HABEAS CORPUS
ROUBO AGRAVADO
HOMICÍDIO
TENTATIVA
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
PRISÃO ILEGAL
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
INDEFERIMENTO
Sumário


I. Os motivos de «ilegalidade da prisão» que constituem fundamento da providência de habeas corpus, de enumeração taxativa, têm de reconduzir-se à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível ordenada por entidade competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto pelo qual a lei a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial.
II. A prisão preventiva, enquanto medida de coação de ultima ratio, está sujeita aos prazos de duração máxima previstos no artigo 215.º do CPP, a contar do seu início, findos os quais se extingue.
III. Tendo havido condenação em 1.ª instância por um crime que constitui «criminalidade violenta» e por dois crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, o prazo de duração máxima da prisão preventiva, que, antes da condenação, era de 1 ano e 2 meses, elevado para 1 ano e 6 meses (n.º 1, al. c), e n.º 2 do artigo 215.º), passou, com a prolação do acórdão condenatório, a ser o de 1 ano e 6 meses, estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 215.º, que se eleva para 2 anos, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito.
IV. Nesta conformidade, tendo a medida de coação de prisão preventiva sido aplicada em 14.10.2021 e podendo manter-se durante 2 anos, até 14.10.2023, impõe-se concluir não se verifica o motivo de ilegalidade previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, por a prisão não se manter atualmente para além do prazo fixado por lei.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório

1. AA, arguido com identificação nos autos em epígrafe, acusado da prática de crimes de roubo agravado, na forma tentada, de homicídio agravado, na forma tentada, e de detenção de arma proibida, alegando encontrar-se atualmente em prisão ilegal, por considerar ultrapassado o prazo de duração máxima da prisão preventiva em que se encontra, apresenta petição de habeas corpus, subscrita por advogado, nos termos e com os seguintes fundamentos:

«Duma maneira geral, autoridade e liberdade só se contrapõem, se não se subordinam à justiça, isto é, a uma ordem que a ambas enquadra, porque as supera. O valor superior do direito, que não é um suporte da rebeldia individual à ordem, nem instrumento da arbitrariedade do poder, deve ser assegurado quer contra a violação individual da lei, quer contra o abuso, pela autoridade, do poder" - Cavaleiro de Ferreira.

1.    O instrumento jurídico do habeas corpus surge no nosso ordenamento como sendo a única garantia (constitucional) específica extraordinária constitucionalmente prevista com o propósito de defesa de direitos fundamentais, nomeadamente o direito à liberdade - cf. artigo 31.º da CRP.

2.   Trata-se portanto de uma providência a decretar apenas em casos de atentado ilegítimo à liberdade individual, que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional.

Acontece que,

3.    O Requerente encontra-se desde 14 de outubro de 2021 em prisão preventiva à ordem dos autos à margem referenciados.

4.    A 08 de abril de 2022, foi proferida acusação pelo Ministério Público contra o aqui Requerente, alegando que o mesmo havia praticado  "em coautoria, um crime de roubo agravado,  na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 210.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b), por referência ao artigo 144.º alínea a), e do artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal" e ainda "como autor, e em concurso efetivo um crime de homicídio, na forma tentada, e agravado, previsto e punido peias disposições dos artigos 22.º e 131.º, ambos do Código Penal, e n.º 3, do artigo 86.º, da Lei n.º 5/2006, de 23/02" bem como de "um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, al. ar), e 86.º, n.º 1, al c), da Lei n.º 5/2006, de 23/02."

5.    A 25 de novembro de 2022, mediante leitura de acórdão, o Requerente é condenado "na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão".

6.    Inconformado com o teor do referido acórdão, a 26 de dezembro de 2023, o Requerente interpõe recurso, com efeito suspensivo, quanto à matéria de facto e de Direito da referida decisão, porquanto não foi o próprio que cometera os crimes em questão.

De sublinhar que,

7.    Nunca foi encontrada a arma do crime, e dos vestígios deixados, no local, nomeadamente o fuste, não há a impressão digital ou outro vestígio do Requerente.

8.    Dos diversos relatórios periciais efetuados no âmbito da investigação não existe nenhum que nos permitam aferir quem efetuou o disparo, ou sequer o local exato do disparo.

9.    O que se sabe é que o Ofendido foi atingido com um tiro de caçadeira que se diz ser de canos serrados, mas não se sabe qual caçadeira, nem quem a disparou.

10.    O próprio Ofendido afirmou que não viu quem efetivamente efetuou o disparo, e as declarações da única testemunha presente no local, e como bem se reflete no douto Acórdão, foram de tal modo confusas que lhe tiraram toda e qualquer credibilidade.

11.    Não tendo o Requerente cometido os respetivos crimes, não pode ver a sua liberdade e vida prejudicadas com as consequências de algo que não se aplica a si.

