RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
MEDIDA DA PENA
Sumário


I - Tendo o tribunal da Relação decidido a questão de saber se decisão da primeira instância era nula por omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º1, al. c) do CPP) com base em alegação de a 1.ª instância não se ter pronunciado sobre duas questões de validade de prova suscitadas em julgamento, mas concluindo ali, afinal, pela sua improcedência, não é nulo o acórdão do tribunal da Relação (por alegada omissão de pronúncia sobre a competência do tribunal de primeira instância para decidir sobre nulidades de prova que já haviam sido invocadas em sede de julgamento, nos termos do art. 310.º do CPP, na sequência de despacho de pronúncia irrecorrível) tendo em conta que, em recurso depois interposto para o STJ o recorrente nem sequer discutiu já o mérito da decisão tal como foi apreciada, insistindo apenas numa sua apreciação em 2.º grau de recurso, sob a forma de nulidade também por omissão de pronúncia, capa esta formal para manifestar apenas a sua discordância do que foi considerado e decidido, sendo pois evidente que a dita nulidade por omissão era manifestamente inexistente, já que também o tribunal recorrido (TRE) se pronunciara clara e detalhadamente sobre o segmento em causa.
II - O dever de fundamentação pelo tribunal da Relação é preenchido quando este reaprecia, ainda que não facto a facto, mas em concatenação com os elementos de prova validados disponíveis e tidos em conta pela primeira instância, os fundamentos da convicção atingida, o iter lógico e racional do tribunal, a validade das provas obtidas e a interligação com os dados obtidos e as regras da experiência. Estando em causa tráfico de estupefacientes e apreensão de elevadas quantidades, o facto de não se ter aludido a um acto concreto e directo de compra e venda não impede que a afirmação da existência de crime de tráfico de estupefacientes não seja plausível em termos de ligação aos sinais de riqueza inexplicável do arguido e, perante a posse de avultadas quantidades de droga e dinheiro em numerário muito acima de um milhão de euros, associada a locais ou veículos que o arguido geria ou usava em ligação a actividade sua e à intervenção directa em casos de evidentes transações de droga, claramente sugerindo que não se trataria apenas de armazenamento nem transporte, tudo isso permite compreender, além do facto de o tipo legal (com múltipla configuração de actividades) se preencher mesmo apenas por via de transportes e armazenamentos, por isso que o tribunal respondeu satisfatoriamente ao dever de fundamentar a confirmação que efectuou da sentença recorrida numa formulação crítica clara e compreensível, com uma narrativa inteligível, coerente e capaz de atingir o múnus de credibilidade que era e é exigível a um tribunal de recurso.
III - Não preenche o vício de contradição quando se repete de forma claramente redundante, argumentos que se usou previamente, para invocar nulidade por omissão de exame crítico e de fundamentação. A verdade dos factos e da narrativa de convicção bem como da crítica da convicção não se transforma em algo de natureza diferente só porque se lhe dá um nome formal diverso (ali, de nulidade, aqui, o de vício).
IV - A pena de 9 anos de prisão por crime de tráfico de estupefaciente p.e p. nos arts. 21.º, n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22-01, por referência à Tabela l-C anexa ao mesmo diploma, pelo qual foi condenado o arguido, numa moldura do crime entre 4 e 12 anos de prisão , é adequada e proporcional tendo em conta que se provou um grau de ilicitude muito acima da média, pelas quantidades elevadíssimas de estupefaciente apreendidas face à intervenção policial e não por qualquer voluntarismo do(s) arguido(s), impressionantes quantidades de dinheiro vivo de origem não justificada, a natureza do estupefaciente de danosidade moderada (haxixe), um grau de culpa (dolo directo) elevado, as exigências de prevenção geral muito elevadas e ter o arguido perdurado a actividade ilícita altamente lucrativa por período de cerca de um ano, persistentemente, não se mostrando arrependido e haver assumido um papel relevante na rede internacional de tráfico de droga em que se inseria, mais próximo do topo piramidal. A confirmação de reduzida capacidade crítica justificava assim um juízo de prognose de recuperação mais exigente, apontando para exigências de prevenção especial mais intensas e para um grau de censura veemente, impondo um limite de contenção prisional acima da média.

Texto Integral



Recurso no21/20.7PJOER. E1.S1-5a Secção Criminal do STJ

Relator: Juiz Conselheiro Agostinho Torres

Adjuntos: Juízes Conselheiros José Eduardo Sapateiro e Helena Moniz

Proc.o no 21/20.7PJOER.E1 do Tribunal Judicial da Comarca de Beja - Juízo Central Cível e Criminal de Beja - Juiz ...- Acórdão de 13.07-2022

Acórdão recorrido de 25.10.2022 do Tribunal da Relação de Évora

Secção Criminal - ... Subsecção

Tráfico de estupefacientes e Branqueamento de capitais.

Nulidades por omissão de pronúncia.

Medida da pena.

Acordam em Conferência os Juízes na 5 a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça.

I. No presente processo no21/20.7PJOER.E1.S1 vindo do Tribunal da Relação de Évora foi decidido, por acórdão de 25.11.2022:

“(...)

No Tribunal Judicial da Comarca de Beja - Juízo Central Cível e Criminal de Beja - Juiz ..., mediante acusação do Ministério Público, foram julgados em processo comum, perante o tribunal colectivo, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, e no que ora releva, os Arguidos a seguir identificados:

- AA, nascido aos .../.../1989,(ido nos autos) actualmente em prisão preventiva à ordem destes autos;

- BB, (...) nascido aos .../.../1987, ido nos autos, actualmente sujeito a obrigação de permanência na habitação à ordem destes autos;

A final, foi decidido:

a) Absolver os arguidos AA e BB

, (...) da prática, como coautores materiais, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. nos arts.21o, no 1 e 24o, al. j), do Decreto-lei n.15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela l-C anexa ao mesmo diploma;

b) Condenar o arguido AA pela prática, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. nos arts.21o, no 1 do Decreto-lei n.15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela l-C anexa ao mesmo diploma, na pena de dez anos de prisão;

- Condenar o arguido AA pela prática como autor material de um crime de branqueamento, p.p. no art.368o-A, ns.1, al f), 2 e 3 do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão;

- Em cúmulo jurídico de penas supra referidas, condenar o arguido AA na pena única de doze anos de prisão;

d) Condenar o arguido BB pela prática, como coautor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. nos arts.21o, no 1 do Decreto-lei n.15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela l-C anexa ao mesmo diploma, na pena de sete anos e seis meses de prisão;

- Declarar perdido a favor do Estado:

(..)

Inconformados, o arguido AA, o arguido BB e CC (interveniente acidental), interpuseram recurso da referida decisão.

(...)

As questões essenciais suscitadas pelos Recorrentes (nas conclusões das suas motivações) foram as seguintes:

1) se o Acórdão condenatório recorrido padece da nulidade prevista no art.o 379o, no1, al.c) do C.P.P. (por ter, alegadamente, omitido pronúncia, relativamente a duas questões de validade de prova que o arguido já tinha levantado em sede de instrução) -Arguido AA

...)

4) se o Acórdão condenatório recorrido padece de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão - Arguido AA

5) se o Acórdão condenatório recorrido valorou incorrectamente as provas produzidas, violando o princípio da livre apreciação de prova (art.o 127o do C.P.P.) – Arguidos AA e BB

6) se não se verificam os elementos constitutivos do crime de branqueamento - Arguido AA

7) Medida da pena - Arguidos AA e BB

a. Excessividade da pena concreta aplicada”

(...) Recurso Penal

Apreciados os recursos foi decidido:

- Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido BB, confirmando-se relativamente a este arguido/recorrente na íntegra o acórdão final recorrido.

- Negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente CC.

- Julgar parcialmente provido o recurso interposto pelo arguido AA

, e consequentemente:

1. Condenar o arguido AA pela

prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 21o do Dec. Lei no 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela l-C anexa ao mesmo diploma, na pena de 9 (nove) anos de prisão;

2. Consequentemente, a pena única a aplicar, em cúmulo, a este Arguido passará a ser, atento o abaixamento introduzido na pena parcelar imposta pelo crime de crime de tráfico de estupefacientes, a de 11 (onze) anos de prisão, mantendo-se no mais o acórdão final recorrido.

(...)”

*

II. Apenas o arguido AA veio recorrer do Acórdão do TRE para o Supremo Tribunal de Justiça convocando, em conclusões:

(...)

1. O acórdão recorrido validou a decisão da 1a instância quando decidiu não conhecer de uma nulidade apresentada primeiro em sede de instrução e depois em julgamento;

a. O acórdão proferido pela 1a instância decidiu não conhecer de uma nulidade levantada pelo arguido ora recorrente quando entendeu não ser competente para tal, pois não era tribunal de recurso da decisão do JIC em sede de instrução;

b. A Relação, no acórdão recorrido, validou e confirmou esse entendimento;

c. Mas, o arguido em julgamento, voltou a questionar o tribunal nos termos do artigo 310o do CPP, pois, a decisão do JIC em sede de instrução é irrecorrível.

d. Neste sentido o Tribunal Constitucional no acórdão no482/2014, de 25.6.2014, bem como no acórdão no477/2011, de 12.10.2011 do mesmo Tribunal e ainda, por todos decidiu nesse mesmo sentido o Tribunal da Relação de Lisboa no processo 7818/13.2TDLSB.L1-5, de 27.10.2015;

e. Deve assim o acórdão recorrido ser declarado nulo e substituído por outro que ordene à primeira instância que decida a questão colocada em sede de julgamento;

2. Verifica-se ainda o vício de contradição insanável entre factos provados e a análise dos meios de prova que fundamentaram a convicção do tribunal.

a. Com efeito, o acórdão recorrido, manteve que o vicio alegado pelo recorrente nada tinha que ver com a falta de indicação e análise dos meios de prova que fundamentaram os factos provados no ponto 1;

i. Contudo, salvo sempre o devido respeito, está em causa precisamente o vicio da al. b) do n.o2 do artigo 410o do CPP nos termos em que foi formulado pelo recorrente no seu recurso perante o TRE;

ii. Não é feita qualquer alusão na fundamentação da matéria de facto do acórdão de 1a instância à forma como se chegou à convicção que formou acerca destes factos provados em 1;

iii. E o acórdão agora recorrido, confrontado com a questão, afirma que não é o vicio apontado pelo recorrente, e nada decide;

iv. Está verificado o vício previsto na alínea b), do n.o 2 do artigo 410.o do CPP, que o acórdão recorrido não aceitou, sequer, analisar.

v. Deve ser ordenada que os autos regressem ao TRE para decisão considerando este vício apontado pelo recorrente.

3. O recorrente entende que foi cometida a nulidade prevista nos artigos 379o 1o al. c), aplicável aos acórdãos proferidos em recurso - 425o no4) do C.P.P., porque o douto acórdão agora em crise deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar;

a. Não houve reexame da matéria de facto impugnada;

b. O acórdão recorrido não invocou qualquer incumprimento do artigo 412o do CPP;

4. De todo o modo, a pena em concreto aplicada ao recorrente pelo acórdão recorrido – 9 anos – é muito elevada tendo em conta a matéria de facto provada – concreta;

a. Estão em causa duas atuações do arguido com 90kg de haxixe cada;

b. Quando não se provou qualquer compra, venda ou sequer a propriedade haxixe;

c. Nos pontos 2 a 11, não se provou a natureza da intervenção do recorrente;

d. Nos pontos 16 a 29, provou-se o transporte e detenção;

e. Tendo em conta esta matéria de facto, para o crime de tráfico de estupefacientes não deve exceder os 6 anos e 6 meses de prisão.

Normas jurídicas violadas:

• Artigos 21o do DL 15/93 de 22.1;

• Artigo 40o, 70o e 77o do CP;

• Artigo 310o e 412o do CPP.

Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento.”

*

III. Admitido o recurso para este STJ contrapôs o MPo em alegações:

1. AA foi julgado e condenado, em primeira instância, pela prática, como coautor, do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos artigos 21.o, n.o 1 do Decreto-lei n.o 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela l-C anexa ao mesmo diploma e, como autor material, de um crime de branqueamento, previsto e punido no artigo 368.o-A, n.os 1, alínea f), 2 e 3 do Código Penal, na pena única de 12 (doze) anos de prisão correspondente às penas parcelares de 10 (dez) anos e 4 (quatro) anos de prisão, respetivamente.

2. Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, considerou improcedentes os fundamentos invocados, com exceção do recurso sobre a medida da pena, reduzindo a pena que lhe foi aplicada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes para 9 anos de prisão, sendo consequentemente a pena única reduzida para 11 anos de prisão.

3. O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação, tendo sido suscitadas as seguintes questões:

a. Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.o, n.o1, alínea c) do CPP, por não se ter pronunciado sobre a competência do tribunal de primeira instância para decidir sobre nulidades de prova que haviam sido invocadas em sede de julgamento, nos termos do artigo 310.o, do CPP, na sequência de despacho de pronúncia irrecorrível;

b. Contradição insanável entre o ponto 1 da matéria de facto provada e a respetiva fundamentação, nos termos do artigo 410.o, n.o 2, alínea b), do Código Penal;

c. nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos previstos nos artigos 379.o, n.o1, alínea c), aplicável por via do artigo 425.o, n.o4 do Código de Processo Penal, por não ter o Tribunal da relação procedido ao reexame da matéria de facto impugnada por referência aos factos impugnados e às provas indicadas pelo recorrente

d. recurso sobre a medida da pena, pugnando pela aplicação de pena não superior a 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão relativa ao crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado, e consequente redução da pena única.

4. Existe omissão de pronuncia quando o Tribunal não se pronuncie sobre questões relevantes para a decisão de mérito, de conhecimento oficioso ou submetidas à sua apreciação pelos sujeitos processuais interessados, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não cada um dos argumentos invocados na defesa das respetivas posições.

5. O Recorrente pretende que o Supremo Tribunal de Justiça decida que o juiz de julgamento era competente para decidir sobre as nulidades de prova invocadas em sede de julgamento, e determine a remessa dos autos à primeira instância para decidir sobre as mesmas.

6. O Recorrente apenas põe em causa a parte decisória na qual o Tribunal de julgamento entende estar-lhe vedado, sob as vestes de pretensa nulidade de prova, arvorar-se em tribunal de recurso e sindicar vícios de outras decisões judiciais de igual hierarquia, em termos de enquadramento jurídico e suficiência da fundamentação.

7. Não assiste razão ao recorrente e a pretendida devolução dos autos ao tribunal de julgamento para decisão não tem qualquer efeito útil, porquanto o tribunal do julgamento já tomou posição quanto às nulidades de prova que perante si foram suscitadas, o que fez em desfavor do arguido, em argumentário expendido ao longo de quatro páginas, pelo que não ocorreu qualquer omissão de pronúncia, como bem decidiu o douto acórdão recorrido, proferido pelo tribunal da relação de Évora.

8. E, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação, o recorrente não pôs em causa os a decisão de fundo constante da decisão do tribunal de julgamento, nem invocou as mencionadas nulidades de prova, pelo que o Tribunal da Relação conheceu da questão que lhe foi colocada em recurso, mais concretamente da omissão de pronuncia.

9. A que acresce o facto de que, quanto á nulidade de prova respeitante às pesquisas realizadas em sistema informático, tais provas nem sequer terem sido utilizadas pelo tribunal de julgamento para fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que a respetiva declaração de nulidade em nada altera a situação processual do arguido, ora recorrente.

10. Em suma, não se verifica o vício de omissão de pronúncia que o recorrente assaca ao douto acórdão recorrido, porquanto o Tribunal da relação não omitiu o conhecimento de qualquer questão que devesse conhecer.

11. O Recorrente sustenta que o acórdão da primeira instância padece do vício previsto no artigo 410.o, n.o2, alínea b) do CPP, alegando que o facto provado em 1 não tem qualquer respaldo na fundamentação da matéria de facto, e referindo que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre o mesmo em sede de recurso, apesar de tal ter sido invocado.

12. Sobre esta matéria o Tribunal da Relação de Évora pronunciou-se no sentido da não verificação do invocado vício.

13. O Recorrente confunde uma decisão que lhe é desfavorável com a ausência de decisão, e repete no presente Recurso a mesma questão que já colocou ao Tribunal da Relação, cuja argumentação não convenceu, não invocando qualquer nulidade (v.g. por omissão de pronúncia) ou violação de norma assacável ao acórdão recorrido, cuja decisão se nos afigura correta e de manter.

14. O recorrente invoca a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos previstos nos artigos 379.o, n.o1, alínea c), aplicável por via do artigo 425.o, n.o4 do Código de Processo Penal, por entender que o Tribunal da relação não procedeu ao reexame da matéria de facto impugnada por referência a cada facto e às provas concretamente indicadas pelo recorrente.

15. O recurso da matéria de facto consiste num remédio destinado a colmatar erros de julgamento que sejam concretamente indicados, mediante decisão sobre os concretos fundamentos apresentados no recurso, quando cumprido o ónus de impugnação especificada.

