RECURSO DE REVISÃO
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
PROVA TESTEMUNHAL
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I - A excepcionalidade do recurso de revisão com base na previão do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP funda-se na verificação cumulativa da existência de um novo facto ou elemento de prova e que dele(s) resulte uma séria e grave dúvida sobre a justiça da condenação. “Novos são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo tribunal, impondo-se ainda, que os mesmos, por si ou em conjugação com os que foram apreciados no processo, sejam aptos a suscitar “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. Não basta a mera dúvida, ela deverá ser grave, ou seja, qualificada.
Não basta a descoberta de novos factos ou meios de prova para que o tribunal a quo determine a realização de diligências probatórias requeridas pelo recorrente, havendo que verificar que tais diligências sejam reputadas indispensáveis para a descoberta da verdade e, no caso de prova testemunhal, não poderem indicar-se testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo excepto quando o requerente ignorasse a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (cf. art. 453.º, n.º 2).
II - O STJ tem vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura, sendo fundamental que se trate da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior.
Se eles podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior mas por incúria ou estratégia da defesa não o foram, então apenas se trataria, antes, de caso para recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário, que não é.
Se o facto ou o meio de prova já constavam do processo, sendo acessíveis à verificação dos sujeitos processuais, não pode o mesmo ser considerado uma novidade, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de revisão ínsito na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP. Assim, em julgamento, a defesa ao confrontar-se com o depoimento de uma testemunha que indicou ter pedido a outra pessoa dinheiro para entregar em acto de corrupção a elemento policial tinha possibilidade de que tal testemunha fosse devidamente identificada e chamada a depor, não sendo admissível que o fizesse apenas 2 anos depois para justificação de pedido de revisão extraordinária, daí que não possa dizer-se tratar-se de meio de prova desconhecido.
III - A circunstância de não se provar um facto, não significa que se tenha provado o seu contrário donde não existirá qualquer contradição entre si ao contrário do que sucederia se, noutra decisão se provassem factos incompatíveis com aqueles em que a sentença revidenda se fundou, fosse por estarem em oposição directa com aqueles, fosse por infirmarem de forma decisiva os pressupostos lógicos que conduziram à sua consideração como provados. Os factos não provados não afirmam os factos opostos, apenas enunciam a inexistência de prova que sustentasse a comprovação dos factos. Torna-se necessário que entre esses factos exista uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda», pelo que «só existe verdadeira contradição entre factos provados em decisões diferentes, que se não conciliem e respeitem à mesma pessoa condenada e que contendam com a responsabilidade criminal desta».
IV - Em julgamento, a defesa do recorrente, ao confrontar-se com o depoimento de uma testemunha que indicou ter pedido a outra pessoa dinheiro para entregar em acto de corrupção a elemento policial tinha possibilidade de que tal testemunha fosse devidamente identificada e chamada a depor, não sendo admissível que o fizesse apenas dois anos depois para justificação de pedido de revisão extraordinária, daí que não possa dizer-se tratar-se de meio de prova desconhecido do requerente
V - A junção de um documento particular ao recurso de revisão extraordinário contendo uma declaração de arguido julgado noutro processo por factos idênticos ou conexos, ainda que se pudesse entender tratar-se de um meio de prova “novo” abstractamente atendível em recurso de revisão, tratando-se de documento particular, não tem força probatória para, por si e na conjugação com os meios de prova produzidos, pôr em grave dúvida a justiça da condenação. Seria um meio de prova sui generis, um documento particular meramente narrativo, que «faz prova plena da declaração emitida mas não da [sua] veracidade», apenas atestando que «a declaração foi emitida em certo sentido e nada mais» não podendo dar lastro à dúvida qualificada sobre a justiça da condenação prevista no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, não sendo portadora «de verosimilhança que a credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado”.

Texto Integral



Recurso extraordinário de REVISÃO


NUIPC 32/14.1TDLSB-A.S1


Juiz Conselheiro Relator- Agostinho Torres


Tribunal Recorrido: -Viseu- Juízo de Competência Genérica de ...


Recorrente: AA (arguido)


Sumário- Sentença revidenda de 30.11.2017, do Juízo de Competência Genérica de ...- Transitada em julgado a 21.6.2018.


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (5a Secção Criminal)


I-Relatório


1.1. O arguido AA, no proc.o 34/14 .1TDLSB ( doravante 32/14) que correu termos na Comarca de Viseu-Juízo de Competência Genérica de ..., foi ali condenado por sentença de 30/11/2017, transitada em julgado a 21.6.2018, em processo comum e com intervenção do tribunal singular, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelos artigos 373.o, n.o 1 e 386.o, ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, ficando tal suspensão sujeita a regime de prova (artigo 50.o, n.o 1 e 2 e 53.o do CP), de acordo com plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP;


Esta condenação foi confirmada por Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 6.6.2018, com trânsito em julgado a 21.6.2018.


No que ao presente recurso de revisão extraordinária agora interessará, a condenação nestes autos 32/14 assentou na seguinte factualidade provada:


«6. O arguido AA exerce funções no ... [...] desde data não concretamente apurada do ano de 2011, tendo integrado brigadas de fiscalização com competências no enquadramento funcional referido em 1.


7. Tal brigada era ainda integrada pelo agente BB. (...)


11. No dia 27/6/2012, o arguido AA integrava a equipa de fiscalização da ..., à so-ciedade “I..., lDA”, sita em ..., ..., que explora a pedreira “F...”, onde se deslocou com o agente BB, também do ... da ..., no veículo de matrícula ..-..-MH.


12. Em sede de fiscalização, (...) BB transmitiu a CC, pessoa que di-rigia as instalações da pedreira em causa, a desconformidade do comprimento de um cordão detonante que esta-ria em contradição com a respetiva guia de fornecimento.


13. Sem confirmar a razão de ser de tal conformidade BB, sempre na companhia de AA, afirmou a CC que o modo de trabalharem “era à moda antiga”, dando a entender que o assunto poderia ser resolvido com a entrega de dinheiro.


14. Das mãos de CC, BB recebeu 100€, montante que guardou e fez seu.


15. Os arguidos deram a fiscalização por finda e abandonaram o local.


16. No relatório de fiscalização que elaboraram, o arguido e BB, não mencionaram qualquer infração detetada».


Tendo-se dado como não provado, além do mais:


“(...)


42. O montante referido em 14. foi pago em duas notas de 50€.


43. No momento referido em 14, o arguido AA recebeu das mãos de CC o montante de 100€, que guardou e fez seu.


(...)”


Para tanto, o tribunal fundamentou, essencialmente, a sua convicção nos seguintes termos (negrito e sublinhados nossos):


“(...)


«O arguido limitou-se a negar a prática de qualquer ilícito, nada mais tendo dito quanto aos factos pelos quais vem acusado. Abordou apenas as suas condições sócio-económicas.


(...)


A testemunha CC, funcionário da referida pedreira, confirmou ter recebido a visita dos dois agentes.


Nessa visita, os agentes inspecionaram a pedreira, tendo sido comunicado à testemunha que existia uma desconformidade relacionada com o comprimento de um cordão detonante que estaria em contradição com a respetiva guia de fornecimento. Porém, o agente BB manifestou a disponibilidade para resolverem as coisas “à maneira antiga”, o que a testemunha entendeu como um convite para que lhe fosse feita uma entrega em dinheiro a troco de leniência da parte dos agentes, que assim deixariam passar a desconformidade encontrada, sem elaboração do competente auto de contraordenação.


Assumindo como verdadeira a desconformidade que lhe foi comunicada, a testemunha ausentou-se do local e deslocou-se a um café próximo a fim de ir buscar 100€ para entregar ao agente BB (disse não se recordar se eram duas notas de 50€), o que efetivamente fez.


Disse que não procurou esconder a entrega do dinheiro e que o fez com o braço estendido na direção do agente BB, encontrando-se o arguido a cerca de 10 m dali.


Recebido aquele valor, os agentes abandonaram o local sem registarem qualquer infração contraordenacional.


Foi analisado também, quanto a este episódio, o teor da escuta de fls. 617 a 621, na qual se transcreve uma conversa que tem como destinatário o n.o ..., associado à referida pedreira e na qual o titular desse número, depois de anunciar ao seu interlocutor a presença dos fiscais da pólvora diz, para além do mais, “(...) estão aqui, estão aqui os dois que da outra vez lhe dei cinquenta euros a cada um mas está aqui outro gajo e um disse, quando ia para dar o papel pra dar ao chefe, num sei se ele é o maioral se num é, se caralho é que ele é” e, um pouco depois, “convidei-os a almoçar comigo disse que não tinham que ir num sei o quê, é três, mas dois foi os que eu comprei da outra vez”.


(...)


Destaca-se que a testemunha CC teve um depoimento que o tribunal reputou de extremamente credível, espontâneo e detalhado, com um discurso escorreito e expresso com linguagem clara e concisa, tratando-se também de testemunha sem qualquer tipo de inimizade para com o arguido ou motivo para o pretender prejudicar.


Isto posto, cremos que a linha de defesa que o arguido procurou fomentar, no decurso da audiência de discussão e julgamento, segundo a qual nada viu porque se encontrava longe, manifestamente não colhe.


Em primeiro lugar, porque a entrega da quantia pecuniária ao agente BB foi feita às claras, à vista de toda a gente e de modo facilmente percetível, mesmo a quem se encontre a 10 m do local. Aliás, nem se justificava qualquer secretismo da parte da testemunha, já que também não o houve da parte do agente BB: este não teve qualquer pejo nem procurou dissimular o que estava a suceder, dizendo abertamente, à testemunha, um simples funcionário da pedreira e sem que tivesse havido qualquer conversa prévia entre os dois, que estava disponível para “resolver as coisas à maneira antiga”.


A testemunha limitou-se a emular o que viu, ou seja, não houve qualquer pudor da parte do corrompido, pelo que também não o houve da parte do corruptor.


