DECLARAÇÕES DE PARTE
VALOR PROBATÓRIO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário


1 – Ao elaborar a sentença o julgador deve elencar a matéria de facto que considera provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da sua própria convicção, de modo a que as partes saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão com referência à prova fornecida pelas partes e/ou adquirida pelo tribunal.
2 – A prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas nas declarações da própria parte, é necessária a corroboração através de outros elementos de prova, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações dos próprios interessados.
3 – Invocando-se enriquecimento sem causa como causa de pedir, improcede irremediavelmente o pedido de restituição se nem sequer ficou provada a existência da deslocação patrimonial que traduziria o alegado enriquecimento.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

1 – RELATÓRIO
O autor, AA, instaurou a presente acção de condenação com processo comum contra a ré, BB, pedindo que a ré seja condenada a restituir ao autor a quantia de € 110.000,00 (cento e dez mil euros), montante que considera corresponder ao empobrecimento do património do autor e consequente enriquecimento da ré, acrescido de juros de mora desde a data do trânsito em julgado da sentença até efectivo e integral pagamento do quantitativo da restituição.
Alegou o autor, em resumo, o seguinte:
Autor e ré casaram civilmente em 15 de Agosto de 2008, sob o regime da separação de bens, pelo qual optaram em virtude de o autor ter, à data, o ordenado penhorado em virtude de uma dívida antiga.
Em data que o autor não pode precisar, a ré celebrou contrato de compra e venda referente a uma fracção autónoma sita na Praceta ..., em Santarém, tendo o imóvel sido comprado pelo preço de € 80.000,00 tendo esses €80.000,00 sido suportados pelo Autor e pela Ré, na proporção de €75.000,00 pelo Autor e €5.000,00 pela Ré.
Foi possível ao autor despender tal soma por ter recebido em 15 de Setembro de 2009 uma indemnização por acidente.
No dia 23 de Junho de 2010, a ré celebrou escritura na qual permutou o imóvel atrás mencionado pelo prédio urbano sito em ..., lote ..., Santarém, que mais tarde viria a tornar-se a casa de morada de família do autor e da ré.
A referida permuta envolveu ainda o pagamento da quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), a título de diferença de valores dos bens permutados, tendo a Ré celebrado, para este efeito, com o Banco Comercial Português, S.A., empréstimo bancário no montante de €115.000,00 (cento e quinze mil euros) e tendo o autor despendido, dos seus capitais próprios, a importância de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros).
Uma vez que não era da conveniência do casal que o A. figurasse como proprietário, apenas a R. assinou ambas as escrituras; não obstante, A. e R. contribuíram, em semelhante proporção, para a aquisição do imóvel que viria a tornar-se casa de morada de família, visto que, para o valor total do negócio - €230.000,00 – o Autor despendeu o montante de €110.000,00 e a Ré a quantia de €120.000,00.
O autor foi, ao longo dos seus anos de vida em comum com a ré, alicerçando a sua convicção de que estaria a construir um património comum com a mesma, não obstante o regime estabelecido em convenção antenupcial, acreditando que usufruiria da casa por toda a sua vida.
Contudo a relação foi-se deteriorando, culminando com o divórcio entre autor e ré em 27/6/2019, sem que haja lugar a partilha, dado o regime de bens do casamento.
Com estes fundamentos, o autor peticionou a restituição das quantias que despendeu no pressuposto da manutenção da relação conjugal, montantes esses que a ré se recusa a restituir apesar de instada para o efeito.
A ré contestou, impugnando parte da factualidade alegada pelo autor e concluindo pela improcedência do pedido, peticionando a final a sua absolvição.
Proferido despacho saneador, enunciado o objecto do litígio e selecionados os temas de prova, não houve qualquer reclamação.
Finalmente, realizou-se audiência de discussão e julgamento e veio a ser proferida sentença, que decidiu pela absolvição da ré.

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2 – DA APELAÇÃO
Em face do decidido, veio o autor interpor o presente recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A) Deste modo, o Recorrente vem impugnar a decisão proferida considerando-a, em primeira análise, nula:
a) - por falta de exposição do exame crítico das provas nos termos dos artigos 607º nº 4 e 195º do CPC.,
b) - por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nos termos da alínea b) do nº1 do art. 615º do CPC.
c) por alguns dos fundamentos estarem em oposição com a decisão, ou ocorrerem ambiguidades ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, nos termos da alínea c) do nº1 do art. 615º do CPC.
d) por o Juiz ter deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, nos termos da alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC.
B) Caso não seja esse o entendimento de V. Exªs. e contrariamente ao entendimento preconizado pelo douto Tribunal a quo, deverá a decisão de que ora se recorre ser substituída por outra que conceda provimento ao pedido formulado pelo Autor.