16. Se a prova indicada pelo recorrente admitir decisão diversa, mas não a impuser, deve dar-se prevalência ao julgamento da matéria de facto efetuado pela primeira instância, porque efetuado com respeito pelos princípios da imediação e oralidade, mantendo-se a decisão proferida na primeira instância.

17. No caso concreto, as provas indicadas pelo recorrente não impõem decisão diversa da proferida, limitando-se o Recorrente a indicar o sentido em que pretendia que as mesmas fossem valoradas, pretendendo abalar a convicção do Tribunal de Recurso, sem sucesso, devendo manter-se a decisão recorrida.

18. Na sequência do recurso para si interposto, o Tribunal da Relação reduziu a pena aplicada ao recorrente relativamente ao crime de tráfico de droga pelo qual foi condenado, de 10 (dez) para 9 (nove) anos de prisão, reduzindo consequentemente a pena única aplicável de 12 (doze) para 11 (onze) anos de prisão.

19. Pretende que lhe seja aplicada uma pena não superior a 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, invocando os mesmos argumentos que foram já apreciados pelo Tribunal da Relação e que resultaram na redução da pena, não havendo margem para uma redução adicional da pena, face à matéria de facto dada como provada, e aos limites legais impostos pelo argo 40.o do Código Penal.

20. Destaca-se o papel preponderante do Recorrente na rede internacional de tráfico, mais próximo do topo da pirâmide do que da base, as grandes quantidades de estupefaciente envolvidas em cada um dos transpores, as quantias apreendidas, a gama superior à média dos veículos utilizados, indicadores de uma atividade criminosa merecedora de uma censura superior, que se traduz na pena concretamente aplicada.

Em face do exposto, deve o doutro acórdão recorrido manter-se inalterado.”

IV. Remetido o recurso a este STJ, emitiu o MP parecer dizendo, em síntese:

“Tendo em consideração que o arguido, ora recorrente, AA, se mostra condenado, em pena superior a 8 anos de prisão pela prática de um dos crimes pelos quais foi condenado, sendo igualmente superior, necessariamente, a pena aplicada em cúmulo jurídico, deverá ser admitido o recurso, pela conjugação do disposto nos artos. 400o, no 1, al. f) e 432o, no 1, al. b), do CPP, tendo igualmente em consideração os limites impostos pelos artos. 434o do mesmo diploma (com reporte ao 410o, no 2) do mesmo diploma.

Como resulta dos autos, o recorrente foi condenado, como coautor, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos artigos 21.o, n.o 1 do Decreto-lei n.o 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela l-C anexa ao mesmo diploma e, como autor material, de um crime de branqueamento, previsto e punido no artigo 368.o-A, n.os 1, alínea f), 2 e 3 do Código Penal.

Recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, que manteve a decisão de primeira instância, apenas reduzindo a pena imposta pela prática do crime de tráfico (com reflexos na pena única).

Assim, mostra-se condenado na pena única de 11 anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico efetuado entre as penas parcelares de 9 anos de prisão (crime de tráfico) e de 4 anos de prisão (crime de branqueamento).

(...)

A resposta ao recurso apresentada pela Exma Senhora Procuradora da República no TRÉvora mostra-se de tal forma rigorosa, completa, bem fundamentada e assertiva, ao afastar todos os argumentos aduzidos pelo recorrente, que nada temos a acrescentar.

Assim sendo – evitando repetições desnecessárias neste parecer (repetições que, conforme referido pelo Exmo Presidente deste STJ no Editorial de «a Revista», no 2, deste STJ, levam a que a leitura de muitas peças jurídicas constitua um enfado, devendo tais peças ser mais concisas, objetivas e percetíveis, o que foi alcançado naquela resposta) – limitamo-nos a dar aqui por reproduzido, para todos os efeitos, o conteúdo daquela resposta.

Pugnando, assim, pela manutenção da decisão recorrida, julgando-se improcedente, na totalidade, o recurso interposto pelo arguido AA.”

Por sua vez, o arguido, apesar de notificado para tanto, não veio respondeu a este parecer.

V. O acórdão do TRE recorrido considerou o seguinte, no que importará ter em conta como relevante na apreciação do recurso para este Supremo Tribunal de Justiça:

5.1- A matéria de facto

O Tribunal da Relação manteve incólume a matéria de facto provada e não provada na 1a instância, julgando nessa parte improcedentes ambos os recursos por parte dos arguidos AA e DD.

Ficou assim fixada a factualidade:

“FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA

São os seguintes os factos que o acórdão recorrido indica como estando provados:

1. Pelo menos desde o mês de Abril de 2020 que o arguido AA

se dedica à compra, transporte, armazenagem e venda de grandes quantidades de haxixe/canábis, a fim de obter proventos financeiros.

2. Em dia não concretamente apurado, mas seguramente anterior a 5 de Abril de 2020, o arguido AA estabeleceu um acordo de contornos não concretamente apurados com EE relativamente a uma transacção de 97 quilogramas de canábis.

3. Acordaram encontrar-se pelas 17H00, do dia 5 de Abril de 2020, junto do ... da Av ..., em ..., local onde residia a namorada do arguido AA.

4. Na execução desse acordo, no dia 5 de Abril de 2020, o arguido AA e pelo menos um outro indivíduo cuja identidade não foi possível, deslocaram-se até àquele ponto de encontro num veículo de marca BMW, modelo X5, com a matrícula ..-XP-...

5. Por seu turno, o EE deslocou-se no veículo de marca Renault, modelo

Captur, com a matrícula ..-VC-.., por si conduzido, fazendo-se acompanhar pelo arguido FF.

6. No local, os dois veículos ficaram imobilizados lado a lado.

7. No momento da chegada de um veículo policial descaracterizado, no qual seguiam três agentes da Polícia de Segurança Pública, que imobilizaram o veículo junto dos dois veículos e se identificaram, o arguido AA, pelo menos um outro indivíduo que o acompanhava e o EE, encontravam-se fora dos respectivos veículos, permanecendo o arguido FF sentado no banco dianteiro direito do Renault Captur.

8. O BMW encontrava-se com o porta-bagagens aberto e o Renault com as portas

laterais traseiras abertas.

9. No porta-bagagens do BMW encontravam-se dois fardos de sarapilheira contendo 953 placas de canábis, com o peso total de 97,546 quilogramas, correspondente a 400.662 doses médias diárias individuais.

10. Ao perceberem que os três indivíduos eram agentes policiais, logo o arguido AA, o indivíduo que o acompanhava e o EE se colocaram em fuga, abandonando no local os dois veículos e os dois fardos de canábis.

11. O arguido GG permaneceu sentado no interior do Renault, vindo a ser detido.

12. Aquela quantidade de canábis (97,546 quilogramas), se vendida, valeria mais de € 200.000,00 (duzentos mil euros).

13. Cerca das 03H00 do dia 6 de Abril de 2020, o arguido DD dirigiu-se à Divisão Policial de ... - Esquadra de Investigação Criminal, onde se apresentou a HH, Agente da Polícia de Segurança Pública, como sendo o condutor do veículo de marca BMW, modelo X5, com a matrícula ..-XP-.., no qual estavam os dois fardos de canábis.

14. O arguido DD entregou a chave do referido veículo, declarou que tinha fugido do local, que todos os bens no interior do veículo com a matrícula ..-XP-.. eram de sua pertença e que se pretendia entregar porque não queria prejudicar a pessoa que lhe tinha emprestado o mesmo veículo.

15. Desde pelo menos Janeiro de 2021, o arguido AA passou a contar com a colaboração do arguido BB com respeito ao transporte e armazenagem, com vista à sua distribuição, de canábis que o primeiro adquire a indivíduos residentes em Espanha.

16. No dia 22 de Abril de 2021, cerca das 17H30, o arguido AA conduziu o veículo de marca BMW, modelo série 5, com a matrícula ..-..-ZC, em direcção à fronteira terrestre entre Portugal e o Reino de Espanha, sita em ... (Portugal) e ... (Espanha), a qual se encontra no início de uma ponte sobre o Rio ....

17. No mesmo veículo seguia mais um indivíduo desconhecido.

18. A referida fronteira estava fechada devido à situação de pandemia que os dois

Estados estavam a viver, e na linha de demarcação territorial estavam colocadas várias manilhas de cimento para impedir a circulação de veículos.

19. Chegado à linha de fronteira, o arguido AA

inverteu o sentido da marcha do veículo que conduzia e posicionou-o com a traseira para o lado espanhol e a frente para o lado português.

20. O arguido AA saiu do veículo, abriu a mala do mesmo e, passando pelas manilhas, dirigiu-se para o território espanhol onde estava um veículo com a mala aberta e com indivíduos desconhecidos.

21. Em acto contínuo, o arguido AA e dois dos

indivíduos que surgiram do lado espanhol retiraram da mala do veículo que estava imobilizado nesse lado quatro mochilas e três sacos de compras, todos com canábis, e uma embalagem do mesmo produto que carregaram e colocaram na mala do veículo conduzido pelo arguido AA.

22. O arguido AA e aqueles dois indivíduos também retiraram da mala do veículo que estava imobilizado no território espanhol mais dois sacos de compras todos com canábis que carregaram e colocaram no banco traseiro do veículo conduzido pelo mesmo arguido.

23. De seguida, com o veículo carregado com a canábis, o arguido AA

e os mesmos dois indivíduos entraram no veículo de marca BMW, modelo série 5, com a matrícula ..-..-ZC e o arguido AA iniciou a marcha do mesmo afastando-se da fronteira para o interior do território português.

24. No interior das quatro mochilas, dos cinco sacos e da embalagem estava canábis com um peso global não apurado.

25. O arguido AA conduziu o mesmo veículo para o armazém sito na estrada da ..., na localidade de ..., onde estava o arguido BB à sua espera.

26. Aí chegado, o arguido AA juntamente com o arguido II

do BMW com a matrícula ..-..-ZC as quatro mochilas e os cinco sacos de compras no

interior dos quais estava a canábis, bem como a embalagem de canábis e colocaram-nos no interior da

mala do veículo de matrícula ..-..-UN, que estava no interior do mesmo armazém.

27. O veículo de matrícula ..-..-ZC tinha sido entregue pelo arguido BB ao arguido AA para o mesmo se deslocar à fronteira acima referida a fim de carregar a canábis e transportá-la para o referido armazém.

28. Este veículo de matrícula ..-..-ZC é propriedade do arguido BB.

29. O arguido BB estava encarregado, pelo arguido AA, de gerir o armazém em causa para aí fazerem depósito da canábis e para guarda do dinheiro obtido com a comercialização deste produto.

30. No dia 20 de Maio de 2021, pelas 08H00, os arguidos BB e AA, guardavam no interior do veículo de matrícula ..-..-UN, que continuava imobilizado no interior do mesmo armazém:

- 908 embalagens de resina de canábis, com o peso global de 91,5 quilogramas, que ambos os arguidos destinavam à venda a terceiros;

- vários milhares de notas de euro do Banco Central Europeu com o valor global de € 1.203.070,00 (um milhão, duzentos e três mil e setenta euros), que os dois arguidos tinham recebido em contrapartida pela entrega de canábis.

31. A mesma quantidade de canábis (91,5 quilogramas), se vendida, valeria mais de €

200.000,00 (duzentos mil euros).

32. Nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido AA

guardava no interior do mesmo armazém:

- uma mota de água, de marca Sea Doo, modelo RXT-RS-S, que o mesmo arguido adquirira com dinheiro proveniente da venda de canábis;

- um buggy de kart cross de marca Semog Racing, que o mesmo arguido adquirira com dinheiro proveniente da venda de canábis.

33. Devido aos elevados proventos financeiros que o arguido AA auferia em razão da venda da canábis, o mesmo necessitava de guardar e de esconder

às entidades públicas os proventos daí resultantes, para evitar ser investigado, os bens serem-lhe apreendidos e declarados perdidos a favor do Estado.

34. Assim, o arguido AA imaginou e executou um plano de forma a guardar os proventos financeiros da venda da canábis, ao mesmo tempo que encapotava tais proventos, ocultando os bens que adquiria com o dinheiro preveniente da venda da canábis. O arguido adquiriu vários veículos automóveis, alguns de elevada potência e valor de mercado, os quais registava em nome de terceiros.

35. O veículo de marca Citroen, modelo Jumper e com a matrícula ... foi adquirido pelo arguido AA e pago com dinheiro proveniente da venda de canábis, porém o mesmo foi registado, com data de 14/04/2021, em nome do arguido JJ, que indicou como residência a morada do arguido BB, sabendo que o registo a seu favor tinha como objectivo esconder o verdadeiro património do arguido AA.

36. Em Agosto de 2020, o arguido AA adquiriu o veículo de marca Range Rover, modelo Sport, com a matrícula ..-XU-.. e, a fim de ocultar a sua propriedade, solicitou ao arguido JJ que o veículo fosse registado em sua propriedade, o que este anuiu, sabendo que o registo a seu favor tinha como objectivo esconder o verdadeiro património do arguido AA.

37. Assim, o veículo de marca Range Rover, modelo Sport, com a matrícula ..-XU-..

foi registado, com data de 24/08/2020, em nome do arguido JJ, que indicou como residência a morada do arguido AA.

38. Posteriormente, esse mesmo veículo foi registado, com data de 29/10/2020, em

nome do arguido KK em circunstâncias não concretamente apuradas.

39. Em Setembro de 2020, o arguido AA adquiriu o veículo de marca BMW, modelo M5, com a matrícula ..-VG-.., e, a fim de ocultar a sua propriedade, solicitou ao arguido LL que o veículo fosse registado em sua propriedade, o que este anuiu, sabendo que o registo a seu favor tinha como objectivo esconder o verdadeiro património do arguido AA.

40. Assim, o veículo de marca BMW, modelo M5, com a matrícula ..-VG-.. foi registado, com data de 24/09/2020, em nome do arguido LL.

41. Em data não apurada do ano de 2021, o arguido AA

adquiriu a mota de água com a matrícula POPO_......-PT, registada na Capitania do Porto de ..., e, a fim de ocultar a sua propriedade, solicitou ao arguido MM que a embarcação fosse registada em sua propriedade, o que este anuiu, sabendo que o registo da mesma a seu favor tinha como objectivo esconder o verdadeiro património do arguido AA.

42. Assim, a mota de água com a matrícula POPO_......-PT, foi registada em nome do arguido MM.

43. Em data não apurada do ano de 2021, o arguido AA adquiriu o motociclo com a matricula AF-..-CX, pelo montante de cerca de €11.000,00, que pagou em notas do Banco Central Europeu, e, a fim de ocultar a sua propriedade, solicitou ao arguido MM que o motociclo fosse registado em sua propriedade, o que este anuiu, sabendo que o registo do mesmo a seu favor tinha como objectivo esconder o verdadeiro património do arguido AA.

44. Assim, o motociclo com a matrícula AF-..-CX foi registado em nome do arguido MM.

45. Os arguidos AA e BB, agindo em comunhão de vontades e conjugação de esforços, conhecendo as características da canábis, representaram e quiseram transportar, guardar e entregar tal produto a terceiros e agiram com a intenção de concretizar tal desiderato, o que lograram alcançar.

46. Mais sabiam os arguidos AA e BB que a detenção, a compra, a venda, a cedência, a oferta, a distribuição, o transporte, a importação, o fazer transitar e o recebimento a qualquer título da canábis, são práticas proibidas e punidas por lei, o que não os impediu de agirem de forma deliberada para adquirirem a canábis e a entregarem a terceiros.

47. Ao registar os veículos acima descritos em nome de terceiros, sabendo que os mesmos eram de sua pertença, o arguido AA quis e conseguiu dissimular a proveniência ilícita das quantias monetárias com que tinha adquirido esses veículos e ocultar o seu património, para assim dificultar a perseguição penal.

48. Os arguidos AA e BB agiram sempre e em todas as condutas

acima descritas, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo da reprovabilidade jurídica das mesmas condutas.

49. Em dia não concretamente apurado, mas seguramente anterior a 4 de Março de

2021, o arguido NN, OO, e ainda CC acordaram entre si em deslocarem-se ao ..., mais precisamente a ..., no âmbito de uma transacção de produto estupefaciente, cujos contornos não foi possível apurar.

50. Na execução deste acordo, pelas 15H10 do dia 4 de Março de 2021, o arguido NN, OO e o CC encontraram-se no ..., em ..., a fim de se deslocarem para ....

51. O arguido NN tomou o lugar de condutor do veículo de marca Peugeot, modelo 408 e com a matrícula ..-SD-.., ao mesmo tempo que o OO se sentou ao seu lado e o CC tomou o lugar de condutor do veículo de marca Mercedes e com a matrícula ..-BT-...

52. Pelas 16H00, ocupando aqueles os mesmos lugares, estes veículos iniciaram a marcha, seguindo na direcção sul, saíram da cidade de ... e tomaram a A ... no sentido de norte para sul.

53. Durante a viagem de ... a ..., os dois veículos seguiram equidistantes entre si, com o veículo de marca Peugeot cerca de 5 minutos à frente do veículo de marca Mercedes, excepto quando ambos os veículos pararam, durante cerca de 15 minutos, na estação de serviço de ....

