CONTRATO DE SEGURO
DECLARAÇÕES INEXACTAS
INCUMPRIMENTO
ANULABILIDADE
Sumário


1 – As normas constantes dos arts. 24º, 25º e 26º deste Decreto-Lei nº 72/2008 de 16/04 não podem ser substituídas por um clausulado que estabeleça regime mais favorável ao segurador.
2 – De acordo com o art. 25º do citado Decreto-Lei nº 72/2008, é anulável o contrato de seguro se o segurado, ou o tomador do seguro, incumprir dolosamente o dever de declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, previsto no art. 24º.
3 – Incorre nesse incumprimento o segurado que apesar de devidamente esclarecido a esse respeito fornece informação sobre o seu estado de saúde, ou omite informação a esse respeito, que se mostra relevante para a avaliação pela seguradora da proposta contratual em causa.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

1 – RELATÓRIO
A autora, AA, instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra a ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA, pedindo que seja declarada válida a apólice de seguro nº ...01 e a ré condenada a pagar-lhe a quantia de €25.000,00 referente ao capital seguro, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento.
Alega para tanto ser a única herdeira de seu tio BB, falecido em .../.../2018, e que este em 15.10.2012 aderiu a um seguro de vida contratualizado pela Ré com as coberturas de morte e invalidez absoluta e definitiva e o capital seguro de €25.000,00; porém, quando a autora comunicou à ré o óbito do tio e que era sua única herdeira e solicitou o pagamento do capital seguro a ré recusou pagar dizendo que considera nula e de nenhum efeito a apólice de seguro por à data da celebração do seguro terem sido omitidas informações relevantes sobre a saúde da pessoa segura, as quais estão associadas à sua morte, pelo que essa omissão condicionou a correcta avaliação do risco.
Acrescenta ainda a autora que à data da celebração do seguro o falecido não se encontrava sob observação médica ou em tratamento regular e não apresentava limitação física ou invalidez, ou pelo menos não tinha consciência de da mesma padecer; que o falecido era pessoa de baixa instrução e se omitiu a sua condição clínica fê-lo por negligência; o questionário de saúde constitui uma declaração pré-elaborada pela ré e assinada pelo segurado, em que o regime relativo ao incumprimento doloso da declaração inicial de risco apresenta-se em caracteres minúsculos e quase ilegíveis; por último, a causa de morte nada teve a ver com as patologias que supostamente não foram declaradas no questionário clínico realizado na data da celebração do seguro.
Devidamente citada, a ré contestou, defendendo-se por excepção, invocando a nulidade e anulabilidade da apólice porquanto o segurado cometeu omissões graves nas declarações do questionário de saúde aquando da subscrição do seguro, e no mais impugnando, concluindo que a acção deve improceder.
A autora respondeu à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador e realizada audiência de discussão e julgamento, após o que veio a ser proferida sentença.
Nesta sentença a acção foi julgada procedente, e considerada válida a apólice de seguro nº ...01, condenando-se a ré no pagamento à autora da quantia de €25.000,00, acrescida dos juros vencidos, à taxa legal, desde a citação e dos que se vencerem, à mesma taxa, até efectivo e integral pagamento.

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2 – DA APELAÇÃO
Inconformada com o decidido, a ré seguradora veio interpor o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. O Tribunal considerou, erradamente, a falta de nexo causal entre as omissões ou inexactidões alterem a apreciação do risco; para poder optar pela cessação do contrato nos termos do artigo 26º/4-b), da LCS, a Ré tinha que demonstrar a existência de nexo entre as circunstâncias omitidas e o sinistro e que em caso nenhum teria celebrado o contrato caso tivesse tido conhecimento daquelas circunstâncias.
2. A Recorrente demonstrou que as omissões e falsidades nas declarações iniciais impediram-na de poder analisar a realidade situação clínica do falecido tio da A. e a sua não aceitação do seguro ou a sua aceitação com exclusões e ou sobre-prémio;
3. Quanto à impugnação da matéria de facto arts 21 e do facto não provado a) transcreve-se o seguinte:
4. Na sessão julgamento de 12/07/2022 - Depoimento prestado por CC
DD com início pelas 11H18m 20210712115920 – 4133411 de que destaca: …
// … 5:00
Adv. Ré : …. O Boletim de adesão que o Senhor preencheu é com base neste questionário no fundo que os Serviços da Companhia analisam se é preciso efectuar algum exame médico ou se é possível fazer o contrato ou recusá-lo.
Test: Exactamente o Senhor preencheu o questionário não informou nada que fosse passível de exames clínicos adicionais … estava tudo normal e o contrato foi aceite desta forma ….
Exactamente … se tivesse alguma questão que houvesse necessidade ser esclarecida portanto nós nessa altura teríamos pedido informação clínica adicional para avaliar o risco e o contrato … poderia ou não ser aceite ou poderia ser aceite mediante um agravamento de prémio … essa situação teria de ser avaliada ….
…//…
5. A resposta a esta matéria sugere-se, face ao depoimento transcrito, o seguinte:
“Se a Ré tivesse tido conhecimento das doenças de que o falecido BB padecia, não teria celebrado o contrato ou após estudo do passado clínico do falecido e exame médico, tê-lo-ia eventualmente, efectuado noutros termos com exclusão do apurado e ou sobre prémio.”
6. Imprescindível à anulabilidade é apenas a omissão ou a declaração inexacta que sejam susceptíveis de influenciar a seguradora na decisão de contratar, irrelevando que o óbito venha a ocorrer devido a outra doença e, por isso, que exista ou não nexo causal entre a doença omitida nas declarações prestadas na proposta e a que efectivamente se revelou letal.