Por outro lado, a intervenção do arguido na fiscalização à pedreira não se cingiu ao momento em que são entregues 100€ ao agente BB. Tal como o agente BB, o arguido fiscalizou as instalações e estava presente quando foi detetada a suposta desconformidade, quando a testemunha se ausentou do local e quando regressou e “sanou” a questão com tal entrega. Se não viu a entrega, o que não nos parece verosímil, porque motivo não autuou a pedreira pela infração registada? Porque ficou a desconformidade do cordão subitamente sanada? Por outro lado, se viu a entrega mas não concordava com o que se estava a passar, não só podia como devia pôr termo ao ilícito criminal que ali estava a ter lugar.


Parece-nos assim claro, à luz das regras da experiência e da normalidade, que o arguido, em conjugação de esforços com o agente BB e como consequência dessa entrega de uma quantia monetária, que por este último foi recebida e feita sua, se absteve de cumprir com os seus deveres enquanto agente da ..., permitindo que a empresa fiscalizada se furtasse à responsabilidade contraordenacional em que de outra forma incorreria».


Entretanto, ficou posteriormente assente no processo 9590/11.1..., no qual foi apreciada a responsabilidade criminal de BB e outros (que não o ora recorrente AA [transcreve-se o texto como consta do original]:


«10) O arguido BB, agente principal da ..., exerceu funções na ..., desde 2006 até ao dia 25/6/2013, tendo integrado brigadas de fiscalização com competências no enquadramento funcional do referido Departamento.


(...)


183) No dia 27/06/12, BB integrava a equipa de fiscalização da ..., que inspecionou a pedreira “F...”, da sociedade “I..., lDA”, onde se deslocou com o Agente AA, também daquela divisão.


184) Receberam ele e AA, que o acompanhava, das mãos de CC, pessoa que dirige as instalações da pedreira em causa, duas notas de 50€ (cinquenta euros) no total.


185) No relatório de fiscalização elaborado, esses arguidos não mencionaram qualquer infração detetada».


(...)”


E como não provado:


AAAL)


Em sede de fiscalização, BB transmitiu a CC, pessoa que dirige as instalações da pedreira em causa, a desconformidade do comprimento de um cordão detonante, que estaria em contradição com a respetiva guia de fornecimento.


AAAM)


Então, BB disse a CC que "trabalhavam à moda antiga", dando a entender que o assunto poderia ser resolvido com a entrega de dinheiro.


AAAN)


Tendo abandonado o local e a inspeção, por via do dinheiro que lhes foi entregue, por CC.”


Tendo sido indicada a seguinte motivação:


(...)


“Nos presentes autos investigaram-se eventuais atos de corrupção, em que eram corruptores empresários do setor de armas e explosivos e corrompidos, Agentes Policiais da "... — ...", designada abreviadamente de "... — ..." ou simplesmente de "..." ou "...".


Os autos tiveram início com uma comunicação do Chefe da "...", Subintendente DD, ao Diretor da .... e que este depois encaminhou para o Diretor Nacional da ....


Este, por sua vez, mandou instaurar procedimento disciplinar e criminal, contra os visados, pelo que os autos foram enviados ao M.P., para procedimento criminal.


A referida comunicação consta de fls. 6 e v.°.


Baseou-se em duas denúncias anónimas, de fls. 7/8 e 9/15 que dão conta, com indicação de nomes, de atos de corrupção passiva praticados por Agentes da "... — ...".


Uma outra carta anónima nos mesmos termos é junta ao Proc.°, de novo por ação do Subintendente Magarreiro, denunciando atos do mesmo tipo — fls. 25/29.


O mesmo junta também posteriormente aos autos, duas informações de serviço — fls. 34 e 35/36. Da segunda, assinada pelo Chefe da "...— EE, resulta que em 2/12/2011 o mesmo se deslocou à pedreira "R...", em ..., para proceder a fiscalização com um colega. Quando se preparava para sair, deu com os aguidos FF e GG que iam a entrar. Referiram ir ali para tratar de "uma situação, uma encomenda". Encontravam-se de férias.


O carro de serviço do autor da informação e do colega tinha sido estacionado nas traseiras da pedreira, por inacessíveis outros lugares.


Depois, o Agente FF entrou em contacto com ele para se justificar, referindo que tinha ido ali comprar uma pedra para a bancada da cozinha.


Já tinha tido também notícia, através de um empresário, de que o Agente FF o avisara dois dias antes de uma fiscalização, que a mesma iria ocorrer.


Uma outra carta anónima nos mesmos termos é junta depois, como decorre de fls. 326/328.


Ou seja: o presente processo é impulsionado por superiores hierárquicos dos Agentes da ... aqui arguidos — BB, FF e GG -, mesmo junto dao "... — ...". Foram valorizadas não obstante em termos probatórios nada poderem provar, exatamente pela existência de um clima de suspeição decorrente de tudo o referido.


No início do julgamento, nenhum dos referidos três arguidos quis falar. Só o fizeram mais tarde, após inquiridas 25 (vinte e cinco) testemunhas arroladas pela acusação.


Estas eram a Inspetora da P.J. que investigou o Processo, elementos da ... ligados à "..., nomeadamente ... que tinham sido arguidos, viram os seus Procs.° suspensos provisoriamente separados deste e foram aqui arrolados como testemunhas. De referir que, à data do julgamento, os mesmos já tinham sido declarados extintos — fls. 4 731/4 736.


Mesmo aí e basicamente, só admitiram receber por vezes 50€ (cinquenta euros) dos Empresários, para todos "almoçarem".


Refutaram receber dinheiro para informarem previamente os mesmos, de fiscalizações a realizar ou para não realizarem autuações.


Mesmo confrontado com algumas escutas reveladoras daquelas informações prévias, o Agente BB — único que, nesta parte, tinha escutas relevantes — começou por arranjar explicações inverosímeis para as mesmas (como no caso da "Pedreira ..." e da "G..."), só acabando por confessar quando muito confrontado com as mesmas (como no caso da "A..."). (itálico nosso)


Após o depoimento da testemunha HH, o arguido GG pediu a palavra e disse que as missões eram dadas ao Chefe de Equipa e este não lhes dizia, para onde iam.


Por vezes contactavam diretamente os empresários, atá para o transporte das apreensões.


No final do julgamento, os arguidos BB e GGadmitiram ainda ter subavaliado algumas das verbas recebidas.


Quando estavam fora, tinham muitas vezes de comer em Restaurantes - só há refeitórios e messes, na sede dos Comandos.


Ou seja: fizeram todos uma confissão muito parcelar, fracionada e cheia de "meias verdades", não se podendo dizer que tenham colaborado de forma relevante com o Tribunal.


(...)


Quanto aos factos em que é interveniente CC e a "Sociedade I..., lDA." — arts.° 2.183° e segs.


BB diz que fez ali a primeira fiscalização em 2 011, com o Agente II. Não foram almoçar.


A segunda ocorreu em 2 012 — trocaram ideias, sobre as quantidades de ..., que podiam ter em "stock". CC entregou-lhes 50€ (cinquenta euros) a si e outros 50€ (cinquenta euros), ao seu colega JJ.


Era um hábito de cortesia, de há muitos anos. "Deixou-se ir no barco".


Não mediram o cordão detonante, mas acharam que podia não estar bem. Não disse, que costumavam "trabalhar à moda antiga".


Em 9/5/2 013, ele e o JJ não receberam nada. Estava lá também o Chefe KK — não sabe, se este recebeu qualquer quantia.


O depoimento de CC não será tomado em consideração, como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos autos.


De fornia titubeante, o arguido BB reconheceu, no fim do julgamento, que alguns erros nas quantias poderiam advir de verbas dadas aos colegas e que ele desconhece. Também só aí se assumiu como "arrependido", não obstante o conteúdo minimalista, da confissão — admitindo apenas, aqui e ali, ter recebido 50€ (cinquenta euros) para almoçar, muitas vezes a dividir pelos três elementos da brigada.


Só se puderam pois dar como provadas as suas declarações, relativas a 2 012 e ao recebimento de duas vezes, 50€ (cinquenta euros). Com efeito, não pôde agora tomar-se em consideração o depoimento da testemunha CC. (...)”


1.2. Em 4 de julho de 2022 o arguido interpôs o presente recurso extraordinário de revisão, com fundamento no disposto no artigo 449.o, n.o 1, alíneas c) [“(...) factos provados inconciliáveis com provados noutra sentença e da oposição resultarem suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação] e d) [“Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo , suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação], do Código de Processo Penal, invocando a existência de uma decisão prolatada noutros autos (referindo-se ao acórdão proferido no processo comum 9590/11.1..., doravante processo 9590/11 e que adiante detalharemos) que, do seu ponto de vista, contém «factos inconciliáveis com os aqui dados por provados» e de «prova nova» por si desconhecida na altura do julgamento que desmente a testemunha CC ou seja, a testemunha LL e o então arguido nesse proco 9590/1,BB, apresentando as seguintes conclusões:


“1. Conforme supra se transcreveu, o tribunal na ausência efetiva de outra prova, para condenar o arguido AA, pelo crime de corrupção passiva, fundamentou a sua decisão, com base nas declarações de uma testemunha CC, em depoimento impreciso e pouco claro, merecedor das maiores dúvidas.


2.Todavia, existe prova testemunhal, que não foi produzida na data dos factos, em virtude de uma testemunha nem sequer ser conhecida do arguido, que não a podia indicar e a outra era arguida sobre os mesmos factos e estava impedida para depor, sendo ambos conhecedores diretos dos factos, não tendo sido possível ao arguido indicar as mesmas na data do julgamento por desconhecimento e impossibilidade legal.


3. Porém, apenas agora, decorrido este tempo, agravado comapandemia, o arguido logrou conseguir encontrar e saber quem era a pessoa de quem foi dito ter emprestado os cem euros, o que não é verdade e só agora a pode indicar, bem como outra testemunha BB que estava legalmente impedida para depor na altura do julgamento.


4. A existência da primeira testemunha, LL, era completamente alheia ao arguido, estando a segunda, legalmente impedida para depor, nunca poderia ter indicado as mesmas.


5. Assim, como será bom de ver, trata-se de testemunhas que apenas agora foram conhecidas e que por esse fato, consubstanciam prova nova que era desconhecida do arguido na data do julgamento.


6. Estamos em querer, que produzida a nova prova testemunhal agora requerida, a mesma confirmará integralmente a versão que sempre foi trazida pelo arguido aos auto e nesse circunstancialismo terá que, com toda a certeza, originar uma decisão diferente.


