VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
PRAZO PROCESSUAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
CRÉDITO POR CESSAÇÃO DE VÍNCULO LABORAL
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
Sumário

1–É hoje claro que os créditos de natureza compensatória que resultam da cessação do vínculo laboral pré-existente, originados em caducidade do contrato de trabalho ocorrida após a declaração de insolvência, são créditos sobre a insolvência nos termos do art. 47º-A do CIRE.

2–A sentença de insolvência cujo trânsito em julgado determina o termo inicial do prazo de seis meses previsto na alínea b) do nº2 do art. 146º do CIRE, nos casos em que a insolvência foi inicialmente decretada nos termos do art. 39º do mesmo diploma, é a segunda sentença, ou seja, o complemento que abriu a fase de reclamação de créditos.

3–Nos casos de dispensa de realização de assembleia de credores de apreciação do relatório, apresentado este e contendo proposta de encerramento da atividade ou a constatação do encerramento da atividade do estabelecimento ou estabelecimentos do devedor insolvente, em adequação processual, assume-se a sua aprovação, passando os tribunais a comunicar o encerramento da atividade, formalmente, para efeitos fiscais, à Autoridade Tributária nos termos do disposto no nº3 do art. 65º do CIRE.

4–O prazo de três meses previsto na 2ª parte da alínea b) do nº2 do art. 146º do CIRE é um prazo de natureza de processual cujo decurso extingue o direito de praticar o ato no processo de insolvência, e não um prazo de caducidade.

5–Sendo um prazo processual é do conhecimento oficioso do Tribunal, não sendo necessária a sua invocação pela parte contrária.

Texto Integral

Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


1.Relatório:


Em 02/08/2022, RCS intentou a presente ação declarativa de verificação ulterior de créditos contra:
A insolvente, LAS, SA, a massa insolvente de LAS, SA, representada pelo Administrador de Insolvência e os Credores da Massa Insolvente de LAS, SA.

Pedindo seja a presente ação julgada procedente por provada e, consequentemente:
a)-seja ordenada a citação urgente dos réus para contestar querendo;
b)-Ser reconhecido que o contrato de trabalho do autor cessou por caducidade;
c)-Ser declarado e reconhecido um crédito do autor sobre a insolvência no montante total de € 7.722,47, assim descriminado:
Compensação por caducidade € 4.151,50
Férias não gozadas € 950,00
Subsídio de férias € 950,00
Proporcional de férias € 556,99
Proporcional de subsídio de férias € 556,99
Proporcional de subsídio de natal € 556,99
TOTAL …………………………….…… € 7.722,47
d)-Ser declarado e reconhecido que o crédito do auto goza de privilégio mobiliário e imobiliário especial, graduando o mesmo nos devidos termos;
e)-Ser a massa insolvente condenada no pagamento ao autor do crédito de € 7.722,47, acrescido de juros legais à taxa em vigor até integral pagamento, a contar da citação.

Para tanto alegou, em síntese, que foi trabalhador da ré insolvente desde 01-04-2013, exercendo as funções de Assistente de cabine, auferindo a retribuição base mensal de € 950,00. O seu contrato de trabalho foi suspenso entre abril e agosto de 2020 ao abrigo do regime de lay-off simplificado, tendo recebido o último pagamento em julho de 2020. Suspendeu o contrato de trabalho por falta de pagamento em setembro de 2020.

A ré insolvente foi declarada insolvente em 13/08/2021, quando o seu contrato de trabalho se encontrava suspenso, não tendo o Sr. Administrador da Insolvência comunicado até ao momento ao autor, nos termos e para os efeitos do art. 348º do Código do Trabalho, a cessação do seu contrato ou o encerramento definitivo da empresa, cuja manutenção em atividade foi entendida como inviável no relatório apresentado nos termos do art. 156º do CIRE.

Atenta a manutenção do encerramento da empresa, verifica-se uma “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho” pelo que o seu contrato de trabalho caducou, ainda que tal caducidade não lhe tenha sido comunicada até ao momento. Tal caducidade confere ao autor direito a reclamar no prazo de um ano fixado no art. 337º do CT, os créditos de que seja titular em consequência da cessação do contrato de trabalho. Pede a citação urgente dos RR. para evitar que ocorra após o prazo de 1 ano decorrido após a declaração de insolvência.

Foram oficiosamente realizadas as citações dos RR.

Não foi apresentada qualquer contestação.

Em 08/12/2022, foi proferido o seguinte despacho:
“A Insolvente, LAS, SA, foi declarada como tal por sentença proferida em 13.08.2021, com efeitos limitados, nos termos do art.º 39.º, n.º 1, do CIRE.
A referida sentença foi complementada, nos termos do art.º 39.º, 4, do CIRE, por decisão proferida em 02.12.2022, transitada em julgado em 23.12.2021.
A presente acção foi instaurada em 02.08.2022.
Acresce que o A. consta da lista de créditos reconhecidos, com créditos reconhecidos, de natureza laboral.
Nos termos e para s efeitos do art.º 3.º, n.º 1, do CPC, fixo o prazo de 10 dias para o A. se pronunciar, querendo, quanto à intempestividade e inadmissibilidade da acção, nos termos do art.º 146.º, n.º 2, do CIRE.
Notifique.”

