RECUSA
DISTRIBUIÇÃO
JUIZ CONSELHEIRO
TRIBUNAL COLETIVO
TEMPESTIVIDADE
CONFERÊNCIA
REJEIÇÃO
Sumário


I - A jurisprudência tem sempre considerado, justamente e sem dissídio, que a recusa tem de ter na base um motivo (sério e grave) gerador de desconfiança ou suspeição sobre a imparcialidade do juiz, motivo que só conduzirá à recusa quando objectivamente diagnosticado no caso concreto.
II - O vício de distribuição de processo não é fundamento de pedido de recusa, para mais não quando os juízes recusados não tiveram qualquer intervenção directa ou indirecta no acto de distribuição.
III - Quer se considere que a Lei n.º 55/2021 (que pretendeu introduzir mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais, alterando o CPC) ainda não entrou em vigor quer se considere que é inexequível por falta da prevista e necessária regulamentação, o certo é que é inaplicável. É o próprio legislador que deixou expressa, no seu articulado, a vontade de que tal Lei não seja executada sem que seja complementada por um regulamento, intrinsecamente necessário à sua execução. A omissão de regulamentação impede e inviabiliza a sua execução.
IV - Não é inconstitucional o art. 44.º do CPP na interpretação segundo a qual o pedido de recusa de juiz se deve formular até ao início da conferência ou da audiência mesmo quando os factos geradores da suspeita só cheguem ao conhecimento do invocante após a prolação do acórdão do qual se arguiu a nulidade e antes da sua apreciação e decisão em conferência.
V - Em incidente de recusa no STJ que decidiu em conferência “1. Rejeitar, por intempestividade, o pedido de recusa formulado pelo requerente; (…)” o arguido não pode vir de novo suscitar a recusa dos Juízes Conselheiros que intervieram naquela decisão, após a sobredita conferência, por intempestividade.
VI - A invocação de motivos ligados a distribuição do incidente de recusa e que tendencialmente apenas seriam atinentes à invalidade do decisão do tribunal colectivo que decidiu em conferência manifestamente não se compatibilizam nem integram nos fundamentos e finalidades do incidente de recusa e, por isso, tal constatação levaria sempre à conclusão da manifesta improcedência do pedido de recusa em causa.

Texto Integral





Proc.NUIPC4097/15.0T9CBR-E.C1-A.S1-A


Incidente de recusa de Juízes (no processo 4097/15.0T9CBR-E.C1- A.S1-A)


Juízes Conselheiros recusados:


-AA (Presidente da ... secção);


-BB (relatora)


-CC (1o adjunto) e


-DD (2o Adjunto)


*


Acordam na 5.a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


I- Histórico do pedido de recusa


1. No processo 4097/15.0T9CBR-E.C1- A.S1-A (recusa de juízes) que correu termos na 3a Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em conferência de 30 de Novembro de 2022, em que foram intervenientes os Srs Juízes Conselheiros supra indicados, foi decidido :


“1. Rejeitar, por intempestividade, o pedido de recusa formulado pelo requerente;


2. Determinar que a rejeição por extemporaneidade prejudica o conhecimento de todas as demais questões suscitadas pelo Requerente.”


Estava ali em causa pedido de recusa, da iniciativa do arguido EE ali identificado nos autos, subscrito pelo seu mandatário, com referência aos Juízes Desembargadores da ... secção do Tribunal da Relação de Coimbra, Senhor Doutor FF (Presidente), Senhor Doutor GG (Relator), Senhor Doutor HH (Primeiro Adjunto) e Senhora Doutora II (Segunda Adjunta), e do Tribunal Coletivo, por eles constituído para reunir, julgar e deliberar em Conferência, para julgamento do Processo de Recusa n.o 4097/15.0T9CBR-E.C1, deduzido igualmente pelo requerente.


2. Aquela decisão de 30 de Novembro de 2022 proferida na ... secção com a intervenção dos Srs Juízes Conselheiros indicados nas referidas qualidades foi notificada ao Exo Mandatário Dr JJ nos termos que constam na Referência documento: 11261170-Certificação Citius, a 30-11-2022.


3. O arguido veio agora instaurar novo incidente também de recusa, mas desta vez quanto aos Exmos Srs Juízes Conselheiros supra mencionados, por requerimento entrado no STJ a 20 de dezembro de 2022.


