OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TERMO DO PRAZO
DESPACHO LIMINAR DE ADMISSÃO
CASO JULGADO FORMAL
HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS DO EXECUTADO
Sumário

I – O termo do prazo para a dedução de oposição à execução, mediante embargos de executado, e a necessidade de concentração da defesa, faz precludir o direito de invocar factos, impugnações e excepções que não sejam supervenientes, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição à execução por parte dos herdeiros do executado falecido, que foram habilitados para os termos da execução após o decurso do referido prazo e a aceitaram no estado em que se encontrava;
II - A circunstância de constar, erroneamente, das cartas de citação dirigidas pelo agente de execução aos herdeiros habilitados do executado falecido que os mesmos dispunham do prazo de 20 dias para deduzir oposição à execução através de embargos de executado, não faz, por si só, surgir esse direito, que os habilitados não possuíam, por já ter sido, anteriormente, exercido pelo executado falecido;
III - É meramente tabelar o despacho que se limita a admitir liminarmente os embargos de executado, não formando caso julgado formal no processo, pelo que o juiz pode, no despacho saneador, apreciar a questão da extemporaneidade dos embargos ou da preclusão do direito de embargar invocada pela embargada em sede de contestação;
IV – A constatação, no despacho saneador, de que se encontra precludido o direito de embargar por parte dos embargantes e de que, por isso, é inadmissível a dedução de nova oposição à execução, é determinante da absolvição do embargado da instância, por verificação de uma  excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso, e não da improcedência os embargos;
V – Tal decisão de absolvição da instância não preclude, contudo, a possibilidade de o juiz, até ao momento da transmissão dos bens penhorados, conhecer de questões que, nos termos dos art.ºs 726.º, n.º 2, e 734.º, n.º 1, do CPC, são de conhecimento oficioso, nada obstando a que a parte, por requerimento apresentado nos autos de execução, despolete essa apreciação.

Texto Integral

Acordam os juízes na 8.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
1.1. C, P, D, M e O, sucessores habilitados do executado A, vieram, cumulativamente, deduzir oposição à execução para pagamento de quantia de €7.981,97, que F intentou contra o referido A e que tem como título executivo sentença judicial condenatória de 13.01.2004, e oposição à penhora que incidiu sobre o imóvel, pedindo:
«a) Deve ser suspensa a execução de acordo e, para os efeitos do disposto no art.º 733º nº 1 alínea c) do CPC;
b) Devem ser julgados procedentes os presentes embargos de executado, por provados e, consequentemente, serem os executados/embargantes absolvidos do pedido;
c) Deve ser julgada procedente, por provada, a oposição que foi deduzida à penhora, e consequentemente, ser ordenado o levantamento da mesma e o cancelamento do respetivo registo».
Para tanto, alegaram, em suma, que:
- o exequente não tem título executivo para cobrar aos executados a quantia peticionada, porquanto, a sentença dada à execução contem uma obrigação de prestação de facto e de pagamento de quantia a liquidar em execução de sentença, e não a condenação no pagamento da quantia peticionada;
- quanto à primeira parte do segmento condenatório, o exequente devia ter instaurado uma execução para prestação de facto e não ter realizado a prestação por si ou por terceiro, sendo certo que nem sequer juntou faturas que comprovem o valor gasto;
-  no que respeita ao segundo segmento condenatório, o mesmo contém uma obrigação ilíquida, que não foi previamente liquidada, como deveria, na própria acção declarativa onde foi obtida a condenação e com observância do incidente de liquidação previsto no art.º 378.º a 380.º-A do CPC, sendo que o exequente não tinha base legal ou fundamento para liquidar, pelo valor de € 500,00, a indemnização a pagar;
- era inadmissível a penhora efectuada, face à ausência (numa parte) e à inexequibilidade (noutra parte) do título dado à execução, sendo a mesma excessiva, atento o valor atribuído ao imóvel e o valor da quantia exequenda peticionada;
- as despesas indicadas como prováveis (no valor de € 10.851,05) não correspondem à realidade, uma vez que, no requerimento executivo, nem sequer foram peticionados quaisquer juros.
1.2. Conclusos, de imediato, os autos, foi proferido o seguinte despacho: «Admitem-se liminarmente os embargos deduzidos. Notifique o exequente/embargado para contestar, querendo, no prazo de vinte dias – cfr. artigo 732º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil».
1.3. O exequente/embargado F contestou, alegando, em síntese, que:
- foi apresentada oposição à execução a 02.01.2008, na qual deveriam ter sido invocados os fundamentos de oposição à execução que agora vêm alegados, o que não ocorreu, pelo que não o podem ser agora;
- o invocado pelos embargantes para oposição à penhora do imóvel, não preenche os fundamentos legais de oposição à penhora, que, por isso, deve prosseguir.
1.4. Convidados a responderem, querendo, às alegações de litigância de má-fé contidas na contestação, os embargantes fizeram-no da seguinte forma:
«a) Os executados/embargantes não deduziram embargos de executado ou oposição à execução em 02/01/2008;
b) Os executados/embargantes só em Maio de 2019 foram citados (citação após penhora) pela AE para os autos de execução;
c) Se o exequente/embargado discordava do ato praticado pela AE, deveria ter reclamado do mesmo, nos termos do disposto no artigo 723.º n.º 1 alínea a) do CPC;
d) O que não fez, sanando-se assim, qualquer nulidade processual eventualmente existente;
e) Os executados/embargantes não atuaram de má-fé, nem a atuação dos mesmos coloca em causa o seu carácter;
f) Os executados/embargantes limitaram-se a exercer o seu direito de defesa, na sequência da citação que lhe foi efectuada;
g) Não preenchendo a sua atuação, nem tal foi alegado, nenhuma das alíneas do disposto no artigo 542.º n.º 1 do CPC;
h) Acresce ainda que, e pese embora tal alegação, o exequente/embargado não peticiona a condenação dos executados/embargantes como litigantes de má».
