PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CASO JULGADO
ALTERAÇÃO DE DECISÃO
CIRCUNSTÂNCIAS SUPERVENIENTES
Sumário


I - O caso julgado é uma exceção dilatória que pressupõe a repetição de uma causa depois de a causa anterior ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
II – A exceção do caso julgado é imposta por três tipos de razões:
- Por razões de economia processual, dada a existência de uma relação jurídica já previamente apreciada por decisão definitiva, sendo inútil, por redundante, a prolação de uma decisão que reproduza ou confirme a decisão anterior;
- Por razões de salvaguarda do prestígio dos tribunais, evitando a possibilidade de decisões contraditórias;
- Por razões de concretização dos valores da certeza e segurança jurídicas ínsitos ao Estado de Direito constitucionalmente consagrado.
III - O caso julgado forma-se nos mesmos termos e com a mesma força e eficácia nos processos de jurisdição contenciosa e nos processos de jurisdição voluntária.
A diferença é que “as decisões proferidas nos demais processos de jurisdição voluntária, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuem o dom da “irrevogabilidade”, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (como se admite no normativo contido no art. 988º do CPC”.
IV - Para efeitos de aferir da possibilidade de alteração de decisão transitada em julgado, à luz do art. 988º, nº 1, do CPC, é necessário apurar se ocorre circunstância superveniente, o que passa por comparar a situação factual existente na altura em que a decisão foi proferida com a existente no momento em que é formulado o pedido de alteração.
V - A mera modificação do regime provisório fixado, sem qualquer repercussão na situação factual existente, não integra uma circunstância superveniente para os efeitos previstos no art. 988º, nº 1, do CPC, o que veda a possibilidade de alteração da anterior decisão transitada em julgado.

Texto Integral


Acordam em conferência na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA instaurou contra BB processo tutelar de resolução de diferendo entre progenitores em questão de particular importância relativamente aos filhos de ambos CC e DD pedindo que seja permitida a transferência das crianças do estabelecimento escolar Conservatório de Música de ..., que atualmente frequentam, para a Escola EB 2,3 ....

Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que, por força do regime provisório de exercício das responsabilidades parentais estabelecido por acordo no apenso F e judicialmente homologado, o qual se encontra em vigor desde 27.10.2022, as crianças encontram-se a residir consigo, em ..., tendo ficado acordado que, até ao final do presente ano letivo, os filhos continuarão a frequentar o Conservatório de Música de ..., sendo essa decisão reponderada consoante os resultados que as crianças venham a obter no final desse período letivo.

Sucede que o acordo provisório se tem mostrado impraticável pois as crianças, uma vez que vivem em ..., têm de acordar diariamente às 6 h para apanharem o autocarro que lhes permite a deslocação até ao Conservatório de Música de ..., o qual dista da sua residência 52,5 Km, fazendo uma viagem que tem a duração de 50 m a 1 h, quer na ida quer na volta, e regressando a casa apenas pelas 19 h 30 m.
Esta rotina diária é extremamente morosa, cansativa e contraproducente pois as crianças acordam desmotivadas e sem interesse de ir para a escola e chegam a casa exaustas e sem vontade de estudar ou realizar qualquer outro tipo de atividade.
Em consequência, os seus resultados escolares têm sido inferiores aos que obtiveram no primeiro período do ano letivo anterior.
Por outro lado, o Conservatório é uma instituição privada, cuja frequência implica o pagamento de uma mensalidade, a qual é cumprida de forma irregular, estando em falta o pagamento das mensalidades de novembro e dezembro.
Considera que estas situações não ocorreriam caso as crianças frequentassem a Escola EB 2,3 ..., que é um estabelecimento público, sendo que as crianças estão integradas em ..., onde se sentem felizes e tranquilas, e manifestam vontade de frequentar o aludido estabelecimento de ensino.
Entende que esta mudança de estabelecimento de ensino é a que melhor salvaguarda o interesse das crianças pelo que considera que deve ser autorizada.

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O requerido pronunciou-se invocando a exceção de caso julgado porquanto considera que nestes autos a requerente veio apresentar novo pedido sobre a mesma matéria que já foi discutida, apreciada e objeto de decisão, já transitada em julgado, no apenso E, autos onde foi apresentado pedido de transferência de estabelecimento de ensino das crianças no ano letivo de 2022/2023.

Caso assim não se entenda, considera que as dificuldades financeiras invocadas pela requerente quanto ao pagamento da mensalidade do Conservatório não se verificam, pelo que não podem servir de fundamento para a pretendida mudança de escola.
Mais alega que as crianças frequentam o Conservatório desde o 5º ano, aí tendo o seu grupo de amizades.
O Conservatório constitui uma mais valia curricular fornecendo-lhes valências que noutra escola não dispõem.
Por conseguinte, considera que o interesse das crianças impõe que continuem a frequentar o Conservatório de Música de ..., pelo que pugna pelo indeferimento do pedido formulado pela requerente.
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Notificada para se pronunciar sobre a exceção de caso julgado, veio a requerente dizer que, embora a questão suscitada nestes autos seja a mesma que foi objeto de apreciação no apenso E, houve uma alteração das circunstâncias, designadamente a alteração do regime das responsabilidades parentais, pois na altura vigorava a guarda/residência alternada e atualmente esse regime foi modificado, estando fixada a residência das crianças com a progenitora, sendo, por isso, necessário reapreciar este aspeto da vida dos filhos.

