (ponto 3.1.29 dos factos provados);
- A autora teve alta hospitalar, no dia seguinte, após lhe terem sido dadas as recomendações habituais e referidos os sinais de alarme e motivos pelos quais deveria voltar ao serviço de urgência – dores e febres (ponto 3.1.30 dos factos provados);
- Face à imobilização com tala gessada, a autora só se conseguia locomover com duas canadianas, sentindo dores e mal-estar (ponto 3.1.31 dos factos provados);
- A autora frequentou as Consultas Externas de Ortopedia no Centro Hospitalar ..., tendo retirado a tala gessada no dia 12 de setembro de 2016 e realizado RX ao joelho que confirmou a fratura, no dia 15 desse mês (ponto 3.1.32 dos factos provados);
- A autora, neste período [ou seja entre 12 de agosto de 2016 e 15 de setembro de 2016], manteve as duas canadianas como auxiliar de locomoção (ponto 3.1.33 dos factos provados);
- Entretanto, e dada a assunção de responsabilidade por parte da ré, a autora começou a ser seguida nos serviços clínicos da ré (ponto 3.1.34 dos factos provados);
- A autora deslocou-se às consultas no Hospital ... nos seguintes dias:
- 24 de agosto;
- 6 e 27 de setembro;
- 3, 7 e 29 de novembro de 2016, tendo tido alta clínica nesta data, tendo-lhe sido prescritos tratamentos de fisioterapia, que a autora realizou no Hospital ... nos seguintes dias:
- 19, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30 de setembro;
- 3, 4, 6, 7, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 28 e 31 de outubro;
- 7, 8, 9, 10, 11, 14, 14, 16, 17 e 18 de novembro de 2016 (ponto 3.1.35 dos factos provados;
- Ainda hoje a autora sente dores, ao toque, no joelho esquerdo (ponto 3.1.37 dos factos provados;
- Antes do acidente, a autora era uma pessoa, do ponto de vista da ortopedia, sã, escorreita e saudável, forte, robusta e dinâmica e com alegria de viver (ponto 3.1.38 dos factos provados;
-Em face do embate, é possível indicar:
− A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 29/11/2016;
− Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 86 dias;
− Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 29 dias;
− Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total fixável num período total de 115 dias;
− Quantum Doloris 4/7;
− Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 1 ponto;
− As sequelas descritas não são causa de afetação em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional;
− Dano Estético Permanente – não existente;
− Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer Não considerado por inexistência de verbalização de queixas e/ou perdas;
− Repercussão permanente na Atividade Sexual - Não considerado por inexistência de verbalização de queixas (ponto 3.1.40 dos factos provados).
De toda esta factualidade há que reter que a recorrente viu limitada a sua liberdade de locomoção durante um pouco mais de um mês, tendo de usar um par de canadianas, que fez um total de quarenta tratamentos de fisioterapia com o inerente sofrimento deles resultantes, que sofreu dores de grau quatro numa escala de zero a sete, que ainda tem na atualidade dores, ainda que não quantificadas, que por força das lesões sofridas sofreu um défice temporário total de oitenta e seis dias e parcial de vinte e nove dias.
Uma vez que o défice físico-psíquico de que a recorrente passou a ser portadora foi já valorado anteriormente como dano biológico, na vertente não patrimonial, não pode de novo ser relevado nesta sede sob pena de se proceder a uma duplicação de valorações do mesmo dano para fundamentar a atribuição de diferentes compensações.
Tomando de novo como referência os valores arbitrados a título de compensação por danos não patrimoniais nas decisões deste Tribunal da Relação e desta secção cível antes citados quando se abordou a questão do dano biológico[16], afigura-se-nos mais ajustado o montante de oito mil euros para compensar os danos não patrimoniais padecidos pela recorrente.
Pelo exposto, procede parcialmente o recurso interposto por AA e, em consequência, deve revogar-se a sentença recorrida proferida em 27 de outubro de 2022, no que respeita aos montantes arbitrados a título de dano biológico e a título de compensação por danos não patrimoniais, montantes que se elevam, respetivamente, para três mil e quinhentos euros e oito mil euros.
As custas do recurso e da ação são da responsabilidade da recorrente e da recorrida na exata proporção do decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), mas sem prejuízo do apoio judiciário de que goza a autora.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida proferida em 27 de outubro de 2022, no que respeita aos montantes arbitrados a título de danos biológico e de compensação por danos não patrimoniais, fixando-se a compensação por dano biológico, na vertente não patrimonial, no montante de três mil e quinhentos euros e a compensação por danos não patrimoniais, no montante de oito mil euros, condenando-se a A..., Companhia de Seguros, S.A. a pagar estes montantes a tais títulos a AA, mantendo-se no mais intocada a sentença recorrida, tanto mais que não foi objeto de qualquer impugnação.