7. Para que as declarações inexactas ou omissões relevem nos termos do citado artº 24º a 26º da L.C.S. provou-se que as inexactidões e ou omissões, uma vez transmitidas e analisadas determinariam a não contratação do seguro com o autor ou a contratação em diversas condições, designadamente de sobre prémio, após inspecção médica;
8. Se a Ré soubesse, ou conhecesse, à data da contratação do seguro, a real situação clínica da pessoa segura, tal como a mesma resulta do relatório médico do seu médico assistente depois do sinistro, não teria aceite o seguro, ou quando muito, sujeitá-lo-ia a um sobre-prémio e ou exclusões, do que ficou privada pela actuação do falecido;
9. É quanto se exige para a pedida anulação do contrato de seguro celebrado com a Ré e Recorrente em erro perpetrado pela actuação dolosa do falecido tio da Autora;
10. A aplicabilidade da cláusula 7ª não é afastada pela imperatividade relativa do regime consagrado no artigo 26º da LCS, já que não contende com esta.
11. Como resulta do depoimento da testemunha CC, 11H18m 20210712115920 – 4133411, a que a Mma Juiz a quo não deu a devida relevância, o erro em que o falecido fez induzir a Recorrente ao omitir as doenças de que padecia ao tempo do contrato dos autos, teriam de ser apreciadas e avaliadas previamente e do que foi impedida pelo comportamento doloso do tio da A;
12. A Recorrente não acompanha o julgado e decidido pela sentença da Comarca de Faro, pois, contém erro de interpretação dos artigos 24°, 25° e 26° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Lei 72/2008, de 16/04);
13. Efectivamente, ninguém se esquece de ter sido submetido a um cateterismo (que constitui tratamento invasivo que exige internamento hospitalar).
14. Como consta da sentença recorrida, não se pode conceber a resposta negativa constante do questionário à pergunta se havia sido submetido a intervenção cirúrgica ou internamento hospitalar.
15. Da mesma forma, também não é aceitável que, tendo-lhe sido diagnosticada a hipertensão em 2010 e estando sujeito a medicação desde então, indique valores de tensão arterial ideais (12/08) e nada assinale quando questionado expressamente se sofria de hipertensão.
16. Não é preciso ter-se grande instrução para saber que não pode responder “não” à pergunta “tem algum problema de saúde”, quando necessariamente sabe que toma medicação há anos (para epilepsia, hipertensão e doença cardíaca) e que já foi sujeito a intervenção cirúrgica e internamento hospitalar.
17. O falecido tio da A. teve intenção de enganar a Seguradora, não se tratando apenas de leviandade ou incúria, como a douta sentença assim o desculpabiliza.
18. Seja por efeito de dolo, que é bem patente nos factos provados e decorre das doutas palavras da Mma. Julgadora atrás transcritas, seja por efeito de negligência bem grosseira, o contrato de seguro dos autos é anulável , atento ao art 24º no primeiro caso e ao artº 25º no segundo, ambos da Lei 72/2008, de 16/04 violados na douta sentença recorrida;
19. Tal como também existe na interpretação da vontade das partes ao persistir no argumento do dever de a Recorrente em ter de manter o seguro mesmo depois de serem óbvias as falsidades praticadas pelo falecido tio da A., funcionária bancária que seria a grande beneficiária do comportamento doloso explicado na sentença recorrida que, inexplicavelmente, acaba por condenar a Recorrente.
20. Salvo melhor opinião, deve ser revogada tal sentença que só contribui para mais acções judiciais sem fundamento óbvio.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente, por não provada e a Recorrente absolvida dos pedidos.”
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Pela autora/recorrida foi apresentada resposta às alegações do recorrente, defendendo que a sentença impugnada não merece qualquer censura e que o recurso carece de fundamento, pelo que este deve ser julgado improcedente e a sentença confirmada sem alterações.
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3 – O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, as questões colocadas à apreciação do tribunal de recurso podem sintetizar-se nas seguintes:
- primeiro, a impugnação da matéria de facto;
-estabilizada a factualidade a considerar, decidir da validade ou invalidade do contrato de seguro em causa.
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4 – DA MATÉRIA DE FACTO
São os seguintes os factos declarados provados, com relevo para a decisão da causa, tal como constam da sentença impugnada:
1. BB aderiu a um contrato de seguro Vida denominado Allianz Vida Segura, titulado pela Apólice nº ...01, adesão ...86, com início em 15.10.2012, para garantia de morte ou invalidez absoluta e definitiva, com capital de 25.000,00€, em que figurava como tomador o Banco BPI, SA, como aderente e pessoa segura BB e beneficiários, em caso de morte, os herdeiros legais da pessoa segura e, em caso de invalidez, a pessoa segura.
2. O segurado subscreveu o seguro nas instalações do BPI, balcão de Olhão da Restauração, Algarve.
3. BB faleceu em .../.../2018, com 60 anos.
4. A A., AA, é sobrinha e única herdeira de BB.
5. Após o falecimento do tio, a A. comunicou à Ré ser a única herdeira do segurado e enviou toda a documentação solicitada para que lhe fosse pago o capital seguro.
6. A Ré respondeu que “a causa da morte do Cliente estava associada a factores relacionados com a saúde da Pessoa Segura e que não foram declarados quando do preenchimento do Boletim de Adesão. A omissão desses factores condicionou a correcta apreciação do risco por parte da Allianz. Assim, esta circunstância configura a situação prevista no art.º 7 ponto 4 das Condições Gerais da Apólice …” e recusou o pagamento do capital seguro por a apólice ser nula ou anulável.