Por outro lado, a frequência do estabelecimento de ensino, sendo uma questão de particular importância na vida das crianças, tem e deve ser reapreciada as vezes que se afigurem necessárias para salvaguardar o seu interesse e bem-estar.

Considera, em suma, que, dada a alteração do quadro factual vigente, não ocorre exceção de caso julgado.
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Foi proferida decisão que julgou verificada a invocada exceção de caso julgado, que considerou não existir fundamento para alterar a decisão, ao abrigo do disposto no art. 988º, nº 1, do CPC, e, em consequência, absolveu da instância o requerido BB, tendo fixado à causa o valor de € 30 000,01.
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A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. O Tribunal, por sentença datada de 23 de fevereiro de 2023, concluiu pela verificação da exceção de caso julgado invocada pelo requerido, absolvendo-o da instância.
2. O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
3. A Recorrente não se coaduna com a decisão proferida, dado não se verificar qualquer exceção de caso julgado. Isto, porque:
4. A sentença proferida no âmbito do apenso E, em 16.07.2022, teve por respaldo, o acordo de regulação das responsabilidades parentais que pernoitava, desde 27.05.2022, e que determinava a guarda/residência alternada dos menores CC e DD.
5. Todavia, e dado que tal regime não se coadunava com os interesses dos menores, foi fixado, em 27.10.2022, um novo regime provisório da regulação da responsabilidades parentais, que veio estabelecer a residência dos menores com a progenitora, em ....
6. Ora, apesar da questão suscitada nos presentes autos ser a mesma que já foi objeto de apreciação no Apenso E, a verdade é que houve uma alteração das circunstâncias, nomeadamente, a fixação da residência permanente dos menores CC e DD com a progenitora.
7. Assim, este novo incidente foi instaurado na pendência de um outro regime provisório da regulação das responsabilidades parentais.
8. Sendo, portanto, necessário reapreciar este aspeto de particular importância na vida dos menores, face à vigência de um novo regime provisório da regulação das responsabilidades parentais.
9. Além disso, o facto de a questão de alteração do estabelecimento de ensino já ter sido alvo de decisão no âmbito de um determinado processo, não constitui motivo lógico para que esta não possa ser reapreciada novamente.
10. Isto porque, tratando-se de uma questão de particular importância na vida dos menores, esta tem e deve ser reaparecida as vezes que se afigurarem necessárias para salvaguardar os interesses e bem-estar dos menores.
11. Desde que, conforme asseverado pela jurisprudência difundida, haja circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, entendendo-se como supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso. Isto é, basta a existência de um diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29.10.2020, relativo ao processo nº 4797/15.5T8BRG-E-E-G1, de 29-10-2020; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2016, relativo ao processo nº 671/12.5TBBCL.G1.S1 D).
12. Veridicamente, no caso em apreço, verifica-se uma circunstância superveniente, que justifica a propositura do presente incidente, nomeadamente, a alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais e, consequentemente, a fixação da residência dos menores com a sua progenitora.
13. Ademais, cumpre referenciar que, quando proferida a sentença datada de 16.07.2022, relativa ao processo nº 2392/21...., ainda que, de facto, os menores estivessem a residir com a progenitora em ...,
14. A verdade é que a decisão foi tomada tendo em conta o cumprimento do acordo provisório da regulação das responsabilidades parentais, que à data pernoitava, isto é, a residência alternada, pois naquela sentença, proferiu o Tribunal o seguinte:
“Por outro lado, e salvo o devido respeito, não é argumento para justificar essa sua pretensão o facto de agora ter emprego e partilhar casa com os seus pais em ..., e ter aí retaguarda destes. Tal como está fixado o regime provisório no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, prevendo uma residência alternada com periodicidade semanal, uma eventual mudança de estabelecimento de ensino para ... não obviaria às deslocações que as crianças sempre teriam que realizar nas semanas que passam com o pai”.
15. Com efeito, o Tribunal decidiu naquela sentença que, a factualidade de os menores residirem com periodicidade semanal, com a progenitora em ..., não constituía motivo suficiente para determinar a mudança do estabelecimento de ensino dos menores, dado que, ao frequentarem escola em ..., na semana em que estariam a residir com o pai, em ..., não obviaria àquelas grandes deslocações.
17. Ora, se tal fundamentação ditou o indeferimento da pretensão da Requerente, agora, a decisão a tomar nunca poderia ter a mesma fundamentação.
18. Pois, os menores residem agora, não com periodicidade semanal, mas de modo permanente em ....
19. E vêm-se obrigados, sem necessidade – dado existirem vagas na escola ... – a acordarem às 06h00, para poderem apanhar um autocarro que lhes permite a deslocação até ao Conservatório de Música de ..., sendo certo que o mesmo dista não menos de 52,5 km, da residência destes, em ..., falando- se aqui numa viagem de autocarro de cerca de 50 min/1 hora, uma vez que de carro não demora menos que 40 min.
20. Uma viagem de autocarro de cerca de 50 min/1 hora quer de ida, quer de volta, pelo que os menores não chegam a casa antes das 19h30.
21. Estando, portanto, obrigados a uma rotina diária morosa e extremamente extenuante e desaconselhada.
22. Agora, o Tribunal não pode fundamentar a irrelevância da residência dos menores em ..., dado que, aí residindo de modo permanente, mudando a escola, nunca, em qualquer circunstância, se veriam coagidos a duas viagens diárias, de segunda à sexta de 52,5 km. Pelo que agora, obviava-se, pois, tais deslocações penosas!
23. A residência permanente dos menores é, agora, em ..., pelo que o estabelecimento de ensino, sendo essa a vontade dos menores e ponderando o superior interesse destes, exigindo um desenvolvimento salutar e o bem-estar destes, sempre terá que ser o de ....
24. Sopesando tudo isto, sempre se dirá que:
- Mal andou o Tribunal a quo em absolver o Requerido da instância por verificação da exceção de caso julgado, dado que, havia, pois, um quadro factual superveniente que justificava a alteração do estabelecimento escolar, nomeadamente, a residência permanente dos menores com a progenitora, em ...;
- Além de que, a sentença proferida no âmbito do processo n.º 2392/21...., datada de 16.07.2022, teve por base a residência periódica semanal que à data pernoitava, isto é, o cumprimento do acordo provisório que à data vigorava, conforme respetiva fundamentação que supra se plasmou.
25. Nestes termos, e em face do exposto, sempre deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida.
26. Pois, só assim se permitirá um normal desenvolvimento dos menores que se deseja saudável, tranquilo e harmonioso.
27. Decidindo nestes termos, este Tribunal irá ao encontro do superior interesse dos menores, assim fazendo inteira JUSTIÇA!”
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O requerido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, as quais termina com as seguintes conclusões:

“1ª Não assiste razão à recorrente não merecendo a sentença proferida qualquer reparo já que, é clara a existência de caso julgado.
2ª Veio a Recorrente apresentar novo incidente sobre matéria há muito discutida e decidida nos autos já que, por petição intentada a 22/06/2022 que acabou por tramitar como Apenso E dos autos principais, veio a Requerente peticionar que os menores fossem transferidos do Conservatório de Música de ... para a EscolaEB2, 3 ..., em .... Ora, a questão ora suscitada neste apenso, e agora em recurso, é a mesma que foi já objecto de apreciação no referido Apenso E, trata-se inclusive do mesmo ano lectivo (2022/2023).
3ª naquele Apenso E, foi proferida sentença em 16/07/2022, e da qual não houve recurso, tendo, portanto, há muito transitado em julgado. O trânsito em julgado, conforme decorre claramente do art.º 628.º do CPC, ocorre quando uma decisão é já insuscetível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário.
4ª Por outro lado, não invoca a Recorrente qualquer factualidade que seja por si só suscetível de fundamentar a pretendida alteração nem as circunstâncias alegadas pela requerente permitem consubstanciar uma modificação que além de sobrevinda seja relevante e idónea para produzir uma mudança substancial das circunstâncias que determinaram a decisão proferida no Apenso E de manter os menores na Escola em ..., limitando-se a atender aos seus interesses pessoais esquecendo-se dos que são primordiais nestes autos que são os interesses dos menores.
5ª Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida –efeito negativo – e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida – efeito positivo do caso julgado.
6ª A ocorrência da exceção de caso julgado supõe uma particular relação entre ações judiciais: uma relação de identidade entre os sujeitos e os objetos de duas causas, o que é exactamente o que acontece nos autos.
7ª Pelo que, outra decisão não poderia ter sido tomada pelo Tribunal a quo.”
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O Ministério Público também apresentou contra-alegações, pugnando igualmente pela manutenção da decisão recorrida, as quais finaliza com as seguintes conclusões:

“1. No apenso E, em 22 de Junho de 2022, a apelante pediu a resolução do diferendo existente entre as partes no que concerne à natureza (pública ou privada) e à localização do estabelecimento de ensino que no próximo ano lectivo deveria ser frequentado pelos filhos menores de ambos, que pretendia que fosse fixado no Agrupamento de Escolas ..., situado em ...;
2. Nesse apenso foi proferida douta sentença, datada de 16 de Julho de 2022 e devidamente transitada em julgado, onde se julgaram “(…) improcedentes as pretensões do requerente AA e, dirimindo-se o desacordo dos progenitores, decide-se que os menores CC e DD permaneçam inscritos e a frequentar o estabelecimento de ensino do Conservatório de Música de ...”;
3. Aí foi dado como provado que “a) a requerente e o requerido, juntamente com os dois filhos menores, residiram na freguesia ... (...), deste concelho ..., até ao dia de 17 de Dezembro de 2021; b) nessa data cessou a coabitação da requerente e do requerido, passando aquela, juntamente com os filhos, a residir na casa dos avós maternos, situada na Rua ..., freguesia ..., ... ...”;
4. Mesmo com a prolação da douta decisão homologatória no apenso F, datada de 27 de Outubro de 2022, de acordo com a qual a residência das crianças veio a ser (alterada e) fixada provisoriamente apenas junto da apelante, nada se alterou quanto à vivência normal das crianças que, à data das decisões identificadas em 2. e 3., já residiam de facto em ..., o que sucedia desde 17 de Dezembro de 2021;
5. Existe identidade de partes, de causa de pedir e do pedido nas acções a que respeitam os apensos E e I, este instaurado em plenas férias judiciais numa altura que o anterior (e idêntico) pedido havia sido indeferido por sentença transitada em julgado;
6. Esta realidade conduziu, e muito bem, à verificação da excepção de caso julgado que, como excepção dilatória que o é, impediu o conhecimento do mérito da causa e determinou a absolvição da instância [arts. 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2, e 577º, al. i), todas as disposições do Código de Processo Civil];
7. Não foram violados quaisquer preceitos legais.”
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se se verifica ou não a exceção de caso julgado e, na hipótese positiva, se a pretensão apresentada pela requerente nos presentes autos de transferência do estabelecimento de ensino que as crianças frequentam, apesar de idêntica à que já foi decidida, com trânsito em julgado, no apenso E, pode ser alterada com fundamento na existência de circunstâncias supervenientes, nos termos do art. 988º, nº 1, do CPC.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos a considerar são os que se encontram descritos no relatório, a que acrescem os seguintes, que resultam dos atos praticados nos apensos E e F:


1. Em 22.6.2022, AA instaurou providência cautelar (falta de acordo na mudança de estabelecimento de ensino), a qual constitui o apenso E, pedindo que seja ordenada a notificação do requerido BB para consentir na inscrição das crianças CC e DD no Agrupamento de Escolas ..., sito em ....
Em síntese, e no essencial, alegou, que, de acordo com o regime provisório relativamente ao exercício das responsabilidades parentais fixado em 27.5.2022 pelo tribunal, as crianças residem alternadamente, em cada semana, com cada um dos progenitores.
As crianças frequentam o Conservatório de Música de ..., por decisão que foi tomada conjuntamente por ambos os progenitores quando se encontravam casados.
Entretanto, as circunstâncias alteraram-se e os progenitores separaram-se.
A requerente não consegue suportar os valores das propinas e do vestuário próprio do Conservatório que as crianças frequentam.
As crianças não têm qualquer vontade especial no estudo da música e verbalizam vontade de frequentar o ensino público, com o qual se identificam mais.
A requerente trabalha e vive em ..., tendo fixado residência junto dos seus pais, residência essa que dista apenas cerca de 5 Km da Escola ... para onde pretende que as crianças sejam transferidas.
Os avós maternos são reformados e encontram-se disponíveis para prestar qualquer apoio de que as crianças necessitem.
Requerente e requerido possuem uma moradia em ..., no concelho ..., a qual pode ser usada pelo requerido na semana em que as crianças estejam a residir com ele.
2. No âmbito do apenso E realizou-se a conferência de pais a que alude o art. 35º do RGPTC, tendo as crianças sido ouvidas, nos termos constantes da ata, de 13.7.2022, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. Nessa conferência, CC, de 13 anos, declarou, designadamente, que “[g]ostava de estudar no Conservatório mas neste momento prefere mudar de escola e ir para uma escola em ... porque lhe apetece experimentar coisas novas, ter mais tempo livre para poder sair com amigos.
DD, de 11 anos, declarou que ”neste momento prefere ir para a escola em ... porque também gostava de experimentar coisas novas. Gostava do Conservatório mas entretanto mudou de ideias. Gosta de estar em ..., de morar com os avós, que a podem ir levar e buscar à escola e tem mais espaço em casa. Toca violino mas não gosta”.
4. Em 16.7.2022, foi proferida sentença no apenso E, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, que decidiu “que os menores CC e DD permaneçam inscritos e a frequentar o estabelecimento de ensino do Conservatório de Música de ....”
5. Na decisão referida em 4 foram considerados provados os seguintes factos (que aqui se transcrevem nos seus exatos termos):

