RECLAMAÇÃO
DECISÃO SINGULAR
RECUSA
JUIZ CONSELHEIRO
INCIDENTE ANÓMALO
DEMORAS ABUSIVAS
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I. A recusa constitui um incidente com tramitação própria e completa regulada nos artigos 43.º a 46.º do CPP, não lhe sendo aplicáveis as regras do recurso, nomeadamente a reclamação para a conferência (artigo 417.º, n.º 8, do CPP).
II. Com a prolação do acórdão de 10.01.2023, que recusou o requerimento de recusa do juiz conselheiro, esgotou-se o poder jurisdicional quanto ao incidente de recusa que originou este processo (artigo 613.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP). O acórdão considerou manifestamente infundado o pedido de recusa com fundamento em alegada e inexistente nulidade da distribuição por efeito da alteração legislativa operada pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto.
III. As questões suscitadas no requerimento apresentado neste processo em 23.01.2023, relacionadas com a questionada validade (“nulidade insanável”, chama-lhe o requerente) da distribuição, porque suscitadas antes do trânsito, poderiam ainda ser conhecidas.
IV. Este requerimento, em que não era arguida qualquer nulidade do acórdão (artigo 379.º do CPP), a apreciar em novo acórdão, foi decidido pelo despacho do relator de 13.02.2023, em consonância com as regras gerais sobre reclamações.
V. O requerimento repetia argumentos usados no requerimento inicial, que originou estes autos, agora para recusa dos juízes conselheiros que subscreveram o acórdão, o que, a ser aceitável, apenas poderia ter como efeito imediato o de, por via de requerimentos sucessivos, impedir o tribunal de decidir qualquer dos pedidos de recusa, paralisando o processo em que foi apresentado o pedido inicial de recusa do juiz para decidir da causa.
VI. Como foi decidido no despacho do relator, o requerimento não tem qualquer fundamento legal, não podendo, por conseguinte, afetar, direta ou indiretamente, tal acórdão. Disse-se, no essencial, que a falta ou a irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo (artigo 205.º, n.º 1, do CPC), que a arguição da nulidade é manifestamente intempestiva (artigo 44.º do CPP) e que a irregularidade que possa resultar do não respeito pelas regras da distribuição não constitui motivo que possa justificar uma suspeição (escusa ou recusa – artigo 43.º do CPP).
VII. Diversamente do que pretende o requerente, não ocorre qualquer motivo suscetível de gerar suspeita sobre a imparcialidade dos juízes signatários do presente acórdão, que possa constituir razão para que apresentem declaração de impedimento ou pedido de escusa. Não havendo também qualquer motivo para nova distribuição para, como pretende o requerente – na mesma linha de obstrução ao trânsito da decisão –, conhecer da “reclamação” da decisão do relator, a qual, por envolver os demais juízes que nela devem participar, é, agora, apreciada por formação do tribunal constituída por três juízes nos termos da lei do processo.
VIII. Estando decidido o que havia a decidir e esgotado o poder jurisdicional dos juízes que, em momento posterior, o requerente pretende colocar em crise, através de um incidente anómalo, manifestamente infundado e não admissível, não ocorrendo as nulidades insanáveis a que se referem as als. a) e e) do artigo 119.º do CPP, nem sendo a apontada irregularidade da distribuição geradora de nulidade e não tendo esse despacho sido proferido em violação de qualquer norma legal de que pudesse resultar a nulidade da decisão, impõe-se, nos termos e no exercício da competência atribuída à secção criminal do STJ pelo artigo 11.º, n.ºs 4, al. f), e 5 e 45.º, n.º 1, al. b), do CPP, indeferir o requerimento do arguido apresentado na sequência da notificação do despacho do relator de 13.02.2023.
IX. Sendo manifesto que o requerente procura obstar ao trânsito em julgado do acórdão de 13.01.2023, através da suscitação de incidentes, a ele posteriores, manifestamente infundados, e que, como tal, devendo-o ser, assim se qualificam, há que observar o disposto no artigo 670.º (defesa contra demoras excessivas em recurso) do CPC aplicável, com as adaptações necessárias, ex vi artigo 618.º (defesa contra demoras excessivas em caso de não admissibilidade legal de recurso) do mesmo diploma e artigo 4.º do CPP.
X. Pelo exposto, decide-se indeferir o requerimento do arguido apresentado na sequência da notificação do despacho do relator de 13.02.2023 e, nos termos dos artigos 618.º e 670.º do CPC aplicáveis ex vi artigo 4.º do CPP, (a) qualificar como manifestamente infundado o incidente suscitado por esse requerimento; (b) considerar, para todos os efeitos, imediatamente transitado em julgado o acórdão de 10.01.2023 (decisão impugnada); e, em consequência, (c) ordenar a remessa do processo ao processo de origem, em que foi apresentado o requerimento de recusa, para que possa correr os seus termos, e a extração de traslado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 670.º, n.ºs 3 e 4, do CPC.

