ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
CASO JULGADO
Sumário


I- O art. 71.o da LAT estabelece um conceito de retribuição para efeitos de reparação de acidente de trabalho mais abrangente e amplo do que o contemplado no Código do Trabalho.

II- Por conseguinte, os efeitos jurídicos pretendidos com a discussão do valor da retribuição tendem a divergir no processo especial emergente de acidente de trabalho e no processo comum em que se discutem diferendos contratuais laborais.

III- Quando o trabalhador demanda o empregador, em processo comum, para reclamar créditos salariais e desiste do pedido nessa acção, ainda que nela discutisse o valor da retribuição auferida, não ocorre repetição da causa, limitação de caso julgado ou de autoridade de caso julgado, no caso em que como sinistrado laboral vem, mais tarde, discutir o valor da retribuição auferida à luz da LAT em processo especial de acidente de trabalho e com vista à reparação do sinistro.

Texto Integral



Revista n.o 617/20.7T8PNF-B.P1.S1


Relator: Luís Azevedo Mendes


Adjuntos:


Mário Belo Morgado


Júlio Gomes


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I. AA intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra DCZ Portugal, Unipessoal, Lda e Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. pedindo que as rés sejam condenadas solidariamente na reparação de acidente de trabalho que alegou ter sido vítima, concretizando devidamente esse seu pedido.


Alegou, para além do mais, que foi trabalhador da 1.a ré “DCZ”, tendo sido acordado entre ambos uma retribuição base nunca inferior a € 1.700,00, a que acrescia o valor das horas extra que trabalhasse, ultrapassando facilmente os € 2.000,00 por mês.


Na contestação, também para além do mais invocado, a indicada 1.a ré alegou que o autor instaurara antes e contra si uma acção, na qual pedia que fosse declarado que auferia uma retribuição base de € 1.700,00, acção essa que findou por desistência do pedido, pelo que não pode o autor reafirmar nesta nova acção uma pretensão da qual antes desistiu.


Foi então proferido despacho saneador onde foi decidido, entre o mais, absolver a ré “DCZ” dos pedidos formulados pelo autor, sendo considerado designadamente o seguinte que a seguir se transcreve:


«(...)


Ora, no caso em apreço a causa de pedir do Autor, deduz o Autor, além do mais, o pedido de reconhecimento de que a sua retribuição base era de € 1.700,00 e o salário médio era de € 2.000,00 x 14 meses + € 141,02 x 11, bem como o cálculo do capital de remição e diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária com base na retribuição anual de € 40.000,00. A causa de pedir destes pedidos, no que se refere à retribuição, consiste no alegado nos artigos 6o a 18o da petição inicial.


Causa de pedir essa que coincide com a alegada na petição inicial apresentada pelo mesmo Autor na ação comum que correu termos no Juízo do Trabalho de Penafiel – Juiz 4, sob o no 3318/21.5T8PNF, no qual, além do mais, peticionou que fosse declarado que durante o período de trabalho em causa auferia mensalmente uma retribuição base no valor de € 1.700,00.


Com efeito, a única exceção é a alegação, nos presentes autos, do acréscimo a tal retribuição base das horas extra que prestasse e que corresponderia a uma retribuição média de € 2.000,00.


No entanto, e a este respeito, o próprio Autor declarou e, como tal, nisso confessou, que a retribuição anual era de € 1.700,00 x 14, pelo que não é admissível a invocação, agora, em fase contenciosa, de uma retribuição distinta da que o próprio alegou anteriormente nos autos e que o vincula, sob pena de estarmos perante uma situação de litigância de má-fé.


Assim sendo, e face ao declarado nos autos na tentativa de conciliação, só se pode julgar improcedentes os pedidos formulados quanto à consideração de uma retribuição média mensal de € 2.000,00 e retribuição anual de € 40.000,00, por manifestamente ilegítimos e destituídos de fundamento.


No que se refere ao valor de retribuição base mensal de € 1.700,00, constata-se que no processo supra identificado o Autor desistiu expressamente de tal pedido, desistência essa homologada por sentença.


Tendo em consideração que, nos presentes autos, a 2a Ré apenas é responsável pelo valor da retribuição anual para si transferida pela 1a Ré por contrato de seguro e que foi aceite por todas as partes o valor transferido, conclui-se que, relativamente a estes pedidos de reconhecimento de retribuição superior e respetiva condenação no pagamento do capital de remição e diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, apenas a 1a Ré pode ser responsabilizada.


Nestes termos, desde já se absolve a 2a Ré, entidade seguradora, dos pedidos formulados pelo Autor, na parte que exceda o valor de retribuição para si transferida.


