ANULAÇÃO DE TRANSACÇÃO JUDICIAL
CADUCIDADE DO PEDIDO
Sumário


1. A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão em casos restritos, nos quais se inclui a possibilidade de se verificar nulidade ou anulabilidade da confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou.
2. Quanto ao referido fundamento abrem-se ao interessado duas possibilidades de uso alternativo: instauração de ação para declaração da invalidade ou interposição de recurso de revisão, no qual sejam invocados os factos reveladores da nulidade ou da anulabilidade.
3. Todavia, tal alternatividade não posterga nem a necessidade de recurso ao processo de revisão, nem o prazo de caducidade de 5 anos.
4. No artº 772º do CPC na redação vigente em 2006 (atual artº 697º) estabelecem-se dois prazos:
Um primeiro prazo de 5 anos, que é absoluto e que em circunstância alguma – salvo quando envolver matéria relacionada com os direitos de personalidade – pode ser excedido, contando-se a partir da data do trânsito em julgado da decisão a rever;
E um segundo prazo, de 60 dias, que funciona dentro daquele, e cujo início de contagem depende do fundamento de revisão que for invocado, prazos esses que são de caducidade e de conhecimento oficioso.
5. A declaração de nulidade ou a anulação da confissão, desistência ou transação, em ação para o efeito expressamente intentada, não desencadeia a ineficácia da sentença homologatória; esta tem de ser impugnada pela via do recurso de revisão.

Texto Integral


Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

AA e mulher BB e CC intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra DD e EE, todos mais bem identificados nos autos, pedindo a declaração da anulação da transação judicial que melhor concretiza no artigo 11.º da petição inicial e da sua conversão nos termos do artigo 293.º do Código Civil, passando a cláusula 3.ª a ter o seguinte teor: «Os AA. reconhecem que não têm direito às águas nascidas nos prédios dos RR. descritas nos artigos 12.º a 18.º da petição inicial» ou, quando assim não se entenda, a declaração da anulação da transação judicial, com fundamento no erro na declaração.
Regularmente citados, os réus apresentaram contestação, suscitando a caducidade do prazo de anulabilidade previsto no artigo 287.º, n.º 1 do Código Civil, entendendo que se verifica, de igual modo, o decurso do prazo de cinco anos para a interposição do recurso de revisão da sentença homologatória da transação, nos termos do artigo 697.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Mais impugnaram a factualidade alegada pelo autor e peticionaram a condenação dos autores como litigantes de má-fé.
Proferido despacho saneador, foi declarada a ilegitimidade ativa de CC, absolvendo o réu da instância deduzida por este autor, prosseguindo os autos quanto ao mesmo para apuramento da sua litigância de má-fé.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido prolatada sentença com o seguinte dispositivo:
Nos termos de facto e direito expendidos, julga-se a ação movida por AA e BB contra DD e EE totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se os réus dos pedidos contra si deduzidos.
Mais se julga improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé dos autores AA e BB e CC formulado por DD e EE.

Inconformados com a decisão, os autores recorreram, formulando as seguintes conclusões:

a) Ao abrigo do artigo 644º, nº 1 al. a) do CPC vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls. que julgou improcedente a ação;
b) Sufraga o Tribunal “a quo” a improcedência do pedido de anulabilidade da transação judicial realizada nos autos nº 23/03...., relativamente à qual era fundamentalmente posto em causa o constante no número 3 da referida transação, que dispõe:
“– Os AA. reconhecem que não têm quaisquer direitos a águas nascidas no prédio dos RR., acima identificado”.
c) Na verdade, impunha-se saber se os aqui AA. renunciaram a todas as águas nascidas no prédio dos RR., ou se pelo contrário, renunciaram apenas às águas identificas nos factos 3. e 4. Daqueles autos e não a quaisquer outras, no caso concreto, as águas da mina identificada nos presentes autos.
d) Atento o alegado nos Autos pelos AA., face à prova produzida, o Tribunal “a quo” não decidiu bem, tendo incorrido em erro de julgamento da matéria de facto e em erro de direito;
e) Face à prova produzida, contrariamente ao decidido, naqueles autos nº 23/03...., os AA. não renunciaram a todas as águas nascidas no prédio dos RR., mas apenas às identificadas em 3. e 4. daqueles autos e estavam como sempre estiveram convencidos que eram apenas essas águas e não outras, pois, caso estivessem em causa outras águas, nunca teriam celebrado aquela transação.
f) Sendo ainda certo que, apenas tomaram conhecimento da situação de ter sido consideradas todas as águas em virtude e, após a prolação do acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães em 15/04/2021, na ação que correu os seus termos sob o n.º 181/19...., na qual não eram parte.
g) Pelo que, ante a prova produzida mostra-se errada a decisão quantos aos factos provados sob os pontos/números 17.º, 31.º, 32.º, e, ainda, quanto aos factos não provados sob as alíneas a), b), c), d),
e), f), g), h) e i), pois os factos insertos sob aqueles números, deveriam ter sido julgados como “não provados” e os factos insertos sob as alíneas, deveriam ter sido julgados como “provados”.
h) Ora, quanto ao ponto 17.º dos factos provados, não se pode considerar expressa e válida uma aceitação que estava desfasada da realidade representada pelos declarantes. Pois os apelantes apenas deram ou manifestaram a sua concordância, na justa medida em que estavam convencidos que estavam a transigir sobre uma água e não sobre outra, ou seja, fizeram uma errada representação da situação, agiram em erro.
i) Esta situação é bem patente nas declarações de parte do A., prestadas em audiência de julgamento em 24 de Fevereiro de 2022, gravadas em sistema digital áudio das 10:17:29 às 11:41:28 h, constantes a fls. 13 a 16, e, ainda, corroboradas pelo depoimento prestado pela testemunha Dr. FF, prestado em audiência de julgamento em 28/03/2022, gravado em sistema digital áudio10:09:52 às 11:39:52, ambos transcritos supra e que aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais;
j) Quanto aos pontos 31.º e 32.º dos factos provados, a decisão é errada, na medida em que, resulta da sentença, que tais factos são o resultado das declarações de parte do R. marido. Com efeito, estas declarações não encontram arrimo em qualquer outra prova, designadamente em toda a prova testemunhal produzida. Sendo que, as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova.
k) Ademais, tal como resulta dos diversos depoimentos das testemunhas, apenas aquela água da nascente de cima da sorte, e que naqueles autos identificar-se sob os pontos 3.º e 4.º dos factos, era a única em discussão e relativamente à qual fizeram um acordo, e, nessa medida, não poderia haver qualquer expetativa dos RR. Em ficar resolvida toda e qualquer questão futura e relativa a qualquer outro objeto.
l) Aliás, tal como resulta do depoimento da testemunha Dr. FF, cujo depoimento foi prestado em 28/03/2022, gravado em sistema digital áudio supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido, não estando em causa outras águas que não as em discussão naqueles autos, nunca de maneira nenhuma poderiam os RR. entenderem ficar resolvidas todas e quaisquer questões futuras, atinentes a objetos diferentes e neste caso, quanto a uma água que não fazia parte daqueles autos e sobre a qualquer nunca existiu discussão.
m) Relativamente ao facto inserto sob a alínea a) dos factos não provados, não podem os apelantes concordar com esta decisão, pois resulta da sentença que contrariamente ao alegado pelos RR., os AA. não tomaram conhecimento do significado da cláusula terceira da transação judicial há mais de um ano, nem acompanharam minuciosamente os termos da ação 181/19.... e nem tinham conhecimento das peças processuais apresentadas, bem como em algum momento se verificou o arrependimento da transação que livremente assinaram – cfr. alíneas m), o) e p) dos factos não provados.
n) O conhecimento do sentido da referida cláusula terceira da transação apenas se verificou há menos de um ano sobre a interposição da presente ação. No caso, só com a prolação do acórdão pela Relação de Guimarães, em 15/04/2021 e sempre após este, é que tomaram conhecimento do sentido conferido aquela clausula da transação.
o) Pelo que, desta situação apenas se pode concluir e é legitimo, que os AA. apelantes apenas após a prolação do acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães em 15/04/2021, tomaram conhecimento da interpretação da referida cláusula terceira, o que motivou a interposição da presente ação, por aquela interpretação e sentido da clausula, não corresponder à sua vontade e convicção firmada na transação.
p) Aliás, quanto a esta matéria, a prova testemunhal produzida evidencia de forma manifesta que os AA. apenas com a prolação do acórdão da Relação de Guimarães em 15/04/2021, e, sempre em data posterior, tomaram conhecimento da interpretação conferida à clausula terceira da transação, como evidencia o depoimento da testemunha arrolada pelo Autor – GG, gravado em sistema digital áudio, e da testemunha Dr. FF, ambos prestados em 28/03/2022, e gravados em sistema digital áudio das11:59:38 às 12:47:57h e das10:09:52 às 11:39:52, respetivamente, supra transcritos a fls. e que aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
q) Pelo que, não faz sentido que o Tribunal “a quo” tenha considerado não provado o facto inserto sob a alínea a).
r) Nesta sequência, também não se pode concordar com o inserto sob a aliena b) dos factos não provados, pois como se aludiu supra, resulta de forma inequívoca da prova produzida, precisamente o contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, quanto a este facto. Pois na realidade, os autores AA e BB, quando celebraram a transação judicial não tinham consciência de que estavam a renunciar ou abdicar de todas e quaisquer águas nascidas ou exploradas no prédio dos réus.