Texto Integral


Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA, arguido com identificação nos autos, notificado do despacho do relator de 13.02.2023, que indeferiu o anterior requerimento de 23.01.2023, apresentado após o acórdão de 10.01.2023 que recusou o requerimento de recusa do Juiz Conselheiro BB para, conjuntamente com os Juízes Conselheiros CC (Presidente), DD (Relator) e EE (Segunda Adjunta), intervir no julgamento do processo de recusa n.º 2140/06.3TAAVR-I.P1-A.S1, por si apresentado, vem, por intermédio do seu mandatário, repetindo anterior argumentação, apresentar novo requerimento (ref. Citius ...73, de 28.02.2023), dirigido aos “Juízes Conselheiros” nos presentes autos, dizendo e requerendo, em síntese, o seguinte:

(1) Que os “Juízes Conselheiros” se “dignem” “declarar-se impedidos de intervir no Julgamento do incidente de recusa de Vossas Excelências, deduzido no requerimento de 23 de janeiro, por serem os Juízes visados para o artigo 45.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, que exclui a participação do Juiz visado na decisão dos requerimentos de recusa e dos pedidos de escusa”. “Prevenindo interpretação normativa dos artigos 39.º e 42.º do CPP no sentido de excluir da qualificação e do regime dos impedimentos a hipótese de ser o juiz visado em incidente de recusa, e interpretação normativa do artigo 4.º do Código de Processo Penal que exclua neste caso, e no sentido normativo de afastar aquele regime, a aplicação subsidiária do artigo 115.º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Civil e mesmo a aplicação direta dos principios gerais do processo geral, e sem prejuízo de, perante esse sentido normativo, suscitar desde já a inconstitucionalidade das normas citadas e do artigo 45.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal, por violação dos princípios do processo equitativo, da legalidade, ampla defesa e juiz natural, consagrados nos artigos 20.º n.º 4, 29.º e 203.º, e 32.º n.ºs 1 e 9 da Constituição”;

Sem prescindir

(2) Requerer “se dignem Vossas Excelências apresentar os devidos pedidos de escusas, uma vez que existe, evidentemente, forte motivo de a intervenção de um juiz em causa própria, como é o caso, ser considerada suspeita – até por isso que nenhum Juiz de Tribunal da União Europeia tem o poder ou a competência para se julgar a si próprio”.

Sem prescindir

(3) Apresentar “reclamação a Decisão do Senhor Juiz Conselheiro Relator – que deverá ser julgada pelo Coletivo a quem o processo venha a ser distribuído nos termos da lei”, por considerar “a Decisão Reclamada viciada de nulidades insanáveis e errada”, pois que

(a) o juiz conselheiro relator “é o Juiz visado no incidente em que é pedida a sua recusa para intervir neste processo e, não obstante, participou na decisão do incidente e proferiu a decisão reclamada”,

(b) “a decisão reclamada mostra-se ainda viciada de nulidade insanável por não ser plural mas singular, monocrática”,

(c) “verifica-se também erro na forma de processo e, por mais essa razão, a incompetência deste Coletivo (do Senhor Juiz Conselheiro Relator e dos Senhores Juízes Adjuntos), uma vez que a tramitação e decisão do incidente não respeitou, sequer minimamente, o processo e decisão previstos no artigo 45.º do Código de Processo Penal, desde logo quanto à designação do Coletivo que para tanto seria o competente”,

(d) “a decisão reclamada erra nos seus fundamentos – isto é, quando qualifica a falta de distribuição como mera irregularidade, apesar de estamos em processo criminal e de os vícios em causa se consubstanciarem, resultarem e serem determinados pelo desrespeito pela forma legal, pela falta das notificações legalmente obrigatórias e (antes de mais nada) pela falta de sorteio aleatório dos Senhores Juízes ou, pelo menos, dos Senhores Juízes Adjuntos”,

(4) “Invoca a inconstitucionalidade da norma do artigo 45.º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido normativo de permitir ao juiz visado em um incidente de Recusa decidir ele próprio a rejeição liminar do incidente, enquanto Juiz relator do processo em que o incidente é suscitado, sentido em que necessariamente é interpretada na decisão reclamada, e que subjaz a esse novo modus operandi – por violação do Principio Fundamental de que a República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático, baseado na soberania popular, (...) (na) organização política democrática, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes; por violação do artigo 18.º e dos direitos e garantias consagrados nos artigos 20.º, 29.º e 32.º, n.ºs 1, 2, 3, 5 e 9; e por violação do disposto no artigo 203.º, todos da Constituição”.