Quanto à 1a Ré, face ao supra exposto, verifica-se assim a tríplice identidade dos sujeitos do pedido e da causa de pedir relativamente ao processo de ação comum supra identificado, que impede a instauração de uma nova ação quanto a tal pedido relativamente à 1a Ré, por via do caso julgado operado com a sentença proferida no processo no 3318/21.5T8PNF.


Consequentemente, apenas pode ser considerada nos presentes autos a retribuição anual transferida pela 1a para a 2a Ré, que pelo contrato de seguro celebrado assume a responsabilidade exclusiva pelo acidente do trabalho e suas consequências, por força do disposto nos artigos 7o, 79o e 81o do RJAT.»


Desta decisão foi interposto recurso pelo autor para o Tribunal da Relação do Porto pedindo-se nele essencialmente que fosse revogado o despacho saneador na parte em que considerou verificada a excepção de caso julgado, sendo substituído por outro que permitisse apreciar o valor da retribuição alegado.


No recurso, a Relação veio julgá-lo procedente, revogando a decisão que considerou verificada a excepção de caso julgado “em relação ao pedido de verificação de que a retribuição base à data do acidente não era inferior a € 1.700,00 paga 14 vezes ao ano (num total anual de € 23.800,00)”, substituindo-a por outra “que determina que, no prosseguimento do processo seja discutido se a retribuição, à data do acidente, era essa”.


A ré “DCZ” interpôs recurso de revista formulando as seguintes conclusões:


«1. Decidiu o Tribunal a quo que a excepção do caso julgado não poderia proceder, considerando que o conceito de retribuição é diferente na Lei dos Acidentes de Trabalho face ao Código do Trabalho.


2. Com tais considerações sobre o conceito de retribuição, conclui o Tribunal a quo que não se pode falar em repetição da causa, por falta de identidade de pedido e de causa de pedir.


3. Porém, a leitura feita pelo Tribunal a quo, permite que o Autor, ora Recorrido, faça tábua rasa dos autos que sob número de processo 3318/21.5T8PNF correram termos no Juízo do Trabalho de Penafiel – Juiz 3 do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este.


4. Com efeito, nos autos que correram termos sob o número de processo 3318/21.5T8PNF, o Autor, ora Recorrido, pretendia que o Tribunal declarasse que aquele auferia uma retribuição base de € 1.700,00.


5. Importa assim ter em conta que o Autor, ora Recorrido, afirmava que auferia tal valor de € 1.700,00 a título de retribuição base, não sendo assim relevante nesse ponto o conceito de retribuição à luz das diferentes leis aplicáveis, mas sim o valor que o Autor, ora Recorrido, pretendia que integrasse a sua retribuição.


6. O Autor, ora Recorrido, desistiu de todos os pedidos que contra a Ré, ora Recorrente, havia formulado, tendo tal desistência ocorrido na tentativa de conciliação e, consequentemente, não carecia de ser homologada para produzir caso julgado (n.o 1 do art.o 52.o ex vi n.o 2 do art.o 70.o do Código de Processo do Trabalho).


7. O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas do objecto apreciado, pelo que não releva a qualificação jurídica dada aos factos, pois todas elas estão abrangidas pelo caso julgado.


8. O caso julgado, que é a insusceptibilidade de impugnar uma decisão e se impõe a todos os Tribunais quer a título principal, impedindo nova acção igual, quer a título prejudicial na medida em que obriga os tribunais a decidir conforme a primeira decisão.


9. Assim, o caso julgado tem um efeito negativo e um efeito positivo – quanto ao efeito positivo este obsta a que um Tribunal profira uma decisão em contradição com a decisão transitada em julgado.


10. Nos presentes autos, quanto à retribuição base, que não é o que está em causa quando se quer qualificar a retribuição auferida pelo Autor, ora Recorrido, verifica-se a excepção de caso julgado.


11. Por outro lado, quanto à retribuição auferida pelo Autor, ora Recorrido, sempre terá de se impor a decisão decorrente da desistência formulada pelo Autor, ora Recorrido, no processo que correu termos sob o número de processo 3318/21.5T8PNF.


12. Em qualquer circunstância, sempre se verificaria a autoridade do caso julgado, a qual visa que o Tribunal profira decisão contraditória com o caso julgado.


13. Na verdade, não é apenas a relação de prejudicialidade, mas sim a proibição de contradição que subjaz ao caso julgado, nomeadamente na sua vertente positiva de autoridade do caso julgado.


14. Mas mais, dado que a excepção de caso julgado é definida pela proibição de contradição e pela proibição de repetição, conforme determina o n.o 2 do art.o 580.o do Código de Processo Civil, não pode o Tribunal a quo limitar-se a declarar a não excepção de caso julgado por falta do seu pressuposto ao considerar que não há repetição da causa.


15. Caso contrário, ficaria esvaziada de conteúdo a figura do caso julgado e permitir-se-ia que decisões contraditórias vigorassem no nosso ordenamento jurídico.»