C) Assim, a douta sentença recorrida é nula por manifesta falta de fundamentação, nos termos do disposto no art.615º nº1, al. b), c) e d) do CPC, NULIDADE QUE DESDE JÁ SE INVOCA, porquanto:
a) - limita-se a enumerar os factos provados por referência aos documentos, e não concretiza qualquer razão alusiva à sua decisão;
b) - quanto aos factos não provados apenas se lhes refere genérica e abstratamente sem concretizar os concretos meios que influíram na decisão;
c) - logo, não satisfaz a exigência legal de fundamentação, podendo concluir-se que a omissão das razões que determinaram a decisão da causa, constitui circunstância relevante que manifestamente influi no exame e decisão da mesma para efeitos do art. 195º nº1 do CPC.
D) Consequentemente deverá o douto Tribunal ad quem proceder nos termos e para os efeitos previstos no art. 662º nºs. 1 e 2 do CPC.
NO ENTANTO, E SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, DEVERÁ A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA SER ALTERADA CONCLUÍNDO PELA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
E) O confronto entre os depoimentos transcritos com menção expressa ao minuto exacto constante da gravação áudio, e que primam pela isenção e rigor no sentido de que é humanamente impossível alguém recordar 10 ou 12 anos depois, trechos de conversas que à data seriam correntes e atinentes à vida privada do Autor. As referidas testemunhas são credíveis e os seus depoimentos demonstram veracidade e coerência, e não um ensaio programado contendo todos os elementos de facto que interessariam à discussão da causa, e que reverteriam a favor do Autor.
F) Quanto aos factos considerados provados e elencados nos nºs 10, 11 e 12 da douta sentença recorrida, não podem os documentos juntos com a contestação, atentos os documentos juntos pelo Autor por requerimento datado de 12 de Fevereiro de 2021, ser suficientes para justificar que os valores neles refletidos sejam considerados pagos única e exclusivamente pela Ré, pelo que estes factos deveriam ser considerados NÃO PROVADOS, porquanto.
G) Os documentos juntos aos autos pelo Autor por requerimento datado de 12 de Fevereiro de 2021 provam que:
- a conta bancária com o NIB ...05 era titulada pelo Autor (doc. nº1);
- Os documentos 2 a 12, ainda que algumas das faturas se encontrem em nome da Ré, provam que os pagamentos eram efectuados por débito directo da conta do Autor supra referida, e referem-se a despesas comuns do casal;
- os documentos 13 a 22 provam que o Autor pagava mensalidades do colégio frequentado pela filha, entre outras despesas que a esta respeitavam.
H) Bastariam estes documentos, conjugados com a prova testemunhal produzida e devidamente transcrita, as declarações de parte do Autor também supra transcritas, e a apreciação crítica das provas à luz de critérios de razoabilidade, para que os factos 10, 11 e 12 dados como provados, e que faziam parte da contestação apresentada pela Ré, devessem ser dados como NÃO PROVADOS, o que se pretende.
I) OS FACTOS NÃO PROVADOS constantes da douta sentença E QUE RESPEITAM À CONTRIBUIÇÃO DO AUTOR COM A QUANTIA DE €110.000,00 PARA AQUISIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMILIA, deverão ser ADITADOS AOS FACTOS PROVADOS considerando os mesmos meios de prova (referidos em 21, 22 e 23 do corpo do presente recurso) os quais se revelam suficientes para provar a utilização de parte do dinheiro recebido pelo Autor a título indemnizatório, na aquisição do imóvel que foi casa de morada de família do casal.
J) As declarações de parte do Autor contextualizam de forma coerente a aquisição do dinheiro, o depósito em conta aberta para o efeito, as transferências para a conta da Ré dos montantes exactos para a realização do negócio, conforme contrato promessa e escritura de permuta e empréstimo (docs. 21 e 22 juntos com a contestação).
K) Os extratos bancários da conta nº ...45 (juntos pela Ré em 23-02-2021), titulada pela Ré mas movimentada apenas pelo Autor, e onde foi depositada a quantia de €206.960,18 correspondente à indemnização recebida pelo último (cfr. doc nº 7 junto à contestação) nomeadamente o extrato 2010/004 provam sem qualquer margem para dúvidas a transferência de €75.000,00 em 21 de Junho e de €35.000,00 em 23 de Junho para a conta da Ré, em momento coincidente com a realização da escritura de permuta e empréstimo efectuada por esta última.
L) Ainda, os documentos supra referidos e as declarações de parte do Autor transcritas, são coincidentes com os depoimentos supra indicados de CC, DD e EE, pelo que também estes atestam a comparticipação do Autor nas despesas comuns do casal e a transferência de €110.000,00 para a conta da Ré em momento exactamente anterior à aquisição do imóvel que foi casa de morada de família do ex casal, e que é propriedade da Ré.
M) A douta sentença recorrida considera provados os factos elencados sob os nºs. 4 e 5, ignorando que ambos se referem a imóveis distintos. Ora, o facto elencado em 4 respeita ao prédio urbano sito na Praceta ..., freguesia de S. Nicolau em Santarém, e o facto elencado em 5 respeita ao prédio urbano sito em ..., lote ..., freguesia de S. Nicolau em Santarém, sendo este o imóvel que foi casa de morada de família.