7. A prova nova a ser produzida, consiste na inquirição das duas Testemunhas infra indicadas, e cuja inquirição se requer.


8. Em consequência, das novas declarações a prestar pelas testemunhas,


Estamos em querer que o arguido venha a ser absolvido do crime pelo qual foi condenado.


9. Igualmente se deve ter emconta a decisão recente firmada no processo n.o 9590/11.1..., do Juiz ... do ... do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o qual, quer na decisão de facto, quer na decisão de direito, contém uma decisão com factos e pena inconciliáveis com os factos e pena constantes na Sentença revidenda.


10.Por isso, sempre por dever de patrocínio e sem conceder, mesmo que se desse por assente a matéria factual dada como provada no acórdão recorrido, o que não se poderá concordar na sequência da inquirição das novas testemunhas, pois a matéria de facto assente com todo o respeito por opinião diversa, sempre deverá ser a que supra se referiu, não pode o arguido ser punido por crime de corrupção, que não cometeu, mas ou pelo crime de recebimento indevido de vantagem, por omissão, ou pelo crime de abandono de funções, numa pena, ou de admoestação ou inferiora três meses de prisão que foio crime e a pena em que BB foi condenado.


11. Tudo isto refere por mera cautela de patrocínio, colocando-se a questão da qualificação jurídica do crime pelo qual o arguido foi condenado, posto que, na sequência da nova prova e do acórdão sobre a mesma realidade, firmando factos diversos e inconciliáveis


12.Com os dos presentes autos, deverá o arguido ser absolvido, ou, no mínimo alterada a qualificação jurídica e ser o arguido punido no mesmo crime do arguido BB.


12.Não se conformando o requerente com a condenação porque nada fez.


13. Não recebeu nem viu receber dinheiro nem viu qualquer infração porque ficou na viatura. Nunca se conluiou com o BB, nem com quem quer que fosse para actos ilícitos. Como a prova produzida e supra requerida o demonstrará.


14. Nestes termos e demais de Direito (...)requer-se que seja admitido o presente Recurso e que sufragados que sejam os vícios apontados, seja reaberta a audiência de discussão e julgamento e consequentemente ordenada a audição das testemunhas indicadas, e consequentemente absolvido do crime de corrupção passiva. Caso assim não se entenda, deverá o arguido ser condenado apenas por recebimento indevido de vantagem, em pena nunca superior a três meses, sem prejuízo da prescrição caso entretanto tenha ocorrido, vendo a medida da pena reajustada à real culpa.”


O ora recorrente AA juntou oportunamente certidão, com nota de trânsito em julgado a 21 de junho de 2018 da sentença revidenda (ref.a 5497145, de 16 de setembro de 2022) e certidão, também com nota de trânsito em julgado em 1 de julho de 2021, da condenação proferida no dito processo 9590/11.1... (ref.a 5497146, de 16 de setembro de 2022)


1.3. Em resposta ao recurso o Ministério Público na 1a instância concluíu:


“1. A finalidade do recurso de revisão, com consagração constitucional (cf. artigo 29.o, n.o 6, da Constituição da República Portuguesa), é a avaliação da justiça da condenação, que é erigida como valor prevalente, em detrimento do caso julgado.


2. Consubstancia um incidente excepcional, sendo que só perante situações especiais, rigorosamente previstas na lei, decorrentes de uma decisão injusta, é admissível a sua utilização, tendo em vista a reposição da verdade e a realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.o 145/10.9JAPDL-B.S1, 25-07-2014, Relator Oliveira Mendes, disponível em www.dgsi.pt


3. O Recorrente fundamenta a sua pretensão nos termos do artigo 449.o, n.o 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Penal, em razão do conhecimento superveniente de facto novo, que suscita graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


4. Não foi indicado qualquer novo facto ou meio de prova que fundamente o pedido.


5. E, muito menos, idóneo a pôr em causa a justiça da condenação.


6. Aquilo que o Recorrente pretende é indicar no processo uma testemunha que nada tem a ver com os autos e que, em comum com o referido em julgamento, só tem o nome MM, e ouvir agora como testemunha o arguido em processo conexo, para que este venha aqui simplesmente negar o que há muito se deu como provado e, assim, a pretexto disso, trazer à discussão uma nova versão dos factos que serviram de suporte à sua condenação.


7. O Recorrente teve oportunidade, até ao julgamento e posteriormente, em sede ordinária, de questionar a prova, de forma a contraditar os factos constantes do libelo acusatório, o que fez, usando da estratégia processual que quis.


8. E de indicar testemunhas ou requerer a apensação destes autos a outros, caso entendesse que tal garantia a sua defesa.


9. São novos apenas os factos e os meios de prova que fossem desconhecidos ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, quer pelo tribunal quer pelas partes, consabido que o artigo 453.o, n.o 2, do Código de Processo Penal, impede o Requerente da revisão de indicar testemunhas que não hajam sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou caso estivessem impossibilitadas de depor. – cf. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Relator Oliveira Mendes, de 04-01-2017, processo 1100/11.7PGALM-A.S1, de 20-10-2011,processo 665/08.5JAPRT.E.S1, 28-10-2009, processo 109/94.8TBEPS-A.S1.


10. A excepcionalidade da revisão tem justificação na restrição grave que a mesma admite e estabelece ao princípio non bis in idem na sua dimensão objectiva, ou seja, ao caso julgado enquanto instituto que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, a intangibilidade do definitivamente decidido pelo Tribunal.


11.A resolução do conflito existente entre o valor do caso julgado e a admissibilidade de revisão de uma sentença exige sempre uma ponderação de interesses.


12. Por outro lado, para além de os factos ou meios de prova terem de ser novos, é também necessário que eles, por si só ou conjugados com aqueles que já constavam do processo e nele tinham sido apreciados, tenham a virtualidade de criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação, a ponto de se colocar a questão de o arguido dever ter sido absolvido.


13.No caso vertente, tal não sucede, pois não se verifica o pressuposto comum, o de resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, e, como tal, afigura-se-nos que a revisão da sentença sempre será inadmissível.


14.Destarte, não se verificam os fundamentos de revisão de sentença previstos no artigo 449.o, n.o 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Penal.


15.Face a todo o supra exposto, conclui-se que a justiça da condenação não se mostra, de forma alguma, abalada.


Termos em que declarando a inadmissibilidade legal do recurso ou, se assim não se entender, não concedendo provimento e confirmando a decisão proferida, fará este Tribunal, como sempre, JUSTIÇA”


1.4. O Sr. Juiz “a quo” pronunciou-se nos presentes autos 32/14 sobre o mérito do pedido (cumprindo o art.o 454.o, CPP), tendo desenvolvido detalhada informação e análise do caso, concluindo negativamente, no sentido de o pedido de revisão não dever merecer provimento.


1.5. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo Sr. PGA emitiu parecer, dizendo, aqui em síntese, não merecer provimento o recurso.


1.6. Notificado do Parecer do Exmo PGA, o recorrente veio reafirmar o seu ponto de vista já aludido no recurso nomeadamente quanto ao facto de “(...)ter ficado assente na decisão firmada pelo Coletivo do Tribunal Criminal de Lisboa e Acórdão da Relação, que o BB nunca agiu em conluio com o aqui arguido AA, o que é inconciliável como dado por assente nos pontos destes autos transcritos e que são os pontos 8; 9; 10; 12; 13; 15; 16; 20 a 25, o que demonstra por si só, como injusta foi a condenação do arguido, porque isto serviu para fundar a convicção que se estava conluiado com o BB viu o BB receber o dinheiro e nada fez nem nada denunciou. (...) E também que se trata da invocação de prova nova que o recorrente desconhecia, porque não sabia nem podia saber que afinal o CC não pediu dinheiro emprestado e por isso mentiu em Tribunal. (...)


1.7. Em exame preliminar, o Relator determinou então que fossem cumpridos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência.


Tudo visto:


O recorrente (arguido nos autos) tem legitimidade para requerer a revisão da sua condenação decretada em decisão judicial transitada em julgado (artigo 450.o, n.o 1, al. c), do CPP).


O recurso encontra-se motivado e está instruído (artigos 451.o, n.o 3, e 454.o do CPP).


Encontram-se certificadas as decisões em causa invocadas, com nota de trânsito em julgado.


Este Supremo Tribunal é o competente (artigos 11.o, n.o 4, al. d), e 454.o do CPP) para apreciar o pedido de autorização da revisão extraordinária do acórdão condenatório. Nada obsta, pois, ao conhecimento do recurso.


Cumpre, assim, apreciar e decidir.


II. Fundamentação


2.1- Questões a assinalar com relevo- arto 449. no1, alineas c) e d) do CPP.


A) Os factos que serviram de fundamento à condenação do recorrente são inconciliáveis com os provados no processo 9590/11.1... e, dessa oposição, retira-se uma grave dúvida sobre a justiça da condenação nos presentes autos?


B) O recorrente apresenta prova nova decisiva e justificação suficientemente plausível para não ter requerido a identificação e a inquirição de LL e a inquirição de BB durante o julgamento do processo 32/14.1TDLSB, sendo que os depoimentos destes, face às informações disponíveis nos autos, são passíveis de suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação?


2.2. Os fundamentos do pedido de revisão


2.2.1- Os pressupostos e parâmetros do recurso extraordinário de revisão (artos 449o, no1 alineas c) e d) do CPP)

I. O art.o 449.o, do CPP, enuncia, de modo taxativo, as hipóteses em que pode ser concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça a revisão da sentença penal transitada em julgado, dispondo em matéria de fundamentos e admissibilidade da revisão, o seguinte:


“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:


a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;


b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;


c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;


d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.o;


f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;


g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.


2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.


3 - Com fundamento na alínea d) do n.o 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.


4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.” -(itálico e negritos nossos)


O recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.o a 466.o do CPP, é um meio processual (que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo –art.o 449.o, n.o 1 e n.o 2 do CPP –também transitados) e que visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações (art.o 449.o, n.o 1, do CPP) que o legislador considerou deverem ser atendíveis e em que deu prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado (daí podendo dizer-se, com Germano Marques da Silva 1, que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.”).