Não foram deduzidas contra-alegações.


O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.


Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.o, n.o 2, in fine, do CPC), em face das conclusões da alegação de recurso, a questão a decidir é muito semelhante à que foi equacionada no acórdão recorrido: saber se se verifica ou não a excepção de caso julgado ou a afirmação da autoridade de caso julgado em relação à questão da determinação da retribuição do autor, sinistrado laboral, ou seja, em concreto, saber da possibilidade ou impossibilidade do conhecimento acerca da retribuição atendível do autor ser ou não a de € 23.800,00 anuais (€ 1.700,00 x 14).


II. A matéria de facto fixada pelo acórdão recorrido é a que seguidamente se transcreve:


A) AA instaurou contra “DCZ Portugal, Unipessoal, Lda.” ação com processo comum (processo no 3318/21.5T8PNF), pedindo se declarasse que:


«a) o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré se iniciou em 25/01/2019 e terminou em 25/11/2020;


b) tal contrato é um contrato de trabalho previsto no art.o 11o do Código do Trabalho;


c) durante o período de trabalho em causa o Autor auferia mensalmente uma retribuição base no valor de € 1.700,00;


d) o Autor tem direito a créditos laborais, no montante global de € 15.026,02, assim discriminados: i) subsídio de férias referente ao ano de 2019 (€ 1.509,10); ii) subsídio de Natal referente ao ano de 2019 (€ 1.507,66); iii) férias vencidas e não gozadas relativas ao ano de 2019 (€ 1.246,63); iv) férias vencidas e não gozadas relativas ao ano de 2020 (€ 1.246,63); v) indemnização por violação do direito a férias relativo ao ano de 2019 (€ 3.738,00); vi) indemnização por violação do direito a férias relativo ao ano de 2020 (€ 3.738,00); vii) indemnização por caducidade do contrato (€ 2.040,00).


e) como a Ré já lhe pagou o valor de € 1.343,51, terá a receber um total de € 13.682,51, acrescido de juros vencidos (€ 547,30) e vincendos à taxa legal e até integral pagamento.»


B) Para sustentar o pedido nessa ação, o autor alegou, nomeadamente, o seguinte:


«(...)


8. Como contrapartida, a Ré, para além do subsídio de alimentação, repartiu o salário do Autor sob as seguintes rubricas, conforme documento n.o 2 que ora se junta:


• Remuneração base mensal – € 650,00;


• Ajudas de custo – € 437,90;


• Prémio de Produção – € 614,80.


9. Contudo, a retribuição acordada entre as partes foi de um valor nunca inferior a € 1.700,00 (mil e setecentos euros), e da qual resulta do somatório entre a suposta retribuição base de € 650,00 por mês, a que acrescem € 437,90 de ajudas de custo e o suposto prémio de produção no valor de € 614,80.


10. Na verdade, aquelas “ajudas de custo” não visavam compensar despesas suportadas pelo Autor, ou outras, sendo estas, portanto, invariáveis.


11. Na verdade, o Autor nunca teve nenhum tipo de despesas com o exercício da sua atividade laboral que prestou para a Ré.


12. Como o local de trabalho do Autor situava-se a uma média distância da sua residência, tal permitia-lhe regressar a casa todos os dias, conforme sempre fez ao serviço da Ré.


13. A única despesa que era necessária para o exercício da sua atividade laboral, era o transporte da sua residência para o seu local de trabalho e vice-versa.


14. E que era feito por meio de veículo automóvel, pertencente à Ré, e que foi cedido ao Autor exclusivamente para esse efeito.


15. As despesas realizadas com essas deslocações, nomeadamente o combustível, era o Autor adiantava as quantias necessárias do seu bolso e posteriormente eram reembolsadas pela Ré.


16. Contudo, tais despesas com o seu transporte nunca foram incluídas nas ditas “ajudas de custo”.


17. Foram sempre reembolsadas à parte pela Ré ao Autor e nunca incluídas na sua remuneração, tal como é procedido com os restantes trabalhadores da Ré.


18. Portanto, o pagamento do montante pago a título de “ajudas de custo” não se destinava ao pagamento de quaisquer despesas que o Autor suportasse para garantir a sua prestação de trabalho, nomeadamente com a sua deslocação para o local de trabalho, com a sua estadia ou qualquer outra.


19. E o mesmo se diga relativamente aos “prémios de produção”, pois, apesar de assim serem discriminados nos recibos de vencimento, na realidade tais montantes não se devem a um verdadeiro prémio de produção, pois simplesmente fazem parte da sua retribuição base, sendo que os mesmos, como é prática comum naquela empresa, são pagos com carácter regular e de valor fixo.


