RETRIBUIÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
TRABALHO NOTURNO
Sumário


A retribuição mensal atendível para o cálculo do trabalho suplementar e do trabalho nocturno é a retribuição-base delineada no critério supletivo constante do artigo 250.o/1 do Código do Trabalho/2003 e do artigo 262.o/1 do Código do Trabalho/2009.

Texto Integral




Processo n.o 18987/21.8T8LSB.L1.S1

Recurso de revista

Relator: Conselheiro Domingos Morais

Adjuntos: Conselheiro Mário Belo Morgado

Conselheiro Júlio Gomes

Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.Relatório

AA intentou ação emergente de contrato individual de trabalho com processo declarativo comum, contra

Carris – Companhia Carris de Ferro Lisboa, Lda., pedindo:

a) ser a R. condenada a corrigir a fórmula de cálculo da retribuição/hora do A., contemplando na remuneração mensal (RM) todas as quantias auferidas por este, com carácter de regularidade;

b) ser a R. condenada a pagar ao A. a diferença entre o que auferiu a título de rendimento mensal, entre a data da sua admissão e dezembro de 2020, que se cifra em € 27.720,90 (vinte e sete mil setecentos e vinte euros e noventa cêntimos), bem como as diferenças a apurar relativamente às retribuições auferidas a partir de 01/01/2021 e até integral pagamento;

c) ser a R. condenada a contemplar no pagamento da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal os valores correspondentes a média das prestações variáveis auferidas durante o ano civil; e, consequentemente;

d) ser a R. condenada a pagar ao autor as diferenças correspondentes aos montantes auferidos a título de remuneração de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, e aqueles que o autor deveria ter auferido, que se cifram entre a data da admissão do autor e 31/12/2020 no montante de € 14.406,36 (Catorze Mil Quatrocentos e Seis Euros e Trinta e Seis Cêntimos), bem como as diferenças a apurar relativamente às retribuições auferidas a partir de 1/01/2021 e até integral pagamento;

e) ser a R. condenada no pagamento dos descansos compensatórios, vencidos e não gozados, entre a data de admissão do A. e dezembro de 2011, no montante global de € 2.793,22 (Dois Mil Setecentos e Noventa e Três Euros e Vinte e Dois Cêntimos).

Mais deve a R. ser condenada ao pagamento de juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos desde a data em que cada retribuição devia ter tido lugar e até integral pagamento.

2. - A Ré contestou, pedindo a absolvição do pedido formulado pelo Autor.

3. - Na 1.a instância foi julgada a ação parcialmente procedente e condenada a Ré a:

a) Retificar o cálculo do valor hora do A., nos anos de 2006 a 2019, fazendo incluir nesse cálculo da retribuição mensal o subsídio de atividades complementares, com exceção do ano de 2007, além dos demais subsídios que já incluía;

b) Pagar as diferenças retributivas que se venham a apurar serem devidas desse errado cálculo do valor hora de 2006 a 2019;

c) Pagar as diferenças salariais na retribuição de férias e no subsídio de férias resultantes da inclusão na mesma dos valores médios recebidos pelo A. nos anos de 2006, 2008, 2009, 2010, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 a título de trabalho suplementar e de suísidio de atividades complementares de 2006 a 2019 com exceção do ano de 2007.

4. – A Ré apelou e o Tribunal da Relação decidiu:

Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e revogar a sentença no que concerne à condenação constante das alíneas a) e b) do dispositivo, absolvendo a recorrente do inerente pedido.

No mais, mantém-se a decisão da 1.a instância.

5. – O Autor interpôs recurso de revista, concluindo:

1. Vem o Recorrente interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por entender que a mesma é violadora das disposições constantes do Código do Trabalho, referentes à retribuição, nomeadamente quanto à fórmula de cálculo do valor hora da retribuição, quer quanto às atividades complementares à condução, quer quanto ao trabalho prestado em regime noturno e trabalho suplementar, estando em causa uma errada interpretação do disposto nos artigos 262.o, 264.o, 266.o e 271.o, todos do Código do Trabalho.

2. Isto porque o Tribunal a quo entendeu, e bem, que o subsídio de atividades complementares deveria integrar a fórmula de cálculo do valor hora. Na verdade, e ao invés do que a Ré alega, este subsídio não é variável, mas antes constante, vencendo-se mensalmente, e mantendo o seu valor, que só é alterado em sede de negociação coletiva de trabalho.