s) Quanto a esta matéria factual assume importância quer o depoimento de parte do A. prestado em 24/02/2022, e, ainda, os depoimentos das testemunhas GG e Dr. FF, prestados em 28/03/2022 e gravados em sistema digital áudio das 11:59:38 às 12:47:57 e das 10:09:52 às 11:39:52, respetivamente, ambos supra transcritos e que aqui se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais.
t) Resulta destes depoimentos, que os AA. apenas tinham consciência de que a negociação envolvia apenas as águas identificadas na ação e não quaisquer outras.
u) Notoriamente, os apelantes aquando da transação realizada no processo 23/03...., atuaram em erro, pois sempre estiveram convencidos de que apenas estavam a renunciar ás águas em discussão naqueles autos e identificadas nos factos 3.º e 4.º, e não a quaisquer outras, aliás, se tivessem a consciência de que estavam a renunciar a outras além daquelas, nunca o teriam feito pelo ocorreu um erro entre a vontade real e a vontade declarada.
v) Quanto ao facto inserto sob a alínea c), não podem os AA. Concordar com a situação deste facto ter sido considerado não provado, na medida em que, da prova produzida em momento algum das negociações se incluíram outras águas além das identificadas em 3. e 4.º dos factos daqueles autos. Sendo fundamental quanto a este aspeto o referido em depoimento na audiência de discussão e julgamento, pelas testemunhas GG e Dr. FF, ambos prestados em 28/03/2022, supra transcritos e que aqui por brevidade e economia se dão por reproduzidos.
w) No que concerne à alínea d) dos factos não provados, é manifesto o erro de julgamento deste facto em face do que melhor resulta da prova testemunhal produzida. Na verdade, resulta do depoimento da testemunha GG e ainda da testemunha Dr. FF, ambos supra transcritos e que aqui, por brevidade se dão por reproduzidos, que a negociação disse sempre respeito, na sua convicção absoluta, de que apenas estavam em causa as águas identificadas naqueles autos, sendo a compensação acordada, por via da sua renúncia, para a realização de um furo, pois aquelas águas eram as qua abasteciam a casa dos AA., necessitando de uma alternativa ao seu abastecimento e daí a compensação. Aliás, nem outra coisa se poderia equacionar, pois não havia a identificação ou petição de outras águas senão as identificadas nos factos 3.º e 4.º daqueles autos.
x) No que concerne ao facto não provado sob a alínea e), na sequência do supra alegado, este facto mostra-se julgado erradamente, porquanto, a prova produzida quer em depoimento de parte do A. quer dos depoimentos das testemunhas, a situação factual é inequívoca em que apenas estavam em causa aquelas águas e não quaisquer outras.
y) Resulta ainda quanto a este facto, de que apenas estavam em causa as águas identificadas em 3. e 4. daqueles factos dos autos e não quaisquer outras, designadamente as águas mina, esse mesmo convencimento e realidade, do depoimento prestado em 28/03/2022, pela testemunha indicada pelos RR.– HH, gravado em sistema digital áudio das 14:36:39 às 15:00:13 h, supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido.
z) Atento o que melhor resulta destes depoimentos, é manifesto que a discussão apenas abrangia as águas identificadas em 3.º e 4.º daqueles autos, devendo em consequência, a alínea e), ser alterada para facto provado.
aa) Quanto ao facto não provado inserto sob a alínea f), este facto, como referido supra quanto ao facto inserto sob a aliena d), resulta que a aceitação por parte dos AA., em receberem a compensação monetária, teve por base a necessidade de fazer um furo para o abastecimento de água em casa, ou seja, a substituição das águas identificadas em 3. e 4.º daqueles autos nº 23/03..... Sendo para os AA. claro que existia outra água – a que aflui à mina, há já muitos anos e que nunca esteve em causa na dita ação e sobre a qual nunca se referiram. Água que era e é essencial para a rega e lima das culturas, como sempre aconteceu. E perante esta essencialidade, jamais os AA. poderiam abdicar desta água.
bb) Aliás, quanto a esta matéria e essencialidade releva o depoimento da testemunha GG, prestado em 28/03/2022, gravado em sistema digital áudio do Tribunal das 11:59:38 ás 12:47:57 e do Dr. FF, prestado em 28/03/2022, gravado em sistema digital áudio das 10:09:52 às 11:39:52 h, resulta com clara evidencia que os AA. apenas acederam a negociar as águas identificadas nos factos 3.º e 4.º dos autos nº 23/03...., por disporem como sempre dispuseram da água da mina, para rega e lima das culturas.
cc) Relativamente ao facto não provado inserto sob a alínea g), entendem os apelantes que da prova produzida, designadamente dos depoimentos das testemunhas – GG, e Dr. FF, ambos prestados em 28/03/2022, gravados em sistema digital áudio das 11:59:38 às 12:47:57, e das 10:09:52 às 11:39:52 h, respetivamente, resulta que a água da mina não foi objeto de discussão ou negociação, tanto mais que era imprescindível para a rega das culturas do campo dos AA. e caso esta estivesse em causa, nunca haveria acordo, atenta a essencialidade desta água para os AA.
dd) Relativamente ao facto não provado inserto sob a alínea h), o qual tem uma intima ligação com o facto anterior (alínea g), é manifesto que se os AA. tivessem querido e prescindido de todas as águas, incluindo aqui a água que aflui à mina desde sempre existente, tornaria a situação inaceitável, porquanto, ficariam absolutamente privados de água para a rega e lima das culturas, pondo em causa a sua subsistência, na medida em que são agricultores e dependem daquele cultivo dos terrenos, em que a água é determinante para a produção.
ee) Com efeito, o conhecimento dos RR. quanto ao facto dos AA. Apenas pretenderem abdicar das águas identificadas em 3. e 4, daqueles autos, aludido sob a aliena i), é manifesto, desde logo, porque não abordaram a situação das águas da mina na ação nº 23/03...., nem sequer identificaram na transação realizada, a mina e que ali existia desde sempre, no caso, em data muito anterior à agua em discussão nos autos, depois, pelas ações desenvolvidas posteriormente, sendo de considerar o facto dos RR. terem procedido ao levantamento das tubagens daquela nascente e destruído as caixas do reservatório em 2007, mas deixado intacto a mina e a condução das águas desta. Na verdade, se eram todas ás águas e não apenas as identificadas em 3. e 4. dos factos da ação nº 23/03...., sempre teriam destruído a mina e a conduta das águas que a esta aflui, o que não aconteceu, apesar daquela estrutura ser visível e do conhecimento de todos, tendo os AA. mantido ao longo de mais de 20 anos o seu uso e fruição.