20. Todas as supra referidas quantias, apenas são discriminados parcelarmente no recibo de vencimento com o único propósito de contornar a lei e permitir à Ré uma diminuição significativa dos seus encargos com a TSU dos seus trabalhadores, incluindo o Autor.


21. Tratando-se, na verdade, de mecanismos praticados, já muito conhecidos no mercado laboral, fazendo crer frações de retribuição fixa e regular encapotada como extras, e que no final de contas, apenas beneficia as entidades patronais e prejudica os direitos dos trabalhadores.


22. Tais quantias que foram pagas ao Autor – “ajudas de custo” e “prémios de produção” – tratam-se, na verdade, de quantias fixas e regulares conforme se afere do recibo de vencimento.


23. Na realidade, é assim que a Ré procede com todos os seus funcionários, quando na realidade contrata vencimentos base de valores muito superiores ao vencimento base de € 650,00 que sempre faz constar dos recibos de salário.


24. E assim aconteceu com o Autor, pois, a verdade é que foi contratado com a Ré um salário mensal de € 1.700,00 (mil e setecentos euros), conforme se referiu.


25. E dadas as características das funções laborais que o Autor exercia para a Ré, que se revelam ser de um elevado grau de risco, responsabilidade e de exigência física, nunca o Autor teria celebrado contrato de trabalho por um vencimento tão parco de € 650,00.


26. Portanto, não poderá o tribunal deixar de considerar esses montantes de € 437,90 e € 614,80, como integrantes da retribuição do Autor, nos termos do artigo 260o, no 1, al. a) e do artigo 258o, n.os 2 e 3, ambos do Código do Trabalho.


27. E não poderá também, o tribunal, deixar de concluir, nessa medida, que a retribuição global do Autor, enquanto laborou ao serviço da Ré era de € 1.700,00, deverá ser com base nesse valor que se deverão efetuar os cálculos dos créditos laborais a que tem direito, nomeadamente as Férias, os proporcionais de Férias, subsídio de Férias e de Natal.


28. Há que referir que, a 18 de fevereiro de 2020, o Autor sofreu um acidente de trabalho, quando se encontrava a prestar serviços laborais para a Ré.


29. Situação que se encontra a ser discutida no Processo n.o 617/20.7T8PNF, que corre termos no Ministério Público deste Tribunal de Trabalho.


30. Portanto, a partir do referido acidente de trabalho, o Autor não mais exerceu atividades laborais durante a vigência do contrato de trabalho, por força da sua situação física.


31. Por via disso, a 26 de outubro de 2020, a Ré enviou ao Autor notificação por carta, a comunicar a caducidade do seu contrato de trabalho, conforme documento n.o 4, que se junta.


(...)»


C) Na «audiência final» realizada no processo referido nos pontos anteriores (processo no 3318/21.5T8PNF), em 03/03/2022, o autor BB declarou “desisto do pedido formulado contra a Ré”, após o que foi proferida a seguinte decisão: [a]o abrigo do art.o 52o, no 2, do C.P.T. (aplicável ex vi art.o 70o, no 2, do C.P.T.), certifico a capacidade das partes e a legalidade do resultado da conciliação, absolvendo a Ré do pedido formulado pelo Autor, nos precisos termos de tal conciliação.


D) Na «tentativa de conciliação», realizada em 17/01/2022 na «fase conciliatória» do processo a que este se encontra apenso (nos termos do art.o 108o do Código de Processo do Trabalho), a posição dos intervenientes foi a seguinte, quanto ao salário auferido pelo sinistrado/autor:


- o sinistrado declarou que prestou trabalho ... mediante a retribuição anual de € 1.700, 00 x 14 (total anual de € 23.800,00), cuja responsabilidade se encontrava parcialmente transferida para a Seguradora;


- a empregadora e a seguradora apenas aceitaram a retribuição transferida de (€ 650,00 x 14) + (€ 141,02 x 11).


E) Na petição inicial, apresentada em 17/02/2022, para impulsionar a «fase contenciosa» do processo a que este se encontra apenso, o autor/sinistrado, alegou, quanto ao salário auferido, o seguinte:


«(...)


6. Pese embora, o Autor tivesse sofrido acidente de trabalho ao serviço da Primeira Ré logo no primeiro mês da admissão ao serviço da Primeira Ré, de acordo com contratado entre as partes, este auferia uma retribuição anual média de € 40.000,00, correspondente a uma retribuição média de € 2.000,00 mensais,


7. tendo sido concretamente acordado entre o Autor e a Ré entidade patronal uma retribuição base nunca inferior a € 1.700,00, montante ao qual acresceria o valor das horas extra que conseguisse trabalhar e que facilmente ultrapassava, inclusivamente em qualquer funcionário da Ré, os € 2.000,00.