3. Mas o Tribunal da Relação de Lisboa veio considerar que o Subsídio de Tarefas Complementares da Condução não merece ser aí contemplado, revogando essa decisão.

4. No entanto, andou mal o Tribunal da Relação de Lisboa, pois que ignorou a génese da criação deste subsídio e qualificou-o erradamente!

Vejamos,

5. Este subsídio foi criado em 1997, e a sua criação teve como objetivo a descaraterização de trabalho suplementar a prestar pelos trabalhadores, pois que inicialmente os trabalhadores executavam essas tarefas dentro do seu horário de trabalho.

6. A empresa, para efeitos de otimização dos recursos, negociou com os Sindicatos que essas tarefas passassem a ser feitas fora do horário de trabalho do trabalhador, para que as 8 (oito) horas de trabalho fossem em efetiva tarefa de condução.

7. Assim, os trabalhadores tinham de executar estas tarefas ANTES do seu horário de trabalho, e DEPOIS do seu horário de saída, o que, normalmente daria lugar ao pagamento de trabalho suplementar. Ora, para evitar pagar trabalho suplementar, e porque o trabalho suplementar tem limites anuais que não podem ser ultrapassados (e que assim o seriam necessariamente) e para a empresa não ter de efetuar mais contratações, criou este subsídio, que na prática compensa o trabalhador desse tempo a mais que executa, diariamente, antes e depois do seu período normal de atividade de condução.

8. Portanto, antes da criação deste subsídio, os Motoristas de Serviço Público e Guarda-freios desempenhavam estas mesmas funções (de cariz obrigatório) durante o seu horário normal de trabalho e eram devidamente remunerados com o seu vencimento normal.

9. Mas o subsídio de tarefas complementares não é só devido pela execução das tarefas em si, mas também pelo tempo “extra” que os trabalhadores despendem a executá-las e que, de outra forma, ou não lhes seria pago, ou seria como trabalho suplementar, o que não era do interesse da empresa.

Ou seja,

10. Todas as tarefas hoje denominadas como complementares, são “tarefas” que compõem e sempre compuseram as funções normais de qualquer Motoristas. A diferença quanto às restantes empresas é que os Sindicatos nunca conseguiram criar um subsídio com características idênticas; As referidas tarefas são prestação efetiva de trabalho e devem ser consideradas para todos os efeitos legais como tempo de trabalho; À semelhança do que acontece com o Subsídio de Agente Único: Este foi criado para fazer face a um acréscimo de funções, em virtude do desaparecimento de uma categoria profissional, que era o cobrador; Enquanto o Subsídio de Tarefas Complementares da Condução foi criado para potenciar um maior número de horas para que os trabalhadores possam desempenhar trabalho suplementar, sem que estas horas possam contar para esse cômputo; O pagamento do Subsídio de Tarefas Complementares da Condução é pago mensalmente, sendo o seu valor fixo; O AE não prevê nem nunca previu esse pagamento por cada dia trabalhado, sempre previu (desde a sua criação) o pagamento mensal à semelhança do que é pago (por exemplo) a retribuição-base:

“Os trabalhadores no exercício efectivo da função de condução têm direito ao pagamento de um subsídio mensal de 4000$ pela prestação de tarefas complementares da condução.” (no 18 da cláusula 26a do AE/CARRIS/SITRA/1997)

A forma do pagamento deste Subsídio é exatamente igual, apenas utiliza o sinonimo “Abono” em vez de “Subsídio”:

➢ à do pagamento do Subsídio de Agente Único antes da sua integração na tabela salarial (Abono mensal);

➢ à do pagamento do Subsídio de Ajuramentação antes da sua integração na tabela salarial (Abono mensal);

➢ à do pagamento do subsídio de horários irregulares (Abono mensal);

➢ à do pagamento do Subsídio de Instrução (Abono mensal).

11. Caso fosse intenção negocial das partes que o pagamento do Subsídio de Tarefas Complementares da Condução seria apenas devido por cada dia de trabalho e não por cada mês, tê-lo-iam dito de forma clara e inequívoca, tal como o disseram quanto à forma do pagamento do Subsídio de pronto-socorro, pois este subsídio apenas é devido por cada dia em que o trabalhador seja escalado no serviço de pronto-socorro, e só se este vier a efetivar o serviço de pronto-socorro. (Conforme o disposto no no 2 da cláusula 38-A do AE/CARRIS/SNMOT publicado no BTE no 16 de 29-4-2021.)