54. Pelas 18H17, o veículo de marca Peugeot, com a matrícula ..-SD-.., conduzido pelo arguido NN, chegou à Av. ..., em ..., estacionando no posto de abastecimento da BP. Logo que imobilizou o veículo, o arguido NN realizou uma chamada telefónica pela aplicação Whatsapp.

55. Decorridos alguns minutos, chegou ao local o veículo de marca Mercedes, com a matrícula ..-BT-.., conduzido por CC que o estacionou no interior do parque de estacionamento do Stand “L...”, em local não visível do exterior.

56. Quinze minutos depois, o veículo de matrícula ..-SD-.. retomou marcha, tomando a direcção de ..., entrando na A ... e, posteriormente, na A ....

57. E, cinco minutos volvidos, o veículo de matrícula ..-BT-.., conduzido por CC

, seguiu no encalço do veículo conduzido pelo arguido NN, tomando o mesmo caminho.

58. Em face de todo este quadro, os inspectores da Polícia Judiciária que faziam

vigilância a ambos os veículos entenderam que um dos dois veículos transportava canábis, razão pela qual decidiram abordar os dois veículos, logo que houvessem condições de segurança.

59. Pelas 20H00, ao quilómetro 70 da A ..., havia um acidente de viação, razão pela qual o trânsito estava imobilizado. Os inspectores da Polícia Judiciária entenderam que esta era a oportunidade para abordarem os dois veículos, razão pela qual pararam junto do veículo de matrícula ..-SD-.., conduzido pelo arguido NN e, envergando coletes com a inscrição "Polícia Judiciária”, saíram do veículo onde seguiam a dirigiram-se ao veículo de matrícula ..-SD-.., ao mesmo tempo que gritavam "Polícia”.

60. De imediato, o arguido NN percebeu que estava na presença de inspectores da Polícia Judiciária e, para evitar ser detido ou sequer identificado, engrenou a marcha atrás e iniciou a marcha do veículo indo embater com a traseira do veículo que conduzia na frente do veículo da Polícia Judiciária, de marca Peugeot, modelo 308 e com a matrícula ..-LR-...

61. Devido à violência do embate entre os dois veículos, o veículo da Polícia Judiciária, com a matrícula ..-LR-.., recuou. Todavia, o arguido NN inferiu que o espaço aberto pelo recuo daquele veículo não lhe permitia escapar, razão pela qual engrenou a primeira velocidade, reiniciou a marcha para a frente e parou o veículo. Em acto contínuo, o mesmo arguido engrenou a marcha atrás e reiniciou a marcha do veículo indo embater, de novo, com a traseira do veículo que conduzia na frente do veículo da Polícia Judiciária, com a matrícula ..-LR-...

62. Devido a este embate o veículo da Polícia Judiciária, com a matrícula ..-LR-.., voltou a recuar, abrindo ainda mais espaço. Logo, o arguido NN engrenou a primeira velocidade e reiniciou a marcha para a frente e, guinando para o seu lado esquerdo, passou a circular pela berma da autoestrada, já fora da faixa de rodagem, a fim de se afastar do local e fugir aos inspectores da Polícia Judiciária.

63. A cerca de 200 metros do local, estava um camião parado e tombado nas faixas de

rodagem que ocupava todo o espaço disponível, razão pela qual o arguido NN se viu forçado a imobilizar o veículo, sendo então interceptado pelos inspectores da Polícia Judiciária.

64. Com os dois embates acima descritos, o arguido NN,

provocou de forma directa e necessária, no veículo de marca Peugeot, modelo 308 e com a matrícula ..-LR-.., o amolgamento da chapa e do para-choques dianteiros, bem como diversos riscos e amolgadelas na pintura, ficando estragadas diversas peças na frente do veículo, entre as quais os faróis e a grelha.

65. Este veículo ficou, em razão dos estragos mencionados, impossibilitado de circular na via pública e o mesmo era pertença do Estado Português - Polícia Judiciária que, para reparar tais estragos, terá de despender o montante de € 3.103,38.

66. Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido NN, OO e o CC guardavam no interior do veículo de matrícula ..-BT-.., conduzido pelo CC, por baixo do banco do “pendura”, um saco de plástico no interior do qual estavam várias notas do Banco Central Europeu, no montante global de € 40.900,00, que era resultado ou se destinava à transacção de produto estupefaciente.

67. No dia 4 de Março de 2021, pelas 23H30, o arguido NN guardava no interior da sua residência, sita na Rua ..., Condomínio ..., ...:

- um revólver da marca AMADEO ROSSI, calibre .38 special, com numero de série ..., com 22,0 cm de comprimento total e com cano estriado de 10,1 cm de comprimento, em boas condições de funcionamento e apto a produzir deflagrações;

- o mesmo revólver estava municiado com cinco munições do mesmo calibre, as quais estavam em boas condições e aptas a serem deflagradas;

- doze artigos de ouro (sete anéis, duas pulseiras, três cordões).

68. O arguido NN não era titular de licença para o uso e porte do revólver referido, nem este estava manifestado nem registado a seu favor.

69. No dia 5 de Março de 2021, pelas 08H05, a namorada do arguido NN, preocupada com a sua detenção, pretendia falar com a Defensora do mesmo arguido e, após fazer o contacto telefónico, entrou em diálogo com o arguido OO e com CC que estavam ao seu lado e perguntou-lhes se tinham sido apanhados com alguma coisa, ao que estes responderam que apenas dinheiro. A namorada do arguido NN perguntou se era o dinheiro da "Ganza", assim significando se era o dinheiro relativo à

transacção de produto estupefaciente, ao que o OO e CC

responderam que "sim" e a aquela retorquiu "era quanto?", tendo estes respondido que eram quarenta e dois mil (euros). A conversa terminou com a namorada do arguido NN a dizer "mesmo assim nem foi muito".

70. O arguido NN representou a possibilidade de quebrar ou tornar inutilizável um veículo automóvel, e conformou-se com tal possibilidade, que veio a concretizar.

71. O arguido NN, sabendo que para tanto não estava autorizado, quis deter e guardar o revólver e as munições referidas, agindo com a intenção de concretizar tal desiderato, o que alcançou.

72. O arguido NN agiu sempre e em todas as condutas acima descritas, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo da reprovabilidade jurídica das mesmas condutas.

Mais se provou:

Quanto ao arguido AA:

73. Do seu registo criminal nada consta.

74. Pela DGRSP foi elaborado relatório social, do qual se extrai que:

O processo de socialização de AA decorreu junto do agregado familiar de origem, composto pelos pais e pela irmã. O desequilíbrio emocional entre os progenitores desencadeou uma dinâmica familiar conflituosa, caracterizada pela agressividade verbal e física por parte do pai que culminou com a rutura da relação quando o arguido tinha cerca de 12 anos de idade. Posteriormente, sempre viveu com a mãe.

Ao nível escolar, abandonou a frequência escolar no 7o ano, optando pela formação profissional, tendo, nesse âmbito, frequentado um curso de serralharia civil que lhe conferiu o 9o ano de escolaridade.

Foram mencionados consumos de haxixe desde a adolescência que perduraram alguns anos, embora presentemente o arguido refira abstinência, sem recurso a qualquer tratamento e/ou acompanhamento especializado. Os seus tempos livres nunca foram estruturados, preenchendo-os na companhia do grupo de pares.

O percurso laboral do arguido caracterizou-se por alguma instabilidade, privilegiando,

porém, os trabalhos de mecânica-auto, por conta própria, num espaço devidamente preparado e adaptado, contiguo ao espaço residencial, que refere também ser a sua atividade laboral presentemente.

Em termos afetivos, mantém uma relação com coabitação da qual tem um filho de 8 anos de idade, sendo que a relação se tem pautado por desentendimentos e ruturas frequentes.

AA teve os seus primeiros contactos com o aparelho judicial em 2007, acusado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Em 2014 foi também condenado pela prática do crime de resistência e coação sobre funcionário na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova com intervenção da DGRSP.

Em 2016, foi preso tendo-lhe ficado sujeito à medida de OPHVE no âmbito do qual foi condenado numa pena de 4 anos e 6 meses, suspensa na sua execução.

À data da prisão, AA residia na atual morada de família, onde sempre

residiu. Trata-se de uma casa herança dos avós maternos, situada em localidade de cariz rural detentora de adequadas condições de habitabilidade. O arguido tinha como coabitantes a sua companheira e o filho, a progenitora, a irmã, a avó materna e o tio avô.

No seio do agregado são visíveis os laços de solidariedade entre os vários elementos beneficiando o arguido das condições necessárias e indispensáveis às suas necessidades. A mãe do arguido trabalhava numa escola, a irmã numa empresa e a avó e o tio avô auferem reformas.

Em termos laborais, o arguido refere que trabalhava conta própria como mecânico auto e na compra/venda de veículos, num espaço contiguo à habitação do qual é proprietário. O seu rendimento dependia do volume de negócios efetuado, tendo referido que mesmo durante a pandemia conseguiu levar a cabo vários negócios.

O arguido tende a desvalorizar a importância da sua trajetória criminal minimizando as suas práticas ilícitas, passadas e presentes. Revela um baixo grau de consciência cítica e de capacidade de auto-censura, indiciando possuir deficiente capacidade de descentração, ou seja, denota reduzido constrangimento face ao impacto e consequências dos seus comportamentos nas vítimas. É referenciado como individuo por vezes impulsivo na condição do seu estilo de vida, e demonstra uma postura irresponsável e permeabilidade face ao grupo de pares.

AA encontra-se preso no EP ... mantendo uma conduta de acordo com as regras institucionais não registando sanções disciplinares. Recebe visitas da mãe, irmã e da companheira.

Face à atual situação jurídica-penal, o arguido demonstra reduzida capacidade crítica e uma atitude de desvinculação perante o presente processo jurídico-Penal.

Quanto ao arguido BB:

75. Do seu registo criminal nada consta.

76. Pela DGRSP foi elaborado relatório social, do qual se extrai que:

(...)

FACTOS CONSIDERADOS NÃO PROVADOS

“Desde Abril de 2020 que o arguido NN colabora com os arguidos AA e BB na compra, transporte, armazenagem e venda de grandes quantidades de haxixe/canábis, a fim de obter proventos financeiros.

- O arguido NN tem como função auxiliar o arguido AA em tudo o que for necessário, designadamente no transporte e na entrega da canábis aos adquirentes.

- O arguido BB colabora com o arguido AA desde Abril de 2020, mas apenas o que resultou provado.

- O arguido GG sabia do acordo estabelecido entre o arguido AA e EE relativo à transacção de 97 Kg de canábis no dia 05 de Abril de 2020.

- No dia 05 de Abril de 2020 o arguido NN colocou os dois fardos de sarapilheira no interior do veículo de marca BMW, modelo X5, com a matrícula ..-XP-.., e acompanhou o arguido AA na deslocação até ao local onde seria realizada a transacção.

- No local, o EE abriu a porta da bagageira do veículo Renault a fim de aí colocar os dois fardos de canábis, tendo o arguido GG a função de vigilância para poder alertar para a eventual chegada de agentes policiais, mas apenas o que resultou provado.

- O arguido FF tentou fugir.

- Um dos arguidos que fugiu do local ou o EE, logo percebeu que iria ser realizada uma investigação a fim de se procurar identificar os indivíduos que fugiram, razão pela qual delineou um plano com vista a evitar que a investigação o identificasse como um dos indivíduos que estava no local a transferir a canábis de um veículo para o outro, para assim não ser condenado e punido pelo crime de tráfico de estupefacientes.

- Esse indivíduo (um dos arguidos que fugiu do local ou o EE) entrou em diálogo com o arguido DD e propôs-lhe que o mesmo se apresentasse na Esquadra para assumir que era o condutor do veículo de marca BMW, modelo X5, com a matrícula ..-XP-.., no qual estavam os dois fardos de canábis, não se apurando o que lhe prometeu em contrapartida.

- No dia 18 de Fevereiro de 2021, pelas 00H38, em execução do previamente acordado entre ambos os arguidos, na Av ..., na ..., o arguido AA e outro indivíduo não identificado entregaram ao arguido PP um saco que continha canábis, em quantidade não apurada, no seu interior.

- De seguida, o arguido PP deslocou-se para a ..., onde retirou um pedaço dessa canábis, fez um cigarro com o mesmo e deu a fumar à testemunha QQ, informando-o que esse cigarro tinha sido feito com a canábis que tinha recebido do arguido AA.

- No dia 4 de Março de 2021, o arguido NN, OO, e ainda CC, deslocaram-se a ... para adquirirem canábis e transportá-la

para ..., e em contrapartida entregariam a quantia que veio a ser apreendida, mas apenas o que resultou provado.

- Por motivo alheio à sua vontade e por eles não controlável, o vendedor da canábis não lhes entregou tal produto, razão pela qual regressaram a ... na posse do referido dinheiro e sem a canábis, mas apenas o que resultou provado.

- O arguido NN sabia que o veículo que se encontrava imobilizado atrás do veículo por si conduzido pertencia à Polícia Judiciária.

- Os bens em ouro encontrados na residência do arguido NN foram adquiridos com dinheiro preveniente da venda de canábis.

- No dia 22 de Abril de 2021, o arguido LL acompanhou o arguido AA na deslocação à fronteira com o Reino de Espanha.

- A canábis transportada no veículo ..-..-ZC no dia 22 de Abril de 2021 tinha um peso não inferior a 150Kg.

- O arguido BB adquiriu o veículo ..-..-ZC com dinheiro proveniente da venda de canábis;

- O arguido RR ajudou a descarregar a canábis para o interior do armazém.

- Devido aos elevados proventos financeiros que o arguido NN auferia em razão da venda da canábis, o mesmo necessitava de guardar e de esconder às entidades públicas os proventos daí resultantes, para evitar ser investigado, os bens serem-lhe apreendidos e declarados perdidos a favor do Estado.

- Assim, o arguido NN imaginou e executou um plano de forma a guardar os proventos financeiros da venda da canábis, ao mesmo tempo que encapotava tais proventos, ocultando os bens que adquiria com o dinheiro preveniente da venda da canábis. O arguido adquiriu vários veículos automóveis, a maioria de luxo, com elevada potência e valor de mercado, os quais registava em nome de terceiros.

- Em Julho de 2020, o arguido AA adquiriu um veículo de marca Mercedes, modelo AMG, com matrícula espanhola, que legalizou sob a matrícula AB-..-XJ.

- O arguido AA pagou pela aquisição do Mercedes de matrícula AB-..-XJ a quantia de €70.000,00 em numerário.

- A fim de ocultar a sua propriedade, o arguido AA logrou registar o veículo em nome de SS.

- No mês seguinte, o arguido AA trocou o veículo com a matrícula AB-..-XJ no Stand “D...” pelo veículo de marca Range Rover, modelo Sport, com a matrícula ..-XU-...

- Em Março de 2021, o arguido AA adquiriu o veículo de marca Nissan, modelo Patrol, com a matrícula ..-EJ-.., e, a fim de ocultar a sua propriedade, solicitou ao arguido JJ que o veículo fosse registado em sua propriedade, o que este anuiu, sabendo que o registo a seu favor tinha como objectivo esconder o verdadeiro património do arguido AA.

- O arguido JJ sabia que o arguido AA adquirira os veículos ..-..-UN, AB-..-XJ e ..-EJ-.. com dinheiro proveniente da venda de canábis.

- O arguido LL sabia que o veículo de matrícula ..-VG-.. tinha sido adquirido pelo arguido AA com dinheiro proveniente da venda da canábis.

- Em Outubro de 2020, o arguido AA vendeu o veículo de marca Range Rover, modelo Sport, com a matrícula ..-XU-.. ao arguido NN e este, a fim de ocultar a sua propriedade, solicitou ao arguido KK que o veículo fosse registado em sua propriedade, o que este anuiu, sabendo que o mesmo veículo tinha sido adquirido pelo arguido NN com dinheiro proveniente da venda da canábis e que o registo do veículo a seu favor tinha como objectivo esconder o verdadeiro património do arguido NN

O arguido MM sabia que a embarcação “POPO” e o motociclo AF-..-CX tinham sido adquiridos pelo arguido AA com dinheiro proveniente da venda da canábis.

- Os arguidos AA, NN e BB, quiseram constituir um grupo entre si para transportarem, guardarem e entregarem tal produto a terceiros, mas apenas o que resultou provado.

- O arguido DD representou e quis apresentar-se perante agente da Polícia de Segurança Pública como sendo o condutor de um veículo no qual se encontravam dois fardos de canábis para evitar que a investigação identificasse os arguidos AA e NN, e o EE, como os indivíduos que transaccionaram a canábis apreendida, agindo com a intenção de que estes não fossem investigados e não fossem punidos com pena, e agiu com a intenção de concretizar tal desiderato, o que apenas não alcançou por motivo alheio à sua vontade e comportamento.

- Ao acordarem em registar os veículos descritos em seu próprio nome, sabendo que os mesmos eram na verdade pertença dos arguidos AA e NN, os arguidos JJ, LL, KK e MM quiseram dissimular a proveniência das quantias por aqueles auferidas com a venda de canábis, e com que esses veículos e bens tinham sido adquiridos, para assim dificultarem a perseguição penal desses arguidos, mas apenas o que resultou provado.”