7. Nos termos do art. 7º das Condições Gerais do contrato referido em 1:
“1. As declarações prestadas pela Pessoa Segura, tanto no Boletim de Adesão, como nos demais documentos e declarações apresentados e feitos à Allianz Portugal, servem de base ao presente Contrato, o qual não será contestado por nenhuma das partes, após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do disposto na lei e no restante clausulado.
2. A Pessoa Segura deve, antes da celebração do Contrato, declarar à Allianz Portugal, os factos ou circunstâncias, susceptíveis de serem considerados na apreciação do risco, que sejam, ou devam ser, do seu conhecimento.
3. O preenchimento do Boletim de Adesão e do questionário de saúde fornecidos pela Allianz Portugal, ou a realização de provas médicas, não dispensam a Pessoa Segura da obrigação referida no número anterior, relativamente a factos ou circunstâncias que naqueles não tenham sido contemplados.
4. As omissões, dissimulações ou declarações falsas, inexactas ou incompletas, que alterem a apreciação do risco, prestados pela Pessoa Segura, concedem à Allianz Portugal, nos termos legais o direito à anulabilidade, alteração, redução ou à resolução do Contrato, com as respectivas consequências e sem prejuízo de aquelas pessoas poderem eventualmente responder por perdas e danos.
5. Quando as referidas declarações ou omissões resultarem de Dolo da Pessoa Segura, a Allianz Portugal tem direito aos prémios vencidos e ao reembolso das prestações que entretanto tenha efectuado. (…)”
8. O segurado BB assinou um Boletim de Adesão onde, mediante a sua indicação, o funcionário do Banco que o atendeu fez consignar que:
“- peso 75
- altura 1,72
- tensão arterial 12/08
-fuma mais de 20 cigarros por dia? Não
- tem algum problema de saúde? Não
- está ou esteve a fazer algum tratamento médico de duração superior a 7 dias nos últimos 5 anos? Não
- tem alguma limitação física ou invalidez? Não
- Sofre ou sofreu de alguma doença ou acidente que o tenha levado a interromper a sua actividade profissional por 15 ou mais dias consecutivos nos últimos 3 anos? Não
- Foi submetido a alguma intervenção cirúrgica ou internamento hospitalar? Não
- Padece ou padeceu de alguma das seguintes doenças (assinale com x as respostas afirmativas):
(…)
-Aparelho circulatório (enfarte de miocárdio, angina de peito, arritmias, hipertensão) – nada assinalado
(…)
- Doenças não referidas neste questionário: nada assinalado”.
9. A assinatura do segurado foi confirmada pelo funcionário bancário que o atendeu, mediante exibição do documento de identificação e o local onde o segurado deveria assinar estava assinalado com um sinal/cruz.
10. Do Boletim de Adesão, imediatamente antes da assinatura do segurado, consta um parágrafo, em caracteres de tamanho igual aos utilizados do resto do formulário, com o seguinte teor: “O Aderente, ao assinar esta proposta, garante ter declarado com exactidão todas as circunstâncias do seu conhecimento e relevantes para a apreciação do risco pela Allianz Portugal, independentemente de lhe serem questionadas no presente documento e declara nada ter omitido que possa induzir a Seguradora em erro na apreciação do risco proposto, ainda que esta tenha sido preenchida por terceiros e por si apenas assinada. Aceita que a Allianz Portugal, nos termos legais, invoque a anulação do contrato, em caso de incumprimento doloso, com possibilidade de retenção dos prémios pagos; ou que, em caso de incumprimento negligente, possa optar entre propor a consequente alteração do contrato e do respectivo prémio, ou fazer cessar o contrato, demonstrando que em caso nenhum cobre os riscos relacionados com o risco omitido ou declarado inexactamente. (…)”
11. No relatório do médico sobre a doença que foi causa da morte da pessoa segura consta que:
“Doença que conduziu à Morte da Pessoa Segura:
Diagnóstico inicial da doença – Doença Valvular Mitro Aórtica e Hipertensão Arterial conhecidas desde 27.10.2010. Diagnóstico de Fibrilação Auricular estabelecido em 16.04.2015, pelo que iniciou anti coagulação oral.
Glomerulonefrite com insuficiência renal estabelecida em 28.05.2014.
Evolução mórbida – Agravamento progressivo da insuficiência renal crónica, tendo sido estabelecido programa de hemodiálise por nefrologia. Tinha antecedentes desde 2011 da toma de antiepiléticos.
Finalização – o agravamento progressivo da doença cardíaca e renal acima referidos e consequente alteração … da hipertensão arterial, levaram ao quadro de hemorragia digestiva alta, maciça dada a anticoagulação que vitimou o doente.
Desde quando é o médico assistente da Pessoa Segura? 29.12.2008
Quando começou a tratar a Pessoa Segura da doença que conduziu à morte? 29.12.2008
A pessoa segura teve conhecimento que era portadora da doença pela qual veio a falecer? Nada assinalado.
História Clínica da Doença – Valvulopatia cardíaca com consequente hipertensão arterial e dilatação auricular o que levou à instituição de terapêutica anticoagulante. Hemorragia digestiva maciça a partir de provável úlcera gástrica urémica pela insuficiência renal.
Data do início da doença – importantíssimo precisar – 16.04.2015
(…)
Que outras patologias poderão ter concorrido para a doença que vitimou a Pessoa Segura? Indique também a data do diagnóstico – Epilepsia, medicado desde 2007 com Vaproato.(…)”
12. Em 2010 o segurado foi sujeito a cateterismo.
13. Em 2010 o segurado tinha diagnóstico de hipertensão arterial, dislipidemia, cardiopatia hipertensiva, cardiopatia isquémica com doença coronária de 1 vaso, doença renal e epilepsia.