12. No entanto, lógico é que este subsídio deveria ser incluído no cálculo do valor hora e, consequentemente, no cálculo e pagamento de rúbricas deste valor dependente, tais como trabalho noturno, trabalho suplementar, e, ainda, influenciando os valores liquidados a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.

13. Assim, temos que o subsídio em apreço é liquidado de forma regular, mensalmente desde que haja prestação efetiva de trabalho (tanto como o é o subsídio de agente único ou de horários irregulares). Isto é, sempre que o Autor exerça as suas funções, independentemente do seu período, a Ré fica obrigada a processar e a pagar a totalidade do aludido subsídio.

14. Mais, mesmo no que se refere ao pagamento do trabalho suplementar e do trabalho noturno, será de realçar que, para além de faltar em ambos a inclusão do subsídio de atividades complementares para a sua liquidação, existe incoerência entre o cálculo do valor hora considerado numa e noutra rúbrica são distintas, não sendo justificado de alguma forma por parte da Ré demonstrando, mais uma vez, que esta apenas segue as regras que entende aplicar em cada momento e em cada situação, desprendendo-se das normas legais aplicáveis, o que não se poderá mais permitir.

15. Aliás, a própria Ré reconheceu o seu erro no cálculo do valor hora e na aplicação das normas legais, desde logo sendo notório com a alteração em 2020 do AE em vigor, onde se limita expressamente quais as rubricas a ter em consideração para o cálculo do valor hora e das demais rubricas.

16. Já no que se refere à forma de pagamento de trabalho suplementar, temos que tanto os AE’s de 1999, de 2009 como o de 2018, determinam que, quanto à retribuição do trabalho diz respeito, a retribuição compreende a remuneração base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie. (no 1 da Cláusula 36.a do AE).

17. O no 6 da Cláusula 36.a do AE determina que o valor da retribuição horária normal será calculado sobre o valor da divisão da retribuição mensal multiplicada por 12, com o valor da multiplicação das 52 semanas anuais pelo período normal de trabalho semanal (40 horas).

18. Para efeitos do disposto no no 1 da Cláusula 36.a, para além da remuneração base estão incluídas todas as prestações regulares e periódicas, onde estão naturalmente incluídas e já parcialmente aceites pela Ré, a antiguidade, o subsídio de agente único, o subsídio de horários irregulares, o subsídio de abono para falhas e o subsídio de atividades complementares.

19. Por outro lado, temos que a regra instituída no n.o 1 do artigo 266o do CT/2009 é uma regra geral e abstrata, a qual não contraria em nada o pedido do Autor, porquanto o acréscimo do pagamento do trabalho noturno é baseado no pagamento do trabalho equivalente prestado durante o dia, e se esse trabalho se tratar de trabalho suplementar, o acréscimo percentual relativo à prestação do trabalho noturno terá por base o valor hora que o Recorrido auferia imediatamente antes de entrar no período noturno, ou seja, terá de ter o acréscimo de trabalho suplementar.

(Explicitando: se o trabalhador está a executar trabalho suplementar (por exemplo num dia de descanso semanal obrigatório), o valor hora auferido por esse trabalho tem um acréscimo. Se além disso entramos em período noturno, o valor hora de referência para o pagamento do trabalho noturno não pode ser o valor hora correspondente ao pago durante o período normal de trabalho num dia normal, mas antes o valor hora auferido pelo trabalhador imediatamente antes da prestação do trabalho noturno, ou seja, com o acréscimo respetivo.)

20. Note-se que a lei aqui se refere ao valor do trabalho prestado durante o dia, e não ao valor da retribuição base ou normal.

Assim,

21. Não pode ter-se como admissível o entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação de Lisboa que, como se verá, o qual é violador das disposições constantes do Código do Trabalho, referentes à retribuição, nomeadamente quanto à fórmula de cálculo do valor hora da retribuição, quer quanto às atividades complementares à condução, quer quanto ao trabalho prestado em regime noturno e trabalho suplementar, estando em causa uma errada interpretação do disposto nos artigos 262.o, 264.o, 266.o e 271.o, todos do Código do Trabalho.