(5) Concluindo que, “por todas as razões expostas, deve este processo ser declarado insanavelmente nulo desde o despacho do Senhor Presidente deste Supremo Tribunal de 23 de janeiro, incluindo a decisão reclamada”.

2. O acórdão de 10.01.2023, como se disse, recusou o requerimento de recusa do Juiz Conselheiro BB para, conjuntamente com os Juízes Conselheiros CC (Presidente), DD (Relator) e EE (Segunda Adjunta), intervir no julgamento do processo de recusa n.º 2140/06.3TAAVR-I.P1-A.S1, por si apresentado, considerando-o manifestamente infundado.

O requerente fundamentou a recusa na alteração ao artigo 213.º do Código de Processo Civil introduzida pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, relativa às regras de distribuição de processos, afirmando que estas regras não foram respeitadas, o que, na sua alegação, constituía nulidade processual insanável. Como se referiu nesse acórdão, “o único motivo de recusa apresentado respeita, pois, a (alegado) incumprimento das regras da distribuição, o qual, na tese do requerente, porque gerador de motivo de nulidade insanável, afetaria a imparcialidade do juiz”.

Considerou-se nesse acórdão que:

(a) “a alegada não observância das regras da distribuição não pode ser invocada [como] nem constituir motivo de recusa”, pois que “nenhuma relação”, “nem material nem processual”, “se estabelece entre” os “planos em que se posicionam a observância das disposições relativas à prática de atos processuais, que deve ser conhecida e declarada no processo, com os efeitos que concretamente lhe estão associados (artigos 119.º e 120.º do CPP), e o instituto das suspeições do juiz, que visa a proteção e garantia da sua imparcialidade”, e que

(b) não vinha questionado nem invocado motivo que pudesse “gerar suspeita sobre a imparcialidade, subjetiva ou objetiva, do Senhor Juiz Conselheiro para participar na decisão do processo de recusa n.º 2140/06.3TAAVR-I.P1-A.S1”, pois que “o Senhor Juiz Conselheiro não teve intervenção anterior no processo (n.º 2 do artigo 43.º do CPP) e não vem alegado qualquer facto ou circunstância relativos às suas relações com os sujeitos processuais ou com o objeto do processo, de contexto ou de interesse, que permitam suscitar qualquer dúvida sobre a sua imparcialidade e que, assim, sejam suscetíveis de configurar qualquer outro motivo que possa ser adequado a gerar desconfiança a este respeito (n.º 1 do artigo 43.º)”.

Suscitou então o requerente a inconstitucionalidade do artigo 43.º, n.º 1, do CPP.

3. Em 23.01.2023, notificado do acórdão, veio o requerente apresentar dois requerimentos de idêntico teor:

(a) Num deles, apresentando “reclamação por nulidade insanável, nos termos das alíneas a) e e) do artigo 119.º do Código de Processo Penal (CPP), da Distribuição, do Julgamento em Conferência do pedido de recusa e de todo este processo desde a sua Distribuição, por violação do devido processo legal a que obedece a Distribuição de processos nos tribunais superiores e por incompetência do Tribunal e dos Senhores Juízes Conselheiros”;

(b) No outro, “apresentar perante Vossas Excelências [Juízes Conselheiros], nos termos e para os efeitos do artigo 45.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal (CPP), requerimento de Recusa dos Senhores Juízes Conselheiros da ... Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, Senhor Doutor FF (Presidente), Senhor Doutor GG (Relator), Senhora Doutora HH (Primeira Adjunta) e Senhor Doutor II (Segundo Adjunto) [subscritores do acórdão proferido a 10.01.2023], e do Tribunal Coletivo, por eles constituído para reunir, julgar e deliberar em Conferência, para julgamento do Processo de Recusa n.º 2140/06.3TAAVR-I.P1-A.S1-A-B, deduzido pelo aqui requerente”.