Para tanto, convocou o seguinte (em transcrição como consta no original do documento):


Com referência ao Pedido de Recusa em Processo penal n.o 4097/15.0T9CBR-E.C1-A.S1 a correr termos pela ... secção deste Supremo Tribunal de Justiça, vem EE, ali completamente identificado como Arguido e como Requerente do Pedido de Recusa, apresentar perante Vossas Excelências, nos termos e para os efeitos do artigo 45.o, n.o 1, alínea a) do Código de Processo Penal (CPP), requerimento de


“Recusa dos Senhores Juízes Conselheiros da 3a Secção deste Supremo Tribunal de Justiça,


Senhor Doutor AA (Presidente),


Senhora Doutora BB (Relatora),


Senhor Doutor CC (Primeiro Adjunto) e


Senhor Doutor DD (Segundo Adjunto),


e


do Tribunal Coletivo, por eles constituído para reunir, julgar e deliberar em Conferência,


para julgamento do Processo de Recusa n.o 4097/15.0T9CBR-E.C1-A.S1, deduzido pelo aqui requerente,


Porquanto:


1. Teve agora conhecimento de que o Tribunal Coletivo foi constituído em violação do devido processo legal previsto e exigido nos artigos 204.o e 213.o do Código de Processo Civil (CPC) para a realização da distribuição nos tribunais superiores, aqui aplicável por força do artigo 4.o do CPP de harmonia com o processo penal, insistindo-se nos mesmos erros ou vícios apontados no requerimento de recusa à distribuição do processo aos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra recusados através do Pedido de Recusa em Processo penal n.o 4097/15.0T9CBR-E.C1-A.S1:


a. Não contou com a assistência obrigatória do Ministério Público;


b. Não contou com a assistência de Advogado designado pela Ordem dos
Advogados – que também era obrigatória caso tivesse sido possível,
desconhecendo o Arguido se a mesma era ou não possível;


c. Não contou com a presença do advogado do Arguido;


d. Por falta da sua notificação para estar presente;


e. Não foi elaborada a ata desse ato jurisdicional;


E – mais grave e com influencia decisiva na composição do Coletivo –,


f. os dois Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos não foram apurados
aleatoriamente;


g. e não foi assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo.


2. Estão em causa ilegalidades que violam o direito do Arguido ao Juiz Legal – direito, garantia e princípio constitucional fundamental consagrado no artigo 32.o,


Determinam a nulidade insanável da “Distribuição”;

3. Obrigam à realização de nova distribuição nos termos legais - em conformidade com o disposto nos artigos 119.° alíneas a) e e) e 122.°, n.° 1 do CPP e no artigo 213.°, n.°4 do CPC -

5. E à anulação dos actos posteriores, nomeadamente o Acórdão proferido. Vejamos:

6. O artigo 213.°, n.° 3 do CPC dispõe o seguinte:


“É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 4 a 6 do artigo 204.o à distribuição nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, com as seguintes especificidades:

a. A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro;

b. Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo.”


7. Os números 4 a 6 do artigo 204.° dispõem que:


“4 A distribuição obedece às seguintes regras”:

a. Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata”;

b. Se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem;


c) As operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas referidas no n.o 3, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados.

5. Os mandatários judiciais têm acesso à ata das operações de distribuição dos processos referentes às partes que patrocinam, podendo, a todo o tempo, requerer uma fotocópia ou certidão da mesma, a qual deve ser emitida nos termos do artigo 170.o;

6. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, deve ficar explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma.”

8. E o artigo 213.o, n.o 2, acrescenta relativamente à distribuição nos tribunais de 1.a instância e à exigência ou determinação legal da “assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados de um advogado designado por esta ordem profissional, (...),o poder de os mandatários das partes estarem presentes, se assim o entenderem,

9. O que pressupõe e exige, necessariamente, a notificação aos mandatários das partes do dia e hora designado para o concreto ato judicial de distribuição em causa.


Ora,

10. O advogado signatário não foi notificado para essa distribuição, a que queria e tinha o direito de ter estado presente, por força da norma citada do artigo 213.o, n.o 2 do CPC e por se tratar de ato processual que diretamente diz respeito ao seu constituinte, tendo também o direito, por isso mesmo, de ter sido notificado para o efeito.