22. Na verdade, entende o Tribunal da Relação de Lisboa que, sempre que a lei omite de que retribuição está a falar, é porque se refere à retribuição base e diuturnidades, fundando esse entendimento no artigo 262.o do Código do Trabalho.

23. Tal entendimento não pode ser aceite, na medida em que se o legislador se refere a retribuição mensal, esta incluiu todas as verbas que o trabalhador normalmente aufere, mensalmente, quando em prestação do seu trabalho. (Neste sentido, confira-se o Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça, de 03.11.2016, de onde decorre que

“1 - A retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador como contrapartida da atividade por ele desenvolvida, dela se excluindo as prestações patrimoniais do empregador que não sejam a contraprestação do trabalho prestado.

2 – Considera-se regular e periódica e, consequentemente, passível de integrar o conceito de retribuição, para os efeitos de cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal, a atribuição patrimonial cujo pagamento ocorra todos os meses de atividade do ano (onze meses).

3 - Face ao cariz sinalagmático do contrato de trabalho, a regularidade e periodicidade não constitui o único critério a considerar, sendo ainda necessário que a atribuição patrimonial constitua uma contrapartida do trabalho e não se destine a compensar o trabalhador por quaisquer outros fatores.”)

24. E é evidente que a prestação das atividades complementares, pelo que ficou dito, tema natureza retributiva, pois é contrapartida da atividade desenvolvida pelo trabalhador! (Neste sentido veja-se também o Acórdão de 03-07-2019, desse mesmo Supremo Tribunal de Justiça, onde se considerou que “O subsídio de catamarã pago em função do número de dias trabalhados em cada mês assume o carácter de prestação retributiva, na aceção do art.o 258.o do Código do Trabalho, pois é uma contrapartida do modo específico da execução do trabalho. (...) Atenta a natureza assumidamente retributiva do subsídio de catamarã bem como a regularidade do seu pagamento, há que o contabilizar para efeito de pagamento de retribuição de férias e de subsídio de férias, até à data em que por virtude de alteração do Acordo de Empresa o mesmo deixou de integrar o conceito de retribuição adotado.”)

25. Daqui e do que supra se explicou, não se compreende como pode o douto acórdão recorrido considerar que “não se divisa neste caso qualquer maior onerosidade da prestação pelo desempenho das indicadas tarefas complementares, para além da que resulta do trabalho fora do horário ou do trabalho em período noturno, estes já compensados com os inerentes acréscimos retributivos.”

26. O Trabalho prestado para a execução das tarefas complementares não é remunerado como trabalho suplementar nem noturno, nem de forma nenhuma sem ser por este subsídio, e implica a execução efetiva de trabalho pelos trabalhadores além das horas correspondentes ao seu horário de trabalho que se cinge à condução efetiva!

27. Nessa medida, e sempre com o maior respeito por opinião diversa, diga-se que a decisão não pode ser outra senão a de considerar que estão reunidos os pressupostos para que o subsídio de atividades complementares seja considerado como retribuição, nos termos e para os efeitos do cômputo dos subsídio de férias, subsídio de natal e retribuição de férias, e bem assim devendo ainda este subsídio integrar a fórmula de cálculo da retribuição mensal, pois que o seu pagamento tem um carácter de regularidade e periodicidade, sendo esta atribuição patrimonial uma contrapartida do trabalho prestado pelo trabalhador em prol da entidade empregadora!

28. Mais deve o Tribunal ad quem apreciar se o trabalho noturno, simultaneamente trabalho suplementar, deve ser remunerado com o acréscimo de 25% sobre o valor hora normal, ou sobre o valor hora, com o acréscimo resultante do trabalho suplementar, que, no entender do A., é o que deve ser considerado!

Termos em que deverá concluir-se, assim, pela revogação do douto acórdão recorrido, devendo este ser substituído, por outro, dando procedência aos pedidos constantes da alínea a) e b) do dispositivo da sentença de 1.a Instância, condenando a Ré a alterar a fórmula de cálculo da retribuição com vista a integrar na mesma o subsídio de atividades complementares, devendo ainda condenar-se a Ré no seu pagamento.

6. - A Ré contra-alegou, concluindo pela improcedência da revista.

7. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência da revista.

8. - Cumprido o disposto no artigo 657.o, n.o 2, ex vi do artigo 679.o, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto

1. - As Instâncias decidiram sobre a matéria de facto:

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram elencados pela sentença recorrida nos seguintes termos:

«1. O A. é trabalhador da R., desde Junho de 2005, desempenhando as funções inerentes à categoria profissional de Motorista de Serviços Públicos;

2. Ao longo dos anos em que tem prestado a sua atividade profissional para a entidade empregadora, aqui R., o A. realizou e continua a realizar, um elevado número de horas de trabalho suplementar e trabalho noturno;

3. Auferindo a respetiva remuneração, por esse trabalho, com os acréscimos legais que se impõem.

4. O A. aufere ainda, mensalmente, um subsídio por atividades complementares, um subsídio por horários irregulares, um subsídio de agente único e um abono para falhas.

5. À relação laboral estabelecida entre a R. e o A. é aplicável o Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.o 27, de 22 de julho de 2018, com a sua primeira revisão parcial e texto consolidado, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.o 5 de 8 de fevereiro de 2020;

6. A R. pagou as médias referentes aos valores recebidos a título de subsídio de horários irregulares e de abono para falhas nas Férias, Subsídio de férias e de Natal nos anos de 2005 a 2020, pelo que nada lhe é devido a este título;

7. A partir de 2020 a Ré integrou a média dos valores auferidos a título de trabalho suplementar e atividades complementares de condução no cálculo de subsídio de férias e na retribuição de férias.

8. O Autor auferiu a título de trabalho suplementar nos anos de 2006 a 2020 os valores que constam de fls. 157 dos autos.

9. O Autor auferiu nos anos de 2006 a 2020 a título de subsídio de atividades complementares, os valores que constam de fls. 158 dos autos.

10. O A. auferiu no ano de 2005 os valores que constam dos recibos de vencimento de fls. 49v a 52v dos autos;

11. A partir de 2020 a Carris, no cálculo da fórmula horária passou a incluir, além das verbas que já incluía, o subsídio de horário irregular e o subsidio de abono para falhas, apenas não incluindo o subsidio de atividades complementares.»

Nos termos do preceituado nas disposições conjugadas do artigo 663.o, n.o 2 do Código de Processo Civil e artigo 607.o, n.o 4 do mesmo diploma, os factos admitidos por acordo ou plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.a instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.

Assim, mostrando-se ainda provado por acordo das partes expresso na audiência de julgamento realizada em 2022.03.16 (acta a fls. 266 verso), julga-se ainda provado que:

«12. No cálculo do valor/hora até 2020 a ré efetuava a fórmula de cálculo que consta do artigo 26o da petição inicial, a saber:

Fórmula de cálculo prevista no AE - (Rm x 12) / (52 x n)

Fórmula de cálculo utilizada pela R para pag. Trabalho Noturno - ((RB+DIU+AU+HI+AF) x 12)) / (52 x 40)

Fórmula de cálculo utilizada pela R para pag. Trabalho Suplementar - ((RB+DIU+AU) x 12)) / (52 x 40)

Fórmula de cálculo utilizada pela R para pag. Dias Feriado - ((RB+DIU+AU) x 12)) / (52 x 40) em que: RB = Retribuição base; DIU = Diuturnidades; AU = Sub Agente Único; HI = Sub Horários Irregulares; AF = Sub Abono para Falhas.

E, por resultar provado documentalmente (documentos constantes de fls. 43, 63 e ss. e 75 e ss.), adita-se à matéria de facto o seguinte:

«13. O A. é associado do Sindicato Nacional dos Motoristas desde 31 de Outubro de 2015 e encontrava-se sindicalizado no SITRA pelo menos desde Agosto de 2005 até Abril de 2009, mantendo-se sindicalizado a partir de Maio de 2009.»”.

III. – Fundamentação de direito

1. - Do objeto do recurso de revista

Está em causa saber se na determinação do valor hora para efeitos de cálculo da retribuição por trabalho suplementar e por trabalho nocturno, até à vigência do AE de 2020, a Ré devia ter imputado o valor do “subsídio de tarefas complementares da condução” auferido nesse período.