12.    Não lhe pode também vir a ser aplicado o corresponde ao artigo 215.º, n.º 2 do CPP, pois estaria a colocar em causa os direitos, liberdades e garantias do aqui Requerente.

Ora,

13.     De acordo com o artigo 215.º, n.º 1, al. d), a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorridos "Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado"

14.    Sucede que, nos presentes autos, conforme já referimos, tal prazo está claramente ultrapassado.

15.    Pelo que, a prisão preventiva aplicada ao Requerente extinguiu-se a 14 de abril de 2023.

Não obstante,

16.     Ainda não foi dada ordem de libertação ao Requerente, conforme impõe o artigo 217.º, n.º 1 do CPP.

CONCLUSÕES:

I. Face ao exposto, o Requerente encontra-se ilegalmente preso nos termos do artigo 222.º, n.º 2, al. c) do CPP, em clara violação do disposto nos artigos 27.º e 28.º, n.º 4 da CRP e nos artigos 215.º, n.º 1, al. d) e 217.º, n.º 1 do CPP.

II. Assim, deve ser declarada excessiva a medida de coação de prisão preventiva e ordenada a sua imediata libertação, nos termos do artigo 31.º, n.º 3 da CRP e dos artigos 222.º e 223.º, n.º 4, al. d) do CPP.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, (…) deverá ser declarada excessiva a medida de coação aplicada ao Requerente e ordenada consequentemente a libertação imediata do mesmo e/ou, caso tal não aconteça, a substituição por um medida de coação menos gravosa.»

2. A Mma. Juíza do processo prestou a informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), sobre as condições em que foi efectuada e se mantém a prisão, dela fazendo constar o seguinte (transcrição):

« - O arguido AA foi detido no dia 13.10.2021 (fls. 732 - e cfr. ref. ...91 e ...93) e foi sujeito a 1º Interrogatório judicial de arguido detido no dia 14.10.2021, sendo-lhe aplicada medida de coacção de prisão preventiva (ref. ...29), a qual foi sendo oportunamente revista e mantida;

- Foi proferido acórdão a 25.11.2022 (ref. ...67) no qual, no que ora releva foi decidido: «CONDENAR o arguido AA pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p.p. pelos artigos 22º, 210º, nº 1 e 2, alínea b) por referência ao artigo 204º, nº 2, alínea f) todos do código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; - não tendo aplicabilidade o disposto no artigo 210º, nº 2, alínea a) por referência ao artigo 144º alínea a) do Código Penal.

B - CONDENAR o arguido AA pela prática de um crime de homicídio na forma tentada e agravado, p.p. pelos artigos 22º, e 131º do Código Penal e 86º, nº 3 da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis meses) meses de prisão;

C - CONDENAR o arguido AA pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86º, nº 1 alínea c) e 2º, nº 1, alínea ar) da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão

D - Em cúmulo das penas descritas de A) a C), CONDENAR o arguido AA, na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis)meses de prisão:(...)».

- O arguido recorreu da decisão proferida (26.12....), tendo tal recurso sido recebido, por despacho datado de 04.01.2023 (ref. ...05) - tendo sido atribuído efeito suspensivo, e determinada a subida imediata e nos próprios autos;

- A medida de coação foi devidamente revista no Acórdão e, posteriormente, por despacho proferido a 24.02.2023 (ref. ...39)

- O processo foi remetido ao Venerando Tribunal da Relação do Porto, a 28.02.2023 (ref. ...26)

Salvo o devido respeito por opinião contrária, uma vez que os autos procedem por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, o prazo máximo de prisão preventiva do arguido apenas ocorrerá a 13.10.2023 (2 anos após a sua privação de liberdade), nos termos do disposto no artigo 215.º, n.º 1 d) e 2 do Código de Processo Penal. (…)»

3. O processo encontra-se instruído com certidão da documentação processual pertinente, nomeadamente, do auto de interrogatório de arguido detido e do subsequente despacho de indiciação e de aplicação da prisão preventiva, do acórdão condenatório do Juízo Central Criminal ... (Juiz ...), do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, de 25.11.2022, da decisão, da mesma data, que manteve a prisão preventiva, e do requerimento de 26.12.2022 de interposição de recurso do acórdão condenatório para o Tribunal da Relação do Porto.

4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

Após o que a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.

II. Fundamentação

5. O artigo 31.º, n.º 1, da Constituição consagra o direito à providência de habeas corpus como direito fundamental contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegais.

O habeas corpus constitui uma providência expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344).

O artigo 27.º da Constituição, que se inspira diretamente no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 9.º), que vinculam Portugal ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, garante o direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, isto é, o direito de não ser detido, aprisionado ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço ou impedido de se movimentar (assim, por todos, o acórdão de 29.12.2021, Proc. 487/19.8PALSB-A.S1, em www.dgsi.pt).