14. À data do óbito, o segurado apresentava doença renal crónica estádio V com diálise nos últimos 4 anos, bronquite crónica tabágica e hipertiroidismo subclínico.
15. Nas conclusões do relatório de autópsia consta que: “Em face dos dados necrópsicos, da informação clínica atrás transcrita, do resultado do exame de anatomia patológica forense, a morte de BB foi devida a choque séptico em consequência de úlcera gástrica perfurada associado a enfarte agudo do miocárdio.”
16. À data em que subscreveu o boletim de adesão referido em 1, o segurado tomava medicação para a hipertensão e para a patologia valvular mitro-aórtica.
17. O funcionário do balcão do BPI, SA, que atendeu o falecido na data da adesão referida em 1, prestou-lhe as informações e disponibilizou-se para prestar todos os esclarecimentos que o Cliente entendesse necessários.
18. O segurado, ou qualquer outra pessoa a seu pedido, não solicitou esclarecimentos à Ré desde a adesão referida em 1 até ao óbito da pessoa segura.
19. Do Boletim de Adesão consta que o segurado estava desempregado.
20. BB tinha a 4ª classe.
21. Se a Ré tivesse tido conhecimento das doenças de que o falecido BB padecia, não teria contratado nos mesmos termos e faria outra ponderação do risco - (alterado, por força da impugnação deduzida).
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Na sentença recorrida ficou ainda consignado que não se provaram quaisquer outros factos para além dos descritos, e nomeadamente que:
a) Se a ré tivesse tido conhecimento das doenças de que o falecido BB padecia não teria celebrado o contrato - (eliminado, por força da impugnação deduzida).
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5 – APRECIANDO E DECIDINDO
Tendo presente tudo o que ficou exposto, resta-nos apreciar e decidir do mérito do recurso, tendo presente as conclusões apresentadas, que delimitam as questões a conhecer nesta sede.
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A – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Começa a ré recorrente por impugnar o julgamento sobre a matéria de facto feito na primeira instância, pretendendo que, reapreciando a prova que indica, seja alterada a decisão em relação ao ponto concreto sobre o qual incide a sua discordância.
Como é sabido, o artigo 640º do CPC abre a possibilidade de impugnação da matéria de facto fixada na instância recorrida, impondo para o efeito ao recorrente a observância de determinados ónus.
Nomeadamente, deve o recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que se os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Em face das alegações de recurso apresentadas, julga-se que a recorrente cumpriu suficientemente os ónus recursivos a seu cargo, pelo que haverá agora que apreciar a impugnação por ele deduzida.
Pede a apelante que seja alterado o que consta do ponto 21 dos factos provados (“Se a Ré tivesse tido conhecimento das doenças de que o falecido BB padecia, não teria contratado nos mesmos termos e faria outra ponderação do risco”), e a exclusão da alínea a) e única dos factos não provados (“Se a ré tivesse tido conhecimento das doenças de que o falecido BB padecia não teria celebrado o contrato”), propondo que em substituição desse ponto 21 e da al. a) dos factos não provados passe a constar apenas que:
Se a Ré tivesse tido conhecimento das doenças de que o falecido BB padecia, não teria celebrado o contrato ou após estudo do passado clínico do falecido e exame médico, tê-lo-ia eventualmente, efectuado noutros termos com exclusão do apurado e ou sobre prémio.”
Invoca a autora, fundamentando a sua pretensão, que o julgado na sentença não reflecte o que resulta da prova produzida na audiência de julgamento, alegando que sobre esta matéria apenas foi inquirida a testemunha CC, indicada pela ré, não tendo a autora feito qualquer prova a este propósito.
E conclui a autora que nesse depoimento, caracterizado pela isenção e clareza, a testemunha referida esclareceu tudo o que lhe foi perguntado e as suas declarações demonstram a realidade dos factos como são referidos na redacção proposta.
Vista a fundamentação da sentença recorrida sobre o ponto controvertido, pode ler-se a este respeito:
“O facto 21 é uma concretização do alegado em 29º e 55º da contestação e resultou da conjugação das regras da experiência com o depoimento de CC. Efectivamente, sendo as circunstâncias envolvidas significativas (a omissão de um quadro de saúde com diversas patologias), é de presumir a influência delas sobre a vontade contratual da seguradora, que será diversa. Isso mesmo realçou a testemunha CC que, de forma espontânea e objectiva, referiu que perante o teor do questionário apresentado pelo aderente a Ré não teve quaisquer dúvidas em contratar e que se a Ré tivesse tido conhecimento das doenças de aquele padecia poderia ter determinado a realização de exames médicos complementares ou a prestação de esclarecimentos para permitir uma mais ponderada análise do risco e ainda assim aceitar contratar, mas com agravamento do prémio, ou não aceitar contratar. Em face deste depoimento, o tribunal não ficou convencido que mesmo que a Ré soubesse das doenças de que padecia o aderente tivesse recusado contratar (daí que se tenha considerado como não provado o facto constante da al. a), mas certamente que não teria contratado nos mesmos termos em que fez.”
Perante esta justificação do que foi julgado, diremos que são de perfilhar as considerações exaradas mas que estas não conduzem à conclusão contida no último parágrafo, quanto ao facto não provado. Efectivamente, afigura-se que as explicações fornecidas pela testemunha CC, funcionária da ré há mais de 30 anos, mas cujo depoimento o próprio tribunal apresenta como esclarecedor, espontâneo, objectivo, levam a concluir que se a autora tivesse tido conhecimento das patologias que afectavam o segurado ao tempo da aceitação do contrato “poderia ter determinado a realização de exames médicos complementares ou a prestação de esclarecimentos para permitir uma mais ponderada análise do risco e ainda assim aceitar contratar, mas com agravamento do prémio, ou não aceitar contratar”.