a) A requerente e o requerido contraíram casamento entre si no dia 29 de Outubro de 2005.
a) Desse casamento nasceram dois filhos: CC, nascido a .../.../2009, e DD, nascida a .../.../2010.
b) A requerente e o requerido, juntamente com os dois filhos menores, residiram na freguesia ... (...), deste concelho ..., até ao dia de 17 de Dezembro de 2021.
c) Nessa data cessou a coabitação da requerente e do requerido, passando aquela, juntamente com os filhos, a residir na casa dos avós maternos, situada na Rua ..., freguesia ..., ... ....
d) O progenitor manteve a sua anterior residência, localizada na Rua ..., freguesia ... (...), ... ....
e) Encontra-se pendente e a correr termos como apenso B acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas ao CC e à DD, estando os autos a aguardar a finalização da audição técnica especializada.
f) Nessa acção, por despacho proferido a 27.05.2022, pacificamente transitado em julgado, foi fixado o seguinte regime provisório:
i. Os menores residirão habitualmente com ambos os progenitores, que alternarão semanalmente a sua guarda de sexta a sexta-feira, após o termo das actividades lectivas, competindo o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos de vida corrente dos filhos àquele que com os mesmos estiver a residir temporariamente;
Este regime de alternância iniciar-se-á no próximo dia 3 de Junho, com o progenitor.
ii. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores (nomeadamente a mudança de estabelecimento de ensino) serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores, salvo em casos de manifesta urgência, em que qualquer um poderá agir, devendo, logo que possível, comunicar ao outro.
iii. Às quartas-feiras, o progenitor que nessa semana não tenha os menores a residir consigo poderá jantar com eles, indo para o efeito buscá-los ao estabelecimento de ensino após o termo das actividades lectivas, e levando-os à residência do outro até às 21:30 horas.
iv. Na pausa lectiva do Verão - caso até lá não haja decisão definitiva – os menores passarão 15 (quinze) dias seguidos de férias na companhia de cada um dos seus pais, entre as datas a acordar entre eles com a necessária antecedência;
v. As despesas médicas e medicamentosas, assim como as de educação (compreendendo aqui, designadamente, as mensalidades do estabelecimento de ensino e das actividades extracurriculares) tidas com os menores serão suportadas na proporção de metade por cada um dos progenitores, devendo quem as liquidou enviar comprovativo da sua realização ao progenitor que não as pagou (preferencialmente através de correio electrónico), devendo este entregar ao outro a parte que lhe compete no prazo de 10 dias, mediante transferência bancária.
g) O CC e a DD frequentam o Conservatório de Música de ..., situado na freguesia ..., no concelho ..., tendo estado matriculados, no ano lectivo que findou, no 7º e no 6º ano de escolaridade do ensino básico, respectivamente.
h) Antes de ingressarem no ensino privado, em Setembro de 2019 e em Setembro de 2020, respectivamente, para o 5º ano de escolaridade, ambos frequentaram o ensino público, em ....
i) As mensalidades dos menores no Conservatório de Música de ... são de € 125,00 para o CC e de € 250,00 para a DD - valores que são anualmente pagos pelo requerido -, ao que acresce um custo de cerca de € 100,00 por mês para a alimentação dos dois.
j) Existe vaga para ambos os menores no Agrupamento de Escolas ..., sito na Rua ..., em ....
k) A requerente é engenheira civil de profissão e trabalha, desde Junho de 2022, ao serviço de uma empresa de engenharia situada em ..., auferindo, segundo declarou, o salário mensal líquido de € 1.200,00.
l) A requerente tem acesso a poupanças do extinto casal cujo montante, em Março de 2021, ascendia a um total de € 87.500,00.
m) O requerido é engenheiro civil, actividade que exerce por conta própria e da qual retira, segundo declarou, rendimentos líquidos da ordem dos € 1.500,00 por mês.

6. A sentença referida em 4 não foi objeto de recurso.
7. No âmbito do apenso F realizou-se a conferência de pais a que alude o art. 41º, nº 3, do RGPTC, nos termos constantes da ata, de 27.10.2022, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, na qual foi homologado acordo provisório, a vigorar na pendência desses autos, até decisão final, com o seguinte teor:

Cláusula primeira
Exercício das responsabilidades parentais
1 – Os menores CC e DD residirão habitualmente com a mãe, que exercerá as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente dos filhos.
2 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores serão exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de manifesta urgência, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
3 – Quando as crianças se encontre temporariamente com o progenitor, as responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente serão exercidas pelo pai, não devendo este, porém, contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pela progenitora.
Cláusula segunda
Convívio
1 - Os menores passarão com o pai fins de semana alternados, desde sexta-feira, findas as atividades letivas, até segunda-feira, ao início das atividades letivas, indo para o efeito o pai recolhê-los e entregá-los na escola.
2 - Os menores estarão ainda com o pai todas as quartas-feiras, findas as atividades leivas, até quinta-feira ao início das atividades letivas, indo para o efeito o pai recolhê-los e entregá-los na escola.
3 - Os menores passarão a próxima consoada de Natal na companhia do pai, desde as 14h00m do dia 24 até às 12h00m do dia 25, e passarão a passagem de ano com a mãe, desde as 14h00m do dia 31 até às 12h00m do dia 01 de janeiro.
Cláusula terceira
Alimentos
1 - O pai pagará, a título de alimentos devidos aos filhos, a quantia de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) mensais para cada um, valor esse que será pago até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária para a conta com o IBAN que já é do seu conhecimento.
2 - Todas as despesas médicas e medicamentosas na parte não comparticipada pelos serviços competentes e bem assim, todas despesas escolares serão suportadas por ambos os progenitores na proporção de metade para cada um.
3 – Para o efeito, deverá o progenitor que efetuar a despesa faturá-la em nome do menor a que disser respeito e enviar os respetivos recibos ao outro progenitor, que liquidará a sua comparticipação nessas despesas no prazo de 30 (trinta) dias.
Cláusula quarta
Generalidades
1 - Os progenitores acordam ainda provisoriamente que até ao final do presente período letivo os filhos continuarão a frequentar o Conservatório de Música de ..., sendo essa decisão reponderada consoante os resultados que o CC e a DD venham a obter no fim deste período letivo.
2 - O regime convivial fixado na cláusula segunda iniciar-se-á na sexta-feira, dia 4 de novembro próximo.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

