TRANSMISSÃO DA UNIDADE ECONÓMICA
Sumário


Em atividades essencialmente assentes na mão de obra, como certas atividades de segurança de instalações, um conjunto organizado de trabalhadores especial e duradouramente afetos a uma tarefa comum pode, mesmo na ausência de outros fatores de produção, ser uma unidade económica, que se transmite quando o novo prestador de serviços decide manter a maioria ou o essencial dos efetivos, “aproveitando” a organização já existente para desenvolver a sua própria atividade produtiva.

Texto Integral



Processo n.o 10691/19.3T8PRT.P1.S1


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,


Comansegur – Segurança Privada, S.A., veio interpor recurso de revista excecional do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no presente processo, a 13.07.2022, em que foi Autor AA (agora Recorrido) e Rés, além da Recorrente, a Strong Charon – Soluções de Segurança, S.A. (agora Recorrida).


AA intentou contra Comansegur - Segurança Privada, S.A. e Strong Charon – Soluções de Segurança, S.A. ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, formulando os seguintes pedidos:


Nestes termos e nos mais de direito, deve a Ré Comansegur ser condenada:


a) a reconhecer que foi transmitida para si, com efeitos a partir de 01.03.2019, a posição de entidade empregadora no contrato individual de trabalho do Autor celebrado com a Ré STRONG-CHARON e, por isso, a obrigação de respeitar todos os direitos de decorrentes desse contrato, incluindo os de antiguidade e demais condições de trabalho;


b) a reintegrar o Autor ao seu serviço, no local de trabalho Cliente EDP, sito na Rua ..., ..., atribuindo-lhe as funções correspondentes à sua categoria profissional de vigilante, nos horários que praticava;


c) a pagar ao Autor 928,63€ da retribuição correspondente ao mês de março p.p.;


d) a pagar ao Autor as demais retribuições que se vencerem, como se estivesse no normal exercício de funções, desde 01.03.2019 até à reintegração;


e) a pagar ao Autor a compensação de 15.000€, a título de danos morais;


f) a pagar ao Autor os juros moratórios, à taxa legal de 4%, contados desde o vencimento de cada prestação pedida em c) e d) e desde a citação quanto ao pedido em e);


g) no pagamento das custas.


SEM PRESCINDIR E SUBSIDIARIAMENTE


h) deve a Ré STRONG CHARON ser condenada nos mesmos pedidos, no caso de absolvição da Ré Comansegur”.


As Réus contestaram.


Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento.


Em 27.12.2021, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:


Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente procedente por provada e em consequência condena-se a R. STRONG CHARON a reconhecer a ilicitude dos despedimentos que moveu ao aqui A. em 01/03/2019 e em consequência condena-se a mesma a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem perda de antiguidade e de categoria profissional, nos termos previstos no art. 389o no 1 al. b) do Cód. do Trabalho.


Além da reintegração a mesma demandada STRONG CHARON vai ainda condenada a pagar a cada um destes demandantes a quantia de € 928,63 (novecentos e vinte e oito euros e sessenta e três cêntimos) - equivalente ao salário base de € 694,39 e do subsídio de refeição de € 120,00 e ainda € 114,24 a título de retribuição pelo trabalho prestado em horário nocturno), correspondente ao mês de Março de 2019, bem como nas retribuições vencidas e vincendas até ao trânsito em julgado da presente decisão.


Quanto às retribuições vencidas e vincendas acima referida desconhecendo-se o valor a subtrair às remunerações devidas desde a data do despedimento – 01/03/2019 - até ao trânsito em julgado da presente decisão, imposta pelo preceituado no art. 390o no 1 do Cód. Do Trabalho, terá de se relegar a quantificação deste pedido para execução de sentença, tal como determina o art. 609o no 2 do C.P.C.


Condena-se ainda a R. STRONG CHARON a pagar ao aqui A. a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos decorrentes desta situação, sendo que sobre estes montantes acima descriminados acrescem ainda os respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da citação e os vincendos até integral pagamento.


Absolve-se ainda a R. COMANSEGUR dos pedidos formulados subsidiariamente pelo A.”