5.2- Em sede de direito

No Acórdão da Relação recorrido foram identificadas a seguintes questões atinentes aos recursos interpostos:

1) Se o Acórdão condenatório recorrido padece da nulidade prevista no art.o 379o, no1, al.c) do C.P.P. (por ter, alegadamente, omitido pronúncia, relativamente a duas questões de validade de prova que o arguido já tinha levantado em sede de instrução) -Arguido AA

2) A pretensa nulidade do acórdão recorrido por utilização de provas que não valem em julgamento (artigos 355o no1 e 357o do CPP e 32o no 5 da CRP) - BB

3) O Acórdão condenatório recorrido padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - BB

4) O Acórdão condenatório recorrido padece de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão - Arguido AA

5) O Acórdão condenatório recorrido valorou incorrectamente as provas produzidas, violando o princípio da livre apreciação de prova (art.o 127o do C.P.P.) – Arguidos AA e BB

6) Não se verificam os elementos constitutivos do crime de branqueamento - Arguido AA

7) Medida da pena - Arguidos AA e BB.

a) Excessividade da pena concreta aplicada (...)”

E, em relação a todas elas, tomou a posição que dele consta, sendo que, quanto ao recorrente AA, apenas em sede de medida da pena se modificou a aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes, diminuindo-a de 10 para 9 anos de prisão, reformulando também, decorrentemente, o inicial cúmulo jurídico de 12 anos de prisão para 11 anos de prisão.

VI. Como é ampla e reiteradamente sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões pelo recorrente extraídas da respectiva motivação (art.o 412.o, n.o 1, do CPP).

Os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito (arto. 434.o do CPP), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.o 1 do art.o 432.o do CPP.

Por outro lado, quando não ocorram quaisquer dos vícios previstos nas alíneas a), b) ou c) do n.o 2 do art.o 410o, do CPP, nem nulidades ou irregularidades de conhecimento oficioso, deverá considerar-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

São pois quatro, as questões a decidir.

1a- A nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.o, n.o1, alínea c) do CPP por, alegadamente, o TRE não se ter pronunciado sobre a competência do tribunal de primeira instância para decidir sobre nulidades de prova que haviam sido invocadas em sede de julgamento, nos termos do artigo 310.o, do CPP, na sequência de despacho de pronúncia irrecorrível;

2a- A nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos previstos nos artigos 379.o, n.o 1, alínea c), aplicável por via do artigo 425.o, n.o4 do Código de Processo Penal, por não ter o Tribunal da Relação procedido ao reexame da matéria de facto impugnada por referência aos factos impugnados e às provas indicadas pelo recorrente;

3a- A contradição insanável entre o ponto 1 da matéria de facto provada e a respetiva fundamentação, nos termos do artigo 410.o, n.o 2, alínea b), do Código Penal;

4a - A medida da pena- (O recorrente pugna pela aplicação de pena não superior a 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado e pela consequente redução da pena única).

VII. Conhecendo das questões a decidir

7.1- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia por, alegadamente, nos termos do artigo 379.o, n.o1, alínea c) do CPP, não se ter pronunciado sobre a competência do tribunal de primeira instância para decidir sobre nulidades de prova que haviam sido invocadas em sede de julgamento, nos termos do artigo 310.o, do CPP, na sequência de despacho de pronúncia irrecorrível;

Esta questão tinha sido enunciada pelo recorrente AA no texto do recurso interposto por si, do acórdão de 1a instância, nos termos seguintes:

“ (...) São as seguintes as questões a discutir no presente recurso:

1. Da omissão de pronúncia;

2. Da impugnação ampla e restrita da matéria de facto dada como provada;

3. Do crime de branqueamento;

4. Da medida da pena.

1. DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA

Em sede de julgamento o ora recorrente colocou ao tribunal duas questões relacionadas com a validade de provas.

Para o que agora interessa, escreveu-se o seguinte:

I- Das imagens remetidas pelo processo 37/19.6...

No âmbito do processo 37/19.6... do DIAP de ..., estavam a ser investigados vários suspeitos, conforme decorrer de fls. 2530 e ss;

a. Nesse contexto, foi levado a cabo uma diligência externa com apoio à
captação de som e imagem, conforme melhor resulta de fls. 2532;

b. Os visados com essa vigilância, autorizada a esses suspeitos apenas,
são os que constam de fls. 2532;

c. A vigilância aos suspeitos desse inquérito ocorreu entre as 15h e as
17h02, conforme resulta de fls. 2532 e 2537;

d. Acontece que o OPC decidiu extravasar a autorização de que dispunha
para aqueles suspeitos em concreto e captar o som e imagem de outros
cidadãos que não estavam a ser investigados e sobre os quais não tinha
sido autorizado qualquer captação de som e imagem;

e. Assim, conforme resulta do auto, o OPC decidiu prolongar a vigilância
para além da intervenção dos seus alvos e autorizado, e cerca das
17h30 (ou seja, cerca de 30m depois de ter cessado a atividade dos
alvos) continuou a captar imagens a cidadãos estranhos àquele
processo;

f. Nos termos do disposto no art.o 6o, n.o1 da lei 5/2002 de 11.1, é
admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos
no art.o 1o, o registo de voz e imagem, por qualquer meio, sem
consentimento do visado.;

g. Ora, os visados eram os indivíduos que não os aqui arguidos;
2. Por outro lado, parece evidente que não resulta dos presentes autos qualquer despacho judicial a autorizar a junção a estes autos da captação de imagens levada a cabo no âmbito de outro processo, em completa contradição com o n.o5 do artigo 178o do CPP, e pelos artigos 6o, n.o1 da lei 6/2002 de 11.1 e 188o do CPP;

a. Ora, quando estiverem em causa meios de prova atinentes aos direitos fundamentais do cidadão – como, seguramente, se trata das imagens e voz cuja autorização depende de um juiz conforme n.o 2 do art.o 6o da lei 5/2002 – é ao juiz que compete validar essas imagens;

No caso concreto, essa validação, nestes autos, não ocorreu.

Depois, questionou-se ainda:

II- Das Pesquisas Informáticas aos telefones

1. Consta de 3658 e seguintes o resultado de uma pesquisa informática feita a telefones, com a transcrição de várias mensagens e variada outra informação provada como fotografias e localizações celulares;

a. Por promoção de fls. 2985 foi pedida a perícia ao telefone apreendido,
com a base legal dos artigos 187o, n.o 1 b), 189o e 269o, n.o1 e), todos
do CPP;

b. Por despacho do JIC de fls. 3004, foi ordenada a perícia informática com
base nos artigos 187o, n.o1 b) e 189o do CPP;

c. É pacífica a doutrina1 e a jurisprudência que afirma que no caso de a
informação pretendida estar depositada num sistema informático –
como o são os smartphone’s – o regime legal a seguir não é o do CPP,
antes da Lei do Cibercrime (LCC) – artigos 15o e 17o;

d. Regime que desde logo não se seguiu, o que significa que o despacho
de juiz, foi proferido com uma fundamentação de facto e de direito que
não é aplicável ao presente caso, e, por isso, sem base factual e legal;

e. Na verdade, o despacho do MP, bem como do juiz, é absolutamente
vazio de qualquer conteúdo de facto – porque nada diz sobre o caso
concreto – e de direito – porque não pondera qualquer tipo de
requisitos legais aplicáveis à pesquisa informática num smartphone;

1 Por exemplo as extensas reflexões de Rui Cardoso no artigo “Apreensão de Correio Electrónico e Registos de Comunicações de Natureza Semelhante - artigo 17° da Lei N° 109/2009, DE 15.IX, publicado no e-book do CEJ disponível in www.cej.mj.pt.

2. Por outro lado, por causa da total ausência de ponderação de facto e de base
legal, não se determinou a realização de uma pesquisa determinada e
especificada aos equipamentos.

a. Uma pesquisa genérica, ainda que provisória, ordenada a um telefone
inteligente, vai sempre abranger o conteúdo de correio eletrónico,
mensagens de chat e de outros dados pessoais ou íntimos como
fotografias e vídeos e ainda localizações celulares;

b. Isto porque, a pesquisa genérica é cega, vai conhecer de tudo.

c. Repare-se, que nos termos do disposto no artigo 15o, no1 da Lei
109/2009, de 15/9 a pesquisa é limitada à obtenção de “... dados
informáticos específicos e determinados...”;

d. Tal significa que o seu acesso deve estar dependente de requisitos
apertados, designadamente condicionado a um determinado período
temporal – aquele a que respeita a investigação – e a determinados
dados – aqueles respeitantes aos factos objeto da investigação – o que
não aconteceu, conforme resulta do teor do despacho; de fls. 3004;

e. Por outra palavras, um pedido de pesquisa genérico, ordenado a um
sistema informático, que não seja específico e determinado nos dados
que se pretende conhecer, não satisfaz minimamente o preceituado nos
artigos 32o, no8, 34o, 35o da CRP ou a reserva de juiz.

f. Assim sendo, a ordem do MP de fls. 2965 e do JIC de fls. 3004 dos autos,
não cumprem minimamente o previsto e concedido pelo artigo 15o da
Lei 109/2009, pelo que toda a aquisição probatória que resultou, não
deve ser valorada.

3. Acresce que em violação clara dos artigos 15o a 17o da LCC, depois de se juntar
ao processo o resultado da pesquisa informática a fls. 3658 e seguintes, não se
verificou qualquer despacho do MP de apreensão cautelar e muito menos de
apreensão definitiva por um juiz;

a. Com efeito, efetuada a pesquisa nos telemóveis, não foram as
fotografias, dados das sms e de mensagens do sistema chat eletrónico,
apresentadas ao juiz de Instrução Criminal para que validasse essa
apreensão – artigo 17o da LCC;

b. Desde logo, porque remetidos aos autos o resultado com o conteúdo
dos telefones a fls. 3658 e apensados, não resultou um qualquer tipo
de despacho de apreensão cautelar do MP como obriga o n.o1 do artigo
16o da lei 109/2009;

4. Mas, de modo ainda mais flagrante, não foi proferido qualquer despacho pelo jic como se determina no artigo 17 da LCC;

a. Ora, foi encontrado na pesquisa essencialmente mensagens de chat,
localizações celulares e fotos trocadas em mensagens, ou seja, registos
de natureza semelhante ao correio eletrónico – mensagens de chat
eletrónico;

b. Parece assim evidente a aplicação ao caso concreto do artigo 17o, e a
não existência de qualquer despacho judicial.

As questões já tinham sido levantadas em sede de debate instrutório nos mesmos termos, tendo sido indeferida a pretensão do arguido AA.

O acórdão recorrido, não obstante alguma fundamentação de facto e de direito, acabou por entender não ser competente para apreciar a questão fulcral – controlo das decisões no tribunal de origem do juiz de instrução - pois não é um tribunal de recurso. ... Ou seja, a captação, junção e utilização das imagens inseriu-se no âmbito dos conhecimentos fortuitos e não foi arbitrária, abusiva, porque sujeita a duplo controlo jurisdicional, quer nos autos de origem, quer nos presentes, o que sempre seria, por si só, fundamento suficiente para a improcedência da nulidade arguida, uma vez que entendemos estar vedado ao tribunal de julgamento, sob as vestes de uma pretensa nulidade de prova, arvorar-se em tribunal de recurso e sindicar eventuais vícios daquelas decisões, designadamente em termos de enquadramento jurídico ou quanto à suficiência da sua fundamentação.

Mais à frente, quando discutiu a segunda questão, decidiu o seguinte: Todavia, e em coerência com o que se afirmou supra, entendemos que ao tribunal de julgamento apenas cabe sindicar se houve ou não intervenção do JIC relativamente a matéria em que está reservada a sua competência, e se a prova obtida em função dessa intervenção se conteve dentro dos limites previstos no art. 126o nos. 1 e 2 do CPP. Porque, tudo o que vá além disso, relega-nos para um controlo da decisão do JIC quanto à suficiência da fundamentação e da (in)correcta subsunção jurídica, como se de um tribunal hierarquicamente superior se tratasse, o que não se nos afigura admissível.

Embora se possa perceber a posição do tribunal de julgamento, a recusa em apreciar as decisões do JIC não tem amparo na lei.

Da decisão proferida pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa não interpôs o arguido recurso, uma vez que decorre do artigo 310o do CPP a sua irrecorribilidade. De resto é jurisprudência assente segundo a qual da decisão instrutória, que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação – o que foi o caso - é irrecorrível na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais.

Foi neste sentido que decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão no482/2014, de 25.6.2014, bem como no acórdão no477/2011, de 12.10.2011 do mesmo Tribunal e ainda, por todos decidiu nesse mesmo sentido o Tribunal da Relação de Lisboa no processo 7818/13.2TDLSB.L1-5, de 27.10.2015.

Por outro lado, o recorrente foi totalmente surpreendido pelo sentido desta decisão uma vez que da letra da lei (artigo 310o do CPP) resulta inequivocamente que a decisão sobre nulidades, suscitadas em sede de instrução, não são recorríveis uma vez que o tribunal de julgamento pode reapreciar essas questões então suscitadas.

Do que resulta o acórdão ter omitido pronúncia sobre as suscitadas questões, sendo aquele nulo nos termos da al. c), do n.o 1 do artigo 379o do CPP.

(...)”

*

No recurso que, depois, interpôs do AC do TRE sobre esta questão para o STJ, veio o MPo dizer em resposta:

“(...)

Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o recurso, nesta parte, é absolutamente inócuo e deverá improceder.

Com efeito, o Recorrente pretende que o Supremo Tribunal de Justiça decida que o juiz de julgamento era competente para decidir sobre as nulidades de prova invocadas em sede de julgamento, ao abrigo do artigo 310.o do CPP, e devolva os autos à primeira instância para decidir sobre as mesmas. Isto porque, o Tribunal de Primeira Instância, aquando da decisão sobre a improcedência das invocadas nulidades, entre os demais argumentos expendidos nos quais se fundamentou para decidir pela improcedência das invocadas nulidades, no que respeita à utilização de imagens captadas noutro inquérito, referiu que “... a captação, junção e utilização das imagens inseriu-se no âmbito dos conhecimentos fortuitos e não foi arbitrária, abusiva, porque sujeita a duplo controlo jurisdicional, quer nos autos de origem, quer nos presentes, o que sempre seria, por si só, fundamento suficiente para a improcedência da nulidade arguida, uma vez que entendemos estar vedado ao tribunal de julgamento, sob as vestes de uma pretensa nulidade de prova, arvorar-se em tribunal de recurso e sindicar eventuais vícios daquelas decisões, designadamente em termos de enquadramento jurídico ou quanto à suficiência da sua fundamentação.”

E sobre a nulidade referente à utilização de prova obtida na sequência de pesquisa informática a telemóveis, disse o mesmo tribunal de primeira instância que “...em coerência com o que se afirmou supra, entendemos que ao tribunal de julgamento apenas cabe sindicar se houve ou não intervenção do JIC relativamente a matéria em que está reservada a sua competência, e se a prova obtida em função dessa intervenção se conteve dentro dos limites previstos no art. 126o nos. 1 e 2 do CPP.

Porque, tudo o que vá além disso, relega-nos para um controlo da decisão do JIC quanto à suficiência da fundamentação e da (in)correcta subsunção jurídica, como se de um tribunal hierarquicamente superior se tratasse, o que não se nos afigura admissível. Destarte, tendo havido autorização do JIC para a realização de tal pesquisa (vide fls. 3004), improcede a nulidade arguida.»

Lida a decisão de primeira instância ressalta que, apesar destes argumentos que expendeu, o Tribunal efetivamente decidiu a questão das nulidades que lhe foi suscitada, acrescentado outros argumentos nos quais se fundamentou para decidir da respetiva inexistência, decisão essa à qual são dedicadas quatro páginas do acórdão da primeira instância.

No recurso que interpôs para o Tribunal da Relação, o Recorrente não pôs em causa a decisão de fundo constante do acórdão da primeira instância, nem suscitou o conhecimento das invocadas nulidades de prova pelo tribunal superior, limitando-se a invocar a omissão de pronúncia. E confrontado com a questão, tal como colocada pelo recorrente, o Tribunal da Relação de Évora, depois de transcrever toda a decisão do tribunal de primeira instância, decidiu que não se verificava a invocada nulidade por omissão de pronuncia, na medida em que o Tribunal se havia pronunciado sobre as suscitadas nulidades de prova: “... o tribunal “a quo” – contrariamente ao sustentado pelo Recorrente – não passou ao lado da questão (validade de prova) suscitada pelo arguido, simplesmente, não subscreveu o entendimento por este perfilhado. Não houve, portanto, omissão de pronúncia sobre questão que devesse ter sido apreciada. Pode concordar-se ou não com a interpretação do tribunal “a quo”, mas o que não pode é assacar-se à decisão recorrida, inveridicamente, uma pretensa nulidade por omissão de pronúncia. Assim, é manifesto que a decisão recorrida não padece da nulidade prevista no art.o 379o, no 1, al. c), do CPP.”