A decisão recorrida considerou que se verifica a exceção de caso julgado invocada pelo requerido.

A recorrente entende que não se verifica qualquer exceção de caso julgado entre a pretensão que formula nos presentes autos e a que foi formulada no apenso E e que nada impede a reapreciação da situação, apresentando em abono desta sua posição os seguintes argumentos essenciais:
- a sentença proferida no âmbito do apenso E, em 16.07.2022, teve por respaldo o acordo de regulação das responsabilidades parentais que vigorava, desde 27.05.2022, e que determinava a guarda/residência alternada das crianças CC e DD;
- entretanto, em 27.10.2022, passou a vigorar um novo regime provisório da regulação da responsabilidades parentais, que veio estabelecer a residência dos menores com a progenitora, em ...;
- assim, apesar da questão suscitada nos presentes autos ser a mesma que já foi objeto de apreciação no apenso E, a verdade é que houve uma alteração das circunstâncias, nomeadamente, a fixação da residência permanente das crianças CC e DD com a progenitora;
- embora, quando proferida, no apenso E, a sentença datada de 16.07.2022, ainda que de facto os menores estivessem a residir com a progenitora em ..., a sentença proferida teve por base a residência periódica semanal que à data vigorava, conforme resulta da sua fundamentação.

Analisemos, se lhe assiste razão.

O caso julgado é uma exceção dilatória (art 577º, al. i), do CPC, diploma ao qual pertencem todas as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem), que pressupõe a repetição de uma causa depois de a causa anterior ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art. 580º).
Repete-se uma ação quando se propõe ação idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, considerando-se que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido quando nas ações se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (art. 581º).
Assim, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (art. 619º).
Trata-se do efeito de caso julgado material: a definição dada à relação controvertida não pode ser alterada em qualquer nova ação pois o caso fica julgado e torna-se incontestável.
Esse efeito é ditado por razões de certeza ou segurança jurídica e de prestígio dos tribunais; a instabilidade jurídica seria verdadeiramente intolerável se não pudesse sequer confiar-se nos direitos que uma sentença reconheceu” (Acórdão do STJ, de 26.2.2019, relator Pinto de Almeida, in www.dgsi.pt).
O caso julgado, na sua vertente negativa, constitui exceção dilatória e, no plano constitucional, o seu fundamento é o princípio da segurança jurídica, ínsito ao Estado de Direito consagrado no art. 2.º da Constituição Portuguesa (cf. Rui Pinto, in Exceção e Autoridade de Caso Julgado – Algumas Notas Provisórias, Julgar On Line, novembro de 2018).
Como tal, a exceção de caso julgado tem o efeito negativo de inadmissibilidade da segunda ação, impedindo qualquer decisão futura de mérito; na segunda ação, o juiz deve abster-se de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu da instância (art. 576º nº 2).
O efeito negativo tem por destinatário os tribunais, apresenta natureza processual e leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão (cf. Rui Pinto, ob. cit).
Destarte, em jeito de conclusão e de forma esquemática, pode dizer-se que a exceção do caso julgado é imposta por três tipos de razões:
I - Por razões de economia processual, dada a existência de uma relação jurídica já previamente apreciada por decisão definitiva, sendo inútil, por redundante, a prolação de uma decisão que reproduza ou confirme a decisão anterior;
II - Por razões de salvaguarda do prestígio dos tribunais, evitando a possibilidade de decisões contraditórias;
III - Por razões de concretização dos valores da certeza e segurança jurídicas ínsitos ao Estado de Direito constitucionalmente consagrado.

Como entendido no Acórdão do STJ, de 20.6.2012, Relator Sampaio Gomes (in www.dgsi.pt)quanto ao âmbito objetivo do caso julgado – seus limites objetivos – e que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto (...) em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas’ (Acórdão do S.T.J. de 10/7/97 in C.J. S.T.J., V, II, 165).
Na verdade, “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga – art. 621º do CPC –, entendendo-se que a aferição dos limites e eficácia do caso julgado postula a interpretação do conteúdo da sentença, com relevo para os fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à decisão que, como esta, devem considerar-se abrangidos por aquele” (Acórdão do STJ, de 26.2.2019, relator Pinto de Almeida, in www.dgsi.pt).