11. Não foi elaborada ata do ato judicial de distribuição deste processo, nem outro auto algum;

12. O Ministério Público não esteve presente;

13. Nem Advogado designado pela Ordem dos Advogados;

14. O advogado do Arguido também não foi notificado, nem teve possibilidade de ter conhecimento da respetiva data, e por isso tão pouco teve possibilidade de estar presente;

15. E não foi efetuado sorteio eletrónico para apurar aleatoriamente os dois Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos – apenas tendo sido sorteada a Senhora Juíza Conselheira Relatora.

16. Mostram-se, assim, violadas as regras antes citadas e transcritas dos artigos 213.o, n.os 2 e 3 e 204.o a 206.o do CPC – aqui aplicáveis por força do disposto e nos termos do artigo 4.o do CPP, de harmonia e com respeito pelos princípios gerais do processo penal.


Consequentemente,


17 Uma vez que estão em causa regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Tribunal e regras legais relativas à atribuição da competência ao tribunal no caso concreto, a sua violação conduz aqui à nulidade absoluta deste processo de recusa desde a sua distribuição neste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e por força do disposto nas alíneas a) e e) do artigo 119.o do CPP, o que impõe a realização de nova distribuição nos termos legais - por força e nos termos conjugados do artigo 122.o, n.o 1 do CPP (que determina que as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar”) e do artigo 213.o, n.o 4 do CPC (segundo o qual quando houver erro na distribuição o processo é distribuído novamente).


18. A este respeito, considera o Arguido que neste processo não podem aproveitar-se os vistos, uma vez que em processo penal, verificando-se a nulidade da distribuição por omissão do apuramento aleatório legalmente prescrito de algum dos Juízes que constituem o Coletivo (como se verifica nestes autos), o aproveitamento dos vistos consubstanciaria ou relevaria sempre de interpretação normativa inconstitucional das normas conjugadas do artigo 4.o do CPP e do artigo 213.o, n.o 4 do CPC, por violação do direito, garantia e princípio fundamental do juiz legal consagrado no artigo 32.o, n.o 9 da Constituição - inconstitucionalidade que suscita nos termos, nomeadamente, dos artigos 70.o, n.o 1, alínea b) e 72.o, n.o 2 da Lei do Tribunal Constitucional.


19 Já quanto ao entendimento de que as alterações determinadas pela Lei n.o 55/2021 não teriam entrado em vigor “por falta de regulamentação” (que parece estar por detrás destas graves ilegalidades e da nulidade insanável aqui arguida) o mesmo é a todas as luzes inaceitável:


20. Desde logo, porque viola diretamente o disposto nos artigos 1.o, 2.o, 3.o e 4.o
daquela lei:


a. Viola a letra do artigo 3.o - que manda proceder à regulamentação daquela lei
“no prazo de 30 dias a contar da data da sua aplicação; e que determina que
essa regulamentação entre em vigor ao mesmo tempo que a lei;


b. E a própria letra da norma transitória do artigo 4.o - que pura e simplesmente
dispõe que “a presente lei entra em vigor 60 dias após a sua publicação”,
sem prever a dependência da dita regulamentação;


c. E viola, na verdade, toda a lei, porque a nova redação das normas dos
artigos 204.o, n.o 4, alínea c) e 213.o, n.o 2 do CPC, por ela determinada,
não carece de regulamentação alguma.


21. Viola também o disposto no artigo 137.o, n.o 2 do Código do Procedimento
Administrativo, uma vez que omite e viola a obrigação de tutela jurisdicional da
exequibilidade desse acto legislativo, que impende sobre todos os Tribunais e
também sobre este Supremo Tribunal Justiça e é expressamente acautelada nessa
norma legal.