A Ré Strong Charon – Soluções de Segurança, S.A. interpôs recurso de apelação.


Por acórdão do Tribunal da Relação de 13.07.2022 foi decidido conceder parcialmente provimento ao recurso, e em consequência:


I) alterar a decisão sobre matéria de facto, de modo que são aditados aos factos provados os pontos 9-A), 9-B), 24-A) e 28) com o seguinte teor:


9-A) A 1a Ré celebrou com a “EDP – Energias de Portugal, S.A.” contrato mediante o qual aquela se obrigou a prestar a esta os serviços de vigilância e segurança das instalações daquela sitas na Rua ..., na cidade do ..., com efeitos a partir de 01.03.2019, contra o pagamento de determinado preço.


9-B) A 2a Ré prestou serviço até às 24h00 do dia 28 de fevereiro de 2019, tendo a 1a Ré iniciado funções, na sequência do contrato referido no ponto anterior, às 00h00 do dia 01 de março de 2019.


24-A) No edifício onde são prestados os serviços de segurança e vigilância, está instalado pelo Cliente um sistema de CCTV composta com diversas câmaras, dispostas por vários locais, as quais se encontram ligadas a monitores de visualização interna.


28) Na sequência do contrato referido em 9-A), a 1a Ré em 01.03.2019 celebrou contratos, apelidados de “contrato de trabalho a termo certo”, com 12 dos 15 vigilantes (entre eles o Autor) que até 28.02.2019 prestaram trabalho por conta da 2a Ré (com contrato de trabalho por tempo indeterminado, exceto BB que tinha contrato com termo previsto para 28.02.2019), nas instalações da EDP sitas na Rua ... no ..., a saber:


- CC;


- DD;


- EE;


- FF;


- GG;


- HH;


- II;


- BB;


- JJ;


- KK;


- LL.


II) revogar o decidido na sentença recorrida, e em substituição decide-se:


• condenar a 1a Ré, “Comansegur – Segurança Privada, S.A.”, a reconhecer a ilicitude do despedimento que promoveu contra o Autor em 01.03.2019, e em consequência é a mesma condenada a reintegrá-lo no mesmo estabelecimento/unidade económica, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e de categoria, nos termos previstos no art.o 389o, no 1, al. b) do Código do Trabalho;


• condenar a 1a Ré a pagar ao Autor as retribuições que deixou de auferir desde 01.03.2019 até ao trânsito em julgado da decisão final, conforme o no 1 do art.o 390o do Código do Trabalho, sendo que, porque se desconhece se existe algum valor, e na afirmativa qual, a subtrair nos termos do no 2 do mesmo art.o 390o do Código do Trabalho, relega-se o seu apuramento para incidente de liquidação posterior nos termos dos art.os 609o, no 2 e 358o, no 2 do Código de Processo Civil;


• condenar a 1a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos decorrentes da situação imputada àquela;


• condenar ainda a 1a Ré a pagar juros de moro, à taxa legal, sobre as quantias acima descriminadas, vencidos desde a data da citação e os vincendos até integral pagamento, exceto quanto à compensação por danos não patrimoniais que vence juros apenas a partir da presente data.


• absolver a 2a Ré, “Strong Charon – Soluções de Segurança, S.A.”, dos pedidos formulados (subsidiariamente) pelo Autor.”.


A Ré Comansegur - Segurança Privada, S.A. interpôs recurso de revista excecional, requerendo ainda o julgamento ampliado.


No seu recurso sustentou que a especificidade da segurança privada e dos seus requisitos legais impediria a transmissão da unidade económica (Conclusões 8 a 11 e 23), sublinhou que não se transmitiram quaisquer bens corpóreos que seriam essenciais nesta atividade (Conclusão 16) e afirmou terem sido violados os princípios da liberdade de iniciativa privada, liberdade de empresa e liberdade de concorrência (Conclusão 25).


O Autor e a Ré Strong Charon – Soluções de Segurança, S.A. contra-alegaram.


O recurso de revista excecional foi convolado em revista interposta ao abrigo do artigo 671.o do CPC por não existir dupla conformidade.


O Ministério Público, em conformidade com o disposto no artigo 87.o n.o 3 do CPT, emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso.