Por poder estar em causa essencialmente uma “condenação ou uma absolvição injusta” é de admitir o recurso de revisão ainda que o procedimento se encontre extinto, a pena prescrita ou mesmo cumprida” (art.o 449.o, n.o 4, do CPP).


Quanto às condenações, é também incontornável a sua total conformidade constitucional, na medida em que o artigo 29.o, n.o 6, da CRP dispõe claramente que (...) “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.


O recurso extraordinário de revisão concretiza, assim, no plano infraconstitucional, o direito fundamental dos cidadãos, injustamente condenados, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos, inscrito no sobredito art.o 29.o, n.o6, da Constituição da República (CRP).


Neste meio processual extraordinário reflecte-se, de modo particularmente intenso, a tensão entre os princípios, também estruturantes do Estado de Direito, da justiça, da certeza e da segurança do direito e, ainda, o da intangibilidade do caso julgado, que destes últimos é instrumental.


Aqueles cedem perante novos factos ou perante a verificação da existência de erros graves de julgamento ou de procedimento susceptíveis de porem em causa, por via de dúvidas graves, a justiça da decisão.


O regime de admissibilidade da revisão da sentença transitada em julgado traduz o difícil ponto de equilíbrio, encontrado pelo legislador na margem da credencial constitucional – “(...) nas condições que a lei prescrever” –, entre a imutabilidade da sentença transitada em julgado e a dúvida fundada e comunitariamente insuportável acerca da justiça da decisão penal ou do modo como foi atingida.(cfr Ac STJ de 20 de Outubro de 2022, Processo: n.o 174/19.7GAMNC-A.S1 - 5a Secção Criminal)


Assim, do mesmo modo como referido já por este Supremo Tribunal no acórdão de 20/01/2021, Proc. 374/11.8FAMD-B.S1, em www.dgsi.pt, na linha de uma jurisprudência constante, “(...) o recurso de revisão, dada a sua natureza excepcional, ditada pelos princípios da segurança jurídica, da lealdade processual e do caso julgado, não é um sucedâneo das instâncias de recurso ordinário. Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada”.


Portanto, desde logo, para ser interposto recurso de revisão, a decisão a rever tem de estar transitada em julgado (como estabelece o n.o 1 do arto 449.o do CPP), só tendo legitimidade para a sua interposição os sujeitos indicados no arto 450.o do CPP, entre eles o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias (ver arto450.o, n.o 1, al. c), do CPP).

II. Quanto ao fundamento de revisão previsto na alínea c) do arto 449o no1 do CP- “:(...) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”


De antemão se dirá, em breve apontamento, aproveitando aqui, em parte, a reflexão do MPo no seu parecer, que a revisão não será admissível «quanto a matéria de direito ou com base em factos considerados não provados na decisão fundamento» (citando ali FERNANDO GAMA LOBO, Código de Processo Penal anotado, 4.a edição, Almedina, página 1019).


E, aliás, conforme jurisprudência referenciada também pelo Exo PGA no seu parecer,


«[A] inconciliabilidade haverá de resultar dos factos provados numa e na outra sentença. Sendo irrelevante para este efeito a divergência entre os factos provados na sentença e os factos não provados em outra sentença. Efetivamente não pode haver qualquer contradição entre um facto provado e um facto não provado. Não há inconciliabilidade entre um facto julgado provado na sentença condenatória e a não prova do mesmo facto em outra sentença. A razão de numa sentença se ter dado com certo um determinado acontecimento e em outra sentença se não considerar provado o mesmo acontecimento, radica no diferente acervo probatório produzido num e no outro julgamento ou na diversidade do critério valorativo de um e do outro tribunal» (2)


Por outro lado, a inconciliabilidade entre factos (sublinhado nosso) pressupõe: “que entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença ocorra uma incompatibilidade ou seja, uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revivenda» [citando o Ac. do STJ de 3 de março de 2010, processo 2575/05.7TAPTM-A.S1, OLIVEIRA MENDES (relator), in www.dgsi.pt].”


Também a salientar, ainda, veja-se que “a discrepância jurídica entre duas decisões, nomeadamente no que toca ao enquadramento jurídico da factualidade e à medida da pena, é absolutamente irrelevante. O recurso de revisão fundado na alínea c) do n.o 1 do artigo 449.o do Código de Processo Penal versa apenas sobre questão de facto e «não procura corrigir sequer eventuais erros de interpretação de direito das Instâncias» citando-se ali também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de março de 2021, processo 106/16.4GCTND-A.S1, PAULO FERREIRA DA CUNHA (relator), www.dgsi.pt].


De resto, sobre este fundamento de revisão contido no no1 da supracitada alínea c) do arto 449o do CPP, remetemos, por economia de esforços , para o desenvolvimento formulado quer no parecer do MP quer na muito bem elaborada informação do Sr Juiz a quo, a propósito do, nos autos, citado Ac. do STJ de 29/03/2017, onde se espelha uma vasta resenha jurisprudencial:


“Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a mesma tem de respeitar aos factos provados (cfr., entre muitos outros, os acórdãos do STJ, de 12.09.2013, proc. 110/11.9GAVLG.AS1- 5a Secção e 29.04.2015, proc. 68/02.5GBSL-A.S1- 3a Secção). Segundo o acórdão do STJ, de 15.04.2015 (proc. 98/04.2IDVCT-A.S1-3a Secção), «a oposição tem de resultar de contradição entre factos dados como provados nas duas sentenças, não havendo inconciliabilidade quando se confrontam factos provados com factos não provados», pois « a negação de um facto não é a afirmação do facto contrário.


Os factos não provados não afirmam os factos opostos. Apenas enunciam a inexistência de prova que sustentasse a comprovação dos factos».


Significa isto que «é necessário que entre esses factos exista uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda», pelo que «só existe verdadeira contradição para o efeito que aqui interessa, entre factos provados em decisões diferentes, que se não conciliem e respeitem à mesma pessoa condenada e que contendam com a responsabilidade criminal desta».


Apenas tal evidência de contradição terá a virtualidade de gerar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


Sobre este conceito de “graves dúvidas ...”, para efeitos de revisão de sentença, afirma o acórdão do STJ, de 25.01.2007 ( proc. 2042/06 - 5.aSecção) que são todas aquelas que são «de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta.»


As dúvidas têm de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido em vez de ser condenado».


Por conseguinte, decisões inconciliáveis, para efeitos de recurso de revisão, nos termos da alínea c) do no 1 do arto 449o do CPP, são aquelas em que o requerente da revisão foi a pessoa condenada e em que os factos que fundamentam a condenação revidenda e os factos dados como provados noutra sentença estão em oposição, de modo a gerar sérias dúvidas sobre a justiça da condenação.” (proc. 89/06.9IDSTR-A, acedido em www.dgsi.pt)


III- Por sua vez, quanto ao fundamento previsto na al.a d) do n.o 1 do art.o 449o do CPP:


Esta norma cuja redação provém e se mantém inalterada desde o texto original, foi inspirada no artigo 673.o, n.o 4, do Código de Processo Penal de 1929, que tinha a seguinte redação:


“4. Se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciadas no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado”.


Entendia-se, então, que “a suspeita grave de injustiça da decisão, no sentido da violação da lei substantiva, não podia fundamentar a revisão”.


Sustenta-se na doutrina e tem sido adoptado na jurisprudência o entendimento de que a alínea d) “tem um campo de aplicação bastante divergente deste seu antecedente, muito mais amplo, pois enquanto aquele n.o 4 exigia que os novos factos ou elementos de prova constituíssem motivos sérios de presunção de inocência do condenado, basta agora que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


A disposição atual tem, é certo, a limitação do n.o 3, determinante da inadmissibilidade do pedido de revisão com o único fim de corrigir a medida da pena. Mesmo assim, ficam agora a caber no âmbito legal casos que a lei anterior não comportava, como o de, posteriormente à condenação, se descobrir que o arguido era inimputável ou tinha imputabilidade diminuída à data da condenação (...)”


Neste conspecto, vide M. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado e comentado, 12a ed., pag. 845. Com o mesmo entendimento, vide também G. Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, ed 1994, pag. 363)


Para ser admitida a revisão não é, assim, suficiente a mera descoberta de novos factos ou elementos de prova. Exige-se que, por si sós ou conjugados com os factos apurados no julgamento ou com as provas aí apreciadas, demonstrem ou indiciem fortemente a inocência do condenado.


Esta interpretação foi reafirmada no Ac. STJ de 24/01/2018, onde se sustentou: “não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável”- [cfr proc. n.o 3/12.2GAVVC-B.S1, 3a sec , www.dgsi.pt/jstj ]


Com interesse ainda, em incursão pelo direito comparado, leia-se o excurso desenvolvido no Ac. deste STJ no proco 2140-16.5T8VIS-D.S1 de 15 .12.2021 (Nuno Gonçalves)


Ademais, no processo penal, o arguido, para alcançar a revisão da sentença não tem que demonstrar perante o Tribunal de recurso que não cometeu os factos por que foi condenado ou de que por eles não é responsável. Mas também não é bastante que indique quaisquer novos factos ou novas provas. Enquanto requerente da revisão de uma condenação firme, exige-se-lhe que apresente novos factos ou provas que, por si sós ou conjugadas com outras provas produzidas no julgamento, sejam de molde a infirmar objetivamente os factos provados, a desvalorizá-los completamente ou que tornem manifestamente insuficientes as provas em que se fundou a condenação.


A presunção de inocência cessa com o trânsito em julgado da condenação – (cfr art.o 32o n.o 2 da CRP).


Para readquirir essa presunção, a Constituição e o processual penal, no compromisso imanente com a verdade material das decisões judiciais, não impõem que o condenado prove que os factos não aconteceram ou que por eles não é responsável mas, isso sim, impõem que o condenado apresente novos dados de facto ou meios de prova que demonstram grave insuficiência cognitiva da decisão em matéria de facto.


Tal sucederá quando são levados ao conhecimento do tribunal factos anteriores suficientemente acreditados, que interessando ao objeto da causa e podendo influir no sentido da decisão em matéria de facto, não podia ter conhecido ou meios de prova cuja existência ignorava e que se revelam com força probatória adequada a infirmar os factos provados que sustentam a condenação.