Acresce que,


22. O que está em causa é a exequibilidade da Lei n.o 55/2021, a exequibilidade desse
ato normativo, legislativo, da Assembleia da República, emanado diretamente
do próprio Poder Legislativo, o que significa que a omissão por parte do
Supremo Tribunal de Justiça da tutela jurisdicional da sua exequibilidade viola
o Princípio da Separação e Interdependência de Poderes da República
Portuguesa, essencial, indispensável e determinante da sua organização constitucional como Estado de Direito Democrático baseado na Soberania Popular, consagrado no artigo 2.°, no artigo 108.°, no artigo 110.°, no artigo 111.0, n.° 1, no artigo 112.°, n.° 5, no artigo 161.°, alíneas c) e o), no artigo 165.°, n.° 1, alíneas b) e p), no artigo 199.°, alínea c) e nos artigos 202.° e 203.° da Constituição; viola a constitucionalmente imposta sujeição dos Tribunais à Lei; viola a independência dos Tribunais e deste Supremo Tribunal de Justiça face ao Governo,


23 Parecendo significar, mesmo, inaceitável cumplicidade com o Executivo na violação da respetiva regulamentação


A este propósito,


24. O Arguido suscita- designadamente nos termos dos artigos 70.°, n.° 1, alínea b) e 72.°, n.° 2 da Lei do Tribunal Constitucional - a inconstitucionalidade dos artigos 3.° e 4.° da Lei n.° 55/2021 e do artigo 137.°, n.° 2 do Código do Procedimento Administrativo na interpretação normativa em que tal entendimento se traduz, no sentido de que as alterações determinadas pela referida Lei aos artigos 204.° e 213.° do CPC não teriam entrado em vigor por falta de regulamentação pelo Governo, por violação do disposto no artigo 18.°, n.°s 1 e 2 da Constituição, por violação do direito, garantia e princípio constitucional fundamental do processo equitativo, por violação do princípio da legalidade e da sujeição dos Juízes à lei, consagrado nos artigos 29.° e 203.°, por violação das garantias de ampla defesa e especialmente do direito, garantia e princípio constitucional fundamental do Juiz natural, consagrado no artigo 32.°, e por violação do Princípio da Separação e Interdependência de Poderes, da organização constitucional da República Portuguesa como Estado de Direito Democrático baseado na Soberania Popular e dos artigos 2.°, 108.°, 110.°, 111.0, n.° 1, 112.°,


n.o 5, 161.o, alíneas c) e o), 165.o, n.o 1 alíneas b) e p), 199.o, alínea c) e 202.o e 203.o da Constituição.


Por conseguinte,


25. A distribuição deste Processo e todos os atos nele praticados desde então, entre os quais, a Conferência para julgamento do pedido de recusa e o próprio Acórdão proferido mostram-se viciados de nulidade insanável por violação das regras legais relativas ao modo de determinar a composição deste Tribunal e à competência deste Tribunal, nos termos do artigo 119.o, alíneas a) e e) do CPP:


a. Por ausência do advogado do Arguido, por falta de notificação para o ato;


b. Por ausência do Ministério Público;


c. Por ausência de Advogado designado pela Ordem dos Advogados;


d. Por inexistência ou omissão de documentação do ato através da formalização
legalmente exigida;


e. Por tal inexistência ou omissão impedir a confirmação de como, quando (e
mesmo se) esse ato efetivamente e concretamente se realizou;


f. Por este processo ter sido atribuído a este Coletivo e aos Excelentíssimos
Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos Doutor CC
e Doutor DD para o exercício das suas funções
jurisdicionais neste processo no âmbito deste Coletivo, sem distribuição, sem
precedência quanto aos Senhores Juízes Adjuntos do sorteio eletrónico e aleatório legalmente exigido pela alínea a) do artigo 213.o, n.o 3 do CPC;


g. E por se verificar, ainda, e também consequentemente, a violação do dever previsto na respetiva alínea b), de ser assegurada a não repetição de coletivo.


26. O que tudo – como já disse – é causa de nulidade insanável do Processo e da
incompetência do Tribunal Coletivo e de todos os Excelentíssimos Senhores Juízes
Conselheiros que o constituem para a tramitação e julgamento do pedido de recusa
em causa.


Acresce, sem prescindir:


27. As ilegalidades descritas consubstanciam, ainda, motivo de recusa e de escusa dos
Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos Doutor CC
e Doutor DD e de todo o Coletivo, nos termos dos
artigos 43.o e seguintes do CPP, uma vez que a intervenção dos referidos Senhores
Juízes Conselheiros corre o risco de ser considerada suspeita por existir
“motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade de
todo o Coletivo – em resultado de todas as violações de lei antes detalhadas e,
muito especialmente, a ausência de sorteio eletrónico e aleatório para designação de
dois dos respetivos membros.