Nos termos do artigo 27.º, todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena ou de aplicação judicial de medida de segurança privativas da liberdade (n.ºs 1 e 2), excetuando-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, em que se inclui a prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos [n.º 3, al. b)]. Como se tem afirmado, a prisão é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos neste preceito constitucional, de aplicação direta (por todos, o acórdão de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em www.dgsi.pt).

De acordo com o disposto no artigo 28.º, a detenção é submetida, no prazo máximo de 48 horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação, em que se inclui a prisão preventiva, a qual tem natureza excecional e está sujeita aos prazos previstos na lei.

A prisão preventiva só pode ser aplicada por um juiz, que, em despacho fundamentado, verifica a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, que a justificam (artigos 193.º, 194.º, n.ºs 1 e 5, e 202.º do CPP).

6. A prisão preventiva, enquanto medida de coacção de ultima ratio, está sujeita aos prazos de duração máxima previstos no artigo 215.º do CPP.

Nos termos do n.º 1 deste preceito, a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiver decorrido um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância [al. c)] ou um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado [al. d)].

Estabelecendo o n.º 2 do mesmo preceito que estes prazos são elevados para um ano e seis meses e dois anos, respetivamente, em casos, entre outros, de criminalidade violenta ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.

Para efeitos do disposto no Código de Processo Penal considera-se «criminalidade violenta» as condutas que, entre outras, dolosamente se dirigirem contra a vida e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos [artigo 1.º, al. j)].

7. As decisões de aplicação e reexame dos pressupostos da prisão preventiva – reexame tem lugar no prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame, e quando no processo for proferida decisão que conheça, a final, do objeto do processo e não determine a extinção da medida aplicada [artigo 213.º, n.º 1, al. a) e b), do CPP] – podem ser impugnadas por via de recurso ordinário, nos termos gerais (artigos 219.º, n.º 1, e 399.º e segs. do CPP), sem prejuízo de recurso à providência de habeas corpus contra abuso de poder por virtude de prisão ilegal (artigos 31.º da Constituição e 222.º a 224.º do CPP), com os fundamentos enumerados no n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Dispõe o artigo 222.º do CPP que:

“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”

8. Em jurisprudência constante, tem este Supremo Tribunal de Justiça reiteradamente afirmado que a providência de habeas corpus corresponde a uma medida extraordinária ou excecional de urgência – no sentido de acrescer a outras formas processualmente previstas de reagir contra a prisão ou detenção ilegais – perante ofensas graves à liberdade, com abuso de poder, ou seja, sem lei ou contra a lei que admita a privação da liberdade, referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, e que não constitui um recurso de uma decisão judicial, um meio de reação tendo por objeto a validade ou o mérito de atos do processo através dos quais é ordenada ou mantida ou que fundamentem a privação da liberdade do arguido ou um «sucedâneo» dos recursos admissíveis (artigos 399.º e segs. do CPP), que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (assim e quanto ao que se segue, por todos, de entre os mais recentes, o acórdão de 22.03.2023, Proc. n.º 631/19.5PBVLG-MC.S1, em www.dgsi.pt).

A diversidade do âmbito de proteção do habeas corpus e do recurso ordinário configuram diferentes níveis de garantia do direito à liberdade, em que aquela providência permite preencher um espaço de proteção imediata da pessoa privada da liberdade perante a inadmissibilidade legal da prisão.

9. Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa.

Como se tem afirmado em jurisprudência uniforme e reiterada (cfr. acórdão de 10.01.2023 cit.), o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionante actualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (assim, de entre os mais recentes, por todos, os acórdãos de 16.11.2022, Proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 06.09.2022, Proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1, de 9.3.2022, proc. 816/13.8PBCLD-A.S1, e de 29.12.2021, proc. 487/19.8PALSB-A.S1, em www.dgsi.pt).

10. O habeas corpus pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que a petição é apreciada, como também tem sido repetidamente sublinhado (assim, os acórdãos anteriormente citados bem como, de entre outros, os acórdãos de 21.11.2012, proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1, 09.02.2011, proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1, de 11.02.2015, proc. n.º 18/15.9YFLSB.S1, e de 17.03.2016, proc. n.º 289/16.3JABRG-A.S1, em www.dgsi.pt).

11. Da petição, da informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP e dos documentos juntos, resulta esclarecido, em síntese, que:

- O arguido foi detido no dia 13.10.2021, tendo sido sujeito a primeiro interrogatório judicial no dia 14.10.2021, data em que lhe foi aplicada a medida de prisão preventiva.