O A. veio pronunciar-se, alegando que reclamou oportunamente os créditos de natureza laboral vencidos e não pagos à data da insolvência e que o seu contrato de trabalho cessou apenas por caducidade com a declaração constante no relatório elaborado pelo Sr. Administrador de Insolvência nos termos do art. 155º do CIRE, datado de 05-04-2022, razão pela qual apenas na presente ação veio, tendo por base a caducidade do contrato de trabalho do autor, ocorrida já após a declaração de insolvência e nunca comunicada, reclamar os créditos de natureza laboral, vencidos após aquela declaração e decorrentes da cessação do contrato de trabalho. O pedido é admissível e tempestivo, nos termos do art. 337º, nº1 do CT.

Em 20/01/2023, foi proferida a seguinte decisão:
“Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julgar intempestiva a acção, em consequência absolvendo os Réus do pedido.
Custas a cargo do Autor, fixando-se o valor da causa em conformidade com o indicado na petição inicial (art.ºs 305.º e 306.º do CPC e 148º do CIRE).
Registe e notifique.”

Inconformado apelou o A., pedindo seja o presente recurso julgado procedente e revogada a decisão proferida e atenta a ausência de contestação ser julgado procedente o pedido formulado, apresentando as seguintes conclusões:
a)-Os créditos laborais cujo reconhecimento é pedido não se constituíram em data anterior à declaração de insolvência, sendo decorrentes da caducidade do contrato de trabalho por encerramento definitivo da empresa;
b)-O contrato de trabalho do recorrente encontrava-se suspenso na data de declaração de insolvência, cuja acção, de resto até foi contestada pela entidade patronal;
c)-Até ao momento, o Administrador de insolvência não deu cumprimento ao estabelecido no art. 347º, do Código de trabalho, limitando-se, em sede de relatório apresentado 05-04-2022 nos termos do art. 155º do CIRE, a declarar que a actividade da ré é inviável, devendo ser determinado o respectivo encerramento;
d)-Atenta a manutenção do encerramento da empresa, verifica-se, nos termos do art. 343º, b) do Código do Trabalho, uma “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho”, entendendo o recorrente que o seu contrato de trabalho caducou, ainda que tal caducidade não lhe tenha sido comunicada até ao momento;
e)-Motivo pelo qual, além do reconhecimento dos créditos laborais, pede nos igualmente autos e em primeiro lugar o reconhecimento da cessação do contrato de trabalho por caducidade;
f)-Tal caducidade confere ao autor direito a reclamar no prazo de um ano fixado no art. 337º do CT, os créditos de que seja titular em consequência da cessação do contrato de trabalho, o que o recorrente fez,
g)-Como é entendimento pacífico da nossa jurisprudência, de que é exemplo Ac. TRG, Proc. nº1/08.0TJVNF-EW.G1, de 21-04-2022, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual “I. Distinguem-se no CIRE os créditos sobre a massa insolvente (cuja constituição resulta, grosso modo, do próprio processo de insolvência), pagos precipuamente, sem necessidade de reclamação e logo que se vençam, e os créditos sobre a insolvência (cuja constituição ocorre em momento anterior à insolvência), pagos depois daqueles primeiros, e apenas se tiverem sido reclamados e reconhecidos por sentença transitada em julgado.
II.–Os créditos laborais constituídos após a declaração da insolvência constituirão: créditos sobre a massa insolvente, se tiverem natureza remuneratória (v.g. salários, subsídios de férias, subsídios de natal, subsídios de alimentação); e créditos sobre a insolvência, se tiverem natureza compensatória por cessação do contrato de trabalho. (…) IV. O trabalhador que pretenda intentar uma acção com vista ao reconhecimento de créditos emergentes da vigência ou cessação do seu contrato de trabalho, terá que o fazer no prazo máximo de um ano a contar da sua cessação, nos termos do art. 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho; e, não o fazendo então, não poderá depois intentar uma acção de processo comum, nos termos do art. 89.º, n.º 2, do CIRE, para o mesmo efeito (nomeadamente, para obter título executivo, que reconheça e qualifique os seus créditos laborais como créditos sobre a massa insolvente).”;
h)-Constituídos após a declaração de insolvência, errou o Tribunal a quo ao considerar intempestiva a proposição da acção, violando claramente o regime resultante da aplicação conjugada dos art. 337º e 347º do Código de trabalho;
i)-Errou igualmente o Tribunal a quo ao entender que, em qualquer circunstância, o direito do recorrente estaria já caducado, porquanto, a acção terá sido proposta para lá dos prazos previstos no art. 146º, nº2, b) do CIRE;
j)-Proposta a acção, a citação foi efectuada regularmente, sem que tenha sido apresentada qualquer contestação e, como tal, invocada qualquer caducidade de direito de acção ou outro;
k)-Por um lado, não se regista qualquer caducidade, porquanto atendendo ao supra exposto, os prazos legais para pedido de reconhecimento ulterior de créditos não se mostram ultrapassados;
l)-Por outro lado, nos termos do art. 333º, nº1 a caducidade apenas é de conhecimento oficioso, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, sendo que quando não se verificar tal situação, há lugar à aplicação do estabelecido do regime previsto no art. 303º do mesmo diploma, ou seja, “o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público”;
m)-Os créditos laborais cujo reconhecimento é pedido nos autos constituem já direitos disponíveis, por quanto o seu pedido de reconhecimento é apresentado já após a cessação do contrato de trabalho;
n)-Esse é o entendimento pacífico e dominante da nossa jurisprudência, de que são exemplos Ac. STJ, Proc. nº399/13.9TTLSB.L1.S1, de 20-12-2017, Ac. STJ, Proc. nº04S3154, de 03-03-2005 ou Ac. STJ, Proc. nº01S4270, de 20-11-2003, todos disponíveis em www.dgsi.pt, segundo os quais os direitos laborais do trabalhador são irrenunciáveis e como tal indisponíveis apenas durante a vigência do contrato de trabalho, cessando tal indisponibilidade com o fim da relação laboral;
o)-Como tal, não poderia, como fez, o Tribunal a quo conhecer oficiosamente da caducidade, como de resto é entendimento dominante da nossa jurisprudência, de que é mero exemplo Ac. TRE, Proc. nº568/10.3BETZ.E1, de 30-04-2015, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual “(…) III) - No caso em apreço, não tendo a Ré, na sua contestação, invocado a caducidade do direito de acção, não se defendendo por excepção, por força do disposto no artº. 333º, nº. 2 do Código Civil, uma vez que não se trata de matéria excluída da disponibilidade das partes, aplica-se a norma do artº. 303º do mesmo Código, pelo que a caducidade tem de ser invocada por aquela parte a quem aproveita, não sendo de conhecimento oficioso (…)”;
p)-Porquanto, também neste ponto, errou o Tribunal a quo na apreciação que fez da situação, violando o estabelecido no art. 303º, nº2 do Código Civil, não podendo ser reconhecida a caducidade do direito à acção.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de 13/03/2023 (ref.ª 143164597).