O Recorrente veio, perante o STJ, repetir que o tribunal de primeira instância não decidiu sobre as nulidades de prova arguidas em julgamento, quando, salvo o devido respeito, a questão está já mais que decidida, só que a seu desfavor, e a pretendida devolução dos autos à primeira instância para decisão é absolutamente inútil, porquanto já existe decisão.

Acresce ainda que, quanto a uma das nulidades de prova invocadas, a respeitante às pesquisas em sistema informático, a prova em causa nem sequer foi utilizada pelo tribunal para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, pelo que a decisão sobre a nulidade da mesma nada adiantará à situação processual do arguido.

Existe omissão de pronuncia quando o Tribunal não se pronuncie sobre questões relevantes para a decisão de mérito, de conhecimento oficioso ou submetidas à sua apreciação pelos sujeitos processuais interessados, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não cada um dos argumentos invocados na defesa das respetivas posições.

Assim, e ao contrário do que afirma o Recorrente, o Tribunal da Relação não omitiu o conhecimento de qualquer questão que devesse conhecer. Ao invés, o Tribunal da Relação decidiu sobre a questão que concretamente lhe foi colocada, ou seja, a de saber se a decisão da primeira instância era nula por omissão de pronuncia prevista no artigo 379.o, n.o1, alínea c) do CPP, por não se ter pronunciado sobre duas questões de validade de prova suscitadas em julga mento, concluindo pela sua improcedência, pelo que não se vislumbra qualquer nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

Ora, pode ler-se no texto do acórdão do TRE, a propósito do aludido segmento de recurso atinente à convocada omissão de pronúncia:

““(...)

Quanto à pretensa nulidade alegadamente cometida pelo tribunal recorrido, consistente em omitir pronúncia, relativamente a duas questões de validade de prova que o arguido já tinha levantado em sede de instrução, é óbvio que não assiste razão ao Recorrente.

Da leitura do Acórdão sob censura e no item relativo “FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO” o Tribunal “a quo” expressamente consigna:

«4. Quanto à situação do dia 22 de Abril de 2021, que culminou com as apreensões levadas a cabo no dia 20 de Maio de 2021, importa, antes do mais, pronunciarmo-nos quanto às duas nulidades de prova invocadas pela defesa do arguido AA:

- A primeira diz respeito às imagens captadas no âmbito do NUIPC 37/19.6..., cuja certidão se mostra junta a fls. 2523 a 2551 e exame directo a fls. 2680, concretamente quanto à possibilidade da sua utilização nestes autos.

Para tanto, invoca o arguido, em síntese, que não era visado naqueles autos e, por outro lado, não existiu despacho nestes autos a autorizar a junção daquelas imagens, em completa contradição com o no5 do artigo 178o do CPP, e pelos artigos 6o, n.o1 da lei 6/2002 de 11.1 e 188o do CPP.

Como bem refere o MP na sua promoção a propósito, a questão já foi apreciada em sede de instrução, ocasião em que foi proferido o seguinte despacho: «O arguido AA apresentou requerimento no sentido de noutros autos de ... foi realizada uma vigilância que se mostra junta a fls. 2532, onde o OPC captou a imagem de quem não era ali investigado e, por isso, captou imagens de pessoas estranhas ao processo, sem autorização judicial nesse processo.

O Ministério Público opôs-se a tal pretensão uma vez que tal meio de prova foi junto a estes por autorização judicial nos autos de ....

Por outro lado, foi também aceite nestes autos a junção da prova referida para o seu aproveitamento.

Ao analisar a situação cabe referir que não cabe no âmbito destes autos fiscalizar a legalidade formal da obtenção do meio de prova originado em outra investigação, analisada judicialmente por outro juiz (o titular dos actos jurisdicionais dessa outra investigação), mas apenas a legalidade substancial da sua utilização nestes autos, o que foi objecto de autorização e validação, nada havendo, portanto, a analisar.

Percebe-se a discordância insistente apresentada pelo arguido em debate instrutório quanto a este meio de prova. Mas a recente opção legislativa quanto a registo de imagem (Lei n.o 95/2021 de 29 de Dezembro, por exemplo no seu art. 3.o, n.o1, d)) vai no sentido (apenas elemento interpretativo para estes autos) de dispensar a autorização judicial nos casos ali expressos, nomeadamente em casos de prevenção ou flagrante delito provável de actividade criminosa.

Note-se, contudo, que não se percebe por que motivo afasta o requerente a possibilidade de conhecimentos fortuitos, tal como ocorre quanto a intercepções telefónicas, até porque é aplicável à captação da imagem e som o regime das intercepções telefónicas, nos termos do disposto no art.o 6.o da Lei n.o 5/2002.

Ora, estando em causa uma investigação por crime que admitia tal medida e a sua obtenção era adequada e proporcional, não é de aceitar a ilegalidade da prova assim valorada.

Assim, não se verifica o vício invocado.»

Não temos razão para dissentir de tal decisão. Pelo contrário, sufragamo-la.

Acrescentaremos apenas dois aspectos. Um de carácter formal e outro de carácter material, ou mesmo de carácter operacional.

Quanto ao primeiro, resulta da certidão extraída do NUIPC 37/19.6..., mais concretamente do despacho judicial que a integra (fls. 2526vo e 2527) que o Sr. Juiz de Instrução Criminal de Évora analisou concretamente a questão, enquadrando-a nos conhecimentos fortuitos e determinou a junção aos presentes autos de tais elementos ao abrigo do disposto no art.o 187o nos. 7 e 8 do CPP, aplicável por força do art. 6o no.3 da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.

Uma vez juntos tais elementos aos presentes autos, foi proferido o seguinte despacho pela Sra. Juíza de Instrução Criminal: «Autorizo, nos termos do artigo 187o, nos. 7 e 8 do CPP, a utilização das imagens mencionadas pelo MP e referentes aos autos mencionados na promoção que antecede».

Ou seja, a captação, junção e utilização das imagens inseriu-se no âmbito dos conhecimentos fortuitos e não foi arbitrária, abusiva, porque sujeita a duplo controlo jurisdicional, quer nos autos de origem, quer nos presentes, o que sempre seria, por si só, fundamento suficiente para a improcedência da nulidade arguida, uma vez que entendemos estar vedado ao tribunal de julgamento, sob as vestes de uma pretensa nulidade de prova, arvorar-se em tribunal de recurso e sindicar eventuais vícios daquelas decisões, designadamente em termos de enquadramento jurídico ou quanto à suficiência da sua fundamentação.

Entrando no segundo aspecto, como resulta da certidão junta, o OPC procedeu à captação das imagens naqueles autos entre os dias 22 de Abril de 2021, pelas 16H26 e o dia 28 do mesmo mês, pelas 17H11 (vide fls. 2531). Por aqui se vê que aquele OPC não extravasou a autorização judicial a coberto da qual realizava tal diligência probatória. Ora, o relato de diligência externa relativo ao dia 22 de Abril (vide fls. 2532 a 2542) é clarividente no sentido de que os militares da GNR foram surpreendidos pela presença de outros indivíduos (desconhecidos), além daqueles que já estavam identificados naqueles autos, a realizarem uma operação de transporte de produto estupefaciente em moldes em tudo idênticos. Ou seja, até ao momento em que o arguido AA foi identificado como sendo o condutor do BMW que aparece naquelas imagens, e que estava a ser investigado nos presentes autos, não tinha aquele OPC como saber se existia ou não alguma relação entre os indivíduos desconhecidos e aqueles cuja identidade era conhecida e que estavam sob investigação. Aliás, a fls. 2548 (relatório intercalar do NUIPC 37/19.6...) consta «No dia 22/04/2021, foram captadas imagens de um grupo de indivíduos que utiliza um “modus operandi” idêntico ao utilizado por TT. Inicialmente suspeitava-se que os mesmos estivessem relacionados com o presente processo, mas posteriormente verificou-se que não existe qualquer relação dos indivíduos captados nas imagens com qualquer um dos suspeitos dos presentes autos.» (nosso sublinhado).

Isto para concluir que, no momento em que as imagens foram captadas, não existia qualquer razão para considerar que o OPC havia documentado uma actividade criminosa distinta da que estava a investigar (o que sempre seria enquadrado no âmbito dos conhecimentos furtuitos), e para a qual estava judicialmente autorizado. E é nesse momento, não a posteriori, que tem de se aferir se houve, ou não, obtenção de prova de forma abusiva. A conclusão, obviamente, é que não houve.

Termos em que improcede a nulidade arguida.”

- Com respeito à segunda nulidade arguida, que visa o teor de fls. 3661 e seguintes (resultado de uma pesquisa informática feita a telemóveis, com a transcrição de várias mensagens de “chat” e obtenção de localização celular), alega a defesa do arguido AA, em síntese, que a autorização judicial para a realização da pesquisa informática assentou numa fundamentação de facto e de direito que não é aplicável ao caso concreto (CPP em vez da Lei do Cibercrime), o que deu azo a que se realizasse uma pesquisa genérica, em vez de dados específicos e determinados, não satisfazendo as exigências legais e constitucionais.Acresce que, uma vez junto o resultado de tal pesquisa, nem o MP, nem o JIC se pronunciaram quanto à apreensão cautelar ou definitiva dos elementos obtidos.

O MP pronunciou-se, também aqui, pela improcedência da nulidade arguida.

Como ponto prévio, diremos que, para nós, o resultado de tal pesquisa é absolutamente irrelevante para a boa decisão da causa, já que o seu teor nada de relevo acrescenta em relação à demais prova previamente recolhida e, como se verificará infra, nem sequer aludiremos à mesma quando nos debruçarmos sobre a fundamentação de facto quanto à situação agora em apreço.

Percebe-se a posição da defesa do arguido AA: caso conseguisse afastar a validade das imagens recolhidas no NUIPC 37/19.6..., ainda ficaria com este problema entre mãos. Ou seja, só se conseguisse invalidar ambas teria como cimentar a sua estratégia, absolutamente legítima, refira-se.

Todavia, e em coerência com o que se afirmou supra, entendemos que ao tribunal de julgamento apenas cabe sindicar se houve ou não intervenção do JIC relativamente a matéria em que está reservada a sua competência, e se a prova obtida em função dessa intervenção se conteve dentro dos limites previstos no art. 126o nos. 1 e 2 do CPP. Porque, tudo o que vá além disso, relega-nos para um controlo da decisão do JIC quanto à suficiência da fundamentação e da (in)correcta subsunção jurídica, como se de um tribunal hierarquicamente superior se tratasse, o que não se nos afigura admissível.

Destarte, tendo havido autorização do JIC para a realização de tal pesquisa (vide fls. 3004), improcede a nulidade arguida.»

Ora, o tribunal “a quo” – contrariamente ao sustentado pelo Recorrente – não passou ao lado da questão (validade de prova) suscitada pelo arguido, simplesmente, não subscreveu o entendimento por este perfilhado.

Não houve, portanto, omissão de pronúncia sobre questão que devesse ter sido apreciada.

Pode concordar-se ou não com a interpretação do tribunal “a quo”, mas o que não pode é assacar-se à decisão recorrida, inveridicamente, uma pretensa nulidade por omissão de pronúncia.

Assim, é manifesto que a decisão recorrida não padece da nulidade prevista no art.o 379o, no 1, al. c), do CPP.

Donde que o presente recurso improcede, quanto à imputação ao acórdão sobre o recurso da referida nulidade.”

Em face do que se transcreveu, sendo certo que no recurso para este STJ o recorrente nem sequer discute já o mérito da decisão tal como foi apreciada, insistindo apenas numa sua apreciação em 2o grau de recurso, sob a forma de nulidade por omissão de pronúncia, capa esta formal para manifestar apenas a sua discordância do que foi considerado e decidido, é evidente que a dita nulidade por omissão é manifestamente inexistente, já que também o Tribunal recorrido (TRE) se pronunciou clara e detalhadamente sobre o segmento em causa.

“Pronunciou-se” sobre a validação da decisão do tribunal “a quo” que, por sua vez, se pronunciara “sobre os termos da validação de prova pelo JIC e não lhe caber o papel de tribunal de recurso.” A questão colocada pelo arguido AA ao TRE foi assim decidida, concorde-se ou não com a forma como o fez.

E, como muito bem salientou o MPo, que aqui reproduzimos por economia de esforço e desnecessidade de escolha de diferentes termos para dizer da evidência dos mesmos, “No recurso que interpôs para o Tribunal da Relação, o Recorrente não pôs em causa a decisão de fundo constante do acórdão da primeira instância, nem suscitou o conhecimento das invocadas nulidades de prova pelo tribunal superior, limitando-se a invocar a omissão de pronúncia. E confrontado com a questão, tal como colocada pelo recorrente, o Tribunal da Relação de Évora,(...) decidiu que não se verificava a invocada nulidade por omissão de pronuncia, na medida em que o Tribunal se havia pronunciado sobre as suscitadas nulidades de prova: “... o tribunal “a quo” – contrariamente ao sustentado pelo Recorrente – não passou ao lado da questão (validade de prova) suscitada pelo arguido, simplesmente, não subscreveu o entendimento por este perfilhado.

(...)Pode concordar-se ou não com a interpretação do tribunal “a quo”, mas o que não pode é assacar-se à decisão recorrida, inveridicamente, uma pretensa nulidade por omissão de pronúncia.(...)”; a pretendida devolução dos autos à primeira instância para decisão é absolutamente inútil, porquanto já existe decisão. Acresce ainda que, quanto a uma das nulidades de prova invocadas, a respeitante às pesquisas em sistema informático, a prova em causa nem sequer foi utilizada pelo tribunal para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto, pelo que a decisão sobre a nulidade da mesma nada adiantará à situação processual do arguido.”

Derradeiramente, em face do exposto, é por demais preclaro que o Tribunal da Relação decidiu sobre a questão de saber se a decisão da primeira instância era nula por omissão de pronúncia (arto379.o, n.o1, alínea c) do CPP) alegação esta baseada, como se viu, em supostamente não se ter pronunciado sobre duas questões de validade de prova suscitadas em julgamento, mas concluindo pela sua improcedência, pelo que inexiste qualquer nulidade do acórdão recorrido com o sobredito fundamento.

Improcede pois o recurso tendo por base esta invocada nulidade.

B) Nulidade nos termos previstos nos artigos 379.o, n.o 1, alínea c), aplicável por via do artigo 425.o, n.o4 do Código de Processo Penal, por alegadamente não ter o Tribunal da Relação procedido ao reexame da matéria de facto impugnada por referência aos factos impugnados e às provas indicadas pelo recorrente.

Neste conspecto, teve o MPo oportunidade de referir, aliás acertadamente, em resposta:

(...) No caso concreto, as provas indicadas pelo recorrente não impõem decisão diversa da proferida, limitando-se o recorrente a indicar a sua discordância com o juízo feito pelo tribunal recorrido, o sentido em que pretendia que as mesmas fossem valoradas, o que por si só não basta, pois não ficou cabalmente demonstrado, em nosso entender, que essas provas impunham decisão diversa da que foi proferida em primeira instância, devendo manter-se a decisão recorrida.”

Vejamos então.

O recorrente havia impugnado em sede de facto o acórdão de 1a instância, dizendo:

2. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA

(...)

a. Dos factos provados no ponto 1

Deu-se como provado o seguinte:

Pelo menos desde o mês de Abril de 2020 que o arguido AA se dedica à compra, transporte, armazenagem e venda de grandes quantidades de haxixe/canábis, a fim de obter proventos financeiros.

Não obstante se aceitar estar perante uma factualidade genérica mínima, a verdade é que duas das atividades descritas e integradoras do elemento objetivo do tipo não vem mais tarde concretizada.

Com efeito, se é certo que se concretizam duas situações de transporte – pontos 2 a 11 e 16 a 29 – e armazenagem – factos 29 e 30 – nada se concretizou relativamente a compra e venda, sendo ainda certo que a expressão grandes quantidades, não só é vazia de conteúdo, como não se provou também em concreto. Com efeito, nenhuma situação de compra por parte do arguido AA se provou.

Veja-se que na situação provada nos pontos 2 a 11, é o próprio acórdão a não dar como provado qual a natureza do negócio em causa e mesmo qual a intervenção dos envolvidos, nomeadamente do ora recorrente AA.

Aliás, na fundamentação de facto, o douto acórdão recorrido volta a reforçar, diga-se, com a habitual honestidade intelectual que caracteriza esta comarca, o seguinte:

Quanto aos concretos contornos da transacção que iria ser levada a cabo, na realidade não se sabe exactamente o que iria suceder. A tese da acusação/pronúncia assenta no facto de que ambos os veículos teriam os porta-bagagens abertos, pelo que se iria proceder à trasfega de um (o BMW) para o outro (o Renault). Como se viu, o Renault não tinha o porta-bagagens aberto. Por outro lado, não foi apreendido dinheiro, pelo que é duvidoso que tal quantidade de canábis mudasse de mãos sem o correspondente pagamento. Poderia aquele encontro ser o culminar de uma aquisição e transporte de canábis, já que é usual a utilização de dois veículos nessas situações, funcionando um deles como “batedor”? Estaria a ser exibido o produto para uma futura compra/venda?