A disjuntiva “ou” é a chave para a decisão sobre a impugnação da matéria de facto. A testemunha não afirmou que se a ré tivesse sido informada das doenças omitidas (v. g. epilepsia, hipertensão) teria necessariamente recusado contratar, mas afirma claramente que caso esse conhecimento existisse perfilava-se a alternativa de contratar noutros termos, obviamente mais gravosos para o segurado, ou não aceitar contratar, conforme a avaliação do risco que fosse feita pelos serviços, nomeadamente em face de outros elementos que pudessem ser recolhidos.
Ora esta realidade, marcada pela apontada disjuntiva “ou”, é retratada na redacção proposta pela recorrente para o ponto 21, e implica a eliminação da al. a) dos factos não provados.
Repare-se nas respostas da testemunha a este respeito. Perguntada sobre se era com base no questionário preenchido pelo segurado que “os Serviços da Companhia analisam se é preciso efectuar algum exame médico ou se é possível fazer o contrato ou recusá-lo”, ela responde “exactamente, o Senhor preencheu o questionário não informou nada que fosse passível de exames clínicos adicionais, estava tudo normal e o contrato foi aceite desta forma” e depois acrescenta “se tivesse alguma questão que houvesse necessidade de ser esclarecida portanto nós nessa altura teríamos pedido informação clínica adicional para avaliar o risco e o contrato seria ou não aceite ou poderia ser aceite mediante um agravamento de prémio essa situação teria de ser avaliada”.
Instada a esclarecer, pelo advogado da autora, a testemunha declara a mesma coisa: o contrato “seria ou não aceite ou poderia ser aceite mediante um agravamento de prémio ... essa situação teria de ser avaliada ....”. Isto é, não haveria necessariamente uma recusa em contratar, mas havia essa hipótese, mediante avaliação do caso, em face das informações omitidas.
Assim, o que resulta do depoimento em apreço, que valoramos nos mesmos termos sublinhados na sentença revidenda, impõe que se julgue procedente a impugnação deduzida.
Consequentemente, acorda-se em julgar procedente a impugnação em apreço, pelo que fica eliminada a al. a) dos factos dados como não provados e o ponto 21 dos factos provados passa a ter o seguinte teor:
21 - Se a Ré tivesse tido conhecimento das doenças de que o falecido BB padecia, não teria celebrado o contrato ou após estudo do passado clínico do falecido e exame médico, tê-lo-ia eventualmente, efectuado noutros termos com exclusão do apurado e/ ou sobre prémio.
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B – DO DIREITO
Fixada a matéria de facto a considerar, resta proceder à análise e aplicação das normas jurídicas aplicáveis.
Recordamos que a questão controvertida se prende com a exigibilidade da obrigação assumida pela ré no contrato de seguro invocado pela autora como causa de pedir, uma vez que se verificou o evento aleatório previsto.
De facto, aceite a validade das obrigações assumidas nesse contrato pela ré seguradora, nada obsta à procedência do pedido deduzido pela autora, como decidido na sentença impugnada (conclusão esta que não vem posta em causa no presente recurso).
Pelo contrário, caso seja reconhecido que a omissão apontada pela ré legitima a sua recusa em pagar a quantia reclamada pela autora em função do contrato de seguro, torna-se inevitável concluir pela improcedência do pedido.
Também é consensual nos autos que, atenta a data da sua celebração (foi celebrado em 15.10.2012), o referido contrato está sujeito ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008 de 16/04 (cfr. art. 2º/1 da referida lei).
Dispõe este diploma (art. 1º, com a epígrafe “Conteúdo típico”) que “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”.
Tal como anota a sentença revidenda, na regulação do contrato de seguro vigora o princípio da liberdade contratual, embora com os limites assinalados na própria lei. Diz o art. 11º do citado Regime Jurídico:
O contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral”.
Entre as normas elencadas como de “imperatividade relativa”, podendo ser afastadas pelas partes, estão as previstas no art. 13º:
1 - São imperativas, podendo ser estabelecido um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro, as disposições constantes dos artigos 17.º a 26º, 27.º, 33.º, 35.º, 37.º, 46.º, 60.º, 78.º, 79.º, 86.º, 87.º a 90.º, 91.º, 92.º, n.º 1, 93.º, 94.º, 100.º a 104.º, 107.º n.os 1, 4 e 5, 111.º, n.º 2, 112.º, 114.º, 115.º, 118.º, 126.º, 127.º, 132.º, 133.º, 139.º, n.º 3, 146.º, 147.º, 170.º, 178.º, 185.º, 186.º, 188.º, n.º 1, 189.º, 202.º e 217.º”.
Ou seja, tem que concluir-se que pode ser incluída nos contratos de seguro comuns (só estão excluídos os relativos a “grandes riscos”, que são aqueles que pela sua dimensão e complexidade necessitam de rigorosa avaliação técnica) regulamentação diferente da contida nas normas supra citadas.
O conteúdo destas normas vale de forma imperativa para os contratos em que não exista outro clausulado, mas cede perante regulamentação emanada da liberdade contratual dos contraentes que estabeleça “um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro” (desde que não colida com os limites decorrentes da lei geral).
Assim, entre as normas que desta forma podem ser objecto de regulamentação diferente, mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro, figuram as constantes dos arts. 24º, 25º e 26º deste Decreto-Lei nº 72/2008 de 16/04.
Porém, como se constata do mesmo preceito, essas mesmas normas não podem ser afastadas por um clausulado que estabeleça regime mais favorável ao segurador (cfr. art. 13º supra citado, a contrario).