Repetia o requerente a fundamentação e a argumentação do requerimento de recusa já julgado nestes autos, indicando, uma vez mais, como motivo gerador de nulidade e de recusa, a violação das regras que presidem à distribuição dos processos nos tribunais superiores [artigos 204.º e 213.º do Código de Processo Civil, na redação da Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, aplicáveis ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal (CPP)].

Alegava, em suma, que “o Tribunal Coletivo foi constituído em violação do previsto e exigido nos artigos 204.º e 213.º do Código de Processo Civil (CPC) para a realização da distribuição nos tribunais superiores, aqui aplicável por força do artigo 4.º do CPP de harmonia com o processo penal, insistindo-se nos mesmos erros ou vícios apontados nos anteriores requerimentos de recusa:

a. Não contou com a assistência obrigatória do Ministério Público;

b. Não contou com a assistência de Advogado designado pela Ordem dos Advogados – que também era obrigatória caso tivesse sido possível, desconhecendo o Arguido se a mesma era ou não possível;

c. Não contou com a presença do advogado do Arguido;

d. Por falta da sua notificação para estar presente;

e. Não foi elaborada a ata desse ato jurisdicional;

E – mais grave e com influencia decisiva na composição do Coletivo –,

f. Os dois Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos não foram apurados aleatoriamente;

g. E não foi assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo”.

Entendia o requerente que é nula a distribuição efetuada, o que determinaria a necessidade de proceder a uma nova operação, bem como a anulação dos atos posteriores, nomeadamente do acórdão reclamado.

4. Por despacho de 13.02.2023, o relator, considerando que não vinha invocada qualquer das nulidades do acórdão a que se refere o artigo 379.º do CPP, por decisão singular:

(a)  Indeferiu a nulidade arguida, dizendo:

“4. Muito sumariamente, importa, desde logo, notar que a aplicação das regras do processo civil relativas à distribuição dos processos, invocada pelo requerente ao abrigo do disposto no artigo 4.º do CPP, não se limita às por si referidas. Pois que, dispõe expressamente o artigo 205.º, n.º 1 do CPC (também aplicável ex vi artigo 4º do CPC), “a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final”.

5. Donde resulta que, de um lado, a pretensa irregularidade da distribuição, invocada pelo requerente, não produz nulidade de nenhum ato do processo, nomeadamente do acórdão aqui proferido, contrariamente ao pretendido pelo requerente, e que, de outro, apenas até à decisão final – que teve lugar em 10 de janeiro de 2023 – poderia ter sido invocada pelo requerente.

Pelo que a “nulidade” arguida pelo requerente tem necessariamente de ser indeferida: a irregularidade apontada não tem por efeito a nulidade de qualquer ato do processo e a reclamação dessa irregularidade, por banda do requerente, é manifestamente intempestiva.

Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se indefere a arguida nulidade”.

(b) Não admitiu o requerimento de recusa, dizendo:

“6. O requerimento de recusa reconduz-se, em substância, à arguição de uma mesma pretensa nulidade (da distribuição) geradora, na tese do requerente, de motivo de recusa por, nessa tese, tal nulidade afetar a imparcialidade dos juízes, repetindo o que já anteriormente foi dito no requerimento objeto de decisão nestes autos.

7. O incidente de recusa, preordenado e regulado em função de conhecimento de motivo sério e grave, de natureza pessoal, de relação com o processo ou com os sujeitos processuais, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz (artigo 45.º, n.º 1, do CPP), não constitui o meio processual adequado ao conhecimento de nulidades processuais, que dispõe de regime próprio (artigo 118.º e segs. do CPP).

8. As questões colocam-se em planos distintos, que apenas se intercetariam em caso de juízo positivo relativo à verificação da nulidade. Não sendo o caso, falecerá o pedido com a decisão que não lhe reconhece fundamento; a prossecução do processamento do pedido equivaleria a ato inútil, não permitido por lei (artigo 130.º do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP), para além de gerador de efeito sucessivo de paralisação do processo principal, em cadeia, por uso do processo de incidente de recusa para finalidade que lhe está vedada.

9. A resposta a dar à questão da nulidade resulta diretamente, como se viu, do artigo 205.º, n.º 1, do CPC: o erro ou falta da distribuição não gera nulidade.

Pelo que, como já se viu, terá de improceder a arguição da nulidade.

A improcedência da arguição, esvaziando-o de fundamento, inutiliza o pedido.

10. E, mesmo que assim não fosse, o requerimento de recusa, a ser admissível no presente processo para processamento de incidente de recusa (artigo 44.º do CPP), sempre seria extemporâneo.