2. - Do regime jurídico aplicável

No acórdão recorrido foi consignado:

“Os factos em análise no recurso ocorreram entre os anos de 2005 e 2019, pelo que se aplicam sucessivamente o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.o 99/2003, de 27 de Agosto e o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.o 7/2009, de 12 de Fevereiro, o primeiro ao período que decorreu até dia 16 de Fevereiro de 2009 e o segundo a partir do dia seguinte (artigo 2.o da Lei n.o 7/2009).

Haverá ainda que atender aos instrumentos de regulamentação colectiva celebrados entre a Carris e o SITRA, ou seja, o Acordo de Empresa (AE) entre a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S. A., e o SITRA — Sind. dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Afins e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.a série, n.o 29, de 8 de Agosto de 1999, o AE entre a Companhia Carris de Ferro de Lisboa, S. A., e o SITRA — Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes e outro — Revisão global, Boletim do Trabalho e Emprego, n.o 12, 29 de Março de 2009 e o Acordo de Empresa publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.o 27, de 22 de Julho de 2018, com a sua primeira revisão parcial e texto consolidado, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.o 5, de 8 de Fevereiro de 2020.

Esta aplicabilidade do Acordo de Empresa da Carris – que foi consensualmente aceite pelas partes ao nível da 1.a instância – resulta da identidade do empregador subscritor e do facto de o A. ser um trabalhador sindicalizado [facto 1.] – cfr. o artigo 552.o do Código do Trabalho de 2003, segundo o qual a convenção colectiva de trabalho “obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes”, o mesmo sucedendo com o artigo 496.o do Código do Trabalho de 2009, que igualmente acolheu o denominado “principio da filiação”.” - Fim de citação

O Recorrente não questiona a aplicabilidade do descrito regime jurídico.

3.Do subsídio de tarefas complementares da condução.

O Tribunal da 1.a instância entendeu que o “subsídio de tarefas complementares da condução” deveria integrar a fórmula de cálculo do valor hora, em particular, no que diz respeito a saber se nessa fórmula de cálculo se imputa o valor desse subsídio com vista a calcular a retribuição devida por trabalho suplementar e por trabalho nocturno, até à vigência do AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.o 2, de 15 de Janeiro de 2020, dado que, a partir da entrada em vigor desse AE, as partes estão de acordo em que o mesmo subsídio não seja computado para tais efeitos.

O Tribunal da Relação decidiu em sentido contrário, nos seguintes termos:

“Relativamente ao cálculo da retribuição horária, os sucessivos AE’s, já identificados, estabelecem a tal propósito na respectiva cláusula 36.a, n.o 6, que

“O valor da retribuição horária será calculado segundo a seguinte fórmula:

Rm x 12

52 x n

em que que Rm é o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal”

E em termos similares o artigo 271.o do Código do Trabalho de 2009, à semelhança do que resultava já do artigo 264.o do Código do Trabalho de 2003, dispõe que “[o] valor da retribuição horária é calculado segundo a seguinte fórmula: (Rm x 12):(52 x n)” (n.o 1) e que para esse efeito “Rm é o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal, definido em termos médios em caso de adaptabilidade” (n.o 2).

Ambas as partes entendem que a remuneração horária do pagamento do trabalho suplementar e do trabalho nocturno tem como referência o no 6 da cláusula 36o dos referidos AE’s, apenas divergindo na interpretação da expressão “retribuição mensal” contida nesta cláusula, no específico aspecto de saber se a mesma deve – ou não – abarcar o “subsídio de tarefas complementares da condução” para efeitos de servir como base de cálculo da retribuição por trabalho suplementar e nocturno.

A sentença sob recurso acolheu a pretensão do A., essencialmente considerando que o legislador de trabalho calcula o valor hora tendo por referência a retribuição “mensal” e não a retribuição “base” pelo que, sendo a retribuição (na lei e no AE) o que é recebido em espécie ou dinheiro, com cariz regular e periódico, as partes do AE quando quiseram deixar apenas a expressão retribuição “mensal”, abriram a porta para que todas as parcelas que são consideradas retribuição possam e devam integrar esse cálculo nos AE’s anteriores a 2020.

(...).

Salvo o devido respeito, não cremos que assim seja.