Por consequência, nos contratos em que sejam incluídas cláusulas mais favoráveis ao segurador, coincidentes com o campo de aplicação dos aludidos arts. 24º, 25º e 26º, deve considerar-se que se aplica imperativamente a regulamentação estabelecida nesses preceitos, rejeitando aquilo que nas condições particulares implique tratamento mais favorável ao segurador.
Esta conclusão, também afirmada na sentença recorrida, apresenta-se como decisiva na consideração do conteúdo do art. 7º do contrato de seguro em análise, transcrito no ponto 7 da matéria de facto fixada, e do conteúdo do boletim de adesão respectivo, referido no ponto 10 da mesma factualidade, e no relacionamento dessas disposições particulares do contrato com as disposições imperativas dos arts. 24º, 25º e 26º do Regime Jurídico citado.
Por outras palavras, resultando dessas disposições contratuais regime desfavorável ao segurado e favorável ao segurador terá o mesmo que ceder, em face da imperatividade das disposições dos artigos da Lei.
Recordamos o teor dos aludidos pontos factualidade em apreço:
7. Nos termos do art. 7º das Condições Gerais do contrato referido em 1:
“1. As declarações prestadas pela Pessoa Segura, tanto no Boletim de Adesão, como nos demais documentos e declarações apresentados e feitos à Allianz Portugal, servem de base ao presente Contrato, o qual não será contestado por nenhuma das partes, após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do disposto na lei e no restante clausulado.
2. A Pessoa Segura deve, antes da celebração do Contrato, declarar à Allianz Portugal, os factos ou circunstâncias, susceptíveis de serem considerados na apreciação do risco, que sejam, ou devam ser, do seu conhecimento.
3. O preenchimento do Boletim de Adesão e do questionário de saúde fornecidos pela Allianz Portugal, ou a realização de provas médicas, não dispensam a Pessoa Segura da obrigação referida no número anterior, relativamente a factos ou circunstâncias que naqueles não tenham sido contemplados.
4. As omissões, dissimulações ou declarações falsas, inexactas ou incompletas, que alterem a apreciação do risco, prestados pela Pessoa Segura, concedem à Allianz Portugal, nos termos legais o direito à anulabilidade, alteração, redução ou à resolução do Contrato, com as respectivas consequências e sem prejuízo de aquelas pessoas poderem eventualmente responder por perdas e danos.
5. Quando as referidas declarações ou omissões resultarem de Dolo da Pessoa Segura, a Allianz Portugal tem direito aos prémios vencidos e ao reembolso das prestações que entretanto tenha efectuado. (…)”
10. Do Boletim de Adesão, imediatamente antes da assinatura do segurado, consta um parágrafo, em caracteres de tamanho igual aos utilizados do resto do formulário, com o seguinte teor: “O Aderente, ao assinar esta proposta, garante ter declarado com exactidão todas as circunstâncias do seu conhecimento e relevantes para a apreciação do risco pela Allianz Portugal, independentemente de lhe serem questionadas no presente documento e declara nada ter omitido que possa induzir a Seguradora em erro na apreciação do risco proposto, ainda que esta tenha sido preenchida por terceiros e por si apenas assinada. Aceita que a Allianz Portugal, nos termos legais, invoque a anulação do contrato, em caso de incumprimento doloso, com possibilidade de retenção dos prémios pagos; ou que, em caso de incumprimento negligente, possa optar entre propor a consequente alteração do contrato e do respectivo prémio, ou fazer cessar o contrato, demonstrando que em caso nenhum cobre os riscos relacionados com o risco omitido ou declarado inexactamente. (…)”
Estas disposições contratuais terão que ser vistas à luz do disposto nas normas legais mencionadas, não podendo afastar a imperatividade destas.
É o seguinte o conteúdo das normas em questão:
- Artigo 24.º:
“Declaração inicial do risco”
“1 - O tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
3 - O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se:
a) Da omissão de resposta a pergunta do questionário;
b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos;
c) De incoerência ou contradição evidentes nas respostas ao questionário;
d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexacto ou, tendo sido omitido, conheça;
e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.
4 - O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.”
- Artigo 25.º:
“Omissões ou inexactidões dolosas”
“1 - Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.
2 - Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.
3 - O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.
4 - O segurador tem direito ao prémio devido até ao final do prazo referido no n.º 2, salvo se tiver concorrido dolo ou negligência grosseira do segurador ou do seu representante.
5 - Em caso de dolo do tomador do seguro ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato.”
- Artigo 26.º
“Omissões ou inexactidões negligentes”
“1 - Em caso de incumprimento com negligência do dever referido no n.º 1 do artigo 24.º, o segurador pode, mediante declaração a enviar ao tomador do seguro, no prazo de três meses a contar do seu conhecimento:
a) Propor uma alteração do contrato, fixando um prazo, não inferior a 14 dias, para o envio da aceitação ou, caso a admita, da contraproposta;
b) Fazer cessar o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos para a cobertura de riscos relacionados com o facto omitido ou declarado inexactamente.
2 - O contrato cessa os seus efeitos 30 dias após o envio da declaração de cessação ou 20 dias após a recepção pelo tomador do seguro da proposta de alteração, caso este nada responda ou a rejeite.
3 - No caso referido no número anterior, o prémio é devolvido pro rata temporis atendendo à cobertura havida.
4 - Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexactidões negligentes:
a) O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente;
b) O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexactamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.”
Confrontando o regime resultante das normas legais supra transcritas com o resultante da regulamentação contratual também acima explanada, a sentença impugnada consignou o seguinte:
“Já vimos que o contrato de seguro rege-se, em primeira linha, pelas cláusulas nele insertas e só supletivamente é aplicável o regime legal do contrato de seguro. A ser assim, o regime prevenido na citada cláusula 7ª sobrepõe-se ao regime consagrado no artigo 26º/4-b) da LCS.