Foram colhidos os vistos.

Cumpre apreciar.
*

2.Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso[1]. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.

Consideradas as conclusões acima transcritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- se a presente ação foi tempestivamente intentada;
- natureza do prazo previsto no art. 146º nº2, al. b) do CIRE e possibilidade de conhecimento oficioso da extemporaneidade do seu exercício.
*

3.Fundamentos de facto:
O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos[2]:
1–A declaração de insolvência foi proferida, com efeitos limitados, nos termos do art.º 39.º, n.º 1, do CIRE, por sentença proferida em 13.08.2021.
2–A referida sentença foi complementada, nos termos do art.º 39.º, 4, do CIRE, por decisão proferida em 02.12.2021, transitada em julgado em 23.12.2021.
3–Em 05.04.2022, o Administrador(a) de Insolvência apresentou, no processo principal, relatório elaborado nos termos do art.º 155.º, do CIRE, no qual o consignou, além, do mais, que:
- Os contratos de trabalho celebrados entre a Insolvente e os seus trabalhadores foram objecto de suspensão, com redução do vencimento a 2/3, a partir de Abril de 2020 até 31.07.2020.
- Em 19.08.2020 na sequência de proposta da Insolvente no sentido da suspensão dos contratos para poderem usufruir de subsídio de desemprego, a maioria dos trabalhadores cessou o contrato de trabalho.
- A sociedade encontra-se sem actividade desde Abril de 2020.
- Não tem qualquer trabalhador ao seu serviço em virtude da cessação dos contratos de trabalho.
- Desmantelou a operação que mantinha no aeródromo de Tires e entregou o hangar ao senhorio.
- Os responsáveis não manifestaram qualquer vontade em retomar a operação.
- Propõe ao Tribunal o cumprimento do art.º 65.º, n.º 3, do CIRE, caso a proposta mereça acolhimento dos Credores.
4–Também em 05.04.2022, no apenso B (Reclamação de Créditos), o Administrador(a) de Insolvência apresentou lista de créditos reconhecidos da qual consta crédito laboral reclamado pelo A., no valor de € 3.465,85, sendo € 3.319,72 de capital e € 146,13 de juros.
5–O A. especificou em 22.12.2022 que o montante reclamado, reconhecido pelo Administrador(a) de Insolvência, de € 3.319,72 respeita a vencimentos em falta de Abril a Agosto de 2020, férias não gozadas não recebidas, subsídio de férias não recebido e subsídio de natal não recebido.
*

Com interesse para a decisão do recurso, resultam ainda, dos termos dos autos, os seguintes factos:
6–Em 27/04/2022 foi proferido nos autos de insolvência, o seguinte despacho:
“Relatório de 05.04.2022
O Sr. Administrador(a) de Insolvência propôs o prosseguimento dos autos para “liquidação universal dos bens susceptíveis de serem apreendidos para a massa insolvente”.
Pesquisados os autos para tentar compreender, e de alguma forma concretizar, o fundamento da proposta encontra-se:
1.–Na contestação apresentada em 15.07.2021, a alegação de que a Insolvente é proprietária de bens cujo montante ascende a € 122.219,58;
2.–Na sentença proferida em 13.08.2021, foi dado como não provado que “A requerida possui ativos no valor de €120.000,00.”
3.–Em 04.10.2021 o Banco Comercial Português comunicou a existência de saldo bancário no valor de € 6.277,34, que veio a ser depositado à ordem do processo, nos termos do art.º 39.º, n.º 3, do CIRE.
4.–O Sr. Administrador(a) de Insolvência não identificou nem inventariou qualquer bem, referindo que está a diligenciar no sentido de obter elementos contabilísticos dos últimos três anos, para que possa aferir da existência dos activos hipotéticos a que aludiu.
*