Custas da ação e do recurso a cargo da autora e da ré, na exata proporção do decaimento, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que goza a recorrente.
***
O presente acórdão compõe-se de vinte e uma páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 08 de maio de 2023
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Notificada mediante expediente eletrónico elaborado em 28 de outubro de 2022.
[2] O segmento final deste ponto de facto, a partir de “imprudência” constitui matéria de direito e como tal será desconsiderado, devendo as valorações subjacentes às qualificações aí mencionadas ser realizadas em face da globalidade da factualidade provada e em sede de fundamentação jurídica.
[3] Este ponto de facto corresponde à alegação da autora no artigo 17º da petição inicial. Porém, salvo melhor opinião, tal alegação é algo obscura, parecendo que com a mesma se pretendia dizer que o GX colidiu com a sua frente nas partes laterais esquerdas dos veículos TT e QV.
[4] Supõe-se que com este termo reprodução fiel do alegado no artigo 24º da petição inicial se pretende aludir à ocorrência do embate pois não há notícia de que algum dos veículos se tenha incendiado.
[5] A referência à validade e eficácia do contrato de seguro constitui matéria de direito e não pode dizer-se que integra matéria do conhecimento comum das pessoas, pelo que como tal será desconsiderada.
[6] No artigo 57º da petição inicial, certamente por lapso, foi alegado o ano 20176. Confrontada a alegação com o documento que lhe serve de suporte probatório constata-se que esse tratamento ocorreu no ano de 2016.
[7] E com claro predomínio de lesados jovens ou de pessoas em idade ativa.
[8] Referimo-nos ao acórdão de 05 de maio de 2016, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro João Bernardo, no processo nº 2242/09.4TBBCL.G2.S1, acessível no site da DGSI.
[9] Isso mesmo sucede nas pequenas incapacidades permanentes parciais laborais resultantes de acidente de trabalho, sem que tal contenda com a atribuição de pensão por acidente de trabalho e com a manutenção do salário até então auferido.
[10] Enfatizando que o denominado dano biológico não constitui um tertium genus mas antes se reconduz ou a um dano patrimonial ou a um dano não patrimonial veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 2023, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro António Barateiro Martins no processo nº 5986/18.6T8LRS.L1.S1, acessível na base de dados da DGSI.
[11] Referimo-nos aos seguintes casos acessíveis na base de dados da DGSI: acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de setembro de 2016, relatado por Ana Paula Amorim, no processo nº 595/14.1TBAMT.P1, referente a um acidente em 2012, com um lesado carteiro de trinta e quatro anos de idade na data do sinistro que ficou afetado com um défice funcional físico-psíquico de dois pontos, a exigir esforços suplementares para o exercício da atividade profissional, tendo sido arbitrada indemnização de cinco mil euros a título de dano biológico; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05 de novembro de 2018, relatado por Manuel Fernandes no processo nº 26376/15.7T8PRT.P1, relativo a um acidente ocorrido em 2014, com uma lesado com sessenta e dois anos à data do sinistro afetada por um défice funcional físico-psíquico de três pontos, a exigir esforços suplementares para o exercício da atividade profissional, tendo sido arbitrada indemnização de cinco mil euros a título de dano biológico.
[12] In Das Obrigações em Geral, Vol I, 6ª edição, Almedina 1989, página 576.
[13] A Lei nº 8/2017, de 03 de março, alterou o Código Civil e de acordo com o disposto no artigo 201º-B deste diploma legal, os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza.
[14] A propósito do estatuto jurídico dos animais, numa concepção atualizada, veja-se, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, páginas 454 a 456, anotação 5 ao artigo 202º do Código Civil.
[15] Escreve o Professor Antunes Varela, no mesmo local: “Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.”
[16] No que respeita à compensação por danos não patrimoniais, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de setembro de 2016, relatado por Ana Paula Amorim, no processo nº 595/14.1TBAMT.P1, arbitrou-se uma compensação de dez mil euros, enquanto no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05 de novembro de 2018, relatado por Manuel Fernandes no processo nº 26376/15.7T8PRT.P1, considerou-se que não era excessiva a compensação de doze mil euros a tal título. Sublinhe-se que o dano não patrimonial apreciado no processo nº 595/14.1TBAMT.P1 tem maior gravidade do que é objeto destes autos. Já o caso apreciado no segundo acórdão, também tem maior gravidade do que o caso destes autos, ainda que de forma não tão marcada, sendo contudo o quantum doloris de grau inferior ao que foi fixado nestes autos.