Nos termos do disposto no artigo 44º do CPP, o requerimento de recusa, prefigurada em função do julgamento (e recurso) do processo principal, apenas é admissível até ao início da audiência ou da conferência, conforme os casos, só podendo ser posteriormente quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo requerente, após o início da audiência ou do debate.

No caso, como se viu, tendo o acórdão sido proferido em 10.01.2023, apenas 13 dias depois foi apresentado o requerimento de recusa.”

5. É a este despacho de 13.02.2023 que o requerente vem reagir, nos termos acima referidos em 1.

6. Realizada a conferência, cumpre decidir.

7. A recusa constitui um incidente com tramitação própria e completa regulada nos artigos 43.º a 46.º do CPP, não lhe sendo aplicáveis as regras do recurso, nomeadamente a reclamação para a conferência (artigo 417.º, n.º 8, do CPP).

Dispõe o artigo 43.º do Código de Processo Penal (CPP):

«1 - A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

2 - Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º

3 - A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis. (…)».

E o artigo 44.º (Prazos):

«O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate».

Nos termos do artigo 45.º, a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, perante o qual o requerimento de recusa é apresentado, decide do requerimento de recusa. Esta decisão é irrecorrível (n.º 6).

7. Como se viu, o arguido apresenta, agora, três pedidos:

(a)  Que os juízes conselheiros se declarem impedidos de intervir no julgamento deste incidente de recusa, deduzido no requerimento de 23.01.2023 (pedido rejeitado no despacho do relator de 13.02.2023) – supra, 1 (1);

(b) Que os juízes conselheiros apresentem os devidos pedidos de escusas, uma vez que, a seu ver, estão a decidir em causa própria (a “julgar-se a si próprios”), o que é motivo de suspeição sobre a sua imparcialidade – supra, 1 (2);

(c)  Reclamação da decisão do relator, a ser julgada “pelo coletivo a quem o processo venha a ser distribuído” – supra, 1 (3).

8. Com a prolação do acórdão de 10.01.2023, que recusou o requerimento de recusa do Senhor Juiz Conselheiro BB, esgotou-se o poder jurisdicional quanto ao incidente de recusa que originou este processo. «Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa», diz o artigo 613.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.º do CPP.

Isto sem prejuízo do disposto nos artigos 379.º e 380.º do CPP, que admitem a arguição de nulidades e a correção do acórdão, no prazo de 10 dias (artigo 105.º do CPP) e do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, al. b), e 75.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), que possibilitam a interposição de recurso, no mesmo prazo, para o Tribunal Constitucional, de inconstitucionalidades normativas suscitadas no processo.

O requerente não arguiu nulidades, não requereu qualquer correção, nem recorreu para o Tribunal Constitucional, pelo que o acórdão, que não admite recurso ordinário, transitaria em julgado (artigo 628.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP).

9. Porém, as questões suscitadas no requerimento apresentado neste processo em 23.01.2023, relacionadas com a questionada validade (“nulidade insanável”, chama-lhe o requerente) da distribuição, porque suscitadas antes do trânsito, poderiam ainda ser conhecidas, pois que as invocadas nulidades, da previsão das als. a) e e) do artigo 119.º do CPP, podem ser conhecidas “em qualquer fase do procedimento”, isto é, como se tem entendido, até ao trânsito da decisão que põe fim ao processo (neste caso, até ao trânsito do acórdão de 10.01.2023, que julgou o incidente de recusa).

Este requerimento, em que não era arguida qualquer nulidade do acórdão (artigo 379.º do CPP), a apreciar em novo acórdão, foi decidido pelo despacho do relator de 13.02.2023, em consonância com as regras gerais sobre reclamações, que são dirigidas a quem as profere.

O requerimento repetia argumentos usados no requerimento inicial, que originou estes autos, agora para recusa dos juízes conselheiros que subscreveram o acórdão, o que, a ser aceitável, apenas poderia ter como efeito imediato o de, por via de requerimentos sucessivos, impedir o tribunal de decidir qualquer dos pedidos de recusa, paralisando o processo em que foi apresentado o pedido inicial de recusa para decidir da causa.