8. Contudo, a Primeira Ré, unilateralmente e sem o consentimento do Autor, para além do subsídio de alimentação, nos recibos de vencimento repartiu o seu salário sob as seguintes rubricas, conforme consta dos documentos n.o 4 a 26 que ora se juntam:


• Remuneração base mensal – € 650,00;


• Subsídio de alimentação − € 141,02;


• Ajudas de custo – € 437,90;


• Prémio de Produção – € 614,80.


9. Na verdade, os montantes que vêm referidos como “ajudas de custo” e “prémios” não visavam premiar o rendimento laboral do Autor ou compensá-lo de despesas suportadas, uma vez que este nunca teve nenhum tipo de despesas com o exercício da sua atividade laboral que prestou para a Primeira Ré e bem como todos os outros funcionários.


(...)


17. Todas as supra referidas quantias, apenas são discriminados parcelarmente no recibo de vencimento com o único propósito de contornar a lei e permitir à Ré uma diminuição significativa dos seus encargos com a TSU dos seus trabalhadores, incluindo o Autor.


18. Portanto, terá que se concluir que tais verbas não consubstanciam verdadeiras ajudas de custo e verdadeiros prémios, pelo que deverão integrar a definição de retribuição para efeitos de reparação de acidente de trabalho.


(...)»


III. Apreciação


Como ficou dito, o acórdão recorrido considerou não ocorrer caso julgado impeditivo da verificação de uma retribuição base, à data do acidente, não inferior a € 1.700,00 paga 14 vezes ao ano.


Alinhou, para tanto, a seguinte argumentação:


«(...)


A desistência do pedido extingue o direito que o demandante pretendia fazer valer contra o demandado (art.o 285o, no 1 do Código de Processo Civil).


Assim, num primeiro olhar dir-se-ia estar extinto, aquando da prolação do despacho recorrido, o direito que o Sinistrado pretendia fazer valer contra a Empregadora de ver reconhecido o valor da retribuição como de € 1.700,00.


No entanto, estando aqui em causa um acidente de trabalho, reparável nos termos da legislação específica que prevê a reparação dos mesmos (LAT), vejamos se assim será.


Nos termos do no 1 do art.o 71o da LAT, as prestações devidas ao sinistrado são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente, esclarecendo o no 2, entender-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, acrescentando o no 3 ser de atender a todas as prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.


Partindo o legislador, na LAT, da ideia de que se consideram retribuição todas as prestações que revistam carácter de regularidade desde que não se destinem a compensá-lo por custos aleatórios, acaba por adotar um conceito de retribuição mais amplo em relação ao previsto no Código do Trabalho, o qual no art.o 258o dispõe que se considera retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, incluindo-se na mesma a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.


(...)


Como se refere no acórdão do STJ de 31/10/2018 [processo 359/15.5T8STR.L1.S1.], no art.o 71o da LAT, não se faz apelo à contrapartida da efetiva prestação de trabalho, estando-se antes perante uma noção mais ampla onde cabem todas as prestações recebidas pelo sinistrado que não se destinem a compensar custos aleatórios. Outro dos elementos que permitem incluir estas prestações na base de cálculo das reparações é o conceito de regularidade. O conceito de regularidade tem aqui implícita uma dimensão temporal que aponta para a repetição dos pagamentos e a partir daí a dimensão dos rendimentos normalmente auferidos pelo sinistrado. Importa que na ponderação deste conceito não se esqueça que o que está em causa é a perda da capacidade para o futuro do sinistrado e não a fixação da dimensão de rendimentos devidos ao sinistrado.


(...)


A pergunta a que importa responder é a seguinte: um Sinistrado, ao desistir do pedido formulado por si contra Empregadora numa ação de processo comum, desiste de discutir em processo emergente de acidente de trabalho que a sua retribuição para efeitos de reparação das consequências decorrentes de acidente de trabalho era, à data do acidente, do montante que alegara naquele processo comum?


Ou perguntado de outra forma: considerando que a desistência do pedido do Sinistrado foi em processo em que o conceito de retribuição é mais restrito em relação àquele a considerar para o cálculo do devido na sequência de acidente de trabalho sofrido, em termos de reparação prevista na legislação específica, releva o caso julgado como exceção que obsta ao conhecimento de mérito?


Vejamos então.


O caso julgado é tratado pelo legislador como exceção dilatória – art.o 577o, al. i) do Código de Processo Civil -, consistindo na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito que não admite recurso ordinário (art.o 580o, no 1, do Código de Processo Civil).


Assim, o caso julgado verifica-se quando há repetição de causa, ou seja, quando é proposta ação idêntica a outra já decidida por sentença que não admite recurso ordinário, visando-se assim, em nome da economia e coerência de julgamentos, evitar que o tribunal venha a contradizer na prática ou reproduzir uma decisão anterior, garantindo a segurança jurídica (cfr. art.o 580o, no 2 do Código de Processo Civil).