ff) Os RR. sabiam ou pelo menos não ignoravam nem podiam ignorar, da existência da mina onde afluíam as águas que depois eram conduzidas para a rega e lima do campo dos AA., e que nunca a identificaram na ação onde transacionaram, por ser do seu perfeito conhecimento que aquela era distinta e não integrava o acordo. Aliás, como se alegou supra, as ações desenvolvidas pelos RR., designadamente em 2007, foram no sentido de apenas observar o acordado e que abrangia apenas a água da nascente de cima (como foi referido nos autos).
gg) Na sequência do aludido supra, entendem os apelantes, tal como então manifestaram e que, a prova produzida assim o concretiza, os AA. naquela transação realizada no processo nº 23/03...., cuja anulação da clausula terceira é peticionada nos presentes, atuaram em erro.
hh) Contrariamente ao vertido na sentença, em momento algum os AA. de forma livre e esclarecida quiseram abdicar/renunciar a todas as águas. Antes e apenas, declararam, o que declararam, tendo por convicção de que o estavam a fazer relativamente às águas identificadas nos factos 3.º e 4.º dos autos 23/03...., e se outras estivessem em causa, no caso, a água da mina, nunca teriam feito aquela transação naqueles termos.
ii) Da prova produzida nos presentes autos é manifesto que na ação 23/03...., apenas estava em causa a água da nascente ali identificada e nenhuma outra, designadamente a da mina;
jj) Água da mina que sempre foi usada pelos AA. até à atualidade;
kk) Aquando do acordo, a convicção dos AA. era de que apenas o mesmo envolvia aquela água e nenhuma outra;
ll) Resulta assim que, o ali constante na clausula 3º do acordo, não expressa a vontade e entendimento dos AA.;
mm) Existe erro-vício ou erro-motivo, que se traduz num erro na formação da vontade e do processo de decisão; ocorreu uma falsa representação da realidade ou a ignorância de circunstâncias de facto ou de direito que intervieram nos motivos da declaração negocial, de modo que, se os declarantes tivessem perfeito conhecimento das circunstâncias falsas ou inexatamente representadas, não teriam realizado o negócio ou tê-lo-iam realizado em termos diferentes.
nn) Assim, está em causa o lado interno da declaração, o qual conduziu a uma deformação da vontade durante o seu processo formativo: a vontade viciada diverge da vontade que o declarante teria tido sem a deformação.
oo) Ora, como alegado pelos AA. na petição inicial, mostra-se evidenciado que a transação judicial feita pelos AA. e RR. No processo nº 23/03...., a declaração emitida pelos aqueles, nunca teria sido realizada caso tivessem entendido que estavam a prescindir do direito sobre todas e quaisquer águas e não apenas a prescindir do direito sobre a água em causa naqueles autos (como era efetivamente a sua pretensão), no caso, as águas aludidas na alínea C) dos factos assentes, para consumo doméstico na sua casa de habitação, e que era e é diverso da água que aflui à mina existente no prédio dos AA.;
pp) Se os AA. tivessem consciência que estavam a abdicar de todas e quaisquer águas nascidas e/ou exploradas no prédio dos RR., jamais teriam celebrado a transação judicial, já que esta implicaria ficarem sem nenhuma água no seu prédio;
qq) Aliás, a transação judicial foi celebrada 17/03/2006, os AA. continuaram na posse e fruição das águas da mina, supra descritas nos artigos 19.º a 24.º, à vista de toda a gente e designadamente dos RR., sem nunca terem sido impedidos, por quem quer que seja de a utilizarem. Aliás, como ficou provado no ponto 20 da fundamentação de facto do douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/04/2021;
rr) O que é demonstrativo de que os RR. bem sabiam que na transação judicial supra descrita no artigo 11.º, os AA. Apenas pretenderam abdicar da água que era objeto de litígio na ação judicial identificada no artigo 1.º;
ss) Pelo que ocorreu erro na declaração, uma vez que a vontade declarada pelos AA. na transação judicial não correspondeu à vontade real destes.
tt) Assim, se impõe a sua anulação.
uu) Pelo que, fazendo este Venerando Tribunal da Relação uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, deve proceder à reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, e, consequentemente, deve ser alterada a matéria de facto, como supra exposto, ou seja, considerando “Não Provado” os factos constantes sob os pontos 17.º, 31.º e 32.º e “Provados” os factos insertos sob as alíneas a), b), c), d), e), f), g), h) e i).
vv) A sentença proferida padece de vícios inegáveis, designadamente por via da errada avaliação da prova produzida que determinaria a existência de erro na declaração por parte dos AA. quando declaram o que se mostra inscrito na clausula terceira da transação. O Tribunal ao não ter feito uma correta avaliação da prova produzida, como supra se explanou, necessariamente incorreu também numa incorreta avaliação e subsunção dos factos ao direito, quanto às questões a decidir e neste particular do referido na sentença sob o ponto ii), ou seja, quanto ao pedido de anulabilidade da transação judicial entre os AA. e os RR.
ww) A vontade que presidiu à celebração do negócio em que a transação se traduz está viciada na sua formação, no processo de volição e de decisão.
xx) A transação encontra-se sujeita à disciplina do direito substantivo, podendo ser declarada nula ou anulável segundo o regime do art.º 285.º e seg. do C. civil, por falta de vícios da vontade, de acordo com o disposto nos arts. 240.º e segs. do CC.
yy) Neste particular, ante a prova produzida quanto à matéria de facto, esta realidade tinha que ser observada, pois o erro na declaração é uma evidência, pois a vontade declarada não corresponde a uma vontade real dos AA., existente, mas de sentido diverso.
zz) Sendo certo que, quanto a este erro na declaração, previsto no artigo 247º, do Cód. Civil, mostram-se verificados todos os requisitos de que depende a sua anulação.
aaa) Pelo que o Tribunal ao proferir uma decisão que não atendeu ao que dispõe a lei e à factualidade a esta referente e provada, fez uma errada subsunção dos factos ao direito.
bbb) Donde a sentença apelada ter violado, entre outros, o disposto nos artigos 247.º, 251.º, 285.º 292.º e 293.º do CC.do Código Civil.
ccc) Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto nos artºs 607º, 615º nº 1 als. b) e 662º, do CPC.

Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que julgue a ação procedente, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão Vª.s Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.
Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido.
Os autos foram aos vistos dos excelentíssimos adjuntos.

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II – Questões a decidir:

Nos termos do disposto nos artºs 608º, nº2, 609º, nº1, 635º, nº4, e 639º, do CPC, as questões a decidir em sede de recurso são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas que o tribunal deve conhecer oficiosamente, não sendo admissível o conhecimento de questões que extravasem as conclusões de recurso, salvo se de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são, assim, apurar se se verifica a exceção de caducidade obstativa do pedido de anulação de transação efetuada e/ou de cláusulas da mesma; na improcedência de tal exceção, se deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e não provada e se existe fundamento para anular a transação efetuada em 2006.
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III – Fundamentação:

A. Fundamentos de facto:

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:
1) Os autores AA e BB intentaram contra os réus DD e EE ação sob a forma de processo sumário, que correu termos no extinto Tribunal Judicial ... sob o n.º 23/03...., peticionando, além do mais, o seguinte:
«b-) Ser declarado e reconhecido o direito dos AA. sobre a água supra mencionada nos artigos 12.º a 26.º;
“c-) Serem os RR. condenados a reconhecerem os direitos das alíneas anteriores;
 “d-) Serem os RR. condenados a reporem a rota da nascente supra referida no artigo 12.º, bem como a caixa acima descrita no artigo 13.º na situação anterior à destruição de forma a água poder correr e ser fruída e utilizada pelos AA. no seu mencionado prédio».
2) Para tanto, alegaram os sobreditos autores, para além de ouros factos, serem donos e legítimos possuidores do prédio situado no Lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., denominado «...», inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...40 e na matriz predial rústica sob o artigo ...04.
3) Mais sustentaram serem donos e legítimos possuidores de uma água que nasce no interior do prédio dos réus, denominado «...», situado no lugar de seu nome, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03 e inscrito na matriz sob o artigo ...09.
4) No que tange à sobredita água, declararam os autores, nomeadamente, que a mesma «nasce no interior daquele prédio dos RR., no seu lado poente-norte, através de uma rota cavada no solo e subsolo, com cerca de três metros de comprimento e igual profundidade, onde nasce água procedente da rocha; (…) Que depois é armazenada numa caixa construída em cimento com 2m x 1,50m e profundidade de cerca de 1,20m; (…) Dessa caixa a água é conduzida em tubo plástico de cerca de 2,5 polegadas até outra caixa existente a cerca de 20 metros da nascente, caixa esta de 40x40x40cm; (…) E desta segunda caixa parte em tubo plástico de uma polegada no sentido nascente subterrâneo, em direção aos prédios dos autores; (…) Atravessa a estrada camarária, entra nos prédios dos AA. e é armazenada num depósito construído em blocos de cimento com 1x1x0,7m, junto à estrada e a cerca de 200m da nascente. (…) E a partir daquele depósito é derivada para a casa de habitação dos AA., onde é utilizada na cozinha e na casa de banho».
5) A identificada ação sumária terminou mediante transação judicial, datada de 17/03/2006, com o seguinte teor:
«1 – Os RR. reconhecem que os AA. são plenos proprietários do prédio identificado na alínea A) dos factos assentes, nele se incluindo a faixa de terreno, com a área de 350m2, a que alude o quesito 10.º da base instrutória;
2 – Os AA. reconhecem que os RR. são plenos proprietários do prédio referido na alínea B) dos factos assentes e que eles, AA., não são proprietários de qualquer faixa de terreno para cima da estrada municipal ... – ... que divide ambos os prédios;
3 – Os AA. reconhecem que não têm quaisquer direitos a águas nascidas no prédio dos RR., acima identificado;
4 – Os RR. autorizam, no entanto, os AA. a utilizarem as águas aludidas na alínea C) dos factos assentes, para consumo doméstico na sua casa de habitação e para rega dos seus prédios, podendo continuar a para aí a conduzirem pelo tubo plástico referido na alínea E) dos factos assentes;
5 – Os AA. poderão limpar as caixas e a vala referidos nas alíneas C), D), E) e F) dos factos assentes por forma a encaminharem as águas para o seu prédio, mas não poderão explorar novas águas;
6 – A autorização referida nas alíneas anteriores caduca automaticamente e sem qualquer aviso no dia 31/12/2007, podendo a partir de então os RR. demolir e inutilizar as caixas e tubos referidos nas alíneas D), E) e F) e tapar a vala referida na alínea C);
7 – Os RR. entregaram neste acto aos AA. a importância de €3.750, através do cheque n.º ...62 s/ o Banco 1... como compensação pela celebração desta transacção.».
6) Atualmente, o prédio indicado no facto 2.º tem a seguinte descrição: Prédio misto, denominado «Cerca do ...», situado no Lugar ..., da freguesia ..., composto de casa de habitação de ... e andar e ... composto por ...; ..., corte de gado e ..., terreno de cultivo arvense e sequeiro, mato, horta, oliveira e vinha, descrito na Conservatória sob o n.º ...91 e inscrito na matriz sob os artigos ...04 rústico e ...15 urbano.
7) Pela Ap. ...1/19, encontra-se registada a favor de CC a aquisição, por compra, aos autores AA e BB do imóvel descrito no antecedente artigo.
8) Pela Ap. ...1/19, encontra-se registada a favor dos autores AA e BB o usufruto, por reserva em venda, do mesmo imóvel.
9) CC intentou, neste juízo, contra os réus DD e EE ação de processo comum que correu os seus termos sob o n.º 181/19...., peticionando, além do mais, que:
- Se declare o autor como proprietário e legítimo possuidor da água que nasce e que afluí à mina identificada nos artigos 15.º a 18.º da petição inicial;
- Se declare o autor como titular do direito de superfície da mesma mina, e do poço de vigia identificado nos artigos 15.º a 18.º da petição inicial;
- Se condene os réus a reconhecer os direitos supra declarados e a reconstruir a galeria da mina e o poço de vigia.
10) Para tanto, alegou CC, para além de outros factos, ser dono e legítimo possuidor do prédio supra identificado no antecedente facto 6.º e serem os réus donos e legítimos possuidores do prédio supra identificado no antecedente facto 3.º.
11) Mais sustentou o autor, nomeadamente, que «Para regar e limar o descrito prédio do A., é utilizada a água de uma mina, há mais de 15 e 20 anos; (…) Mina essa que tem a sua nascente no lado poente do referido prédio dos RR., depois segue em galeria subterrânea com a largura de cerca de 50cm e altura de 1m, dirige-se no interior daquele prédio para nascente, percorre um trajeto de cerca de 50m, atravessa a estrada que dá acesso à freguesia ... (Centro), e entra no prédio do A. onde tem a boca da entrada e saída; (…) E daí, depois de sair da mina, a água vai cair numa poça, de forma sensivelmente circular, com o diâmetro de 8 metros e a profundidade de cerca de 1 metro, feita em pedra, cimento e terra, com lavadouro e pocinheiro;
 (…) Sendo a água dessa mina, na sua totalidade, utilizada pelo A., na dita rega e lima do seu prédio, continuamente e durante todo o ano. (…) Encontrando-se a mina feita em galeria térrea, no subsolo do prédio dos RR., mas com um poço de limpeza, vigia e ar, que se destina à necessária vigia, à entrada de pessoas para o trabalho de limpeza, e para entrar luz e ar para o seu interior».
12) Alegou, ainda, o autor que os réus «procederam ao aterro de parte da aludida galeria da mina e do poço de vigia e limpeza; (…) Tendo, mais tarde, trazido um camião de pedra e terra procedendo ao aterro total da galeria da mina, para impedirem a água de correr no seu interior».