O nosso legislador também não prevê a revisão da decisão judicial com fundamento no erro de julgamento [Na decisão da matéria de facto – por ex., o tribunal fixa um acontecimento que não existiu ou na resolução da questão de direito – máxime, errada subsunção jurídica dos factos provados, ou, em geral, erro na aplicação do direito ao caso concreto.]


Nem, fora dos casos expressamente previstos, em vícios do procedimento devido [v.g. no caso de nulidades da sentença].


“Deste modo a abertura e amplitude da revisão da sentença condenatória não pode deixar de ser informada pela ideia de excepcionalidade, aplicável apenas a casos de injustiça intolerável ou por gravidade excessiva. Só assim se poderá manter, na medida do possível, o necessário equilíbrio entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança jurídica.” (idem, Ac cito, proco 2140-16.5T8VIS-D.S1 de 15 .12.2021)


Vide, ainda, sobre a temática, o Ac. STJ de 26/09/2018, Ac. de 10/02/2021 da 3a secção e, do Tribunal Constitucional, o Ac. de 12/5/2005 bem como o Ac. de 3/12/2014, deste Supremo (3a secção), onde se alude e reflecte que:


“(...)


exigem- se “novas provas” que, no concreto quadro factual, se revelem tão seguras que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a prova de um quadro de facto novo ou a exibição de novas provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão- (Proc. 798/12.3GCBNV-B.S1 in www.dgsi.pt


Em suma, a aferição da novidade dos factos e dos meios de prova. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal a corrente maioritária, - seguida entre outros, no recente Ac. de 10/02/2021(3a secção) – sustenta , em síntese, “(...)Louvando-nos, brevitatis causa, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, 3a secção, processo 41/05.1 GAVLP-C.S1, de 12.03.2014, factos novos serão «os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão”.


Para haver a revisão é necessário, assim, que o acórdão condenatório tivesse transitado em julgado na altura da sua interposição (o que se confirma, sem discussão, no presente caso) e, para além disso, é pressuposto do fundamento invocado pelo recorrente/condenado previsto no artigo 449.o, n.o 1, al. d), do CPP, que “sejam descobertos novos factos ou meios de prova que, per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”


“A novidade dos factos ou dos elementos de prova deve sê-lo para o julgador; novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido não os ignorasse no momento do julgamento.” ( vide, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Lisboa: Verbo, 1994, p. 363.)


A jurisprudência , entretanto, (também para evitar a transfiguração do recurso extraordinário em recurso ordinário) passou a seguir uma linha hermenêutica mais apertada e exigente dessa norma , entendendo que “novos são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal.


Mais recentemente, o STJ tem vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura.” (vide Ac. do STJ de 19.11.2020, processo n.o 29/17.0GIBJA-C.S1 , in site do ITIJ -Bases Jurídico-Documentais).


Ainda sobre o dito conceito de “novidade”, e entre outros, o Ac. do STJ de 24.06.2021, na linha do que é já jurisprudência maioritária do Supremo, na consideração, por exemplo, de junção de documentos ao recurso de revisão, leia-se o comentário de Pereira Madeira no CPPC, 2.a ed., p. 1509 quando aí refere:


« (...) o arguido, se os conhecia e não invocou aquando do julgamento faltou, certamente por estratégia de defesa, ao dever de lealdade e colaboração e com o tribunal, pelo que, seria iníquo permitir-lhe agora invocar factos que só não foram oportunamente apreciados por mero calculismo, circunstância que está longe de se equiparar à gravidade do facto que é a justiça da condenação. ».


Fundamental é que se trate da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior .


Se eles podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior mas por incúria ou estratégia da defesa não o foram, então apenas se trataria , antes, de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário, que não é .


Vejam-se, inter alios, o Ac. do STJ de 19.11.2020, Processo n.o 198/16.6PGAMD-A.S1 (Margarida Blasco), no aludido site.


E, assim, melhor se percebe, a exigência complementar do terceiro requisito (que evita a transformação do recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário), quando ainda estabelece que não pode ter como fim único a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.o 3 do artigo 449.o) e tem antes de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação (isto é, dúvidas que atinjam gravidade tal que coloquem em causa a justiça da condenação e não que se suscitem simples dúvidas sobre a justiça da condenação).


Ver ainda sobre esta temática os Ac do STJ nos procos 1922/18.8PULSB-A.S1 (Helena Moniz) e de 11.11.2021, processo n.o 769/17.3PBAMD-B.S1 (Eduardo Loureiro), consultados no site da DGSI.


No Ac. do STJ de 14-07-2022, Proc. n.o 490/17.2GAPTL-A.S1, em www.dgsi.pt, afirmou-se que:- “O recurso extraordinário de revisão é o último remédio processual para ultrapassar erros judiciários dando primazia à justiça material, nos casos tipificados pelo legislador, em detrimento da segurança do direito e a força do caso julgado.”, e mais adiante acrescentando que “Novos factos ou meios de prova é uma indicação alternativa. Factos, são os factos probandos; elementos de prova, os meios de prova relativos a esses factos.”.


E, no Ac. do STJ, de 24/06/2021, Proc. n.o 1922/18.8PULSB-A.S1, pode ler-se:


“A generalidade da doutrina tem entendido que são novos os factos ou os meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que levou a condenação do agente, por não serem do conhecimento da jurisdição na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora pudessem ser do conhecimento do condenado no momento em que foi julgado.


Entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça partilhou durante largo período de tempo, de jeito que podia considerar-se pacífico.


Mas, a jurisprudência do STJ foi sendo alterada, tendo avançado, posteriormente, para uma jurisprudência que impõe que a novidade também se refira ao desconhecimento, pelo arguido, dos factos e meios de prova que pretende chamar à colação para rever a decisão condenatória, apelando, nomeadamente, ao princípio da lealdade processual. E nesta jurisprudência atual, ainda se destaca, uma outra interpretação do direito de revisão, definindo-se como “novo” “o facto ou meio de prova que, para além do tribunal, também o arguido desconhecia na altura do julgamento ou que, conhecendo, estava impedido ou impossibilitado de apresentar, justificação”.


Ou seja, nos últimos tempos, jurisprudência sofreu uma limitação, de modo que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e mais adequada à busca da verdade material e ao respetivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal. Algo de semelhante ocorre quando o Código de Processo Penal, no art.o 453.o, n.o 2, determina que nos casos em que o recorrente queira indicar testemunhas “não possa indicar testemunhas que não tenham sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estavam impossibilitadas de depor”.


Mas, não basta a novidade, ou seja, a existência de factos ou meios de prova novos. Estes, por si só, ou combinados com os que foram apreciados no processo, terão de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Este requisito é demonstrativo do carácter excecional do recurso de revisão e procura evitar uma desmesurada fratura no caso julgado que redundaria em múltiplos recursos para tentar inverter uma condenação. A fronteira é, justamente, a tutela dos casos que são ostensivamente injustos. A gravidade da dúvida sobre a justiça da condenação aponta, assim, para uma forte probabilidade de que os novos factos ou meios de prova, se introduzidos de novo em juízo, e submetidos ao crivo do contraditório de uma audiência pública, venham a produzir uma absolvição, em virtude da prova de inocência ou do funcionamento do in dubio pro reo. É uma gravidade séria, acentuada e exigente.” – sublinhados nossos.


Ou seja, ponto é que se trate de facto novo, de facto que não existia nem constava do processo à data da prolação da sentença, sendo desconhecido no momento do julgamento e que tal facto novo suscite grave dúvida sobre a justiça da condenação. Se o facto ou o meio de prova já constavam do processo, sendo acessíveis à verificação dos sujeitos processuais, não pode o mesmo ser considerado uma novidade, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de revisão ínsito na al. d), do n.o 1, do art.o 449.o, do CPP.


Com efeito, a excepcionalidade do recurso de revisão funda-se na verificação cumulativa da existência de um novo facto ou elemento de prova e que dele(s) resulte uma séria e grave dúvida sobre a justiça da condenação.


2.2.3. Descendo ao caso concreto a decidir


2.2.3.1- Fundamento previsto no artigo 449.o, n.o 1, al. c), do CPP


Em sede da decisão sobre a matéria de facto, o segmento da narrativa provada e não provada e da fundamentação da linha de convicção com maior relevância para o presente recurso de revisão extraordinária constante dos presentes autos 32/14.1TDLSB foi já supra transcrita.


Por outro lado, relembramos aqui, ficou assente no processo 9590/11.1..., [onde, entre o mais, foi apreciada a responsabilidade criminal de BB], que:


«10) O arguido BB, agente principal da ..., exerceu funções na ..., desde 2006 até ao dia 25/6/2013, tendo integrado brigadas de fiscalização com competências no enquadramento funcional do referido Departamento.


(...)


183) No dia 27/06/12, BB integrava a equipa de fiscalização da ..., que inspecionou a pedreira “F..., da sociedade “I..., lDA”, onde se deslocou com o Agente AA, também daquela divisão.


184) Receberam ele e AA, que o acompanhava, das mãos de CC, pessoa que dirige as instalações da pedreira em causa, duas notas de 50€ (cinquenta euros) no total.


185) No relatório de fiscalização elaborado, esses arguidos não mencionaram qualquer infração detetada».


BB foi ali condenado pela prática de um crime de recebimento indevido de vantagem previsto e punido pelo artigo 372.o, n.o 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão [sendo que, em cúmulo jurídico das penas impostas pela prática de mais oito crimes, foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo].


Aproveitando aqui, por economia de escrita, a síntese, aliás expressiva, da informação feita pelo Sr Juiz a quo, da «leitura dos factos ali dados como provados, não se divisa um único (nem o requerente o indica) que esteja numa relação de exclusão com aqueles que nos autos (...) se deram como provados»


Após a análise do percurso histórico processual disponível quer nos presentes autos quer no processo no 9590/11.1..., podemos delimitar os aspectos mais relevantes a ter em atenção para a decisão do recurso, socorrendo-nos em grande parte, também por economia de esforços e para evitar repetições desnecessárias, a aludida e muito bem detalhada informação do sr Juiz a quo.