Com efeito,


28. A distribuição eletrónica e aleatória realizada nos exatos e rigorosos termos
previstos na Lei é o primeiro e incontornável pressuposto do Princípio, Garantia e
Direito Fundamental ao Juiz Legal, consagrado no artigo 32.o, n.o 9 da Constituição,
do respeito pela Independência dos Tribunais e sua sujeição ao princípio da legalidade, à Lei e à Constituição - consagrados nos artigos 2.o, 29.o, 203.o e 204.o, por ser a primeira e incontornável garantia de imparcialidade dos Senhores Juízes no concreto exercício dessas funções jurisdicionais, porque em processo criminal só a estrita e rigorosa observância das normas e dos termos legais previstos para essa operação de escolha dos Senhores Juízes respeita ambos esses Princípios e Garantias e Direitos Fundamentais


Ora,


29. Nenhuma dúvida tem o Arguido em afirmar que a exigência legal de um efetivo julgamento e de uma efetiva decisão colegial é imposta - ou é-o, seguramente, também - como garantia da imparcialidade dos Senhores Juízes e dos Tribunais.


Por isso,


30 Uma vez que neste processo essas normas e esses termos legais foram, pura e simplesmente, desprezados, ignorados e desaplicados - sem motivo legítimo e lícito conhecido que justifique a omissão do apuramento aleatório por sorteio eletrónico dos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos - antes pelo contrário, qualquer motivo que possa ter determinado ou conduzido a todas as apontadas ilegalidades, designadamente a essa omissão de sorteio, reforça e qualifica as invocadas suspeitas, parecendo indiciar, mesmo, tentativa de impor uma decisão singular ou monocrática, em desrespeito da exigência legal de decisão colegial inerente a um julgamento efetivo, verdadeiro, sério e imparcial, entende o Arguido que se verificou ainda neste caso violação da norma do artigo 12.o, n.o 4 do CPP (que prescreve que as secções funcionam com três juízes”) e violação do próprio artigo 419.o, n.o 1 do mesmo código (que prevê a intervenção na conferência do presidente da secção, do relator e de dois juízes-adjuntos).


31. O Requerente entende que esta violação do devido processo legal da
distribuição do processo aos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos constitui
motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade de
todo o Coletivo.


A este propósito,


32. Suscita – sempre nos termos dos artigos 70.o, n.o 1, alínea b) e 72.o, n.o 2 da Lei do
Tribunal Constitucional – a inconstitucionalidade do artigo 43.o n.o 1 do CPP na
interpretação normativa de que a violação do devido processo legal da
distribuição do processo por violação do disposto nas alíneas a) e b) do número
3 do artigo 213.o do CPC não constituiria motivo sério e grave adequado a
gerar desconfiança sobre a imparcialidade dos Juízes que compõem o Coletivo
e não constituiria, por isso, fundamento de recusa, por violação do disposto no
artigo 18.o, n.os 1 e 2 da Constituição, por violação do direito, garantia e
princípio constitucional fundamental do processo equitativo, por violação do
princípio da legalidade e da sujeição dos Juízes à lei, consagrado nos artigos
29.o e 203.o, por violação das garantias de ampla defesa e especialmente do
direito, garantia e princípio constitucional fundamental do Juiz natural,
consagrado no artigo 32.o, e por violação do Princípio da Separação e
Interdependência de Poderes, da organização constitucional da República
Portuguesa como Estado de Direito Democrático baseado na Soberania
Popular e dos artigos 2.o, 108.o, 110.o, 111.o, n.o 1, 112.o, n.o 5, 161.o, alíneas c) e
o), 165.o, n.o 1 alíneas b) e p), 199.o, alínea c) e 202.o e 203.o da Constituição.


A este respeito, cita e transcreve:


Acórdão de 12 de março de 2015 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.°4914/12.7TDLSB.Gl-A.Sl:


“De acordo com o artigo 43.o, n.o 1 do CPP, constitui fundamento da recusa de juiz que: a sua intervenção no processo corra o risco de ser considerada suspeita; por se verificar motivo sério e grave; adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, visando-se salvaguardar um bem essencial na administração da Justiça que é a imparcialidade, ou seja, a equidistância sobre o litígio de forma a permitir a decisão justa.


