PERSI
CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
HERANÇA JACENTE
Sumário


O regime do PERSI, constante do D.L. nº 227/2012, de 25-10 não é de aplicar à herança jacente do mutuário e, por conseguinte, o incumprimento do mesmo pela Instituição Bancária não se configura como obstativo ao prosseguimento da execução.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


1. RELATÓRIO

1. PROMONTORIA MARS DESIGNATED ACTIVITY COMPANY instaurou execução para pagamento de quantia certa contra a Herança Jacente de AA, alegando, designadamente, para o justificar que mutuária faleceu em .../.../2013, no estado de divorciada, e sem ter disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que poderia dispor para depois da morte e que o seu único herdeiro – BB – repudiou à herança.

Tendo o herdeiro legitimário repudiado, não sendo conhecidos quaisquer outros sucessores/herdeiros e não tendo ainda o Ministério Público intentado o processo previsto no art. 938.º do CPC, a herança encontra-se jacente.”.

Em sede liminar, a exequente foi notificada para, em 10 dias, juntar aos autos PERSI, bem como os respetivos documentos comprovativos do envio das cartas em causa, designadamente registos postais e/ou respetivos avisos de receção.
A exequente refutou, justificadamente, a obrigatoriedade de cumprimento do PERSI, admitindo/confessando não ter iniciado nenhum procedimento de PERSI.
Sem embargo, entendeu o Tribunal “a quo” que não tendo a exequente cumprido previamente o PERSI, nos termos impostos pelo Decreto – Lei n.º 227/2012, de 25/10, “falta condição objetiva de procedibilidade, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda, bem como falta de admissibilidade liminar, o que constitui excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso”. Por consequência, determinou a extinção da instância executiva e/ou respetivos embargos com tais fundamentos.

2. É desta decisão que recorre a exequente, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:

I. A ora Recorrente não se conforma com a douta decisão a quo quando, ao considerar procedente a excepção dilatória inominada de falta de integração no PERSI, julgou extinta a execução.

II. A invocada excepção de que se socorre a douta sentença recorrida está, assim,

irremediavelmente, limitada à integração automática e imperativa da herança no regime do PERSI.

III. A definição legal de Cliente Bancário não é extensível à herança e/ou os herdeiros – esse alcance, que a douta sentença recorrida lhe atribui, extravasa flagrantemente o permitido por Lei.

IV. A sujeição dos herdeiros no PERSI não está expressamente consagrada na lei, por opção do legislador.

V. Dispondo os autos de elementos probatórios irrefutáveis que permitem concluir que a herança foi repudiada pelo único herdeiro da mutuária falecida em .../.../2014 – ou seja, muito antes do incumprimento do contrato de mútuo -, o Tribunal a quo não poderia ter ignorado o facto de a herança se manter jacente.

VI. Ou seja, no caso dos presentes autos, não só não existiam herdeiros, como inexiste cabeça-de-casal da herança a quem pudesse ter sido comunicada a integração/extinção do PERSI.

VII. Não tendo a herança jacente personalidade jurídica, nunca poderá ser considerada como sucessora de pessoa falecida e, por conseguinte, responsável nos termos do artigo 2071.º do Código Civil.

VIII. A situação actual da herança (aberta, mas não aceite) não permite preencher um dos pressupostos do regime do PERSI, nomeadamente a qualidade de Cliente Bancário.

IX. Como tal, os direitos e obrigações atribuídos ao Cliente Bancário não podem ser estendidos à herança, que não dispõe de personalidade jurídica.

X. Sendo certo que as garantias previstas no artigo 18.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro estão asseguradas na medida da aceitação da herança, o que determinaria a aquisição de tais direitos e obrigações.

XI. A execução não poderia ter sido extinta, por inexistir sentido, lógica e fundamento para a integração automática no regime do PERSI da situação sub judice, em virtude de a herança jacente não dispor de personalidade jurídica.

XII. A douta decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgando não verificada a exceção dilatória inominada de incumprimento do PERSI, determine o prosseguimento dos autos.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, prosseguindo os autos de execução os seus ulteriores termos.

Assim se fazendo a costumada e sã JUSTIÇA!

3. Considerando que a questão a decidir é simples passa-se a proferir, ao abrigo do disposto art.º 656º do CPC, decisão singular.