13) A ação que correu os seus termos sob o n.º 181/19.... terminou com a prolação do douto acórdão de 15/04/2021, proferido pelo venerando Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou, entre outros factos, como provado que «20. Para rega e lima do prédio melhor identificado em 5., durante todo o ano, é utilizada a água que aflui à mina há mais de 15 e 20 anos, pelo autor e seus antecessores, à vista de toda a gente, com o conhecimento de todos» e como não provado que «c-) Há mais de 15/20 anos, o autor e seus antecessores usam a galeria da mina para colher e derivar a água referida em 18 e 19, à vista de toda a gente com conhecimento de todos, sem oposição nem interrupção, na convicção de que estavam, como sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tal água; d-) O autor, e seus antecessores, sempre usaram a água referida em 18 e 19, sem oposição nem interrupção, na convicção de que estavam, como sempre estiveram, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tal água;».
14) No sobredito acórdão, o venerando Tribunal da Relação de Guimarães entendeu, nomeadamente, que:
«(…) tendo os pais do Autor reconhecido, como reconheceram, não terem direito a qualquer água nascida no prédio dos ora Réus, forçoso seria concluir que o aproveitamento por aqueles efetuado da água alegadamente nascida em tal prédio foi sempre, necessariamente, um aproveitamento feito sem intenção de agirem como proprietários de tal água, o que, nos termos do art. 1253º, a), do Cód. Civil, corresponde apenas a uma posse precária, insuscetível de conduzir à usucapião. (…) no caso, como aqueles que iniciaram a posse – os pais do Autor –, ao emitirem a declaração constante da cláusula primeira da transação a que se alude nos autos, claramente emitiram uma declaração contrária ao comportamento que eles próprios vinham assumindo em relação a uma determinada água nascida, segundo o alegado pelo ora Autor, no prédio dos Réus, mesmo para quem prescinda do elemento subjetivo e apenas exija o corpus para qualificar uma determinada atuação como posse, sempre seria de concluir que ao assim terem procedido, renunciaram ao exercício do direito de usucapir a tal posse – desde que prolongada por um determinado período de tempo – associado.».
15) Após a celebração da transação judicial de 17/03/2006 e mesmo depois de os autores AA e BB terem vendido o prédio a CC, em 19/12/2008, os autores AA e BB e CC continuaram na posse e fruição da água da mina, sem oposição de ninguém, designadamente dos réus.
16) Utilização, posse e fruição que perdurou muito para lá de 31/12/2007 (data estipulada na cláusula 6.ª da dita transação judicial) e até ao ano de 2019, quando os réus procederam ao aterro de parte da aludida galeria da mina e do poço de vigia e limpeza.
17) O texto da transação, parcialmente, transcrito no facto assente 5) foi elaborado com a participação ativa de ambas as partes e seus advogados e foi lido, em voz alta, pela Mma. Juiz, na presença do autor, do réu e dos seus advogados que manifestaram expressamente a sua concordância.
18) Decorridos os três anos referidos na cláusula 4.ª da sobredita transação, os réus, dando cumprimento ao estipulado na cláusula 6.ª, demoliram as caixas e tubos e taparam a vala aí referida.
19) No dia 11-11-2014, através do seu advogado, o réu escreveu ao autor AA a missiva, junta como documento n.º ... à contestação apresentada pelos réus e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual fez, nomeadamente, constar que:
«(…) Na transação celebrada no âmbito da ação 23/03...., cuja cópia segue em anexo, ficou referido que os autores (AA e BB) reconhecem que:
- “… os réus (DD e EE) são plenos proprietários do prédio referido na alínea B) dos factos assentes e que eles, AA., não são proprietários de qualquer faixa de terreno para cima da estrada municipal ... – ... que divide ambos os prédios”:
- “… não têm quaisquer direitos a águas nascidas nos prédios dos RR., acima identificado”.
Decorrido o prazo referido na cláusula 6ª, nada pode justificar que sejam captadas águas do Sr. Dr. DD, sem sua autorização.
Acontece que apareceram tubos subterrâneos no prédio dele de condução de águas para o prédio do Sr. AA.
Venho, pois, notificá-lo para levantar os tubos no prazo de 30 dias, sob pena de ser o m/ Cliente a fazê-lo.».
20) Mais tarde – cerca de 2/3 anos – o autor AA contactou os réus dizendo-lhes «temos um problema grave no prédio do Sr. Dr.».
21) Segundo o autor AA, o problema estava relacionado com o aluimento de terras de que resultou ter ficado em aberto um buraco de dimensões consideráveis.
22) O réu reagiu dizendo-lhe que ele nada tinha a ver com o seu prédio e com as águas nele nascidas, pelo que não se justificava o uso do plural relativamente a qualquer assunto com ele relacionado.
23) O buraco, de facto, existia, tinha dimensões consideráveis e havia sinais de ter sido escavado recentemente para o lado norte, em direção a uma zona onde supostamente nasceriam águas.
24) Nessa ocasião, por indicação dos réus, ele foi atulhado com terra e pedras, com o auxílio de uma máquina.
25) No seguimento da citação para a ação 181/19...., o réu, em deslocação ao seu prédio, verificou que o buraco havia sido reaberto, tendo ordenado o seu tapamento.
26) Na contestação deduzida na sobredita ação, os réus aludiram à transação referida em 3).
27) Na sobredita ação, foi considerado como provado, para além do teor da transação celebrada na ação anterior, que:
«16. O autor, aquando da celebração da escritura de compra e venda descrita em 2, tinha conhecimento da transação celebrada entre os seus pais e os réus.»
28) E na fundamentação de direito consta que:
«(…) o autor não logrou provar o seu direito de propriedade sobre a água discutida. E isto por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, não resultou demonstrado que a água em crise nos autos nascesse no prédio dos réus, pelo que, só por este facto, e salvo melhor opinião, a pretensão do autor não poderia ser deferida, face ao pedido formulado. Em segundo lugar, mesmo que se tivesse dado como provado que a nascente se encontrava no prédio dos réus, tendo em conta o teor da transação descrita em 13, em concreto, o reconhecimento por II e BB que não tinham quaisquer direitos a águas nascidas no prédio dos réus, a mesma conclusão se imporia. E isto porque, a renúncia pelos pais do autor a quaisquer direitos a águas nascidas no prédio dos réus não pode ter outra interpretação senão a da renúncia ao direito a todas e quaisquer águas, e não apenas, como o autor pretendeu fazer crer, às discutidas no âmbito do processo n.º 23/03.....».
29) Nas suas alegações de recurso para o venerando Tribunal da Relação de Guimarães, o autor CC referiu, nomeadamente, que:
«- a transação invocada pelos RR. não se debruçou, pois, sobre os alegados atos de posse praticados pela A. em relação à água identificada no art. 15º da petição, quantos aos atos alegadamente praticados pelo A. em relação à mina identificada na petição inicial, nem tão pouco em relação à alegada destruição da galeria de mina e do poço de vigia da parte do R.. A transação apenas visou o não reconhecimento de quaisquer direitos dos pais do A. em relação às águas nascidas no prédio dos RR. e determinou a utilização que, por estes, podia ser feita, com autorização dos RR.”;
- Face ao decidido naquele despacho, já transitado em julgado, a decisão ora tomada, não é correta, além do mais, pelas seguintes razões: Primeira – apenas relativamente às águas nascidas no prédio dos RR., é que está vedada a sua captação e utilização. Porém, em momento algum foi alegado e ou provado, que as águas que afluem à mina e são encaminhas pela galeria até à poça existente no prédio do A., nascem no prédio dos RR., antes se diz que a mina existe e atravessa o prédio dos RR. e água aflui a esta. E sendo esta água diversa daquela que foi objeto de discussão naqueles autos e que transacionaram, nascendo esta água em local diverso, é inegável que não estava vedado ao A. Pugnar pela sua aquisição; Segunda – tendo os RR. deduzido defesa por exceção, alegando que a situação das águas estava decidida naquele processo e que o A., face à transação realizada, não tinha direito à água.»
30) Nos articulados e requerimentos dos réus, a transação celebrada na ação anterior é mencionada por diversas vezes.
31) Os réus celebraram com os autores AA e BB uma transação, confiando que, com isso, ficariam resolvidos definitivamente os diferendos que tinham com os autores.
32) O acordo a que chegaram tinha em vista uma solução que evitasse, por inteiro, futuros diferendos.
**********
O tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:

ii) Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente, que:
a) O autores AA e BB tomaram agora conhecimento da prolação do referido douto acórdão, tendo sido surpreendidos pela interpretação que o venerando Tribunal da Relação de Guimarães extraiu da cláusula terceira da transação judicial supra descrita no facto assente 5.º.
b) Quando os autores AA e BB celebraram a transação judicial não tinham consciência de que estavam a renunciar ou abdicar de todas e quaisquer águas nascidas ou exploradas no prédio dos réus.
c) As negociações havidas entre os autores AA e BB e os réus, que antecederam a celebração da transação judicial, tiveram sempre por objeto as águas em discussão na ação judicial supra identificada nos factos 3.º e 4.º.
d) Foram essas águas - e só essas - que os autores AA e BB negociaram e aceitaram abdicar mediante o pagamento de uma compensação monetária.
e) Isto é, durante as negociações, nunca foram discutidas ou sequer abordadas quaisquer outras águas que não as descritas nos factos assentes 3.º e 4.º.
f) Os autores AA e BB só negociaram e aceitaram abdicar das águas em discussão naquela ação, mediante pagamento de compensação monetária, porque tinham outra água para regar o então ainda seu prédio misto, concretamente, as águas da mina existente no prédio dos réus.
g) Se os autores AA e BB tivessem consciência que estavam a abdicar de todas e quaisquer águas nascidas e/ou exploradas no prédio dos réus, jamais teriam celebrado a transação judicial já que esta implicaria ficarem sem nenhuma água no seu prédio.
h) O que para os autores AA e BB era sob todos os pontos de vista inaceitável.
i) Os réus sabiam que os autores AA e JJ, na transação judicial, apenas pretenderam abdicar da água que era objeto do litígio na ação judicial indicada nos factos 3.º e 4.º da matéria assente e nunca de outras águas, designadamente das águas da mina e, em qualquer caso, não podiam ignorar a indispensabilidade, para os autores AA e BB desse circunstancialismo.
j) Cerca de cinco anos depois do facto considerado assente em 18), o réu foi alertado para o facto de ainda existirem, no seu prédio, tubos plásticos de condução de água para a «Cerca do ...».
k) Por isso, o réu chamou a atenção do autor AA que continuava a falar e a agir como pleno proprietário do prédio.
l) Apesar das promessas de cumprimento, o autor AA nada fez, pelo que os réus, através de empregados, arrancaram e removeram os tubos.
m) Os autores tomaram conhecimento do significado da cláusula terceira da transação judicial há muito mais de um ano.
n) Desde logo com a receção da carta de 2014-11-11 e também com as conversas havidas entre AA e o réu em que este se assumiu como dono do seu prédio e de todas as águas nele nascidas, chamando claramente a atenção para a transação, mormente a cláusula terceira.
o) Os autores e CC acompanharam minuciosamente os termos da ação 181/19.... e tinham conhecimento das peças processuais apresentadas.
p) Os autores AA e BB «arrependeram-se» da transação que livremente assinaram e começaram a praticar atos que contrariam o seu conteúdo, os quais foram, também, praticados por CC.
q) Sendo certo que este teve pleno conhecimento do teor da transação, tendo até manifestado discordância sobre o seu conteúdo.
r) Porém, porque não tinha sido parte na transação, propôs a ação nº 181/19...., alegando, falsamente, que nada sabia da ação anterior e da transação.
s) Tendo perdido a ação, uniu-se agora a seus pais para a propositura da presente.
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B. Fundamentos de direito. 