Tendo em conta o supra expresso, fixa-se o prazo de 30 (trinta) dias para o Sr. Administrador(a) de Insolvência apresentar relatório que contenha proposta concreta, e não meramente hipotética, relativamente ao prosseguimento do processo de insolvência.
*

Sem prejuízo do prazo fixado, verifica-se que no relatório apresentado se propõe a comunicação do encerramento do estabelecimento da Insolvente, referindo-se além do mais que a mesma está sem actividade desde Abril de 2020, entregou as aeronaves e desmantelou a operação.
Nos presentes autos foi dispensada a realização de assembleia de credores, nos termos do art.º 36.º, do CIRE.
Não se justifica a convocação de assembleia de credores unicamente para deliberar o encerramento formal de um estabelecimento encerrado de facto.
Como tal, desde já determino a comunicação oficiosa, ao Serviço de Finanças, do encerramento da actividade da insolvente, nos termos e para os efeitos do art.º 65.º, n.º 3, do CIRE.
Notifique.
Sintra, 2022-04-27”
*

4.–Fundamentos do recurso
A primeira questão a resolver, que se mostra instrumental em relação aos vários pontos objeto do recurso é a definição de se o direito que o A. pretende fazer valer através da ação que intentou é relativo a um crédito sobre a insolvência ou a uma dívida da massa insolvente.

Efetivamente, embora não arguida de forma expressa, pode ser entendido como resultando das conclusões a) a h) das alegações de recurso o argumento de que, estando-se perante uma ação para apreciação de dívidas da massa, porque constituídas após a declaração de insolvência, se trataria de uma ação não sujeita a prazo de caducidade.

A regra geral, como resulta do nº1 do art. 47º do CIRE[3] é de que todos os créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente ou que sejam garantidos por bens integrados na massa insolvente cujo fundamento seja anterior à declaração de insolvência são créditos sobre a insolvência.

Em contraponto, as dívidas da massa insolvente, são, além das demais previstas no CIRE, as elencadas no art. 51º, que correspondem, grosso modo as dívidas resultantes da própria atividade de administração e liquidação da massa insolvente.

Como adverte Catarina Serra[4], estando os créditos sobre a insolvência definidos, no nº1 do art. 47º “Quanto aos créditos sobre a massa não existe propriamente uma definição. E por mais que seja tentador, ela não deve ser retirada a contrario, da definição de créditos sobre a insolvência que é dada pela lei, sob pena de se incorrer em erros.

De facto, não é possível dizer que os créditos sobre a massa são os créditos restantes, isto é, que eles são aqueles cujo fundamento é posterior à data de declaração de insolvência. (…) se é verdade que todos os créditos com fundamento anterior à declaração de insolvência são créditos sobre a insolvência, não é verdade que todos os créditos sobre a insolvência sejam créditos com fundamento anterior à declaração de insolvência; existem créditos sobre a insolvência cujo fundamento é posterior a essa data.”

A fim de determinar a natureza do crédito feito valer temos, em primeiro lugar, que analisar o pedido e a causa de pedir alegados pelo A.

O A. lançou mão de uma ação prevista no art. 146º do CIRE, que, nos termos da lei, se destina à reclamação posterior de créditos sobre a insolvência. A ação destinada a fazer valer dívidas da massa é também uma ação comum, mas que, diferentemente da ação do art. 146º não pode ser intentada senão depois de decorridos três meses sobre a data de declaração da insolvência (cfr. art. 89º), inexistindo qualquer previsão de termo final.

Tal pode verificar-se, seja do formulário citius, seja do cabeçalho do requerimento inicial, onde se indica tratar-se de “acção para reconhecimento ulterior de crédito”.

Mas tanto não basta para que se possa considerar que foi reclamado um crédito sobre a insolvência.

O pedido formulado – transcrito no relatório – pede seja “declarado e reconhecido um crédito do autor sobre a insolvência no montante total de € 7.722,47”, mais pedindo-se seja “declarado e reconhecido que o crédito do auto goza de privilégio mobiliário e imobiliário especial, graduando o mesmo nos devidos termos”.

Sabido que as dívidas da massa não gozam de garantias e privilégios, tão só os créditos sobre a insolvência, nos termos do art. 47º do CIRE[5], temos assim um típico pedido de verificação posterior de crédito sobre a insolvência.

O pedido final formulado, de que seja “a massa insolvente condenada no pagamento ao autor do crédito de € 7.722,47, acrescido de juros legais à taxa em vigor até integral pagamento, a contar da citação.”, não surge consentâneo com os pedidos anteriores, dado que os créditos verificados e graduados, pese embora recebam pagamento da massa insolvente (do produto da liquidação dos bens e direitos apreendidos para a massa) apenas são pagos após rateio e na ordem da graduação. Parece, assim, corresponder a um pedido de condenação no pagamento de dívida da massa insolvente.