1.4. Foi realizada a audiência prévia, em cuja acta foi exarado o seguinte:
«Seguidamente, e após instâncias pela Mmª. Juiz, pela Ilustre Mandatária dos embargantes foi dito que, neste momento, a oposição à penhora já não merece apreciação, uma vez que após a prestação da caução, a penhora foi levantada e o bem já foi vendido».
1.5. Após, foi proferido despacho saneador, no qual se conheceu imediatamente do mérito da causa, por se ter entendido que o estado do processo o permitia, concluindo-se da seguinte forma: «Por todo o exposto, julga-se integralmente improcedente a presente oposição à execução e à penhora. Custas pelos embargantes (cfr. artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)».
1.6. Inconformados, apelaram os embargantes, pedindo que «deve ser revogado o douto SANEADOR-SENTENÇA recorrido, julgando-se os Embargos de Executado totalmente procedentes e, em consequência, ser extinta a execução», formulando, para tanto, as seguintes conclusões:
«a) O douto saneador-sentença recorrido é desde logo nulo, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 alínea b) do CPC, pois na prática o douto Tribunal a quo “indeferiu” os Embargos de Executado não os tendo sequer julgado, uma vez que e não obstante, a dita decisão de improcedência, fundamentou a mesma da seguinte forma: “ (…) não podendo os fundamentos da presente oposição à execução ser apreciados, por já não assistir aos embargantes o direito de praticar novamente ato processual que já foi praticado pela parte que representam”;
b) Sendo certo que, os Embargos de Executado nem sequer podiam ter sido, como foram, julgados improcedentes, porque o mérito dos mesmos não foi objeto de qualquer apreciação, simplesmente, o douto Tribunal a quo entendeu e depois de os ter há muito (em 10/10/2019) admitido, que tais “Embargos” não podiam ter sido sequer deduzidos;
c) Havendo ainda e para além da acima mencionada nulidade, um contrassenso na douta decisão de que se recorre, pois se os Embargos de Executado não podiam ter sido deduzidos, então os mesmos não deviam sequer ter sido admitidos e se o foram (nos termos do disposto no artigo 732.º do CPC), o douto Tribunal a quo devia ter apreciado o ser teor;
d) Sucede ainda que, conforme consta da douta decisão recorrida, os apelantes foram citados para os presentes autos de execução, através das notas de citação que foram enviadas aos mesmos a 02/05/2019, pela Agente de Execução;
e) E, contrariamente ao referenciado na mesma, não tem aplicabilidade a tal “ato” o disposto no artigo 157.º n.º 6 do CPC, pois trata-se de um “ato” praticado pelo Agente de Execução e não pela secretaria;
f) Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 723.º do CPC, cabe reclamação para o Juiz dos atos praticados pelo Agente de Execução, mas o apelado não reclamou de tal ato, pelo que, o mesmo consolidou-se definitivamente (equiparação à decisão transitada em julgado), sendo este o entendimento seguido, tanto pela Doutrina, como pela Jurisprudência;
g) Noutras palavras, o “ato” da Agente de Execução que não foi objeto de reclamação ou de impugnação pelas partes, tornou-se incontestável e inalterável, dado que se tornou inatacável por iniciativa de qualquer das partes, podendo falar-se de um efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial;
h) Nesta conformidade, não pode agora o douto Tribunal a quo considerar que os apelantes perante uma citação (que é válida e eficaz, pois nunca foi assacado qualquer vício à mesma que a tivesse destruído), para efeitos de dedução de oposição à execução, não deviam ter apresentado a mesma, como se tal apreciação lhes coubesse;
i) Termos em que, se verifica o regime previsto para a eficácia vinculativa da sentença, nomeadamente o artigo 625º, nº 2 do CPC, prevalecendo o “ato” (citação) estabiliza do e praticado pela Agente de Execução sobre a sentença de que se recorre, na qual se menciona que a dita citação não devia ter ocorrido e decide como se a mesma não tivesse, efetivamente, ocorrido;
j) Por outro lado, eram de facto as questões elencadas no douto saneador-sentença recorrido, como sendo as questões a decidir, que o douto Tribunal a quo devia ter conhecido e, não conheceu, nomeadamente, a inexistência de título executivo e inexequibilidade da sentença dada à execução;
k) E devia tê-lo feito, ainda que não tivesse admitido os Embargos de Executado (que na prática foi o que fez, embora não o diga de forma literal e, não obstante, os mesmos terem num primeiro momento, sido admitidos), porquanto se trata de questões de conhecimento oficioso, de acordo com o disposto no artigo 734.º do CPC, antigo 820.º do CPC (versão anterior à Lei n.º 41/2013 de 26/06);
l) Com efeito, e de acordo com o disposto no artigo 734.º do CPC (anterior 820.º do CPC), o Juiz pode conhecer oficiosamente, até ao 1.º ato de transmissão dos bens, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º do CPC (anterior 812.º do CPC), o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo;
m) Sendo que, de acordo com o disposto no artigo 726.º do CPC (anterior 812.º do CPC), o Juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título executivo;
n) A verificação judicial da regularidade da instância é possível ao longo da execução, seja oficiosamente ou mediante requerimento dos interessados e no caso dos autos, visto que não ocorreu qualquer transmissão dos bens quando foi proferida a decisão de que ora se recorre, ainda não se mostrava precludida a possibilidade de apreciação, quer da inexistência do título executivo, quer da inexequibilidade da sentença ou iliquidez da obrigação exequenda, no âmbito dos autos executivos, face ao momento processual em que os mesmos se encontravam;
o) Termos em que, e face à alegação constante dos Embargos de Execução e ainda sob pena de violação do disposto no artigo 734.º do CPC e princípio do processo equitativo, o douto tribunal a quo devia ter conhecido das questões referenciadas, na douta decisão recorrida, como sendo as questões a decidir;
p) O douto saneador-sentença recorrido considera que o facto do apelado se puder ver confrontado com uma segunda dedução de Embargos de Executado, lhe é prejudicial, no entanto parece ignorar que mais prejudicial será para os apelantes, serem confrontados e terem de pagar (como resulta provado foi prestada caução) um valor peticionado numa execução onde não existe título executivo (o que comporta uma clara violação do disposto no artigo 10.º n.º 5 do CPC);
q) Ademais, no passado dia 20/12/2022 teve lugar audiência prévia, na qual foi tentada a conciliação (não obstante a caução prestada) e em momento algum, foi colocada em crise a existência dos próprios Embargos de Executado, sendo toda esta tramitação processual e tendo em consideração o teor das questões a decidir, nesta sede, altamente penalizadora para os ora apelantes;
r) Pelo que, mal andou o douto saneador-sentença recorrido».