Nos termos do disposto no art.o 581o do Código de Processo Civil, a causa repete-se quando se propõe ação idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.


Haverá identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, haverá identidade de pedido se o efeito jurídico pretendido for o mesmo, e haverá identidade de causas de pedir se a pretensão deduzida em ambas as ações proceder do mesmo facto jurídico, ou seja, se os factos materiais concretos em que assenta e justificam o pedido forem os mesmos (o que nem sempre é fácil de aquilatar, diga-se).


Como se refere no acórdão do TRC de 12/12/2017 [processo 3435/16.3T8VIS-A.C1.], podemos dizer que a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito (facto jurídico de que procede a pretensão deduzida) – em consonância, assim, com o princípio da substanciação consagrado pelo nosso ordenamento jurídico –, enquanto que o pedido se reconduz ao efeito jurídico que o autor pretende retirar da ação interposta, traduzindo-se na providência que o autor solicita ao tribunal – trata-se de um elemento fundamental, considerando as imposições do princípio do dispositivo: são os interessados que acionam os mecanismos jurisdicionais como ainda quem realiza a escolha das providências que os direitos subjetivos invocados garantem –, e, por fim, que o conceito de sujeito a atender para o efeito coincide com a noção (adjetiva) de parte. Assim, a exceção de caso julgado consiste na constatação de que a mesma questão já foi deduzida num outro processo e nele apreciada e julgada por decisão que não admite reclamação ou recurso ordinário.


Posto isto, há que responder à questão de saber se in casu a exceção de caso julgado se verifica, se há “repetição de causa”.


Ora, a identidade de sujeitos claramente existe, sendo em ambas o demandante o mesmo, não sendo o facto de neste processo o Autor ser sinistrado que leva a afastar essa identidade (é em qualquer caso o demandante).


A questão está na identidade de pedido e causa de pedir.


Quanto à identidade de pedido, como se refere no acórdão do STJ de 05/12/2017 [processo no 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1], a mesma é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional – implícita ou explícita – pretendida pelo autor, no conteúdo e objeto do direito a tutelar e nos efeitos jurídicos pretendidos.


Quanto à causa de pedir, para o caso julgado na sua vertente de exceção dilatória, como se refere no acórdão do TRL de 26/10/2021 (citando Mariana França Gouveia) [processo no 511/20.1T8PDL-A.L1-7], a mesma define-se através do conjunto de todos os factos constitutivos de todas as normas em concurso aparente que possam ser aplicadas ao conjunto dos factos reconhecidos como provados na sentença transitada, pelo que uma ação posterior será barrada pela exceção do caso julgado quando os mesmos factos reconhecidos como provados são os únicos alegados, mesmo que a norma invocada seja diferente.


Ou seja, o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objeto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento.


Pareceria, assim, que no caso em apreço não relevaria estarem causa num processo as normas do Código do Trabalho e noutro processo as normas da LAT.


Todavia, só na aparência assim é, pois na verdade a questão objeto das ações não é a mesma, já que, mais do que evocação de normas distintas, os efeitos jurídicos pretendidos com a discussão do valor da retribuição numa e na outra ação divergem em absoluto: além estava em causa o cálculo de créditos laborais decorrentes da vigência e cessação do contrato de trabalho; aqui está em causa o cálculo das prestações devidas na sequência de acidente de trabalho sofrido.


Assim, pegando nas considerações jurídicas acima expendidas, dizemos que o direito a tutelar e os efeitos jurídicos pretendidos divergem em ambas as ações, assentando em conceitos diferentes de retribuição, pelo que não se pode falar em “repetição de causa”.


Na verdade, se o sinistrado antes teve processo em que pretendia discutir com a empregadora o valor da retribuição de acordo com a lei geral, não repete a causa quando pretende discutir com a empregadora o valor da retribuição para efeitos da lei específica de reparação de acidentes de trabalho, lei esta que na definição da retribuição prescinde da lei geral.


Concluir de forma diferente era impedir o sinistrado de obter a reparação com a amplitude que o legislador prevê na legislação específica (a LAT), quando ele antes não havia discutido com a sua empregadora qual a retribuição que auferia tendo presente essa legislação específica.


E por ser assim, não se pode ir buscar jurisprudência que não tem por objeto um processo comum e um processo especial de acidente de trabalho, para sustentar que no caso destes autos (em que está em causa um processo comum e um processo especial de acidente de trabalho) se verifica a exceção de caso julgado, não se resumindo a solução do caso a saber o relevo da desistência do pedido no processo anterior, passando pelo objeto dos dois processos.


Em suma, na situação específica destes autos não se pode falar em identidade de pedido (efeito jurídico pretendido).»