O pedido de revista ampliada feito pela Recorrente foi rejeitado pelo Exmo. Presidente deste Tribunal.


Fundamentação


De Facto


Foram os seguintes os factos provados nas instâncias:

1) O Autor está filiado no Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticos e Profissões Similares e Atividades Diversas (STAD), onde lhe foi atribuído o número de sócio 89153.

2) O Autor tem a categoria profissional de vigilante e ambas as Rés se dedicam à atividade de prestação de serviços de segurança privada.

3) As Rés pagam atualmente o salário base mensal de € 694,39 a cada vigilante ao seu serviço, acrescendo o subsídio de alimentação de € 6,00 por cada dia de trabalho efetivo.

4) Quando é praticado horário em período noturno, entre as 20H de um dia e as 7H do dia seguinte, acresce ainda 25% sobre o valor hora.

5) A Ré Strong-Charon admitiu o Autor em 17.05.2015 para as funções de vigilante, e manteve-os a trabalhar, nos seus quadros de pessoal, sob sua autoridade e direção, até ao fim de fevereiro de 2019.

6) Em 14.06.2017, colocou o Autor a desempenhar as funções nas instalações da EDP, sitas na Rua ....

7) O Autor cumpria aí o horário normal de 40 horas por semana, no regime de turno fixo, das 00h00 às 08h00.

8) Com data de 11.02.2019, a Ré Strong-Charon notificou por escrito o Autor de que se ia verificar “a transmissão do estabelecimento correspondente ao Cliente EDP” e que a Ré Comansegur passava a ser “a nova Entidade Empregadora” dele. Dizia a Ré STRONG-CHARON nessa notificação escrita “que os serviços de vigilância prestados pela STRONG CHARON, SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A., nas instalações do cliente EDP no estabelecimento EDP ... foram adjudicados à Empresa de Segurança COMANSEGUR Segurança Privada, S.A., com efeitos a partir do dia 01 de março de 2019”.

9) E acrescentava que “a partir dessa data, COMANSEGUR será a Entidade patronal (...) conforme resulta dos arts. 285o a 287o do Código do Trabalho”. Dizia ainda “que não resultam quaisquer consequências de maior ou substanciais (...) porquanto lhe é garantida a manutenção de todos os seus direitos, designadamente a manutenção de antiguidade, de retribuição e da categoria profissional em que se encontra”.

9-A) A 1a Ré celebrou com a “EDP – Energias de Portugal, S.A.” contrato mediante o qual aquela se obrigou a prestar a esta os serviços de vigilância e segurança das instalações daquela sitas na Rua ..., na cidade do ..., com efeitos a partir de 01.03.2019, contra o pagamento de determinado preço (acrescentado pelo Tribunal da Relação).

9-B) A 2a Ré prestou serviço até às 24h00 do dia 28 de fevereiro de 2019, tendo a 1a Ré iniciado funções, na sequência do contrato referido no ponto anterior, às 00h00 do dia 01 de março de 2019 (acrescentado pelo Tribunal da Relação).

10) No dia 01.03.2019, o Autor compareceu normalmente no posto de trabalho, mas a Ré Comansegur não o deixou exercer as funções.

11) Tendo essa recusa continuado nos dias seguintes, apesar da tentativa do Autor de prestar trabalho, até ao presente, a Ré COMANSEGUR nunca mais deu trabalho ao Autor.

12) O Autor chamou a GNR, que confirmou a presença dele no seu local de trabalho e o facto de ser impedido de entrar para trabalhar.

13) O Autor escreveu e enviou, sob registo do correio, à Ré Comansegur uma carta, com referência à notificação que tinham recebido da Ré STRONG-CHARON datada de 06.03.2019, declarando a sua total disponibilidade para

continuar a cumprir no seu posto de trabalho as funções que anteriormente lhe estavam atribuídas, solicitando ordens e autorização para continuar lá e dizendo que queria trabalhar e era obrigados a fazê-lo para sobreviver, não aceitando ser despedido. Acrescentou ainda que exigiria todos os direitos, incluindo os salários desde 01.03.2019, ficando a aguardar instruções para retomar o trabalho – cfr. doc. 5.