Com efeito, na previsão dos acréscimos retributivos devidos, quer por trabalho suplementar, quer por trabalho nocturno, o instrumento de regulamentação colectiva não divergiu da lei, nem inovou quanto a ela no que concerne à retribuição a atender para a base do respectivo cálculo.

(...).

E o mesmo se diga quanto à cláusula que estabelece o valor da retribuição horária – a cláusula 36.a, n.o 6, dos sucessivos AE’s –, cuja fórmula equivale exactamente à fórmula adoptada no Códigos do Trabalho de 2003 (artigo 264.o) e de 2009 (artigo 271.o).

Com efeito, nos termos do n.o 1 do artigo 250.o do Código do Trabalho de 2003, «[q]uando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades». Em termos similares dispõe o artigo 262.o, n.o 1, do Código do Trabalho de 2009.

A noção de retribuição base e diuturnidades é dada pelas alíneas a) e b) do n.o 2 dos sucessivos artigos 250.o e 262.o dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, nelas se não enquadrando outras prestações complementares, como ocorre com o “subsídio de tarefas complementares da condução” em causa no presente recurso.

Assim, face a este regime legal, e uma vez que a “retribuição mensal” a que se refere o n.o 1 do artigo 264.o do Código do Trabalho de 2003 terá de ser entendida de acordo com a regra supletiva constante no n.o 1 do artigo 250.o do mesmo Código, nos termos do qual a respectiva base de cálculo se circunscreve à retribuição base e diuturnidades, será de considerar que a base de cálculo dos acréscimos retributivos por trabalho suplementar e nocturno, salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, se reconduz ao somatório da retribuição base e das diuturnidades.

À mesma conclusão se chega no domínio da vigência do Código do Trabalho de 2009, por aplicação dos respectivos artigos 262.o e 271.o, com idêntico regime.”. – Fim de citação

4. - O Recorrente entende que o Tribunal da Relação errou na interpretação do disposto nos artigos 262.o, 264.o, 266.o e 271.o, todos do Código do Trabalho, ao não integrar o “subsídio de tarefas complementares da condução” na fórmula de cálculo do valor hora, com vista a calcular a retribuição devida por trabalho suplementar e por trabalho nocturno.

Apreciemos.

5. – O artigo 258.o - Princípios gerais sobre a retribuição – do Código do Trabalho (CT), dispõe:

1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.

2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.”

O n.o 2 do artigo 258.o distingue, pois, a remuneração-base das denominadas prestações complementares (subsídios de penosidade, de perigosidade, de risco, de toxicidade, de isolamento, de transporte, de alimentação, de turno, de férias, de natal, diuturnidades, prémios de produtividade ou de assiduidade, comissões, prestações por trabalho suplementar ou nocturno, por exemplo).

E, no caso dos autos, o “subsídio de tarefas complementares da condução”, previsto na cláusula 39.a do Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.o 27, de 22 de Julho de 2018, à semelhança do que sucedia com as cláusulas também 39.a dos AE’s, publicados no Boletim do Trabalho e Emprego n.o 29, de 8 de Agosto de 1999 e n.o 12, de 29 de Março de 2009, do seguinte modo:

“Subsídio de tarefas complementares da condução

1 – Os trabalhadores de tráfego no exercício efectivo da função tem direito ao pagamento de um subsídio mensal de € 50 pela prestação de tarefas complementares da condução.

2 – O subsídio referido no número anterior é pago nos meses de prestação efectiva de trabalho.

3 - Consideram-se tarefas complementares de condução as relativas à preparação do veículo e ao seu estacionamento, respectivamente antes do início da condução efectiva e no seu termo, bem como as relativas à aquisição de títulos de transporte e à prestação de contas dos valores recebidos no exercício da função de condução.”.

Por sua vez, o artigo 262.o - Cálculo de prestação complementar ou acessória – do CT determina:

1 - Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, entende-se por:

a) Retribuição base, a prestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho;

b) Diuturnidade, a prestação de natureza retributiva a que o trabalhador tenha direito com fundamento na antiguidade.”.

E o artigo 271.o - Cálculo do valor da retribuição horária - estipula:

1 - O valor da retribuição horária é calculado segundo a seguinte fórmula:
(Rm x 12):(52 x n).

2 - Para efeito do número anterior, Rm é o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal, definido em termos médios em caso de adaptabilidade.”. (negritos nossos).