Sublinha ainda Teixeira de Sousa (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 578-579) que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.
Estas considerações valem quer para os processos de jurisdição contenciosa quer para os processos de jurisdição voluntária pois o caso julgado forma-se em ambos nos mesmos termos e com a mesma força e eficácia.
A diferença é que “as decisões proferidas nos demais processos de jurisdição voluntária, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuem o dom da “irrevogabilidade”, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (como se admite no normativo contido no art. 988º do CPC”, porém, “a especificidade ora dilucidada não faz desaparecer a eficácia do caso julgado da decisão anteriormente produzida em processo de jurisdição voluntária. Tal particularismo apenas sujeita o caso julgado a uma espécie de cláusula rebus sic stantibus e, por isso, a uma eventual condição temporal” (Acórdão do STJ, de 13.9.2016, Relator Alexandre Reis in www.dgsi.pt).

A possibilidade de alteração das decisões proferidas em processo de jurisdição voluntária encontra-se consagrada no art. 988º, nº 1, o qual estabelece que as resoluções podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.

Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (in CPC Anotado, II Vol., 2020, Almedina, p. 438) “[a] modificação da decisão anterior implica que o requerente indique a factualidade que sustenta a alteração das circunstâncias, após o que o tribunal efetua uma análise comparativa entre o estado atual das coisas e o que existia aquando da prolação da decisão vigente (RG 19-3-13, 6558/05). (...) As circunstâncias supervenientes hão de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da causa de pedir, nada tendo a ver com a eventual posterior invocação de uma diversa qualificação atribuída ou com uma diferente interpretação das situações de facto”.

Transpondo estas considerações para o caso concreto, verifica-se que estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, como decorre das disposições conjugadas dos arts. 3º, al. c), 12º e 44º do RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro.

Assim sendo, importa, em primeiro lugar, apurar se existe caso julgado decorrente da prolação da decisão de 16.7.2022, proferida no apenso E, e, na afirmativa, aferir se a decisão aí tomada pode ser alterada por ocorrerem circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, conforme permitido pelo art. 988º, nº 1.

No que concerne à existência de caso julgado, consideramos que a mesma se verifica pois quer nestes autos quer no apenso E as partes são as mesmas e o pedido formulado é idêntico.
Quanto à causa de pedir, acompanha-se o expendido na decisão recorrida no sentido de que “o núcleo essencial integrador da causa de pedir numa acção como esta, regulada no artigo 44º do R.G.P.T.C., consiste na relação de parentalidade, no exercício comum por ambos os pais das responsabilidades que derivam dessa relação de parentalidade, e na falta de acordo relativamente a alguma questão que possa qualifica-se como de particular importância para a vida do filho.
O restante que o requerente alegue na petição inicial, mais do que factos integradores daquele núcleo essencial da causa de pedir, serão as razões que justificam, no seu ver, que a resolução do diferendo deve ser feita no sentido por si propugnado.”
Acresce ainda que, comparando o alegado pela ora recorrente no apenso E e nestes autos considera-se que, no essencial, os factos integradores da causa de pedir são os mesmos.
Por conseguinte, ocorre a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

Nesta medida, considera-se que a decisão recorrida, ao considerar que ocorre nos autos uma situação de caso julgado, decidiu acertadamente.

Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária, a ocorrência de caso julgado não impede que a decisão possa vir a ser alterada, ao abrigo do art. 988º, nº 1, conquanto existam circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração, considerando-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso.

No caso, a recorrente não alega a existência de circunstâncias anteriores não alegadas, fundando a sua pretensão na ocorrência de circunstâncias posteriores à decisão proferida no apenso E, mais concretamente no facto de ter havido uma alteração do regime provisório e de as crianças, depois de proferida a decisão, terem deixado de estar em situação de residência semanal alternada com cada um dos progenitores, passando a estar em situação de residência exclusiva consigo.

Sucede que esta invocada alteração ocorreu apenas a nível jurídico, não correspondendo a qualquer alteração a nível factual posto que, na realidade, nada se modificou no que diz respeito à residência das crianças com a progenitora na sequência da alteração dos regimes provisórios vigentes. Na verdade, quer na pendência do regime provisório de 27.5.2022, que previa a residência alternada, quer na vigência do regime provisório de 27.10.2022, que prevê a residência com a progenitora, as crianças sempre viveram com a progenitora em ..., em casa dos avós maternos, situação que ocorre desde 17.12.2021, altura em que ocorreu a separação dos progenitores.
Tal resulta dos factos provados no apenso E (cf. facto 5, als. b) e c) e é expressamente reconhecido pela recorrente na conclusão 13.

Por conseguinte, não corresponde à realidade o alegado pela recorrente de que ocorreu “um quadro factual superveniente que justificava a alteração do estabelecimento escolar, nomeadamente, a residência permanente dos menores com a progenitora, em ...”. Pelo contrário, a nível factual, não ocorreu qualquer circunstância superveniente que possibilite a alteração do que foi decidido no apenso E, pois não houve nenhuma modificação real e efetiva da residência das crianças subsequente ou consequente à alteração do regime provisório, visto que os mesmos já residiam com a progenitora em ... quando foi proferida a decisão do apenso E.