Muitas hipóteses se podem aventar, pelo que o tribunal se cingiu ao que de objectivo pode ser extraído da prova carreada para os autos.

Isto, nem da factualidade provada, nem da fundamentação de facto, se atribui ao recorrente a compra do estupefaciente apreendido dentro do veículo – seja naquele momento ou em momento anterior.

Isto é, este facto dado como provado, excede claramente a factualidade dada como provada e resulta até contrariado pela fundamentação de facto - parte final da al. b) do n.o2 do artigo 410o do CPP.

Quanto aos pontos 16 a 29 a situação é precisamente a mesma.

Se bem percorrermos os factos dados como provados, não encontramos qualquer referência à compra desse estupefaciente.

De todos estes factos, em vão se encontra qualquer facto concreto de onde resulte que foi o recorrente a comprar – ali ou anteriormente -aquele haxixe.

O que está descrito, e disso a defesa não foge, é o transporte e depois o depósito - armazenagem.

Mas, se quisermos ser rigorosos – como devemos ser também nos crimes desta natureza – não se provou qualquer compra – seja em que modalidade for.

Aliás, da fundamentação de facto, como não poderia deixar de ser, o tribunal não especula sobre isso, pois, como é óbvio alguém o adquiriu, o que não se provou é que foi o recorrente AA ou sequer alguém a seu mando.

Isto, nem da factualidade provada, nem da fundamentação de facto, se atribui ao recorrente a compra do estupefaciente transportado e depositado.

Isto é, este facto dado como provado, excede claramente a factualidade dada como provada e resulta até contrariado pela fundamentação de facto.

Em conclusão, dir-se-á que que os factos compra e venda são genéricos, não correspondem a qualquer facto concreto dado como provado e aliás, não estão, como não podiam à falta de concretização, fundamentados em termos de facto.

Pelo que, entende o recorrente que devem ser considerados como não escritos e por isso não provadas as expressões compra e venda.

b. Dos factos provados nos pontos 2 a 12

Deu-se como provado o seguinte: (...)

A fundamentação de facto encontra-se nas páginas 38 a 40 do acórdão recorrido.

Sumariamente, foram levados à convicção os seguintes meios de prova:

• Vários autos, documentos e perícias;

• Depoimentos de UU e VV.

É incontroverso o que foi encontrado dentro desse carro, como o foi e quando o foi.

Também é incontroverso o resultado das perícias.

A questão é saber, se, não obstante o descrito, e os depoimentos dos agentes da psp, não se pode alcançar a dúvida razoável de que não era o recorrente quem estava naquele carro da marca bmw X5.

Em primeiro o resultado da perícia de ADN coloca outras pessoas em contacto com o carro e droga, que não o recorrente AA ou os arguidos NN e EE.

Isto significa, sem margem para duvidas, que outras pessoas estiveram dentro daquele carro e em contacto com a droga para além do recorrente AA.

Com efeito, resulta de fls. 3449 V, que para além dos arguidos, foram identificados mais de quatro perfis de ADN diversos dos arguidos.

Ou seja, para além do AA e EE, mais de 4 pessoas – o 4 perfil contém uma mistura de vários, estiveram em contacto com o interior daquele carro.

Para além disso, de forma absolutamente clara, os dois agentes da PSP que estiveram no local, não foram capazes de reconhecer o arguido AA, seja em sede de inquérito, seja em sede de julgamento. Nem sequer por semelhança, diga-se.

Assim foi dito pelas testemunhas o seguinte:

(...)”

Assim, salvo outra posição, entende o recorrente que não resulta provada, para além de toda a dúvida razoável, que era o AA quem estava naquele veículo às 17h do dia 5 de abril de 2020.

c. Dos factos provados no ponto 15 a 29

O recorrente, não pode, em boa fé dizemos nós, discutir o que se pode ver nas imagens que o tribunal invoca para formar a sua convicção. Mas pode discutir a sua valoração e, mais ainda, mesmo que não obtenha provimento, alguns dos factos dados como provados.

E a questão da valoração ou não dos meios de prova impugnados, ditará - caso se obtenha provimento com a questão que o acórdão recorrido optou por não conhecer - a não prova dos factos provados nos pontos 15 a 27, pois recorreu-se em exclusivo ao auto de visionamento de imagens.

Contudo, o tribunal deu como provado o seguinte nos pontos 15 e 29: (...)

Salvo o devido respeito, para além de uma legitima especulação, não existe nenhuma prova de que isto foi assim.

De onde resulta que foi o arguido AA que encarregou ou deixou de encarregar o BB de gerir o armazém? Já agora, de onde resulta a prova de que aquele armazém servia – para além do dia em que foram lá visto a chegar dia 22 de abril e depois buscado a 20.5.2021 – para guardar droga e dinheiro.

É que como parece óbvio, uma coisa é dar-se como provado de que entre os dias 22.4.2021 e 20.5.2021 os arguido(s) guardaram droga e que dinheiro lá estava apenas no dia 20.5.2021, outra coisa bem diferente é dizer-se que aquele armazém servia para guardar droga e dinheiro desde Janeiro de 2021 – ponto 15.

Obviamente que nunca lá tinham sido vistos para além dia, não obstante a enorme proximidade com que eram vigiados pela PJ.

Aliás, para além de um papel de arrendamento ou empréstimo ao arguido BB, nada mais existe, nada mais se sabe no processo e por isso não pode existir no mundo deste processo.

E se bem verificarmos a fundamentação de facto, é omissa neste ponto – páginas 47/48.

Como se refere no acórdão recorrido WW apenas teve contacto com os factos no dia 22.4.2021. Mais nenhuma intervenção teve nos autos.

DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA Audiência 20-06-2022 | 15:14:30 – 15:27:21 Ficheiro: ..._1071437_...:00:00 – 00:12:49 WW

(...)”

No mais, como bem se observa da fundamentação, excede-se na factualidade provada largamente aquilo que consta cxda fundamentação de facto, ou seja, neste ponto particular, é manifestamente ausente qualquer prova e fundamentação.

Pelo que estes factos devem ser dados como não provados.

d. Factos provados no ponto 30

Provou-se o seguinte: (...)

Duas questões surgem:

• Eram estes arguidos que guardavam a droga?

• Provou-se por qualquer meio que seja que o dinheiro apreendido era dos arguidos ou que resultava da entrega de canábis?

Em primeiro lugar, como se pode afirmar – provando-se – que os arguidos receberam dinheiro da entrega de canábis quando não se deu como provada uma única situação concreta de venda ou entrega concretizada?!

É que as duas únicas situações relatadas nos factos provados não se concretizaram e não se provou, sequer, qual a intervenção do arguido AA e muito menos do arguido BB.

É evidente que se pode especular dizendo que se o arguido não tinha trabalho que gerasse aquele rendimento então só pode vir do tráfico.

Mas esta especulação vai totalmente de frente contra os mais elementares princípios do direito probatório processual penal.

É que, como é evidente, não foi deduzido qualquer pedido de liquidação ampliada nos termos do artigo 8o da lei 5/2002.

Com efeito, sem o recurso a este regime especial de confisco, não é possível inverter o ónus da prova, ficando assim na esfera do MP a demonstração de todos os factos necessários.

O que não aconteceu, como se viu.

E se bem verificarmos este ponto concreto na fundamentação de facto de páginas 47/48, o acórdão recorrido nem sequer esboça uma tentativa de o fundamentar com o recurso a matéria de facto provada ou meios de prova.

É certo que aquela quantidade de dinheiro é absolutamente irrazoável – nunca!

Dizer-se, como refere o acórdão recorrido, que Todos estes elementos conjugados entre si, a que acresce o que infra se referirá acerca do modo de vida e património do arguido AA, analisados à luz das regras da experiência comum, permitiram, sem qualquer dúvida, que o tribunal desse como provada a descrita actividade de aquisição, transporte, armazenagem e venda de canábis, é, salvo o devido respeito, uma mão cheia de nada. É que os elementos a considerar só podem advir da matéria de facto provada:

Não se provou uma única transação de droga;

o Num período de cerca de 1 ano de investigação, o arguido AA foi surpreendido – e provou-se apenas assim – duas vezes a deter e transportar haxixe. Duas vezes! o Nunca se provou uma entrega para venda; o Nunca se provou sequer uma compra ou pagamento prévio.

É certo que o tribunal poderá dizer que não pode ter outra origem.

Mas o MP decidiu não lançar mão do instituto da perda ampliada prevista na lei 5/2002 e agora o arguido tem de se defender do que não lhe vinha imputado – uma qualquer entrega de haxixe com contrapartida económica.

E, de facto, não se provou qualquer contrapartida recebida por entrega de canábis.

Isto não quer dizer que o dinheiro seja legitimo ou deixe de o ser. O que quer dizer é que não provou foi o recorrente AA ou o BB que o receberam em contrapartida da entrega de haxixe. Pelo que deve ser dado como não provado ... que os dois arguidos tinham recebido em contrapartida pela entrega de canábis.

e. Dos factos provados nos pontos 32, 33, 34, 35, 36, 39, 41 e 43

Sumariamente o que se impugna são apenas os trechos da matéria de facto em negrito abaixo:

(...)

A motivação do ora recorrente tem necessariamente que ver com as questões levantadas no anterior ponto d., pelo que tentaremos evitar repetições.

Da matéria de facto provada não resulta uma única venda de canábis ou o recebimento de qualquer contrapartida financeira por parte do arguido AA.

Da fundamentação de facto, para além da legitima especulação, também não de diz de que operação de tráfico é que resultou os dinheiros para comprar estes veículos.

A duas únicas operações de tráfico que se deram como provadas resultaram em nada. Nada se vendeu e nada se entregou.

Aliás, sem se imputava que tenham sido compradas ou pagas pelo recorrente AA.

Dizer-se simplesmente que o valor da compra foi obtido com proveitos da venda de canábis é impossibilitar, totalmente, a defesa de contraditar.

O que pode a defesa contraditar? Que não vendeu? Que não recebeu? Que teve prejuízo?

Mas nada lhe vinha imputado!

A tese do acórdão apenas vingaria se o arguido tivesse que demonstrar o contrário, o que francamente, não se aceita que possa ser defensável face às regras probatórias vigentes. E a defesa, naturalmente e legitimamente, não tendo o MP optado pela perda ampliada, prescindiu de imputar um qualquer património incongruente. Mas se assim foi, então tinha o MP de alegar e demonstrar de onde surgiram esses proventos da droga quando apenas vingaram nos factos provados duas, sem resultado financeiro e sem que se tenha provado qual a posição do recorrente AA no negócio.

Os factos agora impugnados devem ser dados como não provados.”

Perante esta exposição do recorrente cabe exarar aqui algumas notas e considerações prévias acerca da exigência de fundamentação.

Ao lerem-se as alegações de recurso patenteia-se desde logo e só por si que o arguido mais não pretende senão impugnar de novo a matéria de facto, a convicção do tribunal e a forma como as provas foram apreciadas, sob a capa de arguição de nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia e de fundamentação na reapreciação da matéria de facto, repetindo argumentação já conhecida ao longo da narrativa do processo.

O Art.o 374o, n.o 2 do C.P.Penal estatui que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Além das provas ou meios de prova que serviram para formar a sua convicção, o tribunal deve fazer consignar os elementos que à formação da mesma conduziram.

A ratio de tal é não só permitir (aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso) o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação dessa convicção como convencer (esses mesmos sujeitos processuais e a própria sociedade) da justeza da decisão.

Por isso, não basta a mera indicação das provas, como se poderia depreender do Art.o 365o, n.o 3 do C.P.Penal, tornando-se, também, necessário revelar o processo racional que conduziu à expressão da convicção.

Mas esta afirmação não significa que, na fundamentação, se mostre necessário verter toda a prova, transformando a sentença numa espécie de «assentada».

Pelo contrário, a supra aludida exigência fica preenchida se, através dela, ficarem expressos os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (cfr. Marques Ferreira, Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, págs. 229 e seg.).

Todavia, o supra mencionado n.o 2 do art.o 374o do predito diploma de direito adjectivo penal não pode ser entendido no sentido de que se exige que o julgador exponha pormenorizada e completamente todo o raciocínio lógico que se encontra na base da sua convicção de dar como provado um determinado facto especialmente quando, relativamente a tal facto, se procedeu a uma dada inferência mediata a partir de outros havidos como provados (cfr. Acórdão do S.T.J. de 29-06-1995, C. J. – Acórdãos do S.T.J., Ano III – 1995, Tomo II, Págs. 254 e segs.).

Ora, dado que o exame crítico das provas deve ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, importa referir que basta a análise completa e exaustiva de toda a prova produzida, como efectivamente se fez, para que se possa concluir pela evidente suficiência da fundamentação e motivação elaboradas na decisão que é objecto de recurso e foi reapreciativa da decisão a quo dispensando-se mais quaisquer considerações que só poderiam pecar por despiciendas (cfr. Acórdão do S.T.J. de 07-02-2001, Processo n.o 3998/00 – 3a, SASTJ, n.o 48, 50, citado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 13a Edição – 2002, Pág. 739).

Ora, diremos ainda, que quando o julgador, em audiência de discussão e julgamento, ultrapassa o estado de incerteza ou de dúvida, a convicção assim formada, desde que obtida através de procedimentos cognoscitivos plausíveis e possíveis, é sempre válida, atento o disposto no art. 127o do Cód. Proc. Penal (princípio da livre apreciação da prova).

Ademais, quando, por exemplo, se alude às regras da experiência, podemos com segurança afirmar serem elas entendíveis como definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.1

Assim, quando o julgador examina cada um dos meios probatórios importados para o processo, efectua um raciocínio lógico ou não normativo, que muitas vezes se compõe de vários raciocínios encandeados. Este exame supõe a realização de um raciocínio dedutivo no qual se tomam em atenção os factos expostos pelo correspondente meio probatório (manifestação constante do testemunho; confissão de parte; conteúdo de um documento, etc) os quais são postos em relação com uma determinada máxima da experiência chegando-se, assim, a determinar se tais factos (v.g.) os afirmados pela testemunha ou constantes do documento) sucederam ou não, na realidade ou seja se devem ou não ser tomados em atenção, tendo em conta a sua verosimilhança ou a falta dela, com o que se chega à correspondente conclusão sobre o valor que deve dar-se à informação prestada pelo meio probatório.

Porém, antes de efectuar este trabalho dedutivo o julgador deve examinar a credibilidade, fiabilidade ou confiança que merece o veículo transmissor dos factos isto é a testemunha, o documento, etc.

Todas estas operações se encaminham para provar a credibilidade das provas carreadas e este juízo de credibilidade aparece integrado por vários silogismos probatórios, o primeiro dos quais é referido à fiabilidade ou confiança que gera cada um dos meios probatórios estando o segundo referido à determinação do significado dos factos expostos ao julgador por cada um dos meios de prova e referindo-se o terceiro à verosimilhança ou à crença de que são verdadeiros ou falsos os factos assim carreados para o processo.

Mas, antes do mais, haverá sempre que determinar se cada um dos meios probatórios foi produzido com todas as garantias legais e sujeição ao ordenamento jurídico processual. A lógica formal rege o desenvolvimento de todos estes raciocínios fácticos dedutivos.

Conforme se referiu, em sede de valoração, e uma vez determinados os factos que reputa verosímeis ou credíveis dentro dos expostos através dos diversos meios probatórios, o julgador encontra-se perante o conjunto dos factos: de um lado os inicialmente alegados pela acusação, pela defesa e pelas partes cíveis e de um outro lado os factos carreados pelos diversos meios probatórios e que o julgador considera verosímeis.

O trabalho a realizar, então e de seguida, será o de comparar aqueles factos com estes e de comprovar se estes reafirmam ou consolidam aquelas afirmações originárias ou se, pelo contrário, os desacreditam.

Para tanto, a valoração será, antes de mais, um trabalho de comparação entre os factos afirmados e as afirmações instrumentais que, carreadas pelos diversos meios probatórios se reputam como certas ou como realmente sucedidas. Porém, além de comprovar as afirmações básicas com as instrumentais a valoração também consiste num labor de indução de um facto a partir de outro ou outros factos previamente afirmados como provados.

Tolda Pinto, in "A Tramitação Processual Penal", 2.a ed., pg. 206 sgs defende que "a fundamentação das decisões judiciais, em geral, cumpre duas funções: a) – Uma de ordem endoprocessual – que visa impor ao juiz um momento de verificação e controle crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) – Outra, de ordem extraprocessual – que procura, acima de tudo, tomar possível um controle externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão.

(...) Relativamente àquela, uma vez que se liga directamente com o princípio consagrado no art. 32.°, n.o 1, da Constituição, a fundamentação das decisões judiciais justifica-se, desde logo, na medida em que funciona como garantia de racionalidade, imparcialidade e ponderação da própria decisão judicial. A motivação da decisão judicial funciona aqui como elemento de controle interno necessário do princípio da livre convicção do juiz em matéria probatória".