Subscrevemos inteiramente este entendimento quanto à não verificação do caso julgado no seu efeito negativo (o efeito de impedir nova apreciação da questão), mas acrescentamos a seguir outros argumentos não menos relevantes.


Assim, é certo que nos termos do disposto no art. 285.o do Código de Processo Civil (adiante mencionado como CPCivil) a desistência do pedido extingue o direito que o demandante pretendia fazer valer contra o demandado.


Mas também é certo que a causa, a pretensão do demandante, não foi verdadeiramente julgada no seu mérito, razão pela qual como melhor se dirá adiante também um chamado efeito positivo da autoridade do caso julgado (o efeito de impor uma primeira decisão a uma segunda decisão de mérito) deve merecer maiores reservas, na sua fraqueza, ao apreciar-se o presente caso.


Como refere Alberto dos Reis em Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3o, Coimbra, 1946, p. 534, a natureza da decisão de homologação ou de certificação da validade da desistência tem mais um carácter essencialmente administrativo, de jurisdição voluntária, “do que um acto de jurisdição contenciosa, um acto jurisdicional propriamente dito” - “o papel do juiz é semelhante ao do notário quando se certifica da identidade e da idoneidade dos outorgantes que perante ele comparecem e se dispõem a celebrar uma escritura”, acrescenta.


A desistência é caracterizada como um meio de auto-composição da lide, não importando aí que o litígio obtenha ou não solução conforme ao direito, convergente ou divergente da ordem jurídica. “Ainda que as partes saibam perfeitamente que a sua composição do conflito não é aquela que o tribunal ditaria ou a que a lei quereria, nem por isso deve negar-se-lhe o poder de arrumar o litígio segundo a sua vontade ou os seus interesses, a não ser que se trate das chamadas relações jurídicas indisponíveis”, comenta também Alberto dos Reis, na ob. cit. pags. 464-465.


Conforme o artigo 52.o do Código de Processo do Trabalho (adiante dito CPT), a desistência, confissão ou transacção efectuadas em audiência de conciliação embora não careçam de homologação para produzir efeitos de caso julgado, obrigam o juiz, contudo, a certificar-se da capacidade das partes e da legalidade do resultado, declarando-o. Também em consonância com necessidade de idêntico acto certificativo, o artigo 290.o, n.os 3 e 4 do CPCivil, dispõe que comunicada a desistência, o juiz deve examinar se a mesma é válida, pelo seu objecto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, e, no caso afirmativo, assim o deve declarar por sentença.


Nos termos do art. 289.o do CPCivil, não é permitida a desistência que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis.


E nos termos do 78.o da Lei n.o 7/2009, de 12 de Fevereiro (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, adiante designada como LAT) os créditos provenientes do direito à reparação por acidente de trabalho são irrenunciáveis.


Vale isto por dizer que as esferas dos dois litígios presentes nos dois processos em aparente relação de prejudicialidade são, não só de distinta natureza (o primeiro de marcada feição contratual, focado na reposição de créditos laborais não pagos, o segundo de feição reparadora de acidente de trabalho) a que correspondem diferentes formas de processo do trabalho (v. art. 21.o do CPT), mas também de distinta espessura na tutela pública dos direitos em causa, bem mais elevada no que se reporta ao acidente de trabalho, como é claramente reconhecido na dimensão legal da obrigatória participação judicial ou para-judicial do acidente (v. arts. 86.o e segs. da LAT) e na acção e impulso obrigatórios do Ministério Público, logo afirmados na fase inicial do respectivo processo especial (v. art. 99.o n.o 1 do CPT).


É patente que na certificação judicial da validade da desistência do pedido no primeiro processo não foi levada em conta a indisponibilidade do direito à reparação de acidente de trabalho, porque ali não se colocava esta questão, mas sendo certo que ante essa natureza indisponível o autor não poderia validamente desistir de um pedido que se relacionasse substantivamente com o reconhecimento desse direito.


Assim, a diferença substancial entre as duas esferas que marcam os litígios não poderia, desde logo, deixar de conduzir à conclusão genérica que a desistência no primeiro processo dificilmente embaraçaria o segundo.


No processo que terminou por desistência do pedido tinha sido formulado como pedido autónomo o da declaração que “durante o período de trabalho em causa o Autor auferia mensalmente uma retribuição base no valor de € 1.700,00”. Trata-se de um pedido de simples apreciação, cumulado com outros. Mas independentemente da sua formulação autónoma, como pedido, é visível que o julgamento de mérito dos demais pedidos relacionados com a verificação de créditos salariais, não pagos, sempre pressuporia, prejudicialmente, o reconhecimento dos alegados factos constitutivos do direito a tal retribuição (recorde-se que o autor alegou nessa outra acção que o valor acordado entre as partes no contrato de trabalho seria o de € 1.700,00 mensais correspondente ao somatório entre uma dita retribuição base de € 650,00 por mês, umas ditas ajudas de custo de € 437,90 e um “suposto” prémio de produção no valor de € 614,80). Ou seja, quer a causa de pedir respectiva, quer o dito pedido de simples apreciação tinham relação, devidamente apresentada, com o apuramento de diferenças salariais.