Começando pelo motivo da inconciliabilidade entre a sentença revidenda e a decisão proferida no processo n.o 9590/11.1... [ fundamento do aro. 449.o, n.o 1, al. c) do CPP]:


Entre ambos os processos constata-se uma parcial conexão do objecto em sede de facto, sendo certo que nestes autos revidendos no 32/14, que correu termos autonomamente e terminaram antes da decisão naquele no9590/11 o recorrente AA foi o único arguido e CC quem depôs como testemunha, sendo funcionário da sociedade I..., lDA, que explorava a pedreira “F...” sita em ...,....


Os factos em causa conexos são os ocorridos a 27/6/2012 por altura da deslocação em fiscalização ao local, por parte do ora recorrente e arguido com o seu colega BB. BB estava legalmente impedido de depor como testemunha nos autos 32/14 na altura do julgamento, por ser arguido nesse processo conexo (cfr. o artigo 133.o, n.o 1, alínea a), do Código de Processo Penal) pois que este último foi arguido no proco 9590/11 com outros. Não foi arguido no proc 32/14. E, ali, foi condenado além do mais, por crime de recebimento indevido de vantagem: (...)- ponto 20, a 3 (três) meses de prisão.


Para melhor compreensão dos aspectos de facto que relevam, atinentes aos fundamentos da condenação sofrida pelo ora recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelos artigos 373.o , n.o 1 e 386.o, ambos do Código Penal, em pena de 2 anos e 8 meses de prisão e com suspensão da pena de prisão aplicada, por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova, nos termos dos artigos 50.o, n.o 1 e 2 e 53.o do Código Penal, de acordo com plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP, diremos que no processo 32/14 interessam sobretudo os factos provados de 11 a 16 e os não provados de 42 a 44.


Em sede de motivação remetemos para o conteúdo do ponto 2.3 da sentença revidenda de 30.11.2017, de fls 35 vo a 38 dos presentes autos, a qual foi integralmente confirmada pelo AC TRC que decidiu o recurso ordinário que dela interpôs o arguido ora recorrente.


Por outro lado, no proco 9590/11, relevam os factos do ali “Ponto 20”- no 183 a 185 ( factos de 27/6/2102), 228 (confissão) e, dos não provados, os das alíneas B), AAAL), AAAM) e AAAN)


Em sede de motivação no proco 9590/11 remetemos para a transcrição constante do Ac do TRL de 1 de Junho de 2021constante da certidão de recurso, a fls 89,vo (pag 81 vo do Ac) e a fls 90 vo da mesma, (correspondente a pág 95, vo, do sobredito acórdão.


Encontravam- se ali sob julgamento eventuais actos de corrupção, em que eram corruptores empresários do sector de armas e explosivos e corrompidos Agentes Policiais da “... – ...”, da qual faziam parte BB, ali co-arguido com FF, GG, NN, OO e F..., Lda e AA (que não foi ali arguido), aqui requerente e condenado apenas nos presentes autos.


Um dos factos ali sob juízo foi, justamente, aquele que ocorreu no dia 27/6/2012, durante uma acção de fiscalização da ... à sociedade “I..., lDA”, sita em ..., ..., em que foram intervenientes os referidos BB e o aqui requerente PP.


É o mesmo núcleo de facto que foi objecto de julgamento nos autos principais, mas que, por força da separação de processos, foi julgado em processos distintos.


A decisão ali proferida (que transitou já em Fevereiro de 2022) é inconciliável com a que nos autos apensos se prolatou?


Não temos dúvidas algumas em responder que não o é.


A contradição aludida pelo requerente entre a sentença revidenda e o acórdão proferido no processo que apelida de “principal” reside na circunstância de, neste último, e citando, “algo de muito diverso [ter sido] dado por provado, além de ter sido dado por não provado um facto da maior importância erradamente dado por provado nos autos da decisão revidenda.”.


Afirma o requerente que “ficou assente na decisão firmada pelo Coletivo do Tribunal Criminal de Lisboa, Acórdão da Relação, que o BB nunca agiu em conluio como o aqui arguido AA, o que seria inconciliável com a factualidade assente nos pontos destes autos 32/14 de 8; 9, 10, 12; 13; 15; 16; 20 a 25”.


Vejamos:


Nestes consignou-se o seguinte:


“8. O agente AA, na companhia do agente BB, no quadro temporal que se descreve infra em 11 a 16, usou funções que lhe foram cometidas pelo ..., para cobrar verbas a empresários envolvidas pela área de actuação de tal Departamento da ....


9. A cobrança desses valores aconteceu em deslocação que o arguido fez, referida em 11 a 16.


10. O arguido actuou, acompanhado de outro efectivo da ..., BB, que com ele se conluiou, conjugando esforços para execução de intentos comuns.


11. No dia 27/6/2012, o arguido AA integrava a equipa de fiscalização da ..., à sociedade “I..., lDA”, sita em ..., ..., que explora a pedreira “F...”, onde se deslocou com o agente BB, também do ... da ..., no veículo de matrícula ..-..-MH.


12. Em sede de fiscalização, o arguido BB transmitiu a CC, pessoa que dirigia as instalações da pedreira em causa, a desconformidade do comprimento de um cordão detonante que estaria em contradição com a respectiva guia de fornecimento.


13. Sem confirmar a razão de ser de tal conformidade BB, sempre na companhia de AA, afirmou a CC que o modo de trabalharem “era à moda antiga”, dando a entender que o assunto poderia ser resolvido com a entrega de dinheiro.


14. Das mãos de CC, BB recebeu 100€, montante que guardou e fez seu.


15. Os arguidos deram a fiscalização por finda e abandonaram o local.


16. No relatório de fiscalização que elaboraram, o arguido e BB, não mencionaram qualquer infracção detectada.


20. O arguido AA traficou os poderes e funções que lhe foram conferidos, enquanto efectivo da ..., para permitir que terceiro, mais concretamente o seu colega BB, recebesse valores a que o arguido sabia não ter direito, em troca da violação de comportamentos que legalmente lhe estão conferidos, designadamente naquela acção de fiscalização do ..., de carácter sigiloso e de modo a que os visados iludissem as autoridades quanto à posse e manuseio de armas e substâncias explosivas, para efeitos de apreensões e contra-ordenações que seriam devidas, por desconformidade legal.


21. Actos que por essa razão lhe estavam vedados, colocando a razão de ser de funções públicas ao serviço de propósitos pessoais, ilícitos.


22. O arguido preteriu deveres que lhe estavam confiados para benefício de terceiros que dependiam das suas funções.


23. O arguido sabia que com as suas acções violou a probidade das funções públicas que lhe estavam confiadas.


24. A gravidade dos factos imputados, o modo como foram cometidos e a perspectiva do exercício de funções públicas, mormente de autoridade, que revela, evidencia que o arguido não tem condições para voltar a exercer funções públicas.


25.Em tudo agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


O requerente acrescenta ainda que este segmento da narrativa de facto provada é inconciliável com a que se apurou naqueloutro processo 9590/11, nos seguintes pontos da matéria de facto ali não provada:


A. Que o arguido BB solicitasse dinheiro para não relatar alegadas infracções detectadas;


B. Que estivesse conluiado com AA;


Importa referir que estes são os únicos pontos da matéria de facto provada e não provada no processo n.o 9590/11.1... a que o requerente alude nas suas alegações e em requerimento sob ref.a 5497145, a saber:


Não provado:


“AAAL. Em sede de fiscalização, BB transmitiu a CC, pessoa que dirige as instalações da pedreira em causa, a desconformidade do comprimento de um cordão detonante, que estaria em contradição com a respectiva guia de fornecimento;


AAAM. Então, BB disse a CC que “trabalhavam à moda antiga”, dando a entender que o assunto poderia ser resolvido com a entrega de dinheiro;


AAAN. Tendo abandonado o local e a inspecção, por via do dinheiro que lhes foi entregue, por CC.


AAAO. No dia 9/5/13, BB, AA e um outro, em sede de acção inspectiva, receberam de novo dinheiro de CC, por conta do acordo firmado.


AAAP. O arguido BB deu conhecimento a QQ, de acções a empreender pela “... – ...” a troco de dinheiro, o que este aceitou.


AAAQ. QQ pagara um almoço ao BB, a fim de ter conhecimento antecipado daquelas acções;


AAAR. Este beneficiara ainda de outro almoço e de duas dormidas da Residencial de ..., “...”. Conclui o requerente, no predito requerimento, que “[e]stas questões, nomeadamente o facto de ter ficado assente que não existia conluio entre BB e AA, contraria a sentença revidenda e, ouvidos os testemunhos indicados, é manifesta a injustiça da condenação, quando cotejada com a decisão do tribunal Central Criminal de Lisboa, que é posterior.”.


Em contrário do que afirma, nunca se provou ali que não teve qualquer tipo de participação nos factos ocorridos no dia 27/06/2012, no âmbito de uma acção de fiscalização à sociedade “I..., lDA”


Na verdade, o que se lê é que ali não se fez prova de que BB solicitasse dinheiro para não denunciar infracções e, decorrentemente, que o ora requerente estivesse conluiado com aquele.


Ora, a circunstância de não se provar um facto, não significa que se tenha provado o seu contrário. Donde não se divisa qualquer contradição entre si ao contrário do que sucederia se, na segunda das decisões (no proco 9590/11), se provassem factos incompatíveis com aqueles em que a sentença revidenda se fundou, fosse por estarem em oposição directa com aqueles, fosse por infirmarem de forma decisiva os pressupostos lógicos que conduziram à sua consideração como provados.


Aliás, aspecto e conclusão estes muito bem elucidados no citado Ac. do STJ de 29/03/201 e na ali ampla resenha jurisprudencial (acórdãos do STJ, de 12.09.2013, proc. 110/11.9GAVLG.AS1- 5a Secção e 29.04.2015, proc. 68/02.5GBSL-A.S1- 3a Secção)., acórdão do STJ, de 15.04.2015 (proc. 98/04.2IDVCT-A.S1-3a Secção), «(...) não havendo inconciliabilidade quando se confrontam factos provados com factos não provados», pois « a negação de um facto não é a afirmação do facto contrário. Os factos não provados não afirmam os factos opostos. Apenas enunciam a inexistência de prova que sustentasse a comprovação dos factos».