Teremos, assim, que analisar a causa de pedir, a fim de determinar qual o direito que está ser feito valer[6]. Muito sinteticamente, o A. alega ser trabalhador da devedora insolvente e que o seu contrato de trabalho foi suspenso ao abrigo das regras de lay-off simplificado desde abril de 2020 até 31/07/2020, tendo sido suspenso novamente, desta vez por iniciativa do A., por falta de pagamento de retribuição, em setembro de 2020. A devedora estava sem atividade desde abril de 2020, não mais a tendo retomado, tendo sido declarada insolvente em agosto de 2021 e tendo o administrador da insolvência declarado, no seu relatório, a inviabilidade da retoma de atividade da R. e a conveniência do encerramento da atividade. Atenta a manutenção do encerramento da empresa, verifica-se uma “impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho”, pelo que o A. entende que o seu o seu contrato de trabalho caducou, ainda que tal caducidade não lhe tenha sido comunicada até ao momento. Reclama os montantes devidos pela cessação do contrato de trabalho decorrente da caducidade, a saber, compensação por caducidade, férias não gozadas, subsídio de férias, proporcional de férias, proporcional de subsídio de férias e proporcional de subsídio de natal.

Do pedido de citação urgente formulado retira-se que contou o prazo (de prescrição) de um ano previsto no art. 337º, nº1 do CT, da data de declaração de insolvência.

Notificado para exercer o contraditório apontou como termo inicial do prazo para propositura da ação a data de apresentação do relatório pelo Sr. Administrador da Insolvência.

Resulta absolutamente clara a natureza dos créditos reclamados: são pedidos os créditos originados pela caducidade do contrato de trabalho. Essa é, claramente a causa de pedir alegada.

Assente que estamos ante créditos de natureza compensatória que resultam da cessação do vínculo laboral, defende o recorrente que essa caducidade se deu após a declaração de insolvência, tendo sido decidido, na sentença recorrida, que teria ocorrido antes da declaração de insolvência.

Seguindo a posição assumida na sentença recorrida, estamos, sem qualquer dúvida, ante créditos sobre a insolvência – como refere Joana Costeira[7] “Sendo certo que os créditos compensatórios constituídos antes da declaração judicial de insolvência deverão ser classificados como créditos sobre a insolvência, na medida em que se constituem antes da declaração judicial de insolvência, não existem dúvidas que estes deverão ser reconduzidos à classe dos créditos garantidos e privilegiados, ns termos do art. 47º, nº4, al. a) do CIRE.”

Seguindo a posição defendida pelo recorrente, de que o contrato cessou após a declaração de insolvência estaremos ainda perante créditos sobre a insolvência e não perante dívidas da massa insolvente.

A Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, entre outras alterações, aditou ao CIRE o art. 47º-A, norma da qual consta, sob a epígrafe “Créditos compensatórios”:
«Os créditos compensatórios resultantes da cessação do contrato de trabalho pelo administrador da insolvência após a declaração de insolvência do devedor constituem créditos sobre a insolvência.»

Trata-se de norma que entrou em vigor em 11/04/2022, aplicável aos processos pendentes, nos termos dos arts. 12º e 10º nº1 da referida Lei.

A presente ação foi intentada em 02/08/2022, ou seja, depois da entrada em vigor da lei, não havendo qualquer dúvida sobre a sua aplicabilidade ao caso presente, nos termos do art. 12º do CC[8].

 Em resumo, independentemente da posição que se adote relativamente à data de encerramento definitivo da devedora e consequente caducidade do contrato de trabalho do A., nos termos do art. 343º, al. b) do CT, os créditos compensatórios resultantes da cessação do contrato aqui feitos valer são créditos sobre a insolvência.

O que significa que o meio certo para a sua reclamação posterior é a ação do art. 146º, havendo, pois, que verificar se a ação foi tempestivamente interposta.

Nos termos do disposto no art. 146º do CIRE:
«1 Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de ação proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efetuando-se a citação dos credores por meio de edital eletrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.
2 O direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior:
a)- Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior;
b)- Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente.
(…).»

Não foi levantada nos autos qualquer questão relacionada com a aplicação da al. a) do nº1 do art. 146º, pelo que tal matéria está também arredada do objeto do presente recurso.
Nos termos da al. b) do nº2 do referido preceito, verificamos que:
-a insolvência foi decretada de forma completa em dezembro de 2021, tendo transitado em julgado em 23/12/2021;
-o relatório do administrador da insolvência propondo o encerramento da atividade foi apresentado nos autos em 05/04/2022;
-o despacho comunicando o encerramento da atividade da insolvente às Finanças foi proferido em 27/04/2022.

Neste ponto impõem-se duas breves notas.

A sentença proferida em 13/08/2021 foi proferida nos termos do art. 39º do CIRE, o que significa que não foi aberta a fase de reclamação de créditos – cfr. nº1 do art. 39º.

Só após complementada a sentença o juiz deu integral cumprimento ao disposto no art. 36º, nomeadamente fixando prazo para a reclamação de créditos – cfr. nº 4 do art. 39º.

A sentença de insolvência cujo trânsito em julgado determina o termo inicial do prazo de seis meses previsto na alínea b) do nº2 do art. 146º, nos casos em que a insolvência começou por ser decretada nos termos do art. 39º, é a segunda sentença, ou seja, o complemento que abriu a fase de reclamação de créditos.

Sendo este um prazo para a reclamação posterior de créditos, nunca poderia ser contado a partir de um evento que não permitia a reclamação anterior de créditos.

Foi exatamente esse o entendimento da decisão recorrida.

Assim, entendendo-se que o crédito havia sido constituído previamente à declaração de insolvência, teria que ter sido reclamado até 23/06/2022.

A segunda nota prende-se com a questão da deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento ou estabelecimentos da devedora insolvente.