1.7. O embargado apresentou contra-alegações, propugnando pela manutenção da decisão recorrida, com base nas seguintes conclusões:
«A) A Douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, está correta;
B) Os Embargos de Executado já haviam sido apresentados pelo primitivo Executado em 2/1/2008, razão porque, não podiam ser repetidos;
C) Os habilitados aceitam a ação como a recebem, aproveitando-se os atos realizados para trás;
D) Assim, a citação a que se referem de 2/5/2019, apenas poderia dizer respeito à oposição à penhora;
E) Só poderia ter havido uma nova oposição à execução, se tivesse surgido uma situação nova, superveniente;
F) Não reconhece o Recorrido, que haja qualquer nulidade nesta sentença;
G) O valor penhorando, uma vez existindo caução, foi aceite pelos Recorrentes;
H) O título executivo não padece de vícios;
I) O título decorre de uma sentença judicial;
J) Razão porque o MM.º Juiz a quo o considerou um título válido;
K) Este recurso é apenas uma manobra dilatória».
1.8. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
Decorre do disposto nos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, que as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pág. 105 a 106).
Assim, atendendo às conclusões supra transcritas, as questões essenciais a decidir consistem em saber:
a) se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação;
b) se assistia aos embargantes o direito de deduzir nova oposição à execução, mediante embargos de executado, ou se tal direito se encontrava precludido;
c) se o acto de citação realizado pelo agente de execução, que não foi objecto de reclamação ou impugnação, conferia, por si só, aos embargantes o direito de deduzir nova oposição à execução;
d) se a admissão liminar dos embargos de executado impedia o conhecimento, no despacho saneador, da questão relativa à preclusão do direito de embargar e impunha a apreciação dos fundamentos dos embargos;
e) qual a consequência da constatação, no despacho saneador, da preclusão do direito de embargar;
f) se, não obstante a preclusão do direito de embargar, o tribunal a quo tinha o dever de conhecer oficiosamente dos fundamentos dos embargos de executado deduzidos.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
3.1. A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 22-02-2006, F instaurou execução, para pagamento de quantia certa, contra A e S, Lda., com fundamento em sentença proferida em 13-01-2004, no processo n.º ….., na extinta 1ª Vara do Tribunal de …. (cfr. requerimento executivo e certidão junta a 11-03-2021).
2. Consta do dispositivo da sentença referida em 1., designadamente, o seguinte:
(…)
(cfr. certidão junta a 11-03-2021).
3. A 29-08-2007 foi concretizada na execução a penhora de bens móveis (cfr. auto de penhora inserido na execução a 23-10-2007).
4. Mediante cartas remetidas a 11-09-2007, os executados A e S, Lda., foram citados para os termos da execução nos seguintes termos:


(cfr. expediente junto à execução a 11-09-2007).
5. Em 21-09-2007, os executados A e S, Lda. vieram deduzir embargos de executado, que deram origem ao apenso A (cfr. requerimento junto ao apenso A a 15-01-2008).
6. Mediante despacho proferido no apenso A a 20-04-2010, foi declarada suspensa a instância por falecimento do executado A (cfr. ata inserida a 20- 04-2010).
7. Por sentença proferida no apenso B a 12-04-2016, foram habilitados C, P, D, M e O, como sucessores de A (cfr. sentença inserida no apenso B a 12-04-2016).
8. A 20-01-2017 foi proferido despacho no âmbito do apenso A do seguinte teor:


(cfr. despacho inserido no apenso A a 19-01-2017).
9. A 21-03-2017 foi proferido no apenso A despacho do seguinte teor:



(cfr. despacho inserido no apenso A a 21-03-2017).
10. A 17-04-2018 foi proferido no apenso A despacho do seguinte teor:

(cfr. despacho inserido no apenso A a 17-04-2018).
11. A 29-03-2019 foi penhorado na execução o prédio urbano sito na …., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de …, sob o n.º …, da freguesia de …. e inscrito nas anteriores matrizes prediais urbanas sob os artigos … e …, da mesma freguesia (cfr. auto de penhora inserido na execução a 02-05-2019 e certidões do registo predial juntas a 04-04-2019 e 23-09-2021).
12. Consta do auto de penhora mencionado em 11. que o valor das despesas prováveis é de €10.851,05, o valor total da quantia exequenda e despesas prováveis é de €18.833,02 e o valor do imóvel é de €52.754,95 (cfr. auto de penhora inserido a 02-05- 2019).
13. Mediante cartas remetidas a 02-05-2019, os sucessores habilitados do executado A citados para os termos do processo executivo nos seguintes termos:

(cfr. expediente junto à execução a 02-05-2019).
14. A 27-05-2019, C, P, D, M e O vieram deduzir oposição à execução mediante embargos e oposição à penhora (cfr. requerimento inserido no presente apenso a 27-05-2019).
15. A 09-07-2021 foi proferido no apenso A o seguinte despacho:



(cfr. despacho inserido no apenso A a 09-07-2021).
16. Em 16-07-2021 foi proferida decisão, no âmbito do apenso D, que julgou idónea a prestação de caução pelos executados, em substituição da penhora sobre o imóvel mencionado em 11. e com suspensão da execução, mediante depósito autónomo, no valor de € 20. 326,81 (vinte mil trezentos e vinte e seis euros e oitenta e um cêntimos), à ordem dos autos, a comprovar no prazo de 10 (dez) dias (cfr. decisão inserida no apenso D a 16-07-2021).
17. Mediante despacho proferido a 27-07-2021, no âmbito do apenso D, foi julgada validamente prestada a caução (cfr. despacho inserido no apenso D a 27-07-2021).