A perda de equidistância, que resulta da circunstância aleatória que é a distribuição processual, leva a entender que existem fundamentos para determinar a recusa dos magistrados em causa.”


Acórdão de 29 de março de 2012 da 5a Secção do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo n.° 31/12.8YFLSB:


Não basta que o juiz seja imparcial, é também necessário que o pareça. ”


Acórdão de 22 de junho de 2005 da 3a Secção do mesmo Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do Processo n.° 1929/05:


“Para os efeitos do disposto no no 1 do art. 43o do CPP - a existência de motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador - relevam, fundamentalmente as aparências.


Não é a exigida capacidade de imparcialidade do julgador que importa aqui acautelar, mas antes assegurar para o exterior, para os destinatários da justiça, a comunidade, essa imagem de imparcialidade. ”


E o Acórdão de 15 de setembro de 2010, proferido no âmbito do Processo n.o 133/10.5YFLSB, da 3a Secção, ainda do Supremo Tribunal de Justiça:


A teleologia subjacente ao instituto da recusa passa por assegurar a conveniência e necessidade de preservar o mais possível a dignidade profissional e a erosão da imagem pessoal do magistrado e, como lógica decorrência, ainda lograr uma imagem reforçada da inevitável necessidade de administrar salutar justiça, revestindo-a da dignidade que merece, preservada de suspeitas de falta de isenção e rigor.


A estrutura da sociedade reclama cada vez mais rigor e transparência, exigindo exteriorização subjetiva e demonstração objetiva de probidade funcional, que é dever da administração pública e, por maioria de razão, da Magistratura Judiciar


E, conforme igualmente antecipou,


33 A suspeita de parcialidade de um membro de Tribunal Coletivo estende-se a todos os restantes membros.


Neste sentido, decidiu o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Acórdão de 9 de maio de 2000 - processo Sander contra o Reino Unido, citado por Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 4a Edição atualizada, 2011, p. 133 - Tratando-se de um tribunal colectivo ou do júri, basta a parcialidade de um dos seus membros para inquinar toda a actividade do tribunal


34. Justifica-se, pois, que a suspeita relativamente a algum membro do Tribunal Coletivo, in casu, a dois dos seus membros, se estenda aos restantes.


TERMOS EM QUE, REQUER:


SE DIGNEM VOSSAS EXCELÊNCIAS DECLARAR A RECUSA DOS SENHORES JUÍZES CONSELHEIROS REQUERIDOS E DO TRIBUNAL COLETIVO POR ELES CONSTITUÍDO PARA REUNIR EM CONFERÊNCIA E PARA JULGAR O PEDIDO DE RECUSA EM PROCESSO PENAL N.o 4097/15.0T9CBR-E.C1-A.S1.”


II- Desenvolvimento


2.1 – Remetidos os autos à distribuição, verifica-se desde logo que os Srs Juízes recusados se pronunciaram nos termos do art.o 45o n.o 3 do CPP, defendendo, por um lado, a intempestividade do pedido de recusa e, por outro lado, a sua manifesta inviabilidade, nomeadamente por não estar em causa motivo sério nem grave que justifique a apontada recusa decorrente da invocada viciação da distribuição.


III- Conhecendo


3.1 Da intempestividade do incidente de recusa


Tendo em conta o histórico dos autos, veio o arguido suscitar recusa dos Srs Juízes conselheiros muito após o início da conferência em que tiveram a respectiva intervenção.


Aqueles Srs Juízes recusados, em conferência que teve lugar no dia 30.11.2022, decidiram o pedido de recusa que fora, antes, apresentado neste processo, sendo a intervenção de todos eles na conferência e decisão dessa recusa que fundamentou, agora, o presente pedido de recusa.


É, porém manifesta a intempestividade do requerimento de recusa, pois, desde logo, o mesmo não foi apresentado até ao início da conferência que decidiu a anterior recusa neste processo.


Entendemos aqui em igual conformidade com o já decidido recentemente no proco de recusa 299/22.1RPRT-A.S1 desta secção, instaurado com argumentos iguais:


“(...) Tal dedução muito para além da data em que a conferência foi produzida viola o estabelecido no artigo 44o CPP quanto ao prazo para apresentação do pedido.