- Por acórdão de 25.11.2022, foi condenado:

- Pela prática, em coautoria, de um crime de roubo agravado, na forma tentada, p.p. pelos artigos 22.º, 210.º, n.º 1 e 2, alínea b) por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f) todos do código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Pela prática de um crime de homicídio agravado na forma tentada, p.p. pelos artigos 22.º, e 131.º do Código Penal e 86.º, n.º 3 da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis meses) meses de prisão;

- Pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo artigo 86º, nº 1 alínea c) e 2º, nº 1, alínea ar) da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Em cúmulo, na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis)meses de prisão.

- O arguido recorreu da decisão proferida, tendo o recurso sido recebido, por despacho de 04.01.2023, e remetido ao Tribunal da Relação do Porto.

- Em reexame, a medida de coação de prisão preventiva foi revista no acórdão condenatório e, posteriormente, por despacho proferido a 24.02.2023.

12. O peticionante pretende que seja declarada “excessiva” a medida de prisão preventiva e ordenada a sua libertação, nos termos do artigo 31.º, n.º 3, da Constituição e dos artigos 222.º e 223.º, n.º 4 do CPP, porque, alega, já se mostra excedido o prazo máximo da prisão preventiva, que determinou a sua extinção, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 215.º do CPP, por ter decorrido mais de um ano e seis meses desde o seu início. Na argumentação do peticionante, tendo sido aplicada em 14. 10.2021, a prisão preventiva ter-se-á extinguido em 14.04.2023.

13. Na informação prestada, a juiz do processo nota que «uma vez que os autos procedem por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, o prazo máximo de prisão preventiva do arguido apenas ocorrerá a 13.10.2023 (2 anos após a sua privação de liberdade), nos termos do disposto no artigo 215º, n.º 1 d) e 2 do Código de Processo Penal. (…)».

14. Dispõe o artigo 215.º do CPP, na parte que agora releva, tendo em conta que já foi proferida sentença condenatória:

«1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

a) (…)

b) (…)

c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;

d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para (…) um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime: (…).»

15. Aos crimes por que o arguido foi condenado por acórdão de 25.11.2022 são aplicáveis:

a) Ao crime de roubo agravado, na forma tentada, p.p. pelos artigos 22.º, 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, al. a), 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f), todos do código Penal, a pena máxima de 10 anos de prisão;

b) Ao crime de homicídio na forma tentada, agravado em função do uso de arma, p.p. pelos artigos 22.º, 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, al. a), e 131º do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23.02, a pena máxima de 14 anos, 2 meses e 20 dias.

Para além disso, o crime de homicídio na forma tentada, agravado em função do uso de arma, compreende-se no conceito de «criminalidade violenta» definido na al. j) do artigo 1.º do CPP. Nos termos deste preceito, para efeitos do disposto no CPP, considera-se «criminalidade violenta», além de outras, as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos.

16. Assim sendo, deve concluir-se que a situação em que o arguido se encontra convoca a aplicação do n.º 2 do artigo 215.º do CPP.

Tendo havido condenação em 1.ª instância por um crime que constitui «criminalidade violenta» e por dois crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, o prazo de duração máxima da prisão preventiva, que, antes da condenação, era de 1 ano e 2 meses, elevado para 1 ano e 6 meses (n.º 1, al. c), e n.º 2 do artigo 215.º), passou, com a prolação do acórdão condenatório, a ser o de 1 ano e 6 meses, estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 215.º, que se eleva para 2 anos, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito.

17. Nesta conformidade, tendo a medida de coação de prisão preventiva sido aplicada em 14.10.2021 e podendo manter-se durante 2 anos, até 14.10.2023, impõe-se concluir não se verifica o motivo de ilegalidade previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, por a prisão não se manter atualmente para além do prazo fixado por lei.

Para além disso, tendo a privação da liberdade, por aplicação da prisão preventiva, sido ordenada por um juiz, que é a entidade competente, e motivada por facto pelo qual a lei a permite, também não ocorre qualquer dos motivos de ilegalidade da prisão previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito.

18. Em consequência do exposto se conclui ainda que o pedido carece manifestamente de fundamento, devendo ser indeferido [artigo 223.º, n.º 4, al. a), e 6 do CPP].

III. Decisão

19. Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.ºs 3, 4, alínea a), e 6 do artigo 223.º do Código de Processo Penal (CPP), decide-se indeferir o pedido, julgando a petição de habeas corpus manifestamente infundada.

Nos termos do artigo 223.º, n.º 6, do CPP, vai o peticionante condenado na soma de 6 (seis) UC.

Custas pelo peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Supremo Tribunal de Justiça, 10 de maio de 2023.


José Luís Lopes da Mota (relator)

Paulo Ferreira da Cunha

Maria Teresa Féria de Almeida

Nuno António Gonçalves