18. A penhora sobre o imóvel referido em 11. foi levantada e o registo da penhora foi cancelado a 13-09-2021 (cfr. certidão do registo predial junta a 23-09-2021).
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
4.1. Comecemos por verificar se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação.
O tribunal a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto mas não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641.º, n.º 1 e 617.º, n.º 1 do CPC.
A omissão de despacho do tribunal a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1.ª instância para tal efeito (cfr. nº 5, do referido art.º 617.º), cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cfr., neste sentido Abrantes Geraldes, in Recursos no Processo Civil, p. 149.
Tendo presente a natureza da questão suscitada e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.
Dispõe a al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, disposição que é aplicável aos despachos (art.º 613.º, n.º 3 do CPC).
As causas de nulidade, taxativamente, enumeradas no art.º 615.º do CPC, não visam o chamado erro de julgamento, nem a injustiça da decisão ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável. Não obstante, muitas vezes, as partes confundem os vícios que determinam as nulidades da sentença/despacho com o inconformismo quanto ao teor da decisão, como parece ocorrer no caso vertente.
Analisemos, ainda assim, se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação.
Como é consabido, o dever de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional (art.º 205.º da CRP) e infraconstitucional (art.º 154.º do CPC), apenas sendo dispensável no caso de decisões de mero expediente.
Assim, ainda que a questão decidenda não suscite especiais dúvidas, a respectiva decisão deve ser fundamentada nos termos que se apresentem ajustados ao caso, sendo certo que a qualidade da fundamentação é aferida em função do seu conteúdo substancial e não por via da sua extensão.
Tem sido, uniformemente, entendido pela jurisprudência que a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC abrange, apenas, a absoluta falta de fundamentação (isto é, a falta absoluta de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão) e não a fundamentação insuficiente ou lacónica e, muito menos ainda, o desacerto da decisão.
Nesta senda, escreveu-se no acórdão do STJ de 2.06.2016, in www.dgsi.pt, que «As causas de nulidade tipificadas nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 615º […] ocorrem quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão (al. b)) ou quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou se verifique alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (c)). O dever de fundamentar as decisões tem consagração expressa no artigo 154º do Código de Processo Civil e impõe-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento ou fundamentos […] Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a falta absoluta de motivação constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 668º citado, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p. 670/672), ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Só a total omissão dos fundamentos, a completa ausência de motivação da decisão pode conduzir à nulidade suscitada».
Este traduz, aliás, o pensamento de Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V, 3.ª ed., Coimbra Editora, p. 140, quando refere que «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto».
No caso vertente, decorre à evidência que o despacho recorrido não padece de falta de fundamentação, sendo perfeitamente possível descortinar as razões que conduziram à decisão, tanto que os recorrentes lograram atacá-las, por via deste recurso.
O que os recorrentes entendem é que, o tribunal a quo não poderia ter julgado a oposição à execução/embargos de executado improcedentes (decisão que se prende com o respectivo mérito e com a aplicação do direito aos factos), quando considerou que os fundamentos dos embargos não poderiam ser apreciados/conhecidos, por não assistir aos embargantes o direito de praticar tal acto (o que, na prática, corresponde a um indeferimento dos embargos).
Ou seja, os recorrentes entendem que a consequência extraída pelo tribunal a quo da circunstância de estar precludido direito dos embargantes de deduzir oposição à execução/embargos de executado não era, nem podia ser a improcedência dos embargos, mas outra qualquer que não especificam.
Sucede que tal não constitui uma nulidade por falta de fundamentação (o tribunal a quo fundamentou, clara e sobejamente, a razão pela qual entendeu que aos embargantes não assistia o referido direito), mas, como se verá infra (ponto 4.6), um erro de julgamento ou um desacerto relativamente ao direito aplicável.
Conclui-se, pois, pela não verificação da apontada nulidade do despacho recorrido.
4.2. Vejamos, então, se a decisão recorrida, que julgou improcedente a oposição à execução, deve ou não se revogada.
Saliente-se que não está em causa, no presente recurso, a decisão proferida pelo tribunal a quo relativamente à oposição à penhora.
É que, não só o conhecimento de tal oposição à penhora ficou prejudicado com o levantamento da mesma e o cancelamento do respectivo registo (tal como se declarou no último parágrafo da decisão recorrida, em conformidade, aliás, com a declaração dos embargantes exarada em acta – cfr. ponto 1.4), como os embargantes se conformaram, nesta parte, com decisão do tribunal a quo, posto que sobre ela nada suscitam nas conclusões do recurso, que, como se viu, delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem.
Ora, no que respeita à oposição à execução mediante embargos de executado, o tribunal a quo considerou que não assistia aos embargantes o direito de deduzir oposição à execução, por o mesmo se encontrar precludido, sendo, portanto, inadmissível a dedução de nova oposição à execução.
Conforme decorre da matéria de facto provada, os embargantes intervieram na execução, de que os presentes de execução são dependentes, na sequência, apenas, da sua habilitação como sucessores do executado falecido A, através de sentença de 12.04.2016.
Como é consabido, a habilitação incidental implica uma modificação subjectiva da instância, isto é, a substituição de uma das partes na relação jurídica substantiva em litígio, por sucessão ou por acto entre vivos.
Os herdeiros habilitados ocupam, a partir da sua habilitação, a posição processual do falecido, exercendo os mesmos direitos e cumprindo as obrigações que a este competiam, mas ficam sujeitos à anterior actuação processual do falecido e têm de aceitar a causa no estado em que ela se encontrar, apenas a podendo impulsionando para o futuro.
Ora, o falecido executado A havia sido citado para os termos da execução e, nomeadamente, para pagar ou deduzir oposição à mesma, por carta de 11.09.2007, tendo, efectivamente, deduzido oposição à execução em 21.09.2007 (cf. n.ºs 4 e 5 dos factos provados).
Temos, pois, que, à data da habilitação dos embargantes, o direito de deduzir oposição à execução havia sido já, concretamente, exercido pelo falecido, pelo que os habilitados tinham que aceitar a causa nesse estado, apenas, podendo impulsionar para o futuro a oposição deduzida.