É jurisprudência consensual de que “A retribuição mensal atendível para o cálculo do trabalho suplementar é a retribuição-base delineada no critério supletivo constante do art. 250.o/1 do Código do Trabalho (art. 262.o/1 do CT/2009)”.

Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.03.2014, processo n.o 294/11.6TTFIG.C1.S1 (Relator Fernandes da Silva), in www.djsi.pt, “Sempre se reitera, não obstante – no seguimento do juízo consolidado neste Supremo Tribunal e Secção, de que se dá nota no Acórdão junto, tirado na Revista n.o 273/06.5TTABT.S1, de 11.5.2011 –, que a noção de retribuição que suporta o cálculo do valor/hora, referencial da compensação/acréscimo no pagamento do trabalho suplementar, é tão-só a retribuição-base reportada no critério supletivo plasmado no art. 250.o/1 (art. 262.o/1 do CT/2009).”.

Já anteriormente, no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.02.2010, processo n.o 401/08.6TTVFX.L1.S1, (Relator Pinto Hespanhol), in www.dgsi.pt: “Refira-se que o artigo 258.o do Código do Trabalho de 2003 regulava a prestação de trabalho suplementar, nomeadamente a respectiva retribuição, e que o seu artigo 264.o regia sobre o cálculo do valor da retribuição horária.

O certo é que, o n.o 1 do artigo 250.o do Código do Trabalho de 2003, veio estabelecer que «[q]uando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário [como é o caso], entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades».

Tudo para concluir que a retribuição mensal a atender para o cálculo, quer da retribuição por trabalho suplementar, quer da retribuição especial por isenção de horário de trabalho, é a retribuição base, sendo certo que, após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, há que considerar, ainda, as diuturnidades auferidas.”. (negritos nossos).

Mais recentemente, o Acórdão do STJ, de 09.02.2017, processo n.o 886/13.9TTLSB.L1.S1 (Relator Gonçalves da Rocha), in www.dgsi.pt: “Concluímos portanto que não pode deixar de se aplicar o disposto nos artigos 250o, nos 1 e 2 do CT de 2003, a que corresponde o artigo 262o do CT/2009, no apuramento das componentes da “remuneração” dos subsídios de Natal posteriores a 2003, pois não existindo cláusula das convenções colectivas aplicáveis que disponham em contrário, deve entender-se que a base de cálculo deste subsídio é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.”.

[cfr. ainda, no mesmo sentido:

Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 31.10.2012, proc. n.o 446/06.0TTSNT.L2-4; de 24.04.2013, processo n.o 465/10.2TTTVD.L1-4;

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07.04.2016, processo n.o 226/14.0TTVNG.P1;

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.06.2019, processo n.o 3056/17.3T8BCL.G1, todos in www.dgsi.pt].

A doutrina acompanha o mesmo entendimento, como por exemplo:

João Leal Amado e Outros, in Direito do Trabalho, Relação Individual, Almedina, pág. 781-782: “Tendo em conta a norma interpretativa adotada no art. 262.o do CT, o «mês de retribuição» de que fala o art. 263.o em sede de subsídio de Natal deverá entender-se como abrangendo, não toda e qualquer prestação retributiva devida ao trabalhador, mas apenas a sua retribuição base mensal e respectivas diuturnidades”.

Pedro Romano Martinez e Outros, Código do Trabalho, Anotado, 2.a edição, 2004, pág. 451 - “A primeira, e principal, traduz-se na adopção de uma regra para O cálculo do valor das prestações complementares e acessórias, a qual manda tomar como base, para tanto, e na ausência de disposição legal, contratual ou convencional em contrário, unicamente a retribuição base e as diuturnidades” -, e 13.a edição, 2020, págs. 664 e 667.

E ainda:

Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, parte II, 2a edição, pág. 587; e Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, I volume, 2007, págs. 779/780.

Em conclusão:

Bem andou, pois, o acórdão recorrido ao não incluir a prestação complementar do “subsídio de tarefas complementares da condução” na determinação do valor hora para efeitos do cálculo da retribuição por trabalho suplementar e por trabalho nocturno, até à vigência do AE de 2020.

Improcede, pois, o recurso de revista.

Custas a cargo do Autor recorrente.

Lisboa 24 de maio de 2023

Domingos José de Morais (Relator)

Mário Belo Morgado

Júlio Gomes