Como foi decidido no despacho do relator (supra, 4, para que se remete), com os fundamentos que aqui se acolhem – mesmo que se devesse concluir, como faz o requerente, pela nulidade da decisão –, o requerimento não tem qualquer fundamento legal, não podendo, por conseguinte, afetar, direta ou indiretamente, tal acórdão. Disse-se, com efeito, no essencial, que a falta ou a irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo (artigo 205.º, n.º 1, do CPC), que a arguição da nulidade é manifestamente intempestiva (artigo 44.º do CPP) e que a irregularidade que possa resultar do não respeito pelas regras da distribuição não constitui motivo que possa justificar uma suspeição (escusa ou recusa – artigo 43.º do CPP).

Como se viu (supra, 2, para que igualmente se remete), o acórdão de 10.01.2023 considerou manifestamente infundado o pedido de recusa com fundamento em alegada e inexistente nulidade da distribuição por efeito da alteração legislativa operada pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto.

10. Nesta conformidade, diversamente do que pretende o requerente, não ocorre qualquer motivo suscetível de gerar suspeita sobre a imparcialidade dos juízes signatários do presente acórdão, que, nos termos da lei, intervêm na decisão deste processo, e que, como tal, possa constituir razão para que apresentem declaração de impedimento ou pedido de escusa.

Não havendo também, por conseguinte, qualquer motivo ou fundamento legal para que haja lugar a nova distribuição para, como pretende o requerente – na mesma linha de obstrução ao trânsito da decisão –, conhecer da “reclamação” da decisão do relator, a qual, por envolver os demais juízes que nela devem participar, é, agora, apreciada por esta formação, constituída nos termos da lei do processo.

11. Assim sendo, estando decidido o que havia a decidir e esgotado o poder jurisdicional dos juízes que, em momento posterior, o requerente pretende colocar em crise, através de um incidente anómalo, manifestamente infundado e não admissível, não ocorrendo as nulidades insanáveis a que se referem as als. a) e e) do artigo 119.º do CPP, nem sendo a apontada irregularidade da distribuição geradora de nulidade, como foi explicitado no despacho do relator de 13.02.2023, e não tendo esse despacho sido proferido em violação de qualquer norma legal de que pudesse resultar a nulidade da decisão, impõe-se, nos termos e no exercício da competência atribuída à secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça pelo artigo 11.º, n.ºs 4, al. f), e 5 e 45.º, n.º 1, al. b), do CPP, indeferir o requerimento do arguido apresentado na sequência da notificação do despacho do relator de 13.02.2023.

12. O que assim se conclui, em interpretação e aplicação das normas legais citadas, não ofende qualquer norma constitucional, cuja violação, sem o justificar, o requerente invoca.

13. Para além disso, sendo manifesto que o requerente procura obstar ao trânsito em julgado do acórdão de 13.01.2023, através da suscitação de incidentes, a ele posteriores, manifestamente infundados, e que, como tal, devendo-o ser, assim se qualificam, há que observar o disposto no artigo 670.º (defesa contra demoras excessivas em recurso) do CPC aplicável, com as adaptações necessárias, ex vi artigo 618.º (defesa contra demoras excessivas em caso de não admissibilidade legal de recurso) do mesmo diploma e artigo 4.º do CPP.

Dispõe este preceito que «se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, leva o requerimento à conferência, podendo esta ordenar que o respetivo incidente se processe em separado» (n.º 1) – também aplicável «aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados» – que «a decisão que qualifique como manifestamente infundado o incidente suscitado determina a imediata extração de traslado, prosseguindo os autos os seus termos no tribunal recorrido» e que «a decisão impugnada através de incidente manifestamente infundado considera-se, para todos os efeitos, transitada em julgado».

Decisão

14. Pelo exposto, decide-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

a) Indeferir o requerimento do arguido AA apresentado na sequência da notificação do despacho do relator de 13.02.2023 (ref. Citius ...73, de 28.02.2023); e

b) Nos termos dos artigos 618.º e 670.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal:

1) Qualificar como manifestamente infundado o incidente suscitado por esse requerimento;

2) Considerar, para todos os efeitos, imediatamente transitado em julgado o acórdão de 10.01.2023 (decisão impugnada); e, em consequência,

3) Ordenar a remessa do processo ao processo de origem, em que foi apresentado o requerimento de recusa, para que possa correr os seus termos, e a extração de traslado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 670.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil.

Custas pelo requerente fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, nos termos do artigo 7.º, n.º 4, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais ex vi artigo 524.º do Código de Processo Penal.


Supremo Tribunal de Justiça, 12 de maio de 2023.


José Luís Lopes da Mota (relator)

Paulo Ferreira da Cunha

Maria Teresa Féria de Almeida