Na versão inicial do CIRE, em todos os processos em que a insolvência fosse decretada de forma “plena”, ou objeto de complemento depois de ter sido aplicado o ar. 39º, era convocada e realizada uma assembleia de credores, a denominada assembleia de apreciação do relatório, prevista no art. 156º. Trata-se, ainda hoje, de uma assembleia com uma ordem de trabalhos legalmente prevista, no sentido em que, pelo menos o encerramento ou manutenção em atividade do estabelecimento ou estabelecimentos compreendidos na massa insolvente devem ser deliberados – cfr. nº2 do art. 156º.

Sucedia, muitas vezes, que chegados à assembleia, nada era deliberado, dado que inexistiam, de facto, estabelecimentos cujo destino fosse necessário determinar. A constatação dessa realidade e o facto de, nos termos da lei, nada sendo deliberado em contrário, se seguir a via da liquidação (158º nº1), levaram à consagração legal da dispensa de realização de assembleia de credores nos processos em que os devedores fossem empresas, com a Lei nº 16/2012 de 20/04 – cfr. a redação dada à alínea n) do nº1 do art. 36º.

O procedimento de dispensa passou a ser adotado na maior parte dos processos. Passou a ficcionar-se a aprovação das propostas do administrador da insolvência, que continua obrigado a apresentar o seu relatório, nos mesmos termos, desde que nenhum dos legitimados requeresse a realização de assembleia no prazo fixado para a reclamação de créditos. A lei, ao tempo, excecionou três casos da possibilidade de dispensa de assembleia de credores[9], nenhum deles sendo a situação de o devedor ter um ou mais estabelecimentos em atividade.

Especificamente, a questão do encerramento da atividade, uma vez apresentado o relatório em casos de dispensa de realização de assembleia de credores, foi sendo sempre objeto de adequação processual, nos termos já referidos, ou seja, assumindo-se a sua aprovação, passando os tribunais a comunicar este encerramento de atividade, formalmente, para efeitos fiscais, à Autoridade Tributária nos termos do disposto no nº3 do art. 65º.

Foi, mais uma vez, exatamente o que sucedeu no caso dos autos – cfr. despacho de 27/04/2022, reproduzido em “6” da matéria de facto.

Seguindo a tese do recorrente, temos assim, potencialmente, duas datas relevantes: a data de apresentação do relatório, no qual se propôs o encerramento formal do estabelecimento da insolvente, ou seja, 05/04/2022 ou, no limite, o despacho de 27/04/2022, que consolidou o encerramento formal do estabelecimento, comunicando o mesmo à Autoridade Tributária, assumindo o mesmo e exato valor de uma deliberação da assembleia nesse sentido.

Ponderando que a caducidade do contrato de trabalho do A. tivesse operado com a apresentação do relatório do Sr. Administrador da Insolvência, nos termos do disposto no art. 155º do CIRE e verificando que os seis meses terminavam em 23/06/2022, teremos que aplicar a segunda parte da al. b) do nº2 do art. 146º e contar o prazo de três meses sobre a data da constituição do crédito – no caso a data de caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade definitiva de a entidade patronal receber a prestação de trabalho do credor: o prazo para a propositura da ação terminaria, assim, em 05/07/2022.

Aplicando o mesmo raciocínio à prolação da decisão de 27/04/2022, temos que o prazo previsto na lei terminaria em 27/07/2022 (4 dias úteis antes da apresentação da petição inicial em juízo).

Resta referir que, nos termos do nº1 do art. 9º, o processo de insolvência e todos os seus apensos têm caráter urgente, correndo em férias, nos termos do nº1 do art. 138º do CPC, aplicável ex vi nº1 do art. 17º do CIRE.

Aqui chegados, já temos a resposta à primeira questão colocada a recurso – a presente ação não foi tempestivamente interposta.
Avançamos, assim, para o conhecimento da segunda questão a apreciar neste recurso.

O recorrente argumenta que os créditos laborais cujo reconhecimento é pedido nos autos constituem direitos disponíveis, porque o pedido de reconhecimento é apresentado já após a cessação do contrato de trabalho. A caducidade apenas é de conhecimento oficioso se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, nos termos do nº1 do art. 333º do CC, pelo que o tribunal não podia, como o fez, conhecer da caducidade que não foi arguida, dado que a ação não foi contestada.

A natureza do prazo previsto no art. 146º nº2, al. b) do CIRE tem sido objeto de viva discussão, essencialmente jurisprudencial, desde a entrada em vigor do Código.

Trata-se do ponto a dilucidar como prévio e determinante da possibilidade de conhecimento oficioso pelo tribunal: tratando-se de um prazo de caducidade, única hipótese considerada pelo recorrente, há que determinar a aplicabilidade ao caso concreto do art. 333º do CC; não se tratando de um prazo de caducidade, mas antes de um prazo perentório de natureza processual, o tribunal não só pode como deve extrair as consequências do seu não exercício no prazo legalmente previsto.

A decisão recorrida, claramente assumiu a segunda posição, como resulta dos dois parágrafos finais da respetiva fundamentação[10].

A verificação do passivo em processo de insolvência está regulada nos arts. 128º a 140º, decorrendo no prazo fixado em sentença (art. 36º, al. j), durante o qual os credores devem reclamar os seus créditos perante o administrador da insolvência, que organiza uma lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, a qual pode ser impugnada, sendo a impugnação dirigida ao tribunal.