14) Na mesma data, o Autor dirigiu à Ré STRONG-CHARON uma outra carta, reportando-a também à comunicação que dela tinha recebido com data de 11.02.2019, a dizer que aceitava a posição perfilhada pelo seu Sindicato, o STAD, quanto à transmissão do estabelecimento, nada opondo a que a Ré STRONG-CHARON comunicasse à Ré Comansegur todos os seus dados relacionados com o contrato de trabalho, incluindo a informação de que era sócio do STAD. Porém, nessa mesma carta advertiu a Ré STRONG-CHARON que, embora mantivesse total disponibilidade para continuar a cumprir o contrato de trabalho, no local que lhe estava atribuído, sob as ordens da Ré Comansegur, desencadearia todas as diligências judiciais para defender os seus direitos, fosse contra a STRONG-CHARON, fosse contra a Comansegur, se esta continuasse a recusar-lhe a prestação do trabalho, mas nenhuma das Rés deu trabalho ao Autor desde 01.03.2019.

15) As Rés também não pagaram ao Autor o salário do mês de março de 2019, nem qualquer outra retribuição ou compensação.

16) O Autor manteve e mantem total disponibilidade para prestar o seu trabalho a qualquer das Rés.

17) No local de trabalho da “EDP”, o Autor desempenhava nomeadamente as tarefas:

a. Abertura e fecho das instalações;

b. controle de chaveiro;

c. Controle de acesso de pessoas e viaturas;

d. Controle da entrada e saída de colaboradores externos;

e. Receção de encomendas;

f. Entrega de chaves de carros de serviços

g. Rondas noturnas, com um leitor de rondas e rádio de comunicação propriedade da Strong-Charon.

18) Para o exercício das funções estáticas, o Autor dispunha dum espaço físico, de uma secretária, duas cadeiras, 2 armários com gavetas, material de escritório, um computador e 2 telefones fixos, pertencentes ao Cliente EDP.

19) Para o exercício da totalidade das tarefas executadas, o Autor não utilizava quaisquer instalações, mobiliário, equipamentos ou meios pertencentes à Ré Strong-Charon.

20) A incerteza gerada no Autor da concretização do seu despedimento; o não pagamento do salário de março de 2019 (que confirmou o despedimento); a vergonha sentida pelo Autor e os constrangimentos de comparecer no local de trabalho e ser impedido de trabalhar, à vista de quem entrava e saía; o recurso que fez à GNR; a não ocupação nas funções ou a inatividade que as Rés lhe impuseram; os pedidos de ajuda a que recorreu; as comunicações escritas a que recorreu; as idas à ACT...; o medo de ficar sem rendimentos para a sua subsistência e a do seu agregado família; o embaraço de não poder cumprir compromissos de pagamentos a que estava obrigado; – tudo isto causou e causa ao Autor dolorosa preocupação, revolta, angústia, tristeza, desespero, perda do sono, irritabilidade, desequilíbrio emocional.

21) Tudo agravado pelo facto de as Rés recusarem até a passagem da declaração da situação de desemprego (modelo 5044) para poder requerer o subsídio de desemprego.

22) A COMANSEGUR, para iniciar o seu serviço, e com vista ao cumprimento das rondas exigidas pelo cliente, teve de levar para o local todos os seus equipamentos necessários e imprescindíveis à realização do serviço.

23) Teve de levar os equipamentos destinados à realização e implementação dos sistemas de rondas, incluindo os seus próprios bastões eletrónicos e os respetivos controladores de picagens e ainda, para este efeito, uma viatura automóvel.

24) De igual modo, levou e entregou aos seus vigilantes rádios de sua propriedade, necessários ao bom desempenho das funções (e do contrato) e levou também e entregou aos vigilantes telemóveis seus, bem como lanternas suas.

24-A) No edifício onde são prestados os serviços de segurança e vigilância, está instalado pelo Cliente um sistema de CCTV composta com diversas câmaras, dispostas por vários locais, as quais se encontram ligadas a monitores de visualização interna (acrescentado pelo Tribunal da Relação).