Depois, citando ainda Eduardo Correia, in Revista do Direito e de Estudos Sociais, ano XIV, diz que "a motivação da decisão é também imprescindível, entre outras razões, para favorecer o auto-controle dos juízes, designadamente, obrigando-os a analisar, à luz da razão, as impressões recolhidas no decurso da produção da prova, bem como para estimular a recolha jurisprudencial de regras objectivas de experiência e o respeito pela lógica e pelas leis da psicologia judiciária na apreciação das mesmas".

Em suma, conclui, dizendo que a fundamentação de facto e de direito, da decisão judicial visa, desde logo, garantir uma mais adequada ponderação da prova produzida, bem como do direito aplicável.

Justifica ainda a necessidade de fundamentação pela garantia assim dada à ponderação dos argumentos da defesa, do mesmo modo que constitui um elemento imprescindível ao exercício efectivo do direito ao recurso.

Feita assim esta breve incursão doutrinária sobre a justificação, âmbito e necessidade da fundamentação de decisões, desçamos ao caso concreto.

Dito isto.

Lê-se do acórdão do TRE:

No caso sub judicio, o ora Recorrente AA considera incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto:

(transcreve os pontos 2 a 12, 15, 29,30,32 a 36, 39,41,e 43)

Na tese do recorrente, a prova testemunhal e documental relativa aos factos assentes como provados impunha decisão diferente da adoptada no Acórdão recorrido.

Vejamos:

In casu, o Tribunal a quo não se limitou a indicar, explicita e claramente, os meios de prova (isto é, os documentos, os depoimentos testemunhais, os exames, etc.) fundamentadores da convicção do julgador, antes procedeu a um rigoroso exame crítico das provas que serviram para formar essa convicção. E fê-lo, aliás, de modo absolutamente satisfatório, explicitando cristalinamente todos os critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção do tribunal recorrido se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova produzidos em audiência, dando assim escrupuloso cumprimento às exigências que, em sede de fundamentação de facto, são actualmente colocadas pelo art.o 374o-2 do CPP (na redacção introduzida pela Lei no 59/98, de 25 de Agosto).

Ora, ouvida a prova gravada, há que reconhecer, que a versão dada como

provada tem apoio nos meios probatórios produzidos em julgamento, apresentando-se a fundamentação exarada pelo tribunal a quo consistente com os elementos de prova, definindo uma dinâmica aos factos que se entende congruente com a realidade e com a experiência comum.

Não restam também dúvidas de que na decisão recorrida, para fundamentar a convicção formada acerca da prova produzida, de molde a dar como provados os factos supra indicados, se fez apelo ao encadeamento de factos apurados a partir dos vários meios de prova levados a cabo, nomeadamente autos de notícia, autos de busca e apreensão, relatórios periciais, reportagens fotográficas e fotografias, bem como os depoimentos testemunhais consistentes (prestados, em audiência de julgamento, pelos militares da G.N.R. com intervenção na investigação dos factos), e de prova documental de conteúdo incontornável, tudo analisado de forma crítica e apreciado de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade das coisas.

Efectivamente, a ponderação da prova valorada em 1a instância será de privilegiar a menos que do reexame dessa prova resulte inequívoco que o tribunal valorou mal as provas ou que usou meios de prova não válidos ou não idóneos ou que as contradições nas provas produzidas conduziram a uma convicção inaceitável, quer por errada ponderação do nível de tais contradições, quer por errada ou não objectiva ponderação do valor de cada meio de prova, quer por errado uso dos princípios de avaliação das provas, como por exemplo do princípio in dubio pro reo.

E, na verdade, reavaliada a prova produzida, a partir das gravações realizadas em audiência, não se vê qualquer razão para discordar da forma como o tribunal formou a sua convicção, até porque, relativamente às mesmas, não vislumbramos que a lógica corrente, do homem médio, impusesse, nesta vertente, qualquer outra extrapolação, máxime, a sustentada pelo recorrente.

As provas que serviram de base à mesma foram legalmente produzidas e

ponderadas dentro das regras da livre convicção do julgador, o qual enunciou as razões da extrapolação a que procedeu.

Neste âmbito, conforme bem salienta a Digna Magistrada do Ministério Público em 1a Instância, inexistem dúvidas de que,« Relativamente ao ora recorrente, e, à sua identificação, o Tribunal a quo considerou o auto de noticia e apreensão de fls. 06 a 12 de fls. 16 a 20, na guia de entrega de produto estupefaciente e teste rápido de fls. 2 e 22, na guia de entrega de bens apreendidos para efeitos de realização de perícia a vestígios biológicos, reportagem fotográfica de fls. 43 a 63, e exame ao produto estupefaciente de fls. 1573 a 1574.

Tais elementos foram corroborados por dois agentes da PSP que naquela ocasião decidiram abordar os indivíduos que juntos dos veículos adotavam uma postura suspeita, os quais apresentaram depoimentos seguros, isentos e coerentes.

Demonstrou o Tribunal a quo a razão pela qual ficou convencido que um dos indivíduos que se colocou em fuga era o ora recorrente.

Com efeito, no interior do BMW foi encontrada na porta do condutor uma bolsa a tiracolo

contendo os seus documentos pessoais do recorrente CC, carta de condução, cartões

bancários, chave de viatura de marca Mercedes, ainda foi encontrado debaixo do tapete do condutor, um telemóvel utilizado pelo recorrente (vide auto de exame forense de fls. 1047 a 1053, o auto de abertura de DVD a fls. 1218 e cota de fls. 1315), foram ainda encontrados e identificados vestígios lofoscópicos do recorrente em frasco de perfume colocado no porta luvas do BMW, num casaco depositado no banco de trás do veiculo, foi ainda encontrado ADN do recorrente e, finalmente, no número 18 da artéria onde o recorrente desapareceu, reside a sua namorada, XX, tendo sido alias, nessa morada que o recorrente foi detido.

A conjugação destas provas, permitiu ao Tribunal a quo identificar o recorrente, AA

: “de acordo com as regras da experiencia da vida, ninguém tem os documentos pessoais e o telemóvel num carro que não é o seu, sendo certo que o telemóvel não fora, seguramente deixado uma semana antes, mas sim no próprio momento (ninguém anda hoje sem o seu telemóvel). Acresce que o carro estava estacionado e a transação estava a decorrer mesmo junto da casa da companheira do arguido e onde veio a ser detido mais de um ano depois” extraído do acórdão ora colocado em crise.

No respeitante aos factos do dia 22 de abril, na fronteira com Espanha, o teor das imagens captadas pela GNR conjugadas com as regras da experiência comum permite identificar a atividade do recorrente AA auxiliado por outros indivíduos de identidade desconhecida.

Da conjugação dessas mesmas imagens com a reportagem fotográfica realizada aquando da busca realizada ao armazém, permitiu ao Tribunal a quo afirmar sem dúvida que o produto estupefaciente adquirido e transportado pelo recorrente, no dia 22 de abril teve como destino aquele armazém, alvo de busca documentada à saciedade nos autos, completada pela reportagem fotográfica, auto de testagem rápida e pesagem, documentação respeitante à contagem e deposito de dinheiro apreendido e exame ao produto estupefaciente.

Consta dos autos que o recorrente AA não tem registado a seu favor qualquer património imobiliário ou mobiliário, e, desde 2015, não declara nenhum rendimento, o que não é compatível com os sinais de riqueza exterior que o recorrente exibe. Com efeito, o recorrente traja roupa, calçado e acessórios caros, Realizou obras na habitação em ..., tem aí equipamentos instalados caros, possui mota de água, kart Cross, motociclo, Utiliza vários veículos automóveis (que não estão em seu nome) – Citroen, um Mercedes AMG, um Range Rover, BMW M5,

Isso associado ao facto do montante de dinheiro apreendido, permitiu ao Tribunal concluir que o recorrente movimentava grandes quantias de dinheiro provenientes da sua atividade ilícita.»

Ora, sendo a decisão recorrida, em matéria de facto, plausível e racionalmente entendível, face às regras da experiência da vida e, estando de acordo com a prova que examinou crítica e fundamentadamente, a decisão de 1a instância mostra-se inatacável, porque produzida de acordo com a livre convicção do julgador e sem que o recorrente mostrasse que outra apreciação se impunha como única aceitável, de acordo com tais regras já que a 1a instância teve a oralidade e imediação, factores essenciais de apreensão da verdade, de que a instância de recurso não dispõe.

Nestes termos, ao contrário do que defende o recorrente, a prova produzida, articulada na sua globalidade, impõe que se conclua como o fez o Tribunal a quo. Destarte, face à audição da prova, tendo presente o princípio da livre apreciação da prova (art.o 127o do CPP) e considerando que no caso em apreço a decisão sobre a matéria de facto assenta em prova efectivamente produzida e válida, concluímos pela falta de fundamento para censurar a decisão do tribunal a quo sobre os concretos ponto da matéria de facto questionados pelo recorrente, a qual se mostra fundamentada e racionalmente explicada.” ...”

Resulta pois, desta fundamentação, que o Tribunal da Relação reapreciou, ainda que não facto a facto, mas em concatenação com os elementos de prova validados disponíveis e tidos em conta pela primeira instância, os fundamentos da convicção atingida, o iter lógico e racional do tribunal, a validade das provas obtidas e a interligação com os dados obtidos e as regras da experiência.

Procurou ainda, por concordar com os termos expositivos que citou, convocar a forma descritiva do exame das provas recolhidas. Não deixou de aludir às presunções também por regras de experiência e da acção do arguido no caso concreto . Poderia ter sido ainda mais concreto e detalhado, é certo, mas o facto de não se ter aludido a um acto concreto directo de compra e venda não impede que a afirmação da sua existência não seja plausível em termos de ligação aos sinais de riqueza inexplicável do arguido e, perante a posse de avultadas quantidades de droga e dinheiro em numerário muito acima de um milhão de euros, aqueles associados a locais ou veículos que o arguido geria ou usava em ligação a actividade sua e à intervenção directa em casos de evidentes transações de droga, claramente sugerindo que não se trataria apenas de armazenamento nem transporte, tudo isso permite compreender, além do facto de o tipo legal (com múltipla configuração de actividades) se preencher mesmo apenas por via de transportes e armazenamentos, que o tribunal respondeu satisfatoriamente ao dever de fundamentar a confirmação que efectuou da sentença recorrida, sem nulidade alguma, o que é bem diferente de, não obstante, o arguido dela poder discordar, como fez aliás.

Revisitando esta questão da fundamentação e da nulidade por omissão, veja-se também o já decidido na jurisprudência, na linha do que se convocou:

Ac. TRC de 3-06-2015 :

I. Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com o benefício da imediação e da oralidade - apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.

Ac. STJ de 8-01-2014 :

A omissão de pronúncia, vício que conduz á nulidade da decisão, nos termos do art.o 379.o n.o 1 c), do CPP, tem lugar quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devia, mas não já sobre a discussão de razões ou argumentos invocados para concluir sobre as questões, que devem ser devidamente individualizadas, identificando-se as partes que as colocam, seu objecto e fundamento ou razão do pedido, no ensinamento clássico do Prof. José Alberto dos Reis, in CPC, Anotado, 5, 54.

A omissão só opera quanto á falta total de omissão de fundamentos de facto ou de direito, não quando seja deficiente a sua enumeração. Relevante, ainda, é que a omissão há-de respeitar a questões essenciais, necessárias, á decisão da causa, ficando prejudicado o seu conhecimento se da solução de uma questão resultar a de outra.

A omissão de pronúncia há-de reportar-se a questões que o tribunal é obrigatório decidir, colocadas pela acusação, defesa ou resultantes da discussão da causa, pertinentes com o objecto do processo, o «thema decidendum» e não sobre argumentos dos interessados (cfr . Ac. deste STJ,de 5.11.80, BMJ 391, 305, 21.11.84, BTE, 2.a série n.os 1 e 2 /87, de 22.3.85 e 5.6.85, ACs. Doutrinários , 283-876 e 289, 876, respectivamente e de 21.12.2005, P.o n.o 4642 /02), este da maior inocuidade processual e descoberta da verdade, á revelia de qualquer convencimento

Ac. TRC de 14-01-2015 :

V. Através da fundamentação da matéria de facto da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal.
VI. O exame crítico deve indicar no mínimo, e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.

VII. A nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada mas aqui já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de nulidade da sentença.

Ac. STJ de 21-03-2007 :

I. A fundamentação da sentença consiste na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão, pois que as decisões judiciais não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 289).
II. A garantia de fundamentação é indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial; o dever de o juiz respeitar e aplicar correctamente a lei seria afectado se fosse deixado à consciência individual e insindicável do próprio juiz. A sua observância concorre para a garantia da imparcialidade da decisão; o juiz independente e imparcial só o é se a decisão resultar fundada num apuramento objectivo dos factos da causa e numa interpretação válida e imparcial da norma de direito (cf. Michele Taruffo, Note sulla garanzia costituzionale della motivazione, in BFDUC, 1979, LV, págs. 31-32).

III. A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que
determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular seu próprio juízo.
IV. Em matéria de facto, a fundamentação remete, como refere o segmento final do n.o 2 do art. 374.o do CPP (acrescentado pela Reforma do processo penal com a Lei 59/98, de 25-08), para a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
V.- O «exame crítico» das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular - a fundamentação em matéria de facto -, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de «exame crítico» apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito.
Só assim não será quando se trate de decidir questões que têm a ver com a legalidade das provas ou de decisão sobre a nulidade, e consequente exclusão, de algum meio de prova.
VI. O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cf., v.g., Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.o 3063/01).
VII. O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte.
VIII. No que respeita à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto - a que se refere especificamente a exigência da parte final do art. 374.°, n.° 2, do CPP -, o exame crítico das provas permite (é a sua função processual) que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos que constituem o fundo de racionalidade da decisão (o processo de decisão), reexamine a decisão para verificar da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o art. 410.o, n.° 2, do CPP; o n.° 2 do art. 374.° impõe uma obrigação de fundamentação completa, permitindo a transparência do processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório (cf., nesta perspectiva, o Ac. do TC de 02-12-1998).

IX. A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e do seu exame crítico, destina-se, pois, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
X. Não existe insuficiência da fundamentação se na decisão estão enunciados, especificadamente, os meios de prova que serviram à convicção do tribunal, permitindo, no contexto ambiental, de espaço e de tempo, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.

Ac. STJ de 23-04-2008, CJ (STJ), 2008, T2, pág.205:

O cumprimento do dever de fundamentação deve ser claro e transparente, permitino acompanhar de forma linear o racíocinio sentenciado, não sendo exigível que o mesmo explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação e muito menos que equacione todas complexidades suscitadas pelos sujeitos processuais.

Ac. TRL de 02.10.2018

Exame crítico da prova.Impugnação da matéria de facto. 1? A lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o acto de decidir numa tarefa impossível.2? A fundamentação a que se reporta o art. 374o, no 2, do CPP, não tem de ser uma espécie de ?assentada? em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, sob pena de violar o princípio da oralidade que rege o julgamento feito pelo tribunal colectivo de juízes». 3? Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.4? Caberá ao tribunal de recurso verificar se o julgador, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio da livre apreciação da prova a que se refere o art. 127.o, do CPP, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar ao veredicto de facto, sendo que, na base desse controlo deverá estar a motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação daquela que foi a sua opção, ao dar cumprimento ao disposto no art. 374.o, n.o 2, do CPP.5? A reapreciação da prova só determinará uma alteração da matéria de facto quando, daquele reexame, se concluir que as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou conjugadas com as demais, impõem uma decisão diversa.”

Em face do exposto podemos então concluir com segurança que a formulação crítica pelo tribunal recorrido foi clara e compreensível, não omitiu o dever de fundamentação e preencheu-o com uma narrativa inteligível, coerente e capaz de atingir o múnus de credibilidade que era e é exigível a um tribunal de recurso.

Improcede assim, o recurso, também neste segmento.

6.2- Contradição insanável entre o ponto 1 da matéria de facto provada e a respetiva fundamentação, nos termos do artigo 410.o, n.o 2, alínea b), do Código Penal;

Na tentativa de configuração do alegado vício de contradição, alega o recorrente:

“O recorrente suscitou, perante o TRE, a questão de saber se os factos dadoscomo provados no acórdão condenatório, constituíamfactualidade genérica, e, em qualquer caso, excedendo a matéria de facto que se deu como provada e na fundamentação, tal implicava a contradição insanável entre matéria de facto assente, e, por ausência de fundamentação de facto, a contradição insanável entre a matéria de facto e a fundamentação. O acórdão recorrido entendeu que não estamos perante o vicio de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

Salvo o devido respeito, como se sustentou no recurso, existe de facto uma total ausência de fundamentação de facto no acórdão condenatório destes factos–ponto 1 –o que permitea invocação do vício que o tribunal de recurso entende não poder ser sequer chamado.

(...)

Mas, estando ausente da fundamentação a análise de determinados factos dados como provados, como é este o caso, está verificado o vício previsto na alínea b), do n.o 2 do artigo 410.o do CPP.

(...)