Torna-se assim necessário que entre esses factos exista uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda», pelo que « só existe verdadeira contradição para o efeito que aqui interessa, entre factos provados em decisões diferentes, que se não conciliem e respeitem à mesma pessoa condenada e que contendam com a responsabilidade criminal desta».


Apenas a aludida contradição, se existente, teria a virtualidade de gerar “graves dúvidas” sobre a justiça da condenação, expressão esta a considerar como o foi na acepção analisada no também citado acórdão do STJ, de 25.01.2007 ( proc. 2042/06 - 5.aSecção), no sentido em que “dúvidas graves” são todas aquelas «de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta.”


Essas dúvidas terão que se reportar à condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido caso elas procedessem».


Assim, serão decisões inconciliáveis aquelas em que o requerente da revisão foi a pessoa condenada e em que os factos que fundamentam a condenação revidenda e os factos dados como provados noutra sentença estão em oposição, de modo a gerar sérias dúvidas sobre a justiça da condenação.


Ora, dito isto, vê-se com facilidade que dos factos ali dados como provados não se alcança um único numa relação de exclusão com aqueles que nos autos apensos se deram como provados.


Aliás, provou-se claramente exactamente o contrário do que o recorrente afirma (pp. 51 e 52):


«183) No dia 27/06/12, BB integrava a equipa de fiscalização da ..., que inspeccionou a pedreira “F..., da sociedade “I..., lDA”, onde se deslocou com o Agente AA, também daquela divisão.


184) Receberam ele e AA, que o acompanhava, das mãos de CC, pessoa que dirige as instalações da pedreira em causa, duas notas de 50€ (cinquenta euros) no total. (sublinhado nosso)


185) No relatório de fiscalização elaborado, esses arguidos não mencionaram qualquer infracção detectada.»


A questão de serem duas notas de 50 euros ou uma de 100 euros não é aspecto decisivo nem deveras relevante, face à memória possível e admissível das coisas. Nos presentes autos revidendos apenas neste conspecto não se deu como assente que o montante de 100 euros foi pago em duas notas de 50 euros.


Consequentemente não está preenchido o pressuposto da incompatibilidade entre a sentença revidenda e a decisão proferida no processo n.o 9590/11.1..., onde aliás o ali arguido BB confessou ( facto 185 do ponto 20) terem ele e o AA recebido das mãos de CC duas notas de 50 euros.


Acresce ainda salientar, em plena concordância e na esteira do assinalado no parecer do MP neste STJ como ali, citamos, se escreve:


“(...)


Diz o recorrente a este propósito que «a decisão recente firmada no processo n.o 9590/11.1... (...), quer na decisão de facto, quer na decisão de direito, contém uma decisão com factos e pena inconciliáveis com os factos e pena constantes na sentença revidenda» (conclusão 9.a) e que, mesmo que mantenha a matéria factual provada nesta, «não pode (...) ser punido por crime de corrupção, que não cometeu, mas ou no crime de recebimento indevido de vantagem, por omissão, ou no crime de abandono de funções, numa pena ou de admoestação ou inferior a três meses de prisão que foi o crime e a pena em que BB foi condenado» (conclusão 10.a). Pois bem, conforme já apontado, a discrepância jurídica entre as duas decisões, nomeadamente no que toca ao enquadramento jurídico da factualidade e à medida da pena, é absolutamente irrelevante. O recurso de revisão fundado na alínea c) do n.o 1 do artigo 449.o do Código de Processo Penal versa apenas sobre questão de facto e «não procura corrigir sequer eventuais erros de interpretação de direito das Instâncias» [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de março de 2021, processo 106/16.4GCTND-A.S1, PAULO FERREIRA DA CUNHA (relator), www.dgsi.pt].


Concluindo, deve ser negada a revisão de sentença, por não verificação dos pressupostos legais da inconciliabilidade entre decisões, se o recorrente, na motivação, tenta fazer um cotejo entre factos provados e não provados, e questionar a matéria de facto constante das decisões transitadas com fundamento na sua perspetiva da valoração da prova produzida e que fundamentou essa matéria fáctica, dela retirando ilações no sentido de ser inconciliável a mesma matéria fáctica questionada”.- [Cfr. neste sentido, Ac STJ de 24-02-2021, no processo n.o 260/11.1JASTB-A.S1, Conceição Gomes, , disponível em www.dgsi.pt).”


Por conseguinte, vimos que ficou assente no processo 9590/11.1..., no qual foi apreciada a responsabilidade criminal de BB, que:


«10) O arguido BB, agente principal da ..., exerceu funções na ..., desde 2006 até ao dia 25/6/2013, tendo integrado brigadas de fiscalização com competências no enquadramento funcional do referido Departamento.


(...)


183) No dia 27/06/12, BB integrava a equipa de fiscalização da ..., que inspecionou a pedreira “F..., da sociedade “I..., lDA”, onde se deslocou com o Agente AA, também daquela divisão.


184) Receberam ele e AA, que o acompanhava, das mãos de CC, pessoa que dirige as instalações da pedreira em causa, duas notas de 50€ (cinquenta euros) no total.


185) No relatório de fiscalização elaborado, esses arguidos não mencionaram qualquer infração detetada».


Por esta factualidade BB foi condenado pela prática de um crime de recebimento indevido de vantagem previsto e punido pelo artigo 372.o, n.o 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão [sendo que, em cúmulo jurídico das penas impostas pela prática de mais oito crimes, foi condenado na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo] sendo certo que a sobredita realidade foi um minus em relação à constante como provada no presente processo 32/14.1TDLSB não se alcançando entre ambas nenhuma incompatibilidade, inconciliabilidade ou que entre si sejam excludentes e sendo que a divergência jurídica por parte do arguido AA seria sempre passível de discussão apenas por ocasião, de que beneficiou, em via de recurso ordinário nos presentes autos.


2.2.3.2- Fundamento previsto no artigo 449.o, n.o 1, al. d), do CPP


Como já antes enunciámos, dispõe o artigo 449.o, n.o 1, d) do CPP, que:


“A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:


(...)


d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


Não é admissível o recurso com o objectivo de alteração da qualificação jurídica dos factos pois a revisão tem a natureza de um recurso, em regra, sobre a questão de facto.


*


Passando então a esta segunda questão:


- Da existência de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. [art.o 449.o, n.o 1, al. d) do CPP]


Flui daquela norma legal que não basta a descoberta de novos factos ou meios de prova para que o tribunal a quo determine a realização das diligências probatórias requeridas pelo recorrente.


Há que verificar, em primeiro lugar, que tais diligências sejam reputadas indispensáveis para a descoberta da verdade e, por outro lado, no caso de prova testemunhal, não poderem indicar-se testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo. Apenas com uma excepão: quando o requerente ignorasse a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor (cf. art.o 453.o n.o 2).


No que ao conceito de “factos novos” se refere, entendemos – sempre ressalvado o devido respeito por entendimento divergente – que estes configuram apenas aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente na fase de julgamento, razão pela qual não foram, nem podiam ter sido, tidos em conta na decisão (cf., inter alia, Ac. STJ de 27.2.2014 - Proc. n.o 5423/99.3JDLSB-B.S1).


Seguindo de perto o decidido no recente Ac. do STJ de 17/02/2022, não se ignora que « concede, todavia, alguma jurisprudência que ainda sejam novos os factos ou meios de prova já conhecidos ao tempo do julgamento pelo requerente, desde que este justifique «porque é que não pôde e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal» (Ac. STJ de 17.12.2009 - Proc. n.o 330/04.2JAPTM-B.S1, in www.dgsi.pt.).


Porém, “(...) Nos últimos tempos, jurisprudência sofreu uma limitação, de modo que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e mais adequada à busca da verdade material e ao respetivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal”. (Acórdão STJ de 24-06-2021, proc.1922/18.8PULSB-A.S1, 5.a Secção, Relatora: Helena Moniz, in www.dgsi.pt.).» – proc. 1890/17.3PULSB-A.S1, em www.dgsi.pt.


Acresce que, além de os factos ou meios de prova deverem ser novos impõe-se ainda que os mesmos, por si ou em conjugação com os que foram apreciados no processo, sejam aptos a suscitar “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. Não basta, bem se vê, a mera dúvida. Ela deverá ser grave, ou seja, qualificada (cf. Ac. STJ de 26/09/2018, proc. 219/14.7PFMTS.S1, www.dgsi.pt.).


Revertendo aos autos, entendemos que:


O requerente não só não se enuncia factos novos como também nem sequer indica meios de prova que não pudessem ter sido utilizados ou não estivessem já ao seu alcance na fase de julgamento.


Da invocada testemunha LL, que nem sequer se sabe se seria o mesmo MM a quem CC teria pedido dinheiro emprestado, o recorrente diz tratar-se ser a “única pessoa com o nome de MM que num raio alargado de ... e da pedreira, na data dos factos trabalhasse em estabelecimento de café ou restaurante.”


Ou seja, teria encontrado o único “MM” a quem a testemunha CC poderia ter recorrido para pedir emprestados os 100,00 € que disse ulteriormente ter entregue ao condenado e ao seu colega BB. Pessoa essa que lhe disse que em momento algum lhe pediram os 100,00 €.


Ora, nada impediria em julgamento a defesa do recorrente, ao confrontar-se com o depoimento de CC acerca daquele recurso financeiro obtido (dizendo que se deslocara a um café ali próximo da pedreira, a dez minutos de carro, tendo pedido dinheiro ao dono, de nome MM) que tal testemunha fosse devidamente identificada, até pela testemunha RR e eventualmente chamada a depor.


Daí que não possa dizer-se tratar-se de meio de prova desconhecido do requerente e que seja verosímil só ao fim de dois anos ou mais ter conseguido a localização e identificação do dito MM. No próprio recurso para o TRC nem sequer esta questão foi alguma vez levantada ao nível da omissão de diligências de prova essenciais.