Questão prévia: da caducidade.

AA e mulher BB, e CC intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra DD e EE, pedindo a declaração da anulação da transação judicial que melhor concretiza no artigo 11º da petição inicial e da sua conversão nos termos do artº 293º, do Código Civil, passando a cláusula 3ª a ter o seguinte teor: “Os autores reconhecem que não têm direito às águas nascidas nos prédios dos réus descritas nos artigos 12º a 18º da petição inicial” ou, quando assim não se entenda, a declaração da anulação da transação judicial, com fundamento no erro na declaração.
Os réus, na sua contestação deduziram a exceção de caducidade, concretamente nos artigos 56 a 83.
A transação referida no artº 11º da petição inicial foi lavrada em 17 de março de 2006, tendo transitado em julgado.
À data, dispunha o artº 771º do CPC (depois alterado pelo DL nº 303/2007, de 24/08, que posteriormente a Lei 41/2013 reproduziu no atual artº 696º, depois alvo de nova alteração pela Lei nº 117/2019, de 13/09):

Artigo 771.º

Fundamentos do recurso


A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão nos seguintes casos:

a) Quando se mostre, por sentença criminal passada em julgado, que foi proferida por prevaricação, concussão, peita, suborno ou corrupção do juiz ou de algum dos juízes que na decisão intervieram;
b) Quando se verifique a falsidade de documento ou acto judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou acto judicial não é, todavia, fundamento de revisão se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever;
c) Quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Quando se verifique a nulidade ou a anulabilidade da confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundasse;
e) Quando, tendo corrido a acção e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a sua citação ou é nula a citação feita;
f) Quando seja contrária a outra que constitua caso julgado para as partes, formado anteriormente.

Redacção dada pelo seguinte diploma: Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março

A propósito desta alínea d), (se bem que reportado ao atual artº 696, a redação é igual) refere Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, páginas 580-581: “Quanto ao fundamento da al. d) deve ligar-se diretamente ao disposto no artº 291º que abre ao interessado duas possibilidades de uso alternativo: instauração de ação para declaração da invalidade ou interposição de recurso de revisão, no qual sejam invocados os factos reveladores da nulidade ou da anulabilidade.
Todavia, tal alternatividade não posterga nem a necessidade de recurso ao processo de revisão, nem o prazo de caducidade de 5 anos.

Explicando.

O STJ, no seu acórdão de 14/07/2022, processo nº 602/15.0T8AG-H.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, refere que no artº 697º (redação no que para aqui releva igual à do aplicável artº 771º do CPC) estabelecem-se dois prazos:

a) Um primeiro prazo de 5 anos, que é absoluto e que em circunstância alguma – salvo quando envolver matéria relacionada com os direitos de personalidade – pode ser excedido, contando-se a partir da data do trânsito em julgado da decisão revidenda.
b) E um segundo prazo, mais curto, de 60 dias, que funciona dentro daquele, e cujo início de contagem depende do fundamento de revisão que for invocado, prazos esses que são de caducidade e de conhecimento oficioso.
Tal entendimento é propugnado por Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, pág. 462), também citado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação ao artº 697º do seu CPC anotado.
   
Mas acima referimos que tal alternatividade não posterga nem a necessidade de recurso ao processo de revisão, nem o prazo de caducidade de 5 anos. A este propósito, Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, páginas 310-311, escreveu o seguinte: “Referem-se à situação das partes os fundamentos indicados nas alíneas d), e e), do artº 771º.
a) A alínea d) alude à confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundasse.
Sabe-se, atento o declarado no nº2 do artº 301º, que o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, desistência ou transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação.
Os três atos jurídicos referidos encontram-se sujeitos à disciplina do direito substantivo, podendo ser declarados nulos ou anulados como os outros atos da mesma natureza (artº 301º, nº1), segundo o regime dos artºs 285º e ss. Do CC, por falta ou vícios da vontade (vg simulação, erro, dolo ou coação), de harmonia com o disposto nos artºs 240º e segs. do mesmo diploma.(…)
A declaração de nulidade ou a anulação da confissão, desistência ou transação, em ação para o efeito expressamente intentada, não desencadeia a ineficácia da sentença homologatória; esta tem de ser impugnada pela via do recurso de revisão.
Presentemente, na sequência da RPC2003, que, além do mais, reformulou a tramitação do recurso de revisão, não se exige a declaração prévia, por sentença transitada em julgado, da nulidade ou anulação da confissão, desistência ou transação em que a decisão a rever se tenha baseado, podendo o interessado interpor de imediato o recurso de revisão. Se o fizer, a declaração de nulidade ou a anulação do negócio processual ocorrerá no próprio recurso de revisão; se, diversamente, optar por uma ação, a declaração de nulidade ou a anulação ocorrerá no respetivo processo de declaração (…).
Assente o supra exposto, face ao pedido formulado na petição inicial de anulação da transação, terá de se considerar a mesma como plenamente consolidada, com efeitos de caso julgado, verificada que está a exceção perentória da caducidade do direito a obter tal anulação ou modificação, caducidade essa determinante da absolvição do pedido – artºs 576º, nº3, e 579º, do CPC vigente e artº 772º, nº2, do CPC na redação vigente à data da transação.
Por força da verificação de tal exceção, fica prejudicado o conhecimento do demais alegado – artº 607º, nº2, ex vi artº 663º, nº2, do CPC, nomeadamente a matéria alegada pelos réus no suposto recurso subordinado, não admitido.
Tem, assim, de se considerar improcedente o recurso interposto, confirmando o dispositivo da sentença recorrida, ainda que com fundamentação diferente da mesma.
**********
V – Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a sentença recorrida, ainda que com diferente fundamentação.
Custas pelos recorrentes – artº 527º, nº1, e 2, do CPC.
Notifique.
Guimarães, 11 de maio de 2023.

Relator: Fernando Barroso Cabanelas.
1ª Adjunta: Maria Eugénia Pedro.
2º Adjunto: Pedro Maurício.