Os habilitados optaram por não o fazer, não obstante instigados pelo tribunal a quo para o efeito (cfr. n.ºs 8 a 10 dos factos provados), razão pela qual veio essa instância a ser julgada extinta, por deserção, em 09.07.2021 (n.º 15 dos factos provado).
Certo é que aos habilitados não assistia o direito de deduzir (em 27.05.2019) nova oposição à execução com base em fundamentos que não são supervenientes (cfr. art.º 728.º, n.º 2 do CPC), por tal violar, frontalmente, os princípios da concentração da defesa e da preclusão previstos nos art.ºs 573.º do CPC.
Por regra, a defesa em sede de oposição à execução está sujeita a um princípio de concentração, segundo o qual a defesa ser congregada no meio processual utilizado para o efeito, salvo fundamentos supervenientes.
Como refere Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL, p. 409), «a necessidade de segurança jurídica e a autorresponsabilidade do executado justificam que a petição inicial se reja pelo princípio da concentração da defesa, previsto no artigo 573º nº 1: toda a defesa do executado deve ser deduzida na oposição à execução (…)».
E, nas palavas do acórdão da RG de 11.03.2021, in www.dgsi.pt, «A própria natureza perentória do prazo para a oposição à execução (artigo 728º, n.º 1, do CPC/2013 e artigo 813º, n.º 1, do CPC/1961), permite retirar, a contrario, a necessidade de concentração da defesa na petição de embargos de executado, excecionada pelos fundamentos supervenientes, pelo que não pode o executado trazer ao processo factos, impugnações e exceções cuja alegação omitira. (…) na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso. A preclusão do direito de invocar outras exceções opera no âmbito do processo executivo, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição, salvo quando ocorra fundamento superveniente (art.º 728º-2)».
Foi, pois, com acerto que na decisão recorrida se escreveu:
«No caso, já havia sido efetuada a citação do falecido executado Amério Jordão para pagar, deduzir oposição à execução ou à penhora, tendo o falecido executado vindo a deduzir a oposição à execução que deu origem ao apenso A.
Uma vez que primitivo executado já havia deduzido a oposição à execução que constitui o apenso A, ficou precludida a possibilidade da mesma parte processual (agora substituída pelos seus sucessores habilitados) de utilizar o mesmo meio processual (e já utilizado) para a defesa à execução instaurada.
Defender o contrário significaria, em nosso entendimento, esvaziar de conteúdo, em absoluto, o efeito preclusivo associado ao decurso do prazo para a utilização do meio processual (oposição à execução mediante embargos) que a lei coloca à disposição do executado para se opor a uma execução».
Não podemos deixar de acompanhar tal entendimento e concluir que, efectivamente, aos embargantes, herdeiros habilitados do falecido A, não assistia o direito de deduzir oposição à execução, mediante embargos de executado, por o mesmo se encontrar precludido, sendo inadmissível a dedução de uma nova oposição à execução com os fundamentos supra sumariados.
4.3. Argumentam os embargantes que, por cartas de 02.05.2019, foram citados pelo agente de execução para deduzir oposição à execução através de embargos de executado, acto de que não houve qualquer reclamação para o juiz, que, por isso, se consolidou. Por essa razão, não podia o tribunal a quo considerar, perante tal citação válida e eficaz, que os embargantes não deviam ter apresentado oposição, sendo que, nos termos do art.º 625.º, n.º 2 do CPC, prevalece o acto de citação estabilizado praticado pelo agente de execução sobre a decisão recorrida.
Vejamos.
Não se discute que as decisões do agente de execução que não forem objecto de oportuna reclamação ou impugnação das partes ou de terceiros intervenientes na acção executiva (à luz do disposto nas als. c) e d) do nº. 1 do art.º 723.º do CPC) estabilizam-se e consolidam-se definitivamente, com um efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado de uma decisão judicial (cfr., neste sentido, por exemplo, os acórdãos da RL de 30.06.2020, da RE de 27.05.2021 e da RC de 05.04.2022, citados pelos recorrentes e disponíveis em www.dgsi.pt).
A este respeito, Rui Pinto, in A Acção Executiva, 2019, Reimpressão, p. 122 e segs., escreve que «(…) a necessidade de segurança jurídica e a sua sujeição a um meio de impugnação ditam, necessariamente, que se lhe apliquem alguns princípios gerais dos despachos judiciais. Primeiro princípio: uma vez proferido despacho, o agente de execução fica com a sua competência decisória esgotada. Ele não pode revogar oficiosamente a sua decisão. Tal decorre da regra do artigo 613º, nº 1. Segundo princípio: o agente de execução pode oficiosamente ou a requerimento, retificar erros materiais, por aplicação analógica do artigo 614º. …. Terceiro princípio: o despacho do agente de execução apenas pode ser revogado por impugnação do interessado, nos termos da al. c) do nº 1 do artigo 723º, sob pena de sanação dos respetivos vícios. … Quarto e último princípio: o despacho do agente de execução considera-se definitivo depois de não ser suscetível de impugnação perante o juiz, seja porque o prazo de 10 dias correu sem a sua dedução, seja porque a decisão que julgou a impugnação improcedente transitou em julgado (…)».
Também Delgado de Carvalho, in Jurisdição e Caso Estabilizado, Quid Juris, 2017, p. 158 e 184, considera que «não se caraterizando a relação entre o juiz e o agente de execução pela subordinação hierárquica do segundo ao primeiro- que impede a aplicação de critérios de conveniência ou de oportunidade-, o exercício pelo juiz de execução do poder de revogação dos atos e decisões do agente de execução corresponde à revogação anulatória. Quando o poder de revogação exercido pelo juiz sobre a atividade do agente de execução se destina a sindicar a legalidade de um ato ou de uma decisão deste agente, o juiz determina, mediante reclamação ou impugnação da parte, a cessação dos efeitos desse ato ou decisão destrói retroativamente a eficácia dos mesmos quando os pressupostos de facto que o agente de execução deveria atender e os princípios e as regras jurídicas a eles aplicáveis não podiam ter conduzido ao ato praticado ou à decisão tomada, restabelecendo a solução legal que decorreria desses princípios ou regras. (…) Uma vez que é inadmissível, face ao direito positivo, um poder geral de controlo do juiz de execução exercido ex post sobre a atuação do agente de execução, há que atender que o esgotamento do poder de decisão do agente de execução, quanto à questão por si decidida, impede que o juiz de execução tenha uma intervenção oficiosa no sentido de contrariar o ato praticado ou a decisão tomada por aquele agente, salvo nos casos em que a lei especificadamente autorizar o juiz a decidir de forma distinta. Mas, o efeito vinculativo do caso estabilizado - que tem natureza essencialmente intraprocessual – também opera em relação aos terceiros intervenientes no processo, mesmo que não sejam partes. (…) Por conseguinte, há que concluir que o ato praticado e a decisão tomada pelo agente de execução, embora com algumas particularidades, gozam das mesmas características do caso julgado, nomeadamente a incontestabilidade e a consolidação num processo pendente, quando deixa de ser impugnável, e a intangibilidade, dado que não pode ser revogada, suspensa ou substituída».