Trata-se de um prazo perentório, dado que o seu decurso já não permite ao credor a reclamação nos termos ali previstos, mas a lei prevê ainda uma segunda oportunidade de reclamação, nos termos do art. 146º, ou seja, em termos diversos[11], é permitido o mesmo direito, o de reclamar créditos sobre o devedor insolvente.

Como se escreveu no Ac. STJ de 10/05/2021 (Luís Espírito Santo)[12] “tal prazo destina-se tão simplesmente ao exercício de uma determinada faculdade processual que se enquadra, em termos gerais e finalísticos, no âmbito e na lógica intrínseca do próprio processo de insolvência, não produzindo qualquer afectação na relação jurídica que se lhe encontra subjacente.

Trata-se da fixação de um período de tempo destinado à produção de determinado efeito que se enquadra na regulação dos actos processuais, pressupondo, portanto, a (antecedente) instauração e pendência de uma acção (in casu, de insolvência) e que marca o período dentro do qual o acto deverá ser praticado, sob pena de preclusão do exercício da faculdade que se lhe encontrava associada.”

A caducidade é uma exceção perentória que extingue o direito do autor e determina a absolvição do R. do pedido deduzido – cfr. art. 576º nº3 do CPC e, entre muitos outros Antunes Varela[13].

O direito de crédito do credor não se extingue pelo fato de o credor não o exercer durante os prazos previstos nos arts. 128º e 140º.

Tal resulta quer do disposto no nº 5 do art. 128º[14], do qual se extrai que o rigoroso efeito da reclamação de créditos é o de obter pagamento no processo de insolvência, como do disposto no art. 90º[15], do qual resulta que os direitos exercidos pelos credores em conformidade com o CIRE (incluindo os ónus, as faculdades e as limitações) apenas são exercidos durante a pendência do processo de insolvência, nada mais sendo regulado.

Neste sentido veja-se o Ac. TRP de 19-05-2014 (António José Ramos) e, com extensão, a anotação de Maria do Rosário Epifânio ao Ac. STJ de 27/10/2020[16]que conclui pela plena vigência e exercício dos direitos creditórios (não satisfeitos) após o encerramento do processo de insolvência.

Assim, o não exercício do ónus de reclamar créditos no processo de insolvência[17] apenas tem como consequência que esse crédito não será, por qualquer forma atendido no próprio processo de insolvência, designadamente pago, e não a extinção do direito de crédito.

Não estamos, assim, quando se fixa um prazo adicional para reclamação de créditos em insolvência, a lidar com mais do que um prazo processual perentório, no sentido legal (139º nº3 do CPC) de que a consequência da sua ultrapassagem é apenas a perda do direito de reclamar créditos no processo de insolvência.

No exato sentido que subscrevemos encontramos vasta jurisprudência, segundo observamos, neste momento pacífica no Supremo Tribunal de Justiça e largamente maioritária nas Relações.

Assim, no sentido de que o art. 146º nº2, al.b) do CIRE consagra um prazo de natureza processual, sendo de conhecimento oficioso a extemporaneidade da verificação ulterior de créditos encontramos os Acs. STJ de 05/12/17 (Graça Amaral), de 27/11/19 (Pinto de Almeida, e o já citado Ac. de 10/05/2021 (Luís Espírito Santo)[18], os Acs. TRP de 13/03/14 (José Amaral), de 10/04/14 (Araújo de Barros), de 27/03/14 (Judite Pires), de 22/10/2018 (Ana Paula Amorim) e de 04/04/2022 (Pedro Damião e Cunha)[19], os Acs. TRL de 28/04/2015 (Roque Nogueira), de 07/06/16 (Rosa Ribeiro Coelho), de 20/06/17 (Carla Câmara), de 22/06/17 (Francisca Mendes) e de 11/10/2018 (Adeodato Brotas)[20], o Ac. TRC de 20/06/17 (Jaime Carlos Ferreira)[21], os Acs. TRG de 06/05/21 (Elisabete Alves), de 16/12/21 (Pedro Maurício) e de 03/03/22 (Fernando Cabanelas)[22] e os Acs. TRE de 05/12/19 (Maria Domingas) e de 25/03/21 (Francisco Matos)[23].

Estamos assim, perante um prazo processual, não sendo aplicável o disposto no art. 333º do CC, e sendo o respetivo conhecimento oficioso, como sucedeu, no caso concreto.

Sintetizando, e nas palavras do Ac. STJ de 05/12/17 (Graça Amaral): "Considerando que se trata de um direito especial de reclamar créditos no âmbito do procedimento de insolvência e tendo presente que os limites temporais estabelecidos visam incrementar a celeridade do processo, temos por adequado que, à semelhança do prazo geral da reclamação de créditos, se trata de um prazo processual (não de caducidade), que não está na disponibilidade das partes e, enquanto prazo peremptório, o seu decurso extingue o direito de praticar o acto (cfr. artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, ex vi do artigo 17.º, do CIRE)".

Concluímos, assim, pela correção da decisão recorrida dado estarmos ante um pedido de verificação posterior de créditos sobre a insolvência, extemporaneamente exercido, sendo essa intempestividade de conhecimento oficioso dado tratar-se de um prazo processual perentório.