Argumenta ainda a recorrente que “tratando-se de uma questão de particular importância na vida dos menores, esta tem e deve ser reaparecida as vezes que se afigurarem necessárias para salvaguardar os interesses e bem-estar dos menores.”
Porém, esta afirmação não é exata pois as decisões proferidas em processos de jurisdição voluntária formam caso julgado nos mesmos termos e com a mesma força e eficácia das decisões proferidas nos processos de natureza contenciosa.
Assim, mesmo que esteja em causa uma questão de particular importância, se ela já foi decidida, com trânsito em julgado, só pode haver alteração do decidido se ocorrer uma circunstância superveniente à prolação da decisão, de acordo com o conceito definido no art. 988º, nº 1, não podendo ser reapreciada se tal pressuposto não se verificar, isto é, se a situação factual se mantiver inalterada.

Refere também a recorrente que a decisão proferida no apenso E abordou e decidiu a questão da transferência do estabelecimento de ensino no pressuposto de uma residência alternada e considera que esta circunstância é justificativa da possibilidade de prolação de uma nova decisão.

Lendo a fundamentação da decisão proferida no apenso E conclui-se que efetivamente a mesma apenas aborda a questão na ótica do regime provisório à data vigente da residência semanal alternada. Porém, não cumpre aqui sindicar o acerto ou bondade da fundamentação constante dessa decisão. O que releva para efeitos de possibilidade de alteração dessa decisão, a qual transitou em julgado e constitui caso julgado, é saber se ocorreu alguma circunstância superveniente, o que passa por comparar a situação factual existente nessa altura com a existente no momento em que é formulado o pedido nestes autos. Ora, como já referimos e reafirmamos, a situação factual manteve-se inalterada desde aquela altura até ao momento presente posto que as crianças, à data, já residiam com a progenitora em ..., situação que se verifica desde 17.12.2021, altura em que os progenitores se separaram e as crianças foram viver com a progenitora para ..., para casa dos avós maternos.
A mera modificação do regime provisório fixado, sem qualquer repercussão na situação factual existente, não integra uma circunstância superveniente para os efeitos previstos no art. 988º, nº 1.
Face a tal, e porque não houve qualquer mudança factual, designadamente quanto à residências das crianças, mas antes uma permanência da mesma, não se pode considerar que exista qualquer circunstância superveniente que, à luz do disposto no art. 988º, nº 1, permita a alteração da decisão que foi proferida no apenso E, a qual transitou em julgado e constitui caso julgado,

Nesta medida, considera-se que a decisão recorrida também decidiu acertadamente ao considerar que não ocorre nos autos uma situação que permita a alteração da decisão ao abrigo do disposto no art. 988º, nº 1.

Do que se deixa explanado, temos que concluir que o recurso tem que ser julgado improcedente, sendo de manter a decisão recorrida que considerou existir caso julgado e não se verificar a situação prevista no art. 988º, nº 1, que permite a alteração do decidido.
*
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente na totalidade, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):

I - O caso julgado é uma exceção dilatória que pressupõe a repetição de uma causa depois de a causa anterior ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
II – A exceção do caso julgado é imposta por três tipos de razões:
- Por razões de economia processual, dada a existência de uma relação jurídica já previamente apreciada por decisão definitiva, sendo inútil, por redundante, a prolação de uma decisão que reproduza ou confirme a decisão anterior;
- Por razões de salvaguarda do prestígio dos tribunais, evitando a possibilidade de decisões contraditórias;
- Por razões de concretização dos valores da certeza e segurança jurídicas ínsitos ao Estado de Direito constitucionalmente consagrado.
III - O caso julgado forma-se nos mesmos termos e com a mesma força e eficácia nos processos de jurisdição contenciosa e nos processos de jurisdição voluntária.
A diferença é que “as decisões proferidas nos demais processos de jurisdição voluntária, apesar de cobertas pelo caso julgado, não possuem o dom da “irrevogabilidade”, pois podem ser modificadas com fundamento num diferente quadro factual superveniente que justifique a alteração (como se admite no normativo contido no art. 988º do CPC”.
IV - Para efeitos de aferir da possibilidade de alteração de decisão transitada em julgado, à luz do art. 988º, nº 1, do CPC, é necessário apurar se ocorre circunstância superveniente, o que passa por comparar a situação factual existente na altura em que a decisão foi proferida com a existente no momento em que é formulado o pedido de alteração.
V - A mera modificação do regime provisório fixado, sem qualquer repercussão na situação factual existente, não integra uma circunstância superveniente para os efeitos previstos no art. 988º, nº 1, do CPC, o que veda a possibilidade de alteração da anterior decisão transitada em julgado.
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Guimarães, 11 de maio de 2023

(Relatora) Rosália Cunha
(1ª Adjunta) Lígia Venade
(2º Adjunto) Fernando Barroso Cabanelas