Nesta dimensão, pode-se afirmar que nenhuma relação directa têm com a determinação do direito à reparação de acidente de trabalho, não existindo estrita coincidência entre os pedidos formulados nas distintas acções.


Poderia intuir-se, todavia, que o direito subjectivo de que depende o êxito ou não de ambos os pedidos formulados é o mesmo (direito à retribuição) e que o seu questionamento na segunda acção (na presente) colide com o objecto da desistência do pedido na primeira acção. Nessa medida, poderia afirmar-se existir parcial coincidência na enunciação da tutela jurisdicional pretendida numa e noutra acção e do conteúdo e objecto do direito a tutelar. Ou seja, “coincidência do objectivo fundamental de que depende o êxito, total ou parcial, de cada uma das pretensões” como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 8-3-2007, publicado na CJ/STJ, t. 1, pág. 98.


Do que se seguiria que poderia intuir-se ainda, mais do que a verificação do caso julgado, a verificação da autoridade do caso julgado, situação que dispensa a verificação integral da tríplice identidade referida no art. 581.o do CPCivil, como é jurisprudência pacífica (v. por exemplo acórdãos desta Secção Social do STJ de 12-10-2022, proc. 2337/19.6T8VRL.G1.S1 e de 15-12-2022, proc. 2222/20.9T8FNC.L1.S1). Efectivamente, como se tem afirmado, a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença.


Porém, já deixámos bem expresso que a negação do direito à remuneração mensal de € 1.700,00, negação afirmada pela desistência do pedido na primeira acção, é uma negação fraca uma vez que não corresponde a um efectivo julgamento de mérito da causa pelo juiz e inaproveitável na sua dimensão de ordem pública para os efeitos deste segundo processo, uma vez que a certificação judicial da validade daquela desistência não levou em conta (nem no processo respectivo deveria levar em conta) a natureza indisponível do direito à justa reparação de acidente de trabalho (“justa reparação” é a expressão utilizada no art. 59.o n.o 1 al. f) da Constituição da República Portuguesa), justa reparação essa de que é pressuposto indispensável o apuramento da efectiva retribuição do trabalhador sinistrado.


A conjugação destes dois factores e ainda a diferente natureza das acções em aparente colisão conduzem a afastar a invocação da autoridade de caso julgado, uma vez que dificilmente podemos equacionar uma perfeita coincidência no ambiente do julgamento da relação material que possa gerar verdadeira contradição prática entre duas decisões judiciais.


Mas, retornando ao início da discussão, o ponto que acaba por se revelar mais saliente e clarificador para rejeitar a posição da recorrente é o que veio a ser colocado pelo acórdão recorrido no que toca ao diferente e mais amplo conceito de retribuição operativo para o cálculo das prestações reparadoras de acidentes de trabalho.


Como se referiu no sumário do muito recente acórdão do STJ, desta Secção Social, de 12-01-2023, processo 4286/15.8T8LSB.L1.S1, “da redacção do arto 71o, no 2, da LAT (Lei 98/2009 de 4/09) é legítimo extrair o entendimento de que se adoptou um conceito de retribuição mais abrangente do que o previsto no artigo 258o do CT de 2009, abarcando, para além do salário normalmente auferido pelo trabalhador, tanto as prestações pecuniárias de base, como as acessórias — designadamente as que correspondem ao trabalho suplementar habitual, subsídio de refeição ou de transporte ou gratificações usuais, mesmo que não pagas mensalmente — e pagamentos em espécie (habitação, automóvel, alimentação, etc.)” (no mesmo sentido, entre outros, v. acórdãos do STJ de 31-10-2018, processo 359/15.5T8STR.L1.S1, de19-12-2012, processo 1073/2002.L1.S1, de 13-04-2011, processo 216/07.9TTCBR.C1.S1 e de 06-02-2008, processo 2886/07).


Por conseguinte, sendo diferente a retribuição atendível para efeitos de reparação de acidente de trabalho não pode, em qualquer caso, considerar-se que ocorre repetição entre causas em que se discutem divergentes efeitos jurídicos do valor da retribuição, sendo o seu valor operativo também divergente numa e noutra acção.


Merece assim a nossa inteira concordância o acórdão recorrido, improcedendo, pois, a revista.


IV. Nestes termos, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.


Custas pela ré recorrente.


Lisboa, 24 de Maio de 2023


Luís Azevedo Mendes (Relator)


Mário Belo Morgado


Júlio Manuel Vieira Gomes