4. O recurso foi admitido com o efeito correcto e modo de subida adequado, sendo que o seu objecto- delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr.art.ºs 608ºnº2,609º,635ºnº4,639ºe 663º nº2, todos do CPC) se circunscreve apenas a saber se o regime do PERSI, constante do D.L. nº 227/2012, de 25-10 é de aplicar à herança jacente do mutuário.

II. FUNDAMENTAÇÃO


5. Os factos a considerar no âmbito deste recurso são os que se deixaram exarados no antecedente relatório, sendo de relevar os seguintes:

5.1. No âmbito da sua actividade, a 28 de setembro de 2010, a Caixa Geral de Depósitos S.A., a quem o ora Exequente adquiriu os créditos, celebrou com AA um contrato de mútuo com hipoteca, na Conservatória do Registo Predial de Tomar, mediante o qual lhe concedeu um empréstimo no montante de € 80.900.00 (oitenta mil e novecentos euros), importância que nessa data lhe foi entregue e da qual se confessou logo devedora;

5.2. Para garantia do pagamento do capital mutuados, dos respectivos juros e despesas, a mutuária constituiu hipoteca, devidamente registada, sobre o prédio urbano sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Tomar, inscrito na matriz sob o artigo ...24, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o número ....

5.3. 5.3. A mutuária AA faleceu em .../.../2013, no estado de divorciada,

5.4. O herdeiro legal da mutuária, seu filho, BB, repudiou a herança de sua mãe;
5.5. O Ministério Público à data da propositura da execução ainda não havia intentado o processo previsto no artº. 938.º do CPC.
5.6. A exequente alegou que o incumprimento do contrato de mútuo se iniciou em 19/08/2017.

6. Do mérito do recurso: A (in) susceptibilidade de integração da herança jacente do mutuário no regime do PERSI.

Como se viu, a execução foi movida contra a herança jacente da falecida mutuária.

O art.º 12.º, alínea a), do CPC, atribui personalidade judiciária à herança jacente, que assim se mostra susceptível de ser parte.

Como esclarece art.º2046º do Cód. Civil, herança jacente é a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado.

Tendo resultado provado que o sucessível chamado à herança da mutuária falecida, seu filho, a repudiou e não havendo notícia da existência de outros herdeiros que a tenham aceitado e bem assim, da propositura pelo Ministério Público de uma acção especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, a qual visa pôr termo à situação de jacência da herança, a única conclusão a retirar é que tal situação de jacência da herança da falecida mutuária se mantém, desde o seu óbito, incólume.

E a questão que se coloca é, como dissemos, se o D.L. nº 272/2012, de 25 de Outubro que veio instituir o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, doravante designado por PERSI, é aplicável à herança jacente.

Como se sabe, tal regime é aplicável a todos os clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e da qual emerge “graves consequências para o cliente bancário e para o seu agregado familiar[1]”.

O cliente em incumprimento fica sujeito ao pagamento de juros de mora, comissões e outros encargos que acrescem à sua dívida, sendo o mesmo comunicado à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal e será tido em consideração na avaliação do risco de crédito do cliente.

Quando o cliente deixa de pagar as prestações do crédito, a instituição de crédito deve contactá-lo para negociar soluções de pagamento para a regularização extrajudicial de situações de incumprimento de contratos de crédito.

Com o Procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) “os clientes bancários beneficiam de um conjunto de direitos e de garantias para facilitar a obtenção de um acordo com as instituições de crédito na regularização de situações de incumprimento, evitando o recurso aos tribunais.”[2]

Se o cliente bancário faleceu e nenhum dos seus herdeiros aceitou a herança – que se mantém jacente – não se descortina como tal desiderato poderia ter sido levado a efeito por parte da mutuante CGD.

Os procedimentos legais previstos no art.13º e 15º do citado diploma não têm como ser executados neste caso.

Como vai a instituição de crédito informar o cliente bancário do atraso do seu cumprimento, no prazo máximo de quinze dias após o vencimento da obrigação em mora, e, desenvolver diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado após o falecimento da mutuária?

Em suma: O regime do PERSI, constante do D.L. nº 227/2012, de 25-10 não é de aplicar à herança jacente do mutuário e, por conseguinte, o incumprimento do mesmo não se configura como obstativo ao prosseguimento da execução.


O despacho recorrido não se pode, pois, manter.

III. DECISÃO

Por todo o exposto se decide revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento da execução em apreço.

Sem custas.

_________________________________
[1] Cfr. https://clientebancario.bportugal.pt/pt-pt/gestao-do-incumprimento
[2] Idem, site do Banco de Portugal.