Porém, só assim é se as estipulações constantes da apólice não forem proibidas por lei.
Os artigos 12 e 13º da LCS consagram as disposições absolutamente e relativamente imperativas, ou seja, aquelas que não podem ser afastadas por convenção em contrário dos outorgantes do contrato de seguro ou que apenas o podem ser quando estes consagrem regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação do seguro.
De entre as disposições que, sendo imperativas, pode ser estabelecido um regime mais favorável ao tomador do seguro/segurado/beneficiário (imperatividade relativa), temos precisamente a consagrada no artigo 26º da LCS.
Ou seja, caso a cláusula 7ª preveja um regime mais favorável ao segurado prevalece a sua aplicação face ao regime legal previsto no artigo 26º; caso aquela cláusula preveja regime menos favorável, é de aplicação imperativa o regime consagrado no artigo 26º.
Do confronto dos dois regimes não temos dúvidas em afirmar que o previsto na cláusula 7ª é mais gravoso para o segurado do que aquele consagrado no artigo 26º.
De acordo com a cláusula 7ª, para que a Ré tenha direito à anulabilidade do contrato basta que as omissões ou inexactidões alterem a apreciação do risco; para poder optar pela cessação do contrato nos termos do artigo 26º/4-b), da LCS, a ré tinha que demonstrar a existência de nexo entre as circunstâncias omitidas e o sinistro e que em caso nenhum teria celebrado o contrato caso tivesse tido conhecimento daquelas circunstâncias.
Assim, a aplicabilidade da cláusula 7ª é afastada pela imperatividade relativa do regime consagrado no artigo 26º da LCS.”
Perfilhamos este entendimento, como já ficou dito. Ao contrário do que defende a ré nas suas alegações, a aplicabilidade da cláusula 7ª é realmente afastada pela imperatividade do regime consagrado no RGCS, naquilo em que se mostrar mais favorável ao segurador.
Todavia, não se confirma que a ré, na sua contestação, apenas invoque a cláusula 7ª das Condições Gerais para basear o seu direito à anulabilidade do contrato, como se diz na mesma sentença.
Segundo se pode ler na dita contestação, concretamente nos seus artigos 56º a 61º:
“A adesão dos autos deve ser declarada nula ou anulada em consequência das falsas declarações prestadas pelo falecido tio da A., mostrando-se preenchido o condicionalismo do art. 25º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Dec Lei 72/2008, que dispõe:
1 - Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.
2 - Não tendo ocorrido sinistro, a declaração referida no número anterior deve ser enviada no prazo de três meses a contar do conhecimento daquele incumprimento.
3 - O segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do incumprimento doloso referido no n.º 1 ou no decurso do prazo previsto no número anterior, seguindo-se o regime geral da anulabilidade.
Esquece a A. que, de acordo com o actual regime do contrato de seguro, antes da contratação, o falecido tio estava obrigado a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conhecia e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador – vide nº 1 do Artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.
E esse dever é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.
De resto, por aplicação do princípio da boa fé na formação dos contratos, artº 227º do C.C., e independentemente da advertência ou comunicação da cláusula contratual, o proponente estaria sempre obrigado à verdade, como qualquer cidadão num estado de direito e a não omitir factos importantes e essenciais do seu estado de saúde.
É notório que o falecido BB omitiu factos, à Ré, que não podia desconhecer, em violação do dever de boa fé que lhe assistia.
Pelo exposto, o seguro dos autos é nulo ou anulável, nos termos do artº 7 Nº 4 das Condições Gerais da Apólice e arts 24º e 25º do Dec Lei 72/2008, excepção peremptória inominada que, sendo procedente, por provada, leva à absolvição da Ré do pedido, com as legais consequências.”
Por outras palavras, a ré invocou desde o início, para fundamentar a sua defesa por excepção, o disposto no art. 25º do RGCS.
É oportuno observar que qualquer um dos vícios referidos no artigo 25º do RJCS (omissões ou inexatidões dolosas) e no artigo 26º (omissões ou inexatidões negligentes) reporta-se à formação do contrato de seguro (designadamente à declaração inicial a que se reporta o art. 24º), e que por se tratar de factos impeditivos e extintivos da validade do contrato e dos direitos que dele emergem recai sobre o segurador o ónus de provar o erro, a sua relevância e a própria existência do dolo (art.º 342º no 2, do Código Civil).
Na situação presente, e como reconhece a sentença impugnada, a ré logrou demonstrar que a sua avaliação da proposta contratual subscrita pelo segurado teria sido diferente caso não existissem as inexactidões e omissões que vieram a apurar-se, podendo essa avaliação determinar a recusa de contratar ou a decisão de contratar em condições diferentes (cfr. art. 21 da matéria de facto).
Como também se diz na mesma sentença, “pela gravidade das circunstâncias omitidas, não há dúvida que as mesmas forçosamente alteram a apreciação do risco, o que, aliás, decorre do facto 21, considerando as patologias diagnosticadas ao segurado em 2010 (facto 13) e a conclusão consignada pelo médico no relatório transcrito no facto 11 quanto à causa da morte (“finalização”- agravamento progressivo da doença cardíaca, já diagnosticada em 2010, e renal e alteração da hipertensão arterial, também diagnosticada em 2010, foram concausas do quadro de hemorragia digestiva alta que vitimou o segurado), não temos dúvidas que pelo menos parte das patologias pré-existentes à data da adesão ao seguro contribuíram para o resultado morte.