25) A 2a Ré STRONG CHARON, ao longo do tempo de vigência contratual, foi mantendo um número constante e similar de trabalhadores afeto à prestação do serviço de segurança e vigilância nas instalações da EDP ....

26) A 2a Ré STRONG CHARON sempre prestou o serviço de segurança e vigilância nas instalações da EDP ... recorrendo a uma equipa estável, fixa, organizada e especializada de trabalhadores na prestação de tais serviços.

27) Ao longo do referido período de prestação dos serviços de vigilância, os trabalhadores da Ré STRONG CHARON desenvolveram a sua atividade naquelas instalações através de uma equipa organizada, com uma estrutura hierárquica devidamente fixada, a qual obedecia, cumpria e fazia cumprir procedimento de segurança e operacionalidade, e com recurso a bens e equipamento destinado a controlar o acesso, permanência e saída das instalações de pessoas e bens, para dar resposta às especificidades e rotinas de segurança exigidas pela EDP ....

28) Na sequência do contrato referido em 9-A), a 1a Ré em 01.03.2019 celebrou contratos, apelidados de “contrato de trabalho a termo certo”, com 12 dos 15 vigilantes (entre eles o Autor) que até 28.02.2019 prestaram trabalho por conta da 2a Ré (com contrato de trabalho por tempo indeterminado, exceto BB que tinha contrato com termo previsto para 28.02.2019), nas instalações da EDP sitas na Rua ... no ..., a saber:

− CC;

− DD;

− EE;

− FF;

− GG;

− HH;

− II;

− BB;

− JJ;

− KK;

− LL.

(Acrescentado pelo Tribunal da Relação).

De Direito


A questão que se suscita no presente recurso de revista é a de determinar se existiu uma transmissão de unidade económica com a consequente transmissão da posição de empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores que integram a referida unidade económica (artigo 285.o, n.o 1 do CT). Os artigos 285.o, 286.o, 287.o e 498.o do CT representam a transposição para o nosso ordenamento interno da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos. Há, por conseguinte, que atender à jurisprudência do Tribunal de Justiça na interpretação da referida Diretiva. Diga-se, no entanto, e desde já, que a mencionada Diretiva que tem como escopo a tutela dos trabalhadores não suscita quaisquer problemas de constitucionalidade já que realiza um compromisso entre essa finalidade tuitiva e a liberdade de empresa e de iniciativa privada.


O Tribunal de Justiça proferiu recentemente, a 16 de fevereiro de 2003, no processo Strong Charon, C-675/211, um Acórdão em que decidiu que “[o] artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que não é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva uma situação em que uma empresa prestadora de serviços que, para as necessidades de um dos seus clientes, tinha afetado a este último uma equipa composta por um certo número de trabalhadores é substituída, por esse cliente, para prestar os mesmos serviços, por uma nova empresa prestadora e em que, por um lado, esta última assume apenas um número muito limitado dos trabalhadores que integravam essa equipa, sem que os trabalhadores reintegrados tenham competências e conhecimentos específicos indispensáveis para a prestação dos serviços ao referido cliente, e, por outro, não se verificou a transmissão para a nova prestadora de bens corpóreos ou incorpóreos necessários para a continuidade desses serviços”.


Sublinhe-se, contudo, que no caso vertente, o novo prestador de serviços reassumiu a maioria dos efetivos – mais concretamente 12 dos 15 vigilantes, como resulta do facto 28 – que o anterior prestador afetava à vigilância das instalações do mesmo cliente.


Ora, “o Tribunal de Justiça decidiu, em relação a uma empresa de limpeza, que um conjunto organizado de trabalhadores que são especial e duradouramente afetados a uma tarefa comum pode, na ausência de outros fatores de produção, corresponder a uma entidade económica”2.


“Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que, em certos setores nos quais a atividade assenta essencialmente na mão‐de‐obra, um conjunto de trabalhadores que executa de forma duradoura uma atividade comum pode corresponder a uma entidade económica, essa entidade é suscetível de manter a sua identidade para além da sua transferência, quando o novo empresário não se limita a prosseguir a atividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que o seu predecessor afetava especialmente a essa missão. Nessa situação, a nova entidade patronal adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitirá a prossecução, de modo estável, das atividades ou de parte das atividades da empresa cedente”3


A atividade de segurança das instalações, como a que está em causa no presente processo, é uma atividade que se baseia essencialmente na mão-de-obra, sendo os bens corpóreos secundários para o exercício da referida atividade. Não se sufraga, pois, o entendimento do Recorrente quando pretende que seriam aqui essenciais os equipamentos4.