Acresce que a sobredita inquirição desse “MM” não teria a mínima virtualidade de alterar decisiva e excepcionalmente a convicção formada porquanto, a fazer fé no que afirma o requerente, essa testemunha, mesmo a limitar-se a dizer que não emprestou 100,00 € a quem quer que fosse, faria de todo um depoimento frágil e não decisivo, pois a prova de que não lhe haviam sido pedidos os 100,00 €, não permitiria inferir que não o foram a pessoa distinta e não abalaria gravemente nem a confissão do arguido BB nem o depoimento da testemunha RR. Também a asserção de que não existem outras pessoas de nome MM, com um café/restaurante nas imediações seria já inverificável a esta distância temporal.


Por outro lado, o pedido dos 100,00 € seria sempre meramente circunstancial no cômputo do depoimento de CC, sem o relevo decisivo que o requerente lhe procura atribuir.


Portanto, além de não ser meio de prova novo desconhecido, o pretendido depoimento de LL, admitindo que pudesse tratar-se da mesma pessoa atida ao alegado pedido de empréstimo dos 100 euros não iria sequer suscitar relevantes e “graves dúvidas” sobre a justiça da condenação.


Quanto ao pretendido depoimento de BB, condenado no processo dito principal, este até poderia ter prestado depoimento nos autos, caso consentisse, nos termos do disposto no art.o 133.o, n.o 2 do CPP uma vez que não era arguido nos presentes autos revidendos.


Tal como muito proficientemente escreveu o Exo Sr. PGA no seu parecer:” O disposto neste normativo «também se aplica ao caso em que os coarguidos respon-dem pelo mesmo crime ou crime conexo em processos que foram tramitados desde o seu início separadamente» (LUÍS LEMOS TRIUNFANTE, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo II, Almedina, página 115). «A justificação do impedimento de o coarguido depor como testemunha tem como fundamento essencial uma ideia de proteção do próprio arguido, como decorrência da vertente negativa da liberdade de declaração e depoimento (...) e que se traduz no brocado latino nemo tenetur se ipsum accusare, o também chamado privilégio contra a autoincriminação (...).


A proibição de o arguido ser ouvido como testemunha, enquanto limitação dos mecanismos de constrangimento inerentes à prova testemunhal, constitui expressão do privilégio contra a autoincriminação.


O alargamento do impedimento – alargamento do direito do arguido ao silêncio – ao próprio coarguido arranca desta mesma matriz da garantia contra a autoincriminação, enquanto expressão do direito de defesa, entendida como a exigência de assegurar ao coarguido o direito a defender-se, sem que, através do testemunho sobre facto de outro, ele comprometa sua própria posição processual, autoincriminando-se (...).


O modelo do testemunho consentido, previsto no artigo 133o, n.o 2 do CPP, pretende satisfazer a exigência de trazer o conhecimento probatório do coarguido a um processo em que ele não se encontra a responder, sem eliminar a garantia do impedimento: a não sujeição dos arguidos do mesmo crime ao constrangimento característico da prova testemunhal.


Ao cometer ao coarguido a decisão sobre o exercício concreto da proteção, o impedimento deixa de ser absoluto e passa a relativo (acórdão 304/2004 do Tribunal Constitucional, ARTUR MAURÍCIO (relator), www.tribunalconstitucional.pt/tc/)


Ora, o ponto é que não seria sequer um caso de imprescindibilidade na sua audição, porquanto foi apresentado depoimento escrito. E tão pouco seria previsível que dissesse diferentemente do que voluntariamente confessou nos auto 9590/11 ou que fosse sequer fiável agora uma versão diferente, até porque ficar-se-ia sempre em sérias dúvidas sobre a nova versão tendo aquele confessado e sido condenado por isso, tendo em conta que além das escutas telefónicas o depoimento de CC continuaria no essencial intocável.


Finalmente, mesmo que agora viesse dar o dito pelo não dito e no sentido da declaração junta com o requerimento de interposição de recurso a fls 32 da certidão que compõe os presentes autos, então como se explicaria a contradição, face às declarações prestadas nos autos 9590/11 acerca dos mesmos e onde BB disse (p. 96,vo):


«A segunda ocorreu em 2012 – trocaram ideias sobre as quantidades de explosivos que podiam ter em “stock”. CC entregou-lhes 50€ (cinquenta euros) a si e outros 50€ (cinquenta euros) a seu colega JJ. Era um hábito de cortesia de há muitos anos. “Deixou-se ir no barco” Não mediram o cordão detonante, mas acharam que podia não estar bem.» ?


Desta feita, tal inquirição de BB não seria, por um lado, meio inovador de prova e, por outro lado, seria incapaz de convencer como meio de excepcionalidade exigido para alcançar decisivamente uma dúvida qualificada sobre a justiça da condenação.


Ainda acerca da declaração do BB que vem junta com o recurso sublinha-se que, ainda que se pudesse entender tratar-se de um meio de provanovo” abstractamente atendível em recurso de revisão, tratando-se de documento particular, não tem força probatória para, por si e na conjugação com os meios de prova produzidos, pôr em grave dúvida a justiça da condenação.


Mesmo que se admitisse nele alguma característica de novidade, trata-se, contudo, de um meio de prova sui generis, de um documento particular meramente narrativo, que «faz prova plena da declaração emitida mas não da [sua] veracidade», apenas atestando que «a declaração foi emitida em certo sentido e nada mais» – art.os 363o n.o 2, a contrario, 362o e 376o n.o 1, do CC [AcSTJ de 30.3.2016 - Proc. n.o 74/12.1JACBR-A.S1]


Sendo que, admissível, naturalmente, como meio de prova em processo penal – art.o 164o do CPP –, a sua força probatória na perspectiva do valor intrínseco ou da veracidade da declaração está, em conformidade com a sua natureza, sujeita ao princípio da livre apreciação da prova – art.o 127o e 169o, a contrario, do CPP.


Ora, estando em causa neste momento prognosticar o (in)êxito, a (in)viabilidade, de um julgamento rescindente, até que ponto se pode afirmar que uma declaração particular como a emitida aludido BB poderia conter algo que, naquele novo acto, possa vir a ser dado como provado? Ou em que medida um documento assim emitido pode ter a força «persuasória necessária e suficiente para abalar os alicerces da condenação» proferida pelo Acórdão Recorrido, fazendo «soçobrar, arrasar, aniquilar, destruir a fundamentação» [AcSTJ de 30.3.2016 - Proc. n.o 74/12.1JACBR-A.S1] em que ela se baseou?


Ora, tal potencialidade adivinha-se extremamente reduzida, pois que aquele limita-se a dizer o que são a suas palavras –, sem que saiba qual a parte da «verdade» que, afinal, está em causa depois, porque se ignoram – e a exposição não as esclarece –, as razões que determinaram o mesmo a dirigir-se agora nesses termos ao tribunal e no momento em que o fez.


Decisivamente, porque, como o próprio Acórdão Recorrido reconheceu, a fundamentação da matéria de facto resultou de um conjunto sólido, articulado e coerente de provas que não é minimamente abalável por um manuscrito com tão reduzida força probatória.


O que , além do já aludido quanto ao reduzido interesse probatório da outra testemunha que teria emprestado ( ou não) o dinheiro para pagar os 100 euros, permite se sancione a conclusão de que, apesar de nova, a declaração, em singelo, contida no dito documento de BB nunca poderá, todavia, dar lastro à dúvida qualificada sobre a justiça da condenação de que fala o art.o 449 n.o 1 al.a d) do CPP, não sendo portadora «de verosimilhança que a credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado» [AcSTJ de 5.9.2018 - Proc. n.o 3624/15.8JAPRT-F.S1] ».


Deste modo, será pois de concluir que o requerente não convence minimamente com o argumento da existência de factos ou meios de prova desconhecidos à data subsumíveis ao exigente critério do art.o 449.o n.o 1, al. d) do CPP, porquanto insusceptíveis de gerarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


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Quanto, ainda, à alteração da qualificação jurídica dos factos, requerendo a sua condenação pela prática do crime de recebimento indevido de vantagem, em pena nunca superior a três meses como acontecera enquanto participante no mesmo “pedaço de vida” com a condenação de BB, o certo é que, à luz da factualidade provada nos autos apensos, o enquadramento jurídico até poderia ter sido o adequado mas eventual “erro de subsunção jurídica” era assunto para discussão em recurso ordinário, para o qual teve a sua oportunidade, mas nunca por nunca uma condenação de um participante em crime distinto pela prática dos mesmos factos poderia ser objecto ou fundamento de recurso de revisão.


Por tudo o exposto, soçobram os fundamentos do recurso, que manifestamente não merecerá provimento.


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III - Decisão


Pelo exposto, acordam os juízes desta 5a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar negada a revisão.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC`s.


Nos termos do art.o 456.o do CPP, o recorrente vai condenado a pagar a quantia de 6 (seis) UC`s, por ser manifestamente infundado o pedido de revisão formulado aqui em apreciação.


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Supremo Tribunal de Justiça,_23_ de Fevereiro de 2023

[Texto Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (art.o 94.o, n.o 2 do CPP), sendo assinado digitalmente pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros intervenientes infra indicados].

Agostinho Soares Torres (Juiz Conselheiro Relator)

Helena Moniz (Juíza Conselheira Adjunta)

António Gama (Juiz Conselheiro Adjunto)

Eduardo Almeida Loureiro (Juiz Conselheiro Presidente da Secção)







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1. Cfr Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo: Lisboa, 1994, p. 359 e onde também refere complementarmente :“Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais.”↩︎

2. [citando o Ac. do STJ de 13 de janeiro de 2021, processo 757/18.2T9ESP-A.S1, (relator NUNO GONÇALVES) referenciado pelo conselheiro PEREIRA MADEIRA no Código de Processo Penal comentado, Almedina, 4.a edição revista, página 1555.

3. Igualmente, o Ac. do STJ de 24 de fevereiro de 2021, processo 260/11.1JASTB-A.S1, (relatora CONCEIÇÃO GOMES ), também referido na resposta do Ministério Público, e o acórdão de 29 de Março de 2017, processo 89/06.9IDSTR-A, ROSA TCHING (relatora), citado na informação do Sr. juiz, ambos em www.dgsi.pt].↩︎