Contudo, a mesma sentença entende que pela factualidade apurada não se pode concluir que o segurado falecido tivesse agido com dolo quando prestou as indicações de preenchimento do questionário de saúde, tendo presente o baixo grau de escolaridade do segurado (facto 20) nem que aquele tivesse respondido da forma como fez ao questionário com intenção de enganar a seguradora.
E neste ponto não podemos acompanhar a sentença revidenda.
Com efeito, a adesão do segurado ao contrato aqui em discussão ocorreu em 15.10.2012, ao balcão do BPI, vindo ele a falecer em 29.01.2018 (factos 1, 2 e 3).
No questionário preenchido para o efeito fez consignar, designadamente, que não tinha nenhum problema de saúde, que não tinha sido submetido a nenhuma intervenção cirúrgica ou internamento hospitalar, que não padeceu nem padece de doença do aparelho circulatório (enfarte de miocárdio, angina de peito, arritmias, hipertensão), nem de outra doença não assinalada no questionário (facto 8).
Assinou na ocasião o boletim de adesão onde consta, nomeadamente que “o Aderente, ao assinar esta proposta, garante ter declarado com exactidão todas as circunstâncias do seu conhecimento e relevantes para a apreciação do risco pela Allianz Portugal, independentemente de lhe serem questionadas no presente documento e declara nada ter omitido que possa induzir a Seguradora em erro na apreciação do risco proposto, ainda que esta tenha sido preenchida por terceiros e por si apenas assinada” (facto 10).
Veio a apurar-se quando da sua morte que esta foi causada, entre outros factores, por Doença Valvular Mitro Aórtica e Hipertensão Arterial, conhecidas desde 27.10.2010 (dois anos antes da adesão ao contrato) e que tinha antecedentes desde 2011 da toma de antiepiléticos, e que foi o agravamento progressivo da doença cardíaca e renal acima referidos e consequente alteração da hipertensão arterial que levaram ao quadro de hemorragia digestiva que o vitimou (facto 11).
Além disso, sofria de epilepsia, sendo medicado desde 2007 com Vaproato, em 2010 tinha sido sujeito a cateterismo, e também em 2010 já tinha diagnóstico de hipertensão arterial, dislipidemia, cardiopatia hipertensiva, cardiopatia isquémica com doença coronária de 1 vaso, doença renal e epilepsia (factos 11, 12 e 13).
Soma-se que “à data em que subscreveu o boletim de adesão referido em 1, o segurado tomava medicação para a hipertensão e para a patologia valvular mitro-aórtica” (facto 16) e que “o funcionário do balcão do BPI, SA, que atendeu o falecido na data da adesão referida em 1, prestou-lhe as informações e disponibilizou-se para prestar todos os esclarecimentos que o Cliente entendesse necessários (facto 17).
Perante este quadro, a circunstância referida no ponto 20, de o segurado ter apenas como escolaridade a 4ªa classe, não é de molde a obstar à conclusão evidente de que ele estava ciente de que as declarações exaradas sobre o seu estado de saúde não correspondiam à verdade, e obviamente que pretendia com o preenchimento do questionário nos termos referidos obter a aceitação do contrato em questão.
Outra dedução não é possível, face à experiência comum; os factos conhecidos permitem com segurança ter como certo que ele quis desta forma apresentar à seguradora uma descrição do seu estado de saúde bem diferente da real, não podendo deixar de entender e querer que assim viciava a vontade desta, levando-a a avaliar a proposta de seguro de modo mais favorável aos seus desejos.
Verificou-se, portanto, uma situação de dolo, como definido no art. 253º do Código Civil:
1 - Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.
De acordo com o art. 24º do RGCS, sobre o segurado impendia o dever de elucidar devidamente a seguradora, sobre as circunstâncias relevantes para a formação da vontade de contratar por parte desta (cfr. n.º 2 do art. 253º CC), e essa obrigação foi reforçada ainda na subscrição da adesão ao contrato, como já acima referido, e deriva necessariamente dos princípios relativos à boa fé contratual que estão ínsitas na regulamentação legal da prática seguradora.
Julgamos, portanto, que o segurado agiu efectivamente com dolo, pelo que a sua actuação enquadra-se no art. 25º do RGCS, o qual estipula que em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo 24º o contrato é anulável, e que o segurador não está obrigado a cobrir o sinistro que ocorra antes de ter tido conhecimento do aludido incumprimento doloso.
Essa anulabilidade tem que ser compreendida de harmonia com o disposto no art. 254º do CC, segundo o qual “o declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração”, e também a este propósito é forçoso reconhecer que as declarações contidas nas respostas ao questionário efectuado tiveram efectivamente influência na aceitação do contrato de seguro em causa, pelo que não oferece dúvidas a anulabilidade referida.
Caso a seguradora conhecesse, à data da contratação do seguro, qual a situação clínica verdadeira da pessoa segura, não teria aceitado o seguro ou tê-lo-ia celebrado em condições diversas. Como consta do art. 21º dos factos provados, sem o erro provocado pelo dolo do segurado a seguradora certamente teria avaliado de modo diferente a proposta de adesão, podendo não aceitar o contrato ou sujeitá-lo a um prémio de valor superior.
Conclui-se, portanto, que é procedente a excepção peremptória deduzida pela ré seguradora.
Em consequência, impõe-se agora revogar a sentença recorrida e julgar a acção improcedente, absolvendo a ré seguradora do que contra ela vinha pedido pela autora.
Assim se decide, nos termos do dispositivo que segue.
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6 - DECISÃO
Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo a ré do que contra ela era pedido na acção.
As custas ficam a cargo da autora, dado o decaimento (cfr. art. 527º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
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Évora, 11 de Maio de 2023
José Lúcio
Manuel Bargado
Francisco Xavier