Um conjunto organizado e estável de trabalhadores afeto à atividade em benefício de um cliente pode, assim, constituir uma unidade económica na aceção do n.o 5 do artigo 285.o do CT, não sendo relevante para a existência de uma unidade económica que a mesma não possua, por exemplo, um alvará próprio.


Com efeito, e quanto às objeções retiradas da Lei da Segurança Privada esgrimidas pelo Recorrente reitera-se o que já se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 15 de setembro de 2021, proferido no processo n.o 445/19.2T8VLG.P1.S1: “[O] que se exige é que haja uma unidade económica e não que do ponto de vista jurídico esta unidade estivesse imediatamente capaz de funcionar isoladamente. Assim não se exige que a mesma tenha, ela própria, por exemplo, um alvará ou um diretor de segurança. Tais exigências não só frustrariam o escopo da diretiva como seriam incompreensíveis em um caso como o presente em que o que se discute é se houve ou não a transmissão de uma entidade económica de uma empresa de segurança para outra empresa de segurança”.


E se um conjunto organizado de trabalhadores pode constituir, em si mesmo, uma unidade económica, então a manutenção da maioria dos efetivos, ainda que desacompanhada de outros indícios, é suficiente para que haja transmissão de unidade económica.


Na verdade, “[t]al entidade, embora deva ser suficientemente estruturada e autónoma, não inclui necessariamente elementos de ativos, materiais ou imateriais, significativos. Com efeito, em certos sectores económicos como a limpeza e a segurança, estes elementos são muitas vezes reduzidos à sua expressão mais simples e a atividade assenta essencialmente na mão-de-obra. Assim, um conjunto organizado de trabalhadores que são especial e duradouramente afeitos a uma tarefa comum pode, na ausência de outros fatores de produção, corresponder a uma entidade económica”5 (sublinhado nosso). Neste caso a reassunção da maioria ou do essencial dos efetivos acarreta que o novo prestador de serviços optou por adquirir “um conjunto organizado de elementos que lhe permitem a prossecução, de modo estável, das atividades ou de parte das atividades da empresa cedente”6, verificando-se a transmissão de uma unidade económica, com as suas legais consequências.


Foi o que ocorreu no caso dos autos, pelo que há que confirmar o Acórdão recorrido.


Decisão: Acorda-se em negar a revista e confirmar o Acórdão recorrido.


Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 24 de maio de 2023


Júlio Gomes (Relator)


Ramalho Pinto


Domingos José de Morais





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1. ECLI:EU:C:2023:108.↩︎

2. Acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de julho de 2010, proferido no processo C‐151/09, Federación de Servicios Públicos da UGT (UGT‐FSP), n.o 30 (sublinhado nosso).↩︎

3. Acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de julho de 2010, proferido no processo C‐151/09, Federación de Servicios Públicos da UGT (UGT‐FSP), n.o 29↩︎

4. Veja-se a Conclusão 16 do recurso em que se afirma que “Veja-se a título meramente exemplificativo as pistolas de rondas que servem para que o cliente possa confirmar que o vigilante efetuou as rondas contratualmente previstas, os rádios para estabelecer a fundamental e importante comunicação entre vigilantes, face à atividade vigilância inerente e a que devem dar pronta resposta e contacto às autoridades em caso de alguma situação que imponha o recurso às forças de segurança e que são os vigilantes aqueles que têm o primeiro contacto com tais situações, as lanternas que contribuem para uma efetiva e boa vigilância dos vigilantes”.↩︎

5. Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 1998, processos apensos C-173/96 e C-247/96, Sánchez Hidalgo, n.o 26.↩︎

6. Acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de dezembro de 1998, processos apensos C-173/96 e C-247/96, Sánchez Hidalgo, n.o 32.↩︎