Neta linha de entendimento, o acórdão da RE de 27.05.2021, supra referido, entendeu que «ato e a decisão do agente de execução tornam-se definitivos sempre que, depois de notificadas às partes, estas não reclamem do ato ou não impugnem essa decisão perante o juiz, nos termos do artigo 723.º, n.º 1, alíneas c) ou d), do nCPC, dentro do prazo perentório que dispõem para esse efeito (cfr. artigo 149.º, n.º 1, do nCPC). Disto decorre que, se o ato ou a decisão daquele agente não for objeto de oportuna reclamação ou de impugnação pelas partes, o ato praticado e a decisão tomada tornam-se incontestáveis e inalteráveis, dado que são inatacáveis por iniciativa de qualquer das partes, pode falar-se a este propósito de um efeito vinculativo semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial».
No caso que nos ocupa, não estamos perante uma decisão do agente de execução, uma vez que o mesmo se limitou a elaborar e expedir cartas de citação aos habilitados, após a realização de uma penhora.
Repare-se que o próprio acórdão da RC de 05.04.2022, citado pelos embargantes, chama a atenção para o facto de «Atos decisórios são aqueles em que o Agente de Execução identifica uma possível solução jurídica para uma questão de que deva conhecer ou que tome na sequência de um pedido efetuado pela parte».
Ao expedir cartas de citação, o agente de execução não se apresenta a solucionar nenhuma questão de que devesse conhecer, mas, simplesmente, a praticar um acto.
Ora, a decisão recorrida não revogou ou anulou aquele acto do agente de execução, nem o substituiu por outro diferente, assim como não determinou ao agente de execução o conteúdo concreto de um acto de execução ou impôs a realização de uma diligência executiva.
Pelo contrário, a decisão recorrida considerou os habilitados citados na data em que o foram, através de acto do agente de execução, tendo, no entanto, entendido que não lhes assistia o direito de deduzir novos embargos de executado, questão que era do conhecimento oficioso e da competência do juiz.
Inexistem, pois, duas decisões contraditórios, pelo que não há que convocar o disposto no art.º 625.º do CPC.
A circunstância de constar, erroneamente, das cartas de citação que os embargantes dispunham do prazo de 20 dias para deduzir oposição à execução através de embargos de executado, não faz, por si só, surgir esse direito (que, repete-se, os habilitados não possuíam).
Defender que esse erro (consistente quer no emprego da citação, em vez da notificação - uma vez que os habilitados haviam sido já citados para os termos da causa no incidente de habilitação -, quer na menção da finalidade de dedução de oposição à execução) fez surgir na esfera dos habilitados o direito de praticar o acto, embargando de executado, seria permitir que erros do agente de execução beneficiassem uma parte em detrimento de outra e desvirtuassem, por completo, regras e princípios do processo civil, como os supra referenciados.
E nem se defenda que competia ao exequente reclamar desse acto do agente de execução, posto que se está perante cartas dirigidas aos habilitados, que não são notificadas ao exequente e não chegaram ao seu conhecimento.
Tal como se escreveu na decisão recorrida «Ainda que entenda ser de aplicar aos erros e omissões de agente de execução, a regra estabelecida no artigo 157.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, de que os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, tal não poderia levar a concluir que a notificação aos embargantes concedeu aos embargantes o direito a praticar um ato que já não podiam praticar, pois que tal resultaria em prejuízo do exequente que se veria confrontado, como viu, com a dedução de uma segunda oposição à execução pela mesma parte processual».
Improcede, aqui também, a argumentação dos recorrentes.
4.4. Os recorrentes defendem, ainda, que os embargos de executado foram admitidos, nos termos do art.º 732.º do CPC, pelo que o tribunal deveria ter apreciado o seu teor.
Com este argumento, os embargantes apresentam-se, quanto parece, a defender que o despacho liminar, que admitiu os embargos, faz caso julgado, de tal forma que os mesmos não podem ser, posteriormente, rejeitados.
Não lhes assiste, contudo, razão.
Tal como se decidiu no acórdão desta Relação de 18.01.2022, in www.dgsi.pt.,
«–É meramente tabelar o despacho que se limita a admitir liminarmente os embargos, não formando caso julgado formal no processo, pois não decide definitivamente as questões relativas à verificação dos pressupostos processuais e das exceções dilatórias correspetivas, assegurando apenas o seguimento do processo.
–Nenhum impedimento existe, por isso, a que o juiz se pronuncie sobre a questão da sua extemporaneidade dos embargos, invocada pela embargada em sede de constatação aos embargos; o que ele não pode é indeferir liminarmente os embargos depois de os ter admitido liminarmente».
Vê-se, pois, que a circunstância de terem sido liminarmente admitidos os embargos de executado, sem se constatar que os mesmos já não podiam ser deduzidos, fosse por extemporaneidade, fosse por preclusão do direito de embargar, não impedia que, posteriormente, o juiz conhecesse dessas questões.
O despacho liminar de admissão, que não aprecie em concreto as questões previstas nos diversas alíneas do n.º 1 do art.º 732.º, n.º 1 do CPC, é um despacho meramente tabelar. Nele não se decide, definitivamente, as questões relativas à verificação dos pressupostos processuais e das excepções dilatórias correspectivas, apenas assegurando o prosseguimento do processo para a fase seguinte, pelo que não forma caso julgado formal no processo.