Com efeito, não é feita qualquer alusão na fundamentação da matéria de facto do acórdão agora recorrido à forma como se chegou à convicção que formou acerca destes factos, o que se explicou no recurso para o TRE.

Concretizam-se duas situações de transporte – pontos 2 a 11 e 16 a 29 – e armazenagem – factos 29 e 30 – mas nada se concretizou relativamente a compra e venda, sendo ainda certo que a expressão grandes quantidades, não só é vazia de conteúdo, como não se provou também em concreto.

Com efeito, nenhuma situação de compra ou venda por parte do recorrente AA se provou.

E, para além daquelas duas situações concretas analisadas na fundamentação, nada mais se analisou quanto aos factos dados como provados no ponto 1 da matéria de facto dada como provada.

Quer da factualidade provada, quer da fundamentação de facto, nunca se atribuiu ao recorrente a compra do estupefaciente apreendido – seja em que momento for.

Isto é, este facto dado como provado no ponto 1, excede claramente a factualidade dada como provada que se seguiu e, não só está ausente da fundamentação, como resulta até contrariado pela fundamentação de facto.

De todos estes factos, em vão se encontra qualquer facto concreto de onde resulte que foi o recorrente a comprar – ali ou anteriormente -haxixe.

O que está descrito, e disso a defesa não foge, é o transporte e depois o depósito – ou detenção.

(...)

Pelo que deve ser ordenada que os autos regressem ao TRE para decisão considerando este vício apontado pelo recorrente. (...)”

Neste segmento do recurso, por sua vez, contrapôs o MPo:

“(...)O Recorrente invoca a contradição insanável entre factos provados e a respetiva fundamentação, vício previsto no artigo 410.o, n.o2, alínea b) do Código Penal.

Nas suas conclusões o recorrente sustenta o indicado vício na afirmação de que o facto provado em 1 (Pelo menos desde o mês de abril de 2020 que o arguido AA se dedica à compra, transporte, armazenagem e venda de grandes quantidades de haxixe/canábis, a fim de obter proventos financeiros) não tem respaldo na fundamentação da matéria de facto, o que já havia sido alegado em sede de Recurso para o Tribunal da Relação, e que este Tribunal, no acórdão recorrido, invocando que não se trata do mencionado vício, não analisou a questão.

Sobre a questão suscitada pode ler-se no acórdão recorrido que “no caso dos autos, porém, não se detecta no acórdão recorrido a existência de qualquer contradição entre os vários factos considerados provados ou entre estes e os considerados não provados ou entre a fundamentação probatória da matéria de facto e a própria decisão da matéria de facto. (...)

A matéria que consta do ponto 1 dos factos provados em si mesma, e, portanto, desacompanhada de quaisquer outros factos que a concretizem, é irrelevante.

Queremos com isto significar que ela só assume importância quando conjugada com os factos provados concretos, de tráfico, que se lhe seguem. O que significa que ela não é mais do que um enunciado geral das subsequentes concretas condutas praticadas pelo Recorrente.

Deste modo e para concluir, os actos genéricos previstos no ponto 1 dos factos provados que não tenham correspondência com os factos concretos previstos nos pontos subsequentes, são, para efeitos de preenchimento do tipo, inaproveitáveis, constatação que, como é fácil de perceber, nada tem a ver com a invocada contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

O recurso improcede, portanto, quanto a este fundamento.”

Ora,

É manifesto que o recorrente não identifica contradição alguma , até porque ela nem existiria, sequer nos termos formulados e repete de forma claramente redundante, argumentos que usou, ao invés, para invocar nulidade por omissão de exame crítico e de fundamentação.

Contudo, como bem se viu, a verdade dos factos e da narrativa de convicção bem como da crítica da convicção não se transforma em algo de natureza diferente só porque se lhe dá um nome formal diverso (ali, de nulidade, aqui, o de vício)

Remete-se, face à sua redundância e por economia de escrita, para as razões de indeferimento do argumento anterior acerca da nulidade por omissão.

6.3- A medida da pena

O recorrente pugna pela aplicação de pena não superior a 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão apenas relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes p.p. nos arts.21o, no 1 do Decreto-lei n.15/93 de 22 de Janeiro, por referência à Tabela l-C anexa ao mesmo diploma, pelo qual foi condenado ( a 10 anos na 1a instância, reduzida a 9 anos de prisão pelo Acórdão da Relação ora recorrido).

No essencial, argumenta que:

perante a factualidade concreta dada como provada, 9 anos pelo crime de tráfico de estupefacientes é ainda uma pena muito elevada. O acórdão recorrido relevou para a redução que operou a ausência de antecedentes criminais e a natureza do produto estupefaciente. Contudo, os fatores levados em conta pela 1a instância e confirmados pela Relação de Évora, foram ainda considerados de modo desproporcional aos factos provados.

Provaram-se duas situações de tráfico: • Apreensão de 91kg de haxixe em que não se demonstrou a natureza do negócio ou a posição do recorrente AA; Mas de todo o modo provou-se que era o arguido que estava a conduzir o veículo com o haxixe;

• Carregamento e transporte de 91kg para um armazém; Em que mais uma vez, o arguido assume o papel de carregador – na fronteira - e transportador. Todo o haxixe foi apreendido.

É certo que o dinheiro apreendido impressiona, mas não devem ser retiradas asserções prejudicais ao arguido que excedam o que foi dado como provado – duas situações de tráfico de 90kg cada e de haxixe.

Contudo, como foi apontado no recurso perante a relação e não decidido, não foi escrita uma palavra que justificasse que o dinheiro apreendido provinha do tráfico como se deu como provado. Facto impugnado, mas não decidido de todo. Não se deu como provada uma única situação concreta de venda ou entrega de droga concretizada; nunca se provou uma compra ou pagamento prévio; não foi usado pelo MP o instituto da perda ampliada prevista na lei 5/2002.

Tendo em conta esta matéria de facto, para o crime de tráfico de estupefacientes não deve exceder os 6 anos e 6 meses de prisão.”

Contrapõe o MPo:

“(...)

Os argumentos esgrimidos pelo Recorrente são os mesmos que foram já apreciados pelo Tribunal da Relação e que resultaram na redução da pena de 10 para 9 anos de prisão, não havendo, em nosso entender, margem para uma redução adicional da pena. Com efeito, face à matéria de facto dada como provada, e aos limites legais impostos pelo argo 40.o do Código Penal, destaca-se o papel preponderante do Recorrente na rede internacional de tráfico, mais próximo do topo da pirâmide do que da base, as grandes quantidades de estupefaciente envolvidas em cada um dos transpores, as quantias apreendidas, a gama superior à média dos veículos que utilizou, indicadores de uma atividade criminosa merecedora de uma censura superior, que se traduz na pena concretamente aplicada.(...)”

Considerou neste ponto o Tribunal da Relação:

“ (...)

Insurge-se o Recorrente contra a pena parcelar (pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes da previsão do artigo 21o do DL 15/93 de 22 de Janeiro) e única que foram aplicadas pelo Tribunal recorrido, reputando-as de excessivas.

Propugna pela aplicação de uma pena única inferior a 6 anos e 6 meses de prisão.

Vejamos:

A moldura da pena de prisão que, em abstracto, corresponde ao crime de tráfico de estupefacientes pela prática do qual foi condenado o recorrente é de 4 a 12 anos (cfr. Art.o 21o, n.o 1 do Decreto-Lei n.o 15/93 de 22 de Janeiro).

Por conseguinte, a respectiva medida concreta deve ser determinada, dentro dos

limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, considerada a finalidade das penas indicada no Art.o 40o, n.o 1 do C. Penal e atendendo, ainda, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, possam depor a favor do arguido ou contra ele, designadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto e a falta de preparação para manter uma conduta lícita (cfr. Art.o 71o, n.os 1 e 2 do predito diploma de direito substantivo penal).

O tribunal recorrido fundamentou do seguinte modo a escolha da pena concreta

imposta ao arguido, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 21o do Dec. Lei no 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela l-C anexa ao mesmo diploma:

“Quanto ao grau de ilicitude, o mesmo é muitíssimo elevado. Dentro das

condutas subsumíveis no tipo de tráfico comum não se vislumbram condutas de igual ou superior gravidade àquela que foi levada a cabo por estes arguidos. Só por errada subsunção jurídica ou falta de alegação de factos bastantes para o enquadramento em qualquer das circunstâncias agravantes previstas no art.o 24o, singular ou cumulativamente, é que é possível que factos tão gravosos caiam no âmbito do crime base. Como se viu, foi o que sucedeu no caso concreto. As quantidades de droga e dinheiro apreendidas, aliadas a outros factores como sejam os veículos em que se faziam transportar, de gamas muito superiores à média, dão-nos uma ideia muito clara quanto à responsabilidade destes arguidos na introdução em território nacional, com potencial de disseminação pelo espaço europeu, de grandes quantidades de canábis.

- Os arguidos agiram sempre com dolo directo, persistente (mesmo em contexto pandémico), e motivados pelo lucro fácil e ambição desmesurada.

- Não manifestaram qualquer sentimento de arrependimento ou qualquer comportamento posterior que permita um juízo de prognose minimamente favorável, como aliás resulta evidenciado nos respectivos relatórios sociais.

Concretamente no que respeita ao arguido AA, a sua conduta é demonstrativa de que o mesmo assumia um papel relevante na rede internacional de tráfico de droga em que se inseria, mais próximo do topo da pirâmide do que da base. Levou a cabo uma actividade de tráfico de grandes quantidades de canábis, pelo menos, durante cerca de um ano, altamente lucrativa. O que implica que a pena a aplicar também ela se situe próxima do limite máximo, militando apenas a seu favor o facto de no seu CRC não constarem condenações. Termos em que será condenado na pena de dez anos de prisão.”

Não obstante a razoabilidade dos argumentos aduzidos pelo tribunal “a quo” e sem descurar a manifesta gravidade da conduta do Arguido, entende-se, porém, que não podem deixar de ser acentuadas, na escolha da pena a aplicar, as seguintes circunstâncias: a ausência de antecedentes criminais e a natureza do produto estupefaciente apreendido.

Efectivamente, sem prejuízo das prementes necessidades de prevenção geral e especial que, no caso, se fazem sentir, não deve, ainda assim, a pena imposta ser de tal forma elevada que inviabilize ou dificulte excessivamente a sempre almejada reinserção social do Arguido.

Certo é que, sem descurar as finalidades das penas, o Tribunal deverá procurar criteriosamente o justo equilíbrio entre as finalidades da punição e os interesses em jogo, no caso concreto.

Destarte, tudo ponderado, e tendo em conta todos os demais elementos mencionados nos arts. 40o, no 1 e 2, 70o e 71o, maxime a culpa do recorrente, as suas condições pessoais e as exigências de prevenção e reprovação criminal, afigura-se-nos dever reduzir-se para 9 anos de prisão a pena aplicada ao arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 21o do Dec. Lei no 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela l-C anexa ao mesmo diploma.

Consequentemente, a pena única a aplicar, em cúmulo, a este Arguido deverá passar a ser, atento o abaixamento introduzido na pena parcelar imposta pelo crime de crime de tráfico de estupefacientes, a de 11 (onze) anos de prisão.”

*

Do exposto, caberá formular as seguintes considerações.

Nos termos do art.o 71.o, do CP, a medida concreta da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e, em especial, verificadas todas as circunstâncias, referidas expressamente no fundamento da sentença que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, designadamente: “a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”.

Ou seja, a determinação da medida da pena é fixada dentro dos limites da moldura penal abstracta, em função da culpa do agente e de critérios de prevenção geral e especial, visando-se com a sua aplicação “(...) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, conforme art.o 40.o, n.o 1, do CP. A culpa funciona como limite da medida da pena (n.o 2, do art.o 40.o, do CP), tal como se disse no Ac. do STJ, de 30/10/1996, Proc. n.o 96P725, em www.dgsi.pt, “A culpa jurídico penal vem a traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena (cfr. Figueiredo Dias, "Direito Penal Português - Das Consequências Jurídicas do Crime", página 215), princípio este agora expressamente afirmado no n. 2 do artigo 40 do Código Penal de 1995.

Com o recurso à prevenção geral, procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.Com o recurso à prevenção especial, almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.”.

No mesmo sentido, veja-se o Ac. de 30/10/2014, Proc. n.o 32/13.9JDLSB.E1.S1, em www.dgsi.pt, “(...) a determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos arts. 71.o, n.o 1 e 40.o do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade da pessoa humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena dever-se-á ter em conta todas as circunstâncias que depuseram a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.o, n.o 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha sido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração).”.

Na aplicação concreta da pena atende-se ao grau de ilicitude colocado na comissão do ilícito, revelada no modo da sua execução, persistência de prosseguimento da acção e intensidade do propósito de concretizar o desígnio criminoso, circunstâncias estas apuradas em sede de audiência de julgamento.”

Ora,

Em sede de determinação dos supra mencionados critérios de alcance da medida adequada e proporcional da pena, os mesmos foram explicitamente formulados pelas instâncias, quer quanto às circunstâncias de facto quer quanto às de direito.

A moldura do crime situa-se entre 4 e 12 anos de prisão. Não obstante a ausência de referência de antecedentes criminais no registo criminal, o que é, aliás, obrigação de todo o cidadão, e a boa integração sociofamiliar, o certo é que estamos perante um grau de ilicitude muito acima da média, pelas quantidades elevadíssimas de estupefaciente apreendidas (face à intervenção policial e não por qualquer voluntarismo do(s) arguido(s), impressionante quantidade de dinheiro de origem não justificada, aliás declarado apreendido nos termos e pelas razões que constam da decisão a quo , uma natureza do estupefaciente de danosidade moderada (haxixe), e um grau de culpa (dolo directo) elevado.

As exigências de prevenção geral são muito elevadas.

O arguido fez perdurar a actividade ilícita altamente lucrativa por período de cerca de um ano, persistentemente.

Não se mostrou arrependido.

Os veículos apreendidos e perdidos a favor do ... revelam sinais de riqueza não justificada por via de actividade alguma lícita (os veículos BMW M5 de matrícula ..-VG-..; BMW de matrícula ..-..-ZC; Citroen de matrícula ..-..-UN; mota de água, de marca Sea Doo, modelo RXT-RS-S; buggy de kart cross de marca Semog Racing.)

O arguido AA assumia um papel relevante na rede internacional de tráfico de droga em que se inseria, mais próximo do topo piramidal.

Tendo em conta o exposto, a aceitação da petição do arguido manifestando a diminuição da pena para 6 anos e 6 meses de prisão seria um passar de esponja injustificado e de impunidade pela responsabilidade da conduta demonstrada, desproporcional em relação à exigências comunitárias de elevada censura e ao grau de culpa e de ilicitude muito acima da média habitual. Sendo o meio da moldura da pena situável em 8 anos, pesa negativamente a falta de arrependimento.

Não obstante a referência no acórdão a quo à inexistência de antecedentes criminais “registados”, apreende-se do relatório social, ainda, que:

-” (...) AA teve os seus primeiros contactos com o aparelho judicial em 2007, acusado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Em 2014 foi também condenado pela prática do crime de resistência e coação sobre funcionário na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova com intervenção da DGRSP.

Em 2016, foi preso tendo-lhe ficado sujeito à medida de OPHVE no âmbito do qual foi condenado numa pena de 4 anos e 6 meses, suspensa na sua execução.

O arguido tende a desvalorizar a importância da sua trajetória criminal minimizando as suas práticas ilícitas, passadas e presentes. Revela um baixo grau de consciência cítica e de capacidade de auto-censura, indiciando possuir deficiente capacidade de descentração, ou seja, denota reduzido constrangimento face ao impacto e consequências dos seus comportamentos nas vítimas. É referenciado como individuo por vezes impulsivo na condição do seu estilo de vida, e demonstra uma postura irresponsável e permeabilidade face ao grupo de pares.

Face à atual situação jurídica-penal, o arguido demonstra reduzida capacidade crítica e uma atitude de desvinculação perante o presente processo jurídico-Penal.”

Assim, esta confirmação da reduzida capacidade crítica exige um juízo de prognose de recuperação mais exigente, apontando para exigências de prevenção especial mais intensas e para um grau de censura veemente e impondo um limite de contenção prisional acima da média. Deste modo, a pena de 9 (nove) anos de prisão fixada pelo tribunal recorrido (Relação de Évora) está perfeitamente ajustado e em adequado equilíbrio punitivo.

Posto isto, improcede também este segmento do recurso e mantendo-se quer a pena impugnada quer a pena única nos termos em que foi determinada.

VIII. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes nesta 5a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar o recurso improcedente.

Taxa de justiça criminal a cargo do recorrente e que se fixa em 7 UC

Lisboa, 9 de Março de 2023


(Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (art. 94.o, n.o 2, do CPP), sendo assinado digitalmente pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.)


Os Juízes Conselheiros


Agostinho Torres (Juiz Conselheiro relator)


José Eduardo Sapateiro (Juiz Conselheiro-1o adjunto)


Helena Moniz (Juíza Conselheira-2a Adjunta)

___________________________________________________

1. Cavaleiro Ferreira, Curso Proc. Penal, II, 30↩︎