Sucede, porém, admitimos que por lapso de escrita, que após ter fundamentado a existência de uma exceção dilatória inominada – referência ao art. 278º, nº 1, al. e) do CPC – e concluído que a procedência da mesma levaria à absolvição dos RR. da instância, a decisão recorrida, no dispositivo, absolveu os RR. do pedido.

A intempestividade processual do exercício de um direito é uma exceção dilatória inominada, cuja procedência conduz à absolvição da instância e não do pedido – cfr. art. 278º, nº1, al. e) do CPC, aplicável ex vi arts. 17º nº1 e 148º do CIRE.

Assim, há que alterar a decisão recorrida nesta exata medida, substituindo a decisão de absolvição dos RR. do pedido por uma decisão de absolvição destes da instância.

A presente apelação é, assim, improcedente, excecionando-se a alteração da decisão recorrida de absolvição do pedido para absolvição da instância.
**

Não são devidas custas na presente instância recursiva, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, este não envolveu diligências geradoras de despesas e não há lugar a custas de parte por não ter sido apresentada resposta às alegações de recurso – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil [24].
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5.Decisão

Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, mantendo a decisão que julgou intempestiva a ação e, em consequência, absolvendo os RR. da instância.
Sem custas na presente instância recursiva.
Notifique.
*


Lisboa, 16 de maio de 2023



Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes



[1]Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, junho de 2018, pg. 115.
[2]Numeração aditada por este tribunal para facilidade de compreensão e citação.
[3]Diploma ao qual pertencem todas as normas citadas sem indicação de diploma.
[4]Em Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pgs. 66 e 67.
[5]O que surge completamente justificado pelo regime das dívidas da massa, as quais são pagas precipuamente, antes do pagamento dos créditos sobre a insolvência e na data dos respetivos vencimentos – art. 172º nºs 1 e 3 do CIRE.
[6]Está fora do objeto do recurso sob apreciação, mas não pode deixar de se referir que, se interpretado o pedido final como um pedido correspondente à ação prevista no art. 89º do CIRE, estaríamos ante uma incompatibilidade entre este e as alíneas anteriores, o que seria suscetível de gerar ineptidão da petição inicial nos termos do disposto no art. 186º nºs 1 e 2 al.  c) do CPC, aplicável ex vi art. 148º do CIRE.
[7]Em Os Créditos Compensatórios dos Trabalhadores à luz da Lei nº 9/2022, de 11 de janeiro, Julgar, nº 48, Setembro/dezembro de 2022, pg. 89.
[8]Ainda que assim não se entendesse, estamos perante uma norma de carater interpretativo, que veio esclarecer a dissensão doutrinária e jurisprudencial acerca do tema, como nos dá conta Joana Costeira, no local já citado.
[9]Que diminuíram para dois, em 2017, com a introdução da possibilidade de dispensa de realização de assembleia de credores também nos processos de pessoas singulares em que tivesse sido requerida a exoneração do passivo restante.
[10]Onde se escreveu: “Conclui-se assim, face a tudo o exposto, que a presente acção, proposta em 02.08.2022, se mostra proposta depois de atingido o termo do prazo legal, com a consequente extinção do correspondente direito de acção.
O que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 146.º, n.º 2, al. b), do CIRE e 139.º, n.º 3 e 278.º, n.º 1, al. e), do CPC, determina a absolvição dos Réus da instância.”
[11]Por exemplo, no caso do art. 146º, tratando-se de uma ação comum, é devida taxa de justiça inicial, os meios de prova devem ser indicados desde logo com os articulados, comporta audiência prévia, a menos que seja dispensada nos termos previstos no art. 593º do CPC; nos termos do art. 128º não é devida taxa de justiça, os meios de prova apenas são indicados em caso de impugnação (com esta e a sua resposta), por regra sendo convocada tentativa de conciliação não há lugar a audiência prévia, entre outras diferenças.
[12]Disponível, como todos os demais citados sem referência, em www.dgsi.pt.
[13]Com Miguel Bezerra e Sampaio da Nora em Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pg. 305.
[14]Onde se prevê que « A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.».
[15]Onde se estatui que « Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.»
[16]Em Revista de Direito da Insolvência, nº5, 2021, pgs. 176 a 196.
[17]No sentido de que a reclamação de créditos é um ónus do credor, Catarina Serra em Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, pg. 267.
[18]Decidindo tratar-se de um prazo de caducidade o Ac. STJ de 06/03/2014 (Alves Velho).
[19]Pela natureza de caducidade decidiram o Ac. TRP de 21/10/08 (Mário Serrano), de 21/02/13 (Carlos Portela), de 17/06/14 (João Proença) e de 11/09/14 (Deolinda Varão).
[20]No sentido de que o art. 146º consagra um prazo de caducidade os Acs. TRL de 02/06/14 (Manuel Domingos Fernandes) e de 10/01/19 (Isoleta Costa).
[21]Defendendo a solução oposta o Ac. TRC de 25/10/16 (Moreira do Carmo), mas com voto de vencido de Maria João Areias no sentido de se tratar de um prazo processual.
[22]Do mesmo tribunal, defendendo a solução da caducidade os Acs. TRG de 15/11/12 (Manso Rainho), de 06/12/14 (Estelita de Mendonça), de 26/02/15 (Manuel Bargado) e de 08/03/18 (Ana Cristina Duarte).
[23]O Ac. TRE de 24/09/15 (Paulo Amaral) decidiu tratar-se de um prazo de caducidade.
[24]Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.