Por isso, alegando a embargada, em sede de contestação aos embargos, a sua inadmissibilidade, podia o tribunal a quo pronunciar-se sobre tal questão, como o fez, no despacho saneador.
O que o tribunal a quo não podia era indeferir liminarmente os embargos de executado, por já os ter recebido e os autos já terem ultrapassado a fase liminar. Mas, não foi isso que sucedeu. O tribunal recorrido optou por julgar os embargos improcedentes, o que coloca a questão de saber se era essa, efectivamente, a consequência que cabia extrair da constatação de que se encontrava precludido o direito de embargar por parte dos herdeiros habilitados.
4.5. Vejamos, então, qual a consequência a extrair da constatação, no despacho saneador, de que se encontra precludido o direito de embargar de executado e de que, por isso, é inadmissível nova dedução de embargos.
O acórdão desta Relação de 18.01.2022, já citado, abordou tal questão, embora na perspectiva da extemporaneidade dos embargos, tendo decidido que:
«–Considerando, num tal contexto, extemporâneos os embargos de executado, deve o juiz, em sede de despacho saneador, julgar verificada a exceção dilatória inominada consistente na sua extemporaneidade e, consequentemente, absolver o embargado da instância.
–A extemporaneidade da dedução de embargos de executado não constitui exceção material ou de direito substantivo, mas antes exceção processual, já que o prazo legalmente estabelecido para a sua dedução não é um prazo dentro do qual deva ser exercido um direito substantivo, que caduque pelo seu não exercício findo ele, tratando-se antes de um prazo dentro do qual deve ser produzido determinado efeito processual, qual seja a oposição a uma execução».
Cremos que tal entendimento é, perfeitamente, transponível para o caso dos autos, por também estar em causa o exercício de um direito processual que se concluiu já não existir, impondo-se, portanto, as mesmas razões justificativas.
Repare-se que a decisão recorrida não conheceu do mérito dos embargos, não apreciou os seus fundamentos, nem decidiu as questões de direito substantivo que se colocavam.
Ao invés, a decisão recorrida rejeitou entrar no conhecimento do mérito dos embargos, por ter entendido que não assistia aos embargantes o direito - processual - de embargar. Tal não constitui excepção material ou de direito substantivo, mas antes excepção processual, que, por isso, não é determinante da improcedência dos embargos.
Para nós, em sede de despacho saneador, e aderindo ao entendimento do acórdão citado, o tribunal a quo deveria ter julgado verificada a excepção dilatória inominada consistente na inexistência ou preclusão do direito de embargar, absolvendo o embargado da instância.
Assim, embora concordando-se com o fundamento da decisão recorrida, importa, a final, alterar a sua consequência, nos termos sobreditos.
4.6.  Defendem, finalmente, os recorrentes que as questões suscitadas nos embargos (inexistência de título executivo e inexequibilidade da sentença dada à execução) são de conhecimento oficioso, de acordo com o disposto no art.º 734.º do CPC, pelo que o tribunal a quo deveria ter delas conhecido.
Com efeito, tem sido, pacificamente, entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, quando o tribunal não se pronuncia em concreto sobre uma das questões das contempladas no n.º 2 do art.º 726.º do CPC (nomeadamente, da falta ou insuficiência do título executivo), o tribunal pode e deve delas conhecer em conformidade com o art.º 734º, a pedido ou por iniciativa oficiosa, independentemente da dedução ou não de embargos de executado.
Assim, se o juiz não indeferir liminarmente o requerimento de execução com algum dos fundamentos previstos no art.º 726.º, n.º 2 do CPC, poderá e deverá rejeitar ulteriormente a execução, quando se aperceba do vício (por sua iniciativa, a requerimento de alguma das partes ou até por diligência do funcionário que suscite a intervenção do juiz), desde que o faça até ao primeiro acto de transmissão de bens, absolvendo o executado da instância executiva e extinguindo a execução.
Assim, por exemplo, em acórdão de 30.11.2006, in www.stj.pt/jurisprudencia, o STJ considerou que «A norma inserta no art.º 820.º, n.º 1, do CPC permite que o tribunal possa conhecer oficiosamente no despacho saneador da questão da inexistência de título executivo suscitada por um dos executados nos embargos que não foram recebidos, porque extemporâneos».
Também no acórdão do STJ de 21-11-2011, se decidiu que «actualmente, nos termos do art.º 820 do CPC, ainda que não tenham sido deduzidos embargos, pode o juiz, até ao despacho que ordene a realização da venda ou das outras diligências destinadas ao pagamento, conhecer das questões a que alude o n.º 1 do art.º 811-A do mesmo diploma, que não haja apreciado liminarmente, entre as quais a manifesta falta ou insuficiência do título».
Esta Relação de Lisboa, em acórdão de 28.04.2016, seguiu idêntico entendimento, decidindo que:
«- Numa acção executiva o despacho liminar de citação não implica uma aceitação definitiva da validade e suficiência do título executivo, que pode ser reavaliado ao longo do processo.
-A preclusão do seu conhecimento não ocorre perante a ausência da dedução de embargos de executado.
-A leitura conjugada da al. a) do n.º 2 do art.º 726º com o art.º 734º, ambos do Código de Processo Civil, permite constatar que o limite traçado pelo legislador para o conhecimento da falta de título executivo é o primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, e não o início da fase de venda, porque só então se coloca a questão da protecção do adquirente de boa-fé».
E, o recente acórdão de 12.01.2023, in www.dgsi.pt, reiterou tal entendimento, ao decidir que:
«I) Deduzido que seja o requerimento executivo, o executado pode opor-se à execução (cfr. artigo 728.º e ss. do CPC) e à penhora (cfr. artigo 784.º e ss. do mesmo Código).
II) A oposição à execução constitui o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante a pretensão do exequente.