O arguido alega só ter tido conhecimento da composição do tribunal com a notificação do acórdão, aliás efectivada pela secção no mesmo dia da decisão em conferência:


Porém, o invocado conhecimento “tardio”- ( que nos presentes autos que nem sequer demonstra ou prova), “(...) do arguido, apenas poderia relevar se o requerimento de recusa fosse apresentado até à decisão final do incidente em conferência, visto que o artigo 44oCPP não prevê que o requerimento possa ser tempestivamente apresentado depois da decisão final, como sucedeu no caso presente.


Na verdade, essa limitação temporal visa precisamente impedir que um juiz suspeito de parcialidade chegue a decidir o processo ou determine o seu curso ulterior numa da suas fases fundamentais.


Se os factos forem conhecidos depois de proferida a decisão final na conferência, só então se deduzindo o incidente, o certo é que já não poderia impedir-se o risco de uma decisão parcial, ele mesmo visado evitar com o incidente de recusa.


Através da disciplina contida em matéria de prazos no arto 44o do CPP pretendeu o legislador a “utilização surpreendente e abusiva, conforme as conveniências do requerente da recusa, quando os factos são conhecidos anteriormente, como fundamentalmente, uma “utilização inútil” nos casos em que a decisão final foi já proferida – vide neste sentido José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, 2aed., pp 519-20, Ac STJ de 19.01.2017 (Isabel P. Martins) e Ac TC no 143/2004 de 10.03.”


Também de igual modo, trazendo aqui à colação, o acórdão do Tribunal Constitucional no 143/200 onde foi decidido:


“(...)


Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional o artigo 44o do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual o pedido de recusa de juiz se deve formular até ao início da conferência ou da audiência mesmo quando os factos geradores da suspeita só cheguem ao conhecimento do invocante após a prolação do acórdão do qual se arguiu a nulidade e antes da sua apreciação e decisão em conferência, negando, consequentemente, provimento ao recurso. (...)”


3.2-Não obstante, derradeiramente sempre se dirá, ainda, que não são minimamente trazidos pelo requerente “quaisquer factos ou argumentos de onde pudesse deduzir-se que a intervenção dos senhores juízes conselheiros visados corria o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”


No dito requerimento foram invocados motivos que tendencialmente apenas seriam atinentes à invalidade do decisão do tribunal colectivo que decidiu em conferência, razões essas que manifestamente não se compatibilizam nem integram nos fundamentos e finalidades do incidente de recusa.


Tal constatação levaria sempre à conclusão da manifesta improcedência do pedido de recusa em causa.


Mesmo que ainda assim se não considerasse, ainda complementarmente diremos, como doutamente consignado na informação do Exo Sr Juiz Conselheiro KK da ... secção:


“ (...)Acerca da inaplicabilidade da L. 55/2021, de 13/08:


Quer se considere que a L. 55/2021 ainda não entrou em vigor quer se considere que é inexequível por falta da prevista e necessária regulamentação certo é que é inaplicável.


Recuperando a pronúncia do Exmo Sr Juiz Conselheiro DD, no processo de recusa, no 189/12.6..., constante do acórdão aí proferido em 27/07/2022, dir-se-á:


2.“ Dispõem os artigos 3.o e 4.o da Lei n.o 55/2021, de 13 de agosto, que “introduz mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais, alterando o Código de Processo Civil”:


«Artigo 3.o Regulamentação


O Governo procede à regulamentação da presente lei no prazo de 30 dias a contar da data da sua publicação, devendo aquela entrar em vigor ao mesmo tempo que esta.»


«Artigo 4.o Entrada em vigor


A presente lei entra em vigor 60 dias após a sua publicação.»


A Lei encontra-se, pois, em vigor a partir de 12.10.2021.


Mas não foi publicada a regulamentação exigida pelo artigo 3.o, regulamentação que diz respeito ao diploma na sua totalidade (o Governo procede à “regulamentação da presente lei”, diz o preceito) e não apenas a algumas das suas disposições.


Pelo que a questão que se coloca não diz respeito à vigência da lei. Dispõe o artigo 5.o do Código Civil que a lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal


oficial (n.o 1) e que entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar (n.o 2), tempo que já decorreu (60 dias após a publicação).


A publicação da lei é requisito de eficácia – artigo 119.o, n.o 1, al. c), e n.o 2, da Constituição.


Estabelece o artigo 1.o, n.o 1 da Lei n.o 74/98, de 11 de novembro: “A eficácia jurídica dos atos a que se refere a presente lei [em que se incluem as leis – artigo 3.o, n.o 2, al. c)] depende da sua publicação no Diário da República”.


A Lei n.o 55/2021, embora em vigor, é uma lei carecida de regulamento de execução, de


regulamento complementar (por se referir genericamente à lei), para se tornar exequível, no seu todo (cfr. Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.a ed., p. 487, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, 2006, p. 263-264).


Nos termos do artigo 199.o, al. al, c), da Constituição compete ao Governo, no exercício de funções administrativas, fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis (atos normativos a que se refere o artigo 112.o, n.o 7, da Constituição).


É o próprio legislador que torna expressa, no seu articulado, a vontade de que a Lei n.o 55/2021 não seja executada sem que seja complementada por um regulamento, intrinsecamente necessário à sua execução.


A omissão de regulamentação, com a finalidade de desenvolver, pormenorizar, precisar as previsões da lei, impede a sua execução; a sua execução não é viável. Ou seja, a lei não pode ser aplicada sem o regulamento nela previsto.


Abrangendo a lei no seu todo, não é da competência dos tribunais especificar ou delimitar as normas que carecem de regulamentação, sob pena de inaceitável interferência nas competências do Governo.


Em função do que vem de se expor se conclui que a falta de regulamentação da Lei n.o 55/2021 não é suscetível produzir o efeito pretendido pelo requerente.”


Subsidiariamente, também, quanto ao motivo sério e grave, ali se referiu, de forma a que aderimos com total concordância:


“(...) No entanto, não deixa de se aditar que a rejeição sempre se imporia por razões de total ineptidão do meio empregue, como se adiantou.


Na verdade, de acordo com a disciplina do art. 43.° n.o 1 do CPP a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.


E o n.o 2 (do art. 43.o do CPP) prevê como fundamento de recusa “a intervenção do juiz noutro processo, ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40o. O art. 40o trata dos “impedimentos por participação em processo”.


A jurisprudência tem sempre considerado, justamente e sem dissídio, que a recusa tem de ter na base um motivo (sério e grave) gerador de desconfiança ou suspeição sobre a imparcialidade do juiz, motivo que só conduzirá à recusa quando objectivamente diagnosticado no caso concreto. O motivo sério e grave apropriado a gerar a desconfiança, há-de resultar de concretização material, assente em razões objectivamente valoradas, à luz da experiência comum e conforme juízo de um cidadão médio. Impõe-se sempre a formulação de um diagnóstico positivo no sentido de que um cidadão médio possa fundadamente suspeitar de que o juiz deixe de ser imparcial por força da influência do facto concreto invocado no incidente de recusa.


Nenhum motivo que suscite a ponderação à luz da norma-critério – do critério legal e outro não cumpre considerar – é sequer alegado pelos requerentes.


Com efeito, a situação apresentada pelos requerentes não se integra nas previstas no art. 40.o do CPP, (impedimento por participação em processo). E também não é susceptível de configurar a previsão do n.o 1 do art. 43.o, pois o problema colocado não respeita à imparcialidade do juiz e do tribunal, não cumprindo sequer dele, mais em concreto, conhecer.


(...) - o alegado vício de distribuição, que temos por inexistente, só por si, não é fundamento de pedido de recusa;


IV- DECISÃO


Nestes termos, indefere-se por manifesta intempestividade o presente requerimento de recusa apresentado pelo arguido EE.


Dado que o indeferimento apenas se baseia fundamentalmente em razão de intempestividade, não se lançará aqui da tributação prevista quer no arto 45o no7 do CPP, quer no arto 535o do CPC (este aplicável ex vi do arto 521o no1 do CPP em sede de taxa sancionatória excepcional e com referência ao arto 10o do RCP.


Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, nos termos do artigo 7.o, n.o 4, e da Tabela II do Regulamento das Custas Processuais.


Lisboa, 26 de Janeiro de 2023


Os Juízes Conselheiros do STJ


Agostinho Torres (relator)


António Latas (1o Adjunto)


Helena Moniz (2a adjunta)