III) Com as condicionantes decorrentes da espécie de título executivo em questão, o executado pode opor à execução factos ou razões de direito que conduzam à inexistência, modificação ou extinção da obrigação exequenda, à falta de um qualquer pressuposto processual geral ou à falta de um qualquer pressuposto processual específico da ação executiva.
IV) As questões que poderiam e deveriam ter determinado o indeferimento liminar total ou parcial, assim como aquelas, de menor gravidade, careceriam de regularização suscitada através de despacho de aperfeiçoamento são objeto de intervenção atípica, a qual pode ocorrer até à venda, adjudicação, entrega de dinheiro ou consignação de rendimentos, nos termos do artigo 734.º, n.º 1, do CPC.
V) E, assim, se se tratar de questão que é de oficiosa apreciação, em linha com o que se dispõe no artigo 734.º, n.º 1, do CPC, a prolação de tal decisão de indeferimento não preclude a possibilidade de, não o tendo feito em sede de despacho liminar, o Tribunal conhecer dessa questão até ao momento da transmissão dos bens penhorados.
VI) Tal sucede com a manifesta falta ou insuficiência do título».
No caso dos autos, como se viu, os embargos não podem prosseguir, por verificação de uma excepção dilatória inominada, que importa a absolvição do embargado da instância.
Tal decisão encerra um conteúdo de ordem processual, limitando a sua eficácia ao processo em que é proferida, não dispondo de eficácia extra processual, ou seja, apenas forma caso julgado formal restrito ao processo de embargos.
Nos termos do art.º 732.º, n.º 5 do CPC, só a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Assim, não tendo sido proferida decisão de mérito sobre os embargos, nem tendo sido regulada a relação material controvertida ou definido o direito de crédito do exequente, não fica inviabilizada a possibilidade de as partes discutirem ainda as questões relativas à falta de título e à iliquidez e exigibilidade da obrigação exequenda, caso não tenha havido, ainda, acto de transmissão de bens.
Necessário é que tal vício seja manifesto:
Tal como se decidiu no acórdão da RG de 28.01.2021, in www.dsgi.pt, «a rejeição oficiosa nos termos do art.º 734º e 726 nº 2 a) do C.P.C. pressupõe que a falta do título executivo seja evidente e incontroversa, e não uma situação que implique prévias diligências por parte do Tribunal».
O acórdão da RL de 24.09.2019, in www.dsgi.pt, concluiu que «[a] insuficiência de título executivo prevista na al. a) do nº 2 do art.º 726º do Cód. Proc. Civil, que importa o indeferimento liminar do requerimento executivo, tem necessariamente de apresentar as características de evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional, sendo esse o significado de “manifesta”».
Já o acórdão da RG de 10.09.2020, in www.dsgi.pt, entendeu que:
«1- Porque a manifesta insuficiência do título executivo deve ser conhecida, mesmo oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (artigo 734º, nº 1, do Código de Processo Civil), o facto da mesma não ter sido invocada em embargos de executado não impede que o juiz a conheça.
2- Nos embargos de executado o caso julgado apenas ocorre relativamente às matérias que foram efetivamente ali julgadas: se o executado escolher deduzir oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito, esta constitui caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, mas não decorre da não dedução dos embargos senão efeito preclusivo na própria execução quanto às questões que não sejam de conhecimento oficioso (artigos 732º nº 6 e 734º nº 1 do Código de Processo Civil).
3- Assim, o juiz deve conhecer, mesmo oficiosamente, a manifesta insuficiência do título executivo desde que não tenha existido qualquer ato de transmissão de bens penhorados e não tenha sido proferida decisão de mérito nos embargos de executado.
4- A decisão que rejeita os embargos de executado por intempestividade não conhece da questão da manifesta insuficiência do título executivo, mas apenas de mera exceção dilatória relativa à instância incidental em que aqueles se traduzem, pelo que não se pode considerar que preteriu o conhecimento oficioso daquela questão, nada obstando a que a parte, por requerimento, despolete essa apreciação, por ser de conhecimento oficioso».
Enfim, a circunstância de não terem deduzido, tempestiva ou validamente, oposição à execução, não preclude o direito dos recorrentes de invocarem excepções ao direito exequendo na própria execução.
Repare-se que sempre o poderiam fazer em acção autónoma, uma vez que a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo noutras e que as decisões de mérito nelas proferidas formem caso julgado material (cfr., v.g., acórdãos da RL de 16.01.2018, da RC de 16.10.2018 e da RP de 23.04.2020, todos in www.dgsi.pt).
Tal efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo. E, por esta razão, o juiz delas não podia conhecer nos próprios embargos de executado, depois de os ter “rejeitado” com fundamento na inexistência ou preclusão do direito de embargar.
Carecem, pois, de razão os embargantes quando defendem que o tribunal a quo deveria ter conhecido oficiosamente dessas questões nos próprios embargos de executado, restando-lhes suscitar tais questões nos autos de execução, por requerimento autónomo, se entenderem que estão reunidos os pressupostos necessários. 
4.7. Aqui chegados, podemos concluir que, improcedendo embora as conclusões dos recorrentes no que concerne aos fundamentos que determinaram que o tribunal a quo não conhecesse do mérito dos embargos de executado por eles deduzido (isto é, preclusão do direito de embargar/deduzir nova oposição à execução), assiste-lhes razão quanto à consequência extraída na decisão recorrida, que cremos ser a da improcedência dos embargos, própria de uma decisão de mérito, mas sim a de absolvição do embargado da instância, por verificação de uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso.
Importará, destarte, alterar apenas a decisão recorrida no que respeita a essa consequência, mantendo-a no mais.
Os recorrentes suportarão as custas do recurso, por, não obstante a modificação operada na decisão recorrida, terem ficado vencidos na sua pretensão de prosseguimento dos embargos e de apreciação do respectivo mérito ou fundamentos (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
V – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que julgou improcedentes os embargos de executado deduzidos pelos ora recorrentes, que se substitui por outra que julga verificada a excepção dilatória inominada de preclusão do direito de embargar e, em consequência, absolve o embargado da instância.
Custas pelos apelantes.
Notifique.

Lisboa, 25.05.2023
Rui Oliveira
Teresa Pais
Rui Vouga