N) Esta contradição constitui um caso exemplar de erro de julgamento que poderá ser suprida pela aplicação do nº 2, do artº 662º do CPC.
O) Os factos não provados enunciados na sentença, assentam numa fórmula residual na qual se diz “Relativamente ao acervo factual que não se mostra assente, cumpre apenas referir que não foram carreados para os autos quaisquer elementos, designadamente de ordem documental e testemunhal que permitissem ao tribunal concluir que a factualidade em apreço ocorreu.” é absolutamente conclusiva e não concretizadora seja do que for, estando em manifesta oposição com a exigência legal feita no art. 607º nº4 do CPC. Logo, não cumpriu o douto Tribunal a quo a obrigação de analisar criticamente as provas, indicar as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos decisivos para a formação da sua convicção.
P) Nos termos do artigo 607º, n.º 5, do Código de Processo Civil, o juiz aprecia livremente as provas produzidas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto consagrando tal preceito o princípio da prova livre, o que significa que a prova produzida em audiência (seja a prova testemunhal ou outra) é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, tendo em consideração a sua vivência da vida e do mundo que o rodeia.
Q) De acordo com Alberto dos Reis prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (Código de Processo Civil, anotado, vol. IV, pág. 570).
R) Também temos de ter em linha de conta que o julgador deve “tomar em consideração todas as provas produzidas” (art.º 413º do Código de Processo Civil), ou seja, a prova deve ser apreciada na sua globalidade.
S) Em conformidade com o supra referido deverá considerar-se como erro
material aquele que respeita à identificação do imóvel que foi casa de morada de família de Autor e Ré e a que respeitam as transferências provadas nos autos, atentos os documentos juntos aos autos (por requerimento junto pela Ré em 23/02/2021, e que respeitam ao extrato bancário de 2010/004, donde se conclui que o Autor comprovadamente transferiu para a conta da Ré as quantias de €75.000,00 em 21 de Junho e €35.000,00 em 23 de junho de 2010 para aquisição do imóvel constante da escritura de permuta e empréstimo também junto aos autos (documentos juntos com a contestação).
T) Assim, considerando a matéria que se deverá considerar provada encontram-se preenchidos os requisitos no art. 473º do Código Civil atendendo a que o Autor transferiu para a conta da Ré em 21/06 e 23/06 de 2010 as quantias de €75.000,00 e €35.000,00 respectivamente, quantia essa que foi utilizada pela Ré.
U) Não restam dúvidas que houve deslocação do património do Autor para a Ré, o que representa um empobrecimento do património do Autor e que a Ré beneficia dessa deslocação patrimonial, enriquecendo assim à custa do Autor sem motivo justificativo.
V) Desta forma, o Recorrente não tem qualquer dúvida de que, com a decisão produzida nos autos, o Tribunal a quo violou os arts. 607º nº 4, 615º nº1, al. c) do CPC, e o art. 473º do CC, impondo-se assim, contrariar o entendimento preconizado na douta Sentença.
W) Pelo exposto deve a sentença/decisão ora em crise ser declarada nula ou, em alternativa ser substituída por outra que adeque os factos provados e não provados de acordo com a prova produzida, devidamente explanada supra e que condene a R. a pagar ao A. a quantia de 110.000,00€ a título de enriquecimento sem causa.
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Pela ré/recorrida foi apresentada resposta às alegações do recorrente, defendendo que a sentença impugnada não merece qualquer censura e que o recurso carece de fundamento, pelo que este deve ser julgado improcedente e a sentença confirmada sem alterações.
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3 – O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC).
Sublinha-se a este propósito que na sua tarefa não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC).
No caso presente, as questões colocadas ao tribunal de recurso podem sintetizar-se nas seguintes:
- a nulidade da sentença;
- a impugnação da matéria de facto;
- resolvidas essas questões, e se o conhecimento desta não ficar prejudicado, finalmente decidir se deve manter-se a absolvição ou deve julgar-se procedente o pedido do autor.
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4 – DA FACTUALIDADE A CONSIDERAR
São os seguintes os factos provados, com relevo para a decisão da causa, tal como constam da sentença impugnada:
1 - Autor e ré casaram civilmente em 15 de Agosto de 2008 (art. 1º da petição inicial).
2 - Celebraram convenção antenupcial na qual optaram pelo regime de separação de bens (art. 2º da petição inicial).
3 - A escolha do regime de casamento recaiu na separação de bens porquanto o autor tinha, à data, o ordenado penhorado em virtude de uma dívida contraída pelo seu anterior cônjuge, dívida que também o responsabilizava (art. 3º da petição inicial).
4 - Por escritura pública celebrada em 24 de Abril de 2002, a ré adquiriu, conjuntamente com FF, com recurso a crédito hipotecário, a fracção autónoma designada pela letra ... correspondente ao ... andar do prédio urbano sito na Praceta ..., freguesia de São Nicolau, concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º ...46 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo ...28 (art. 7º da petição inicial e arts. 13º e 14º da contestação).
5 - No dia 23 de Junho de 2010, a ré celebrou escritura de permuta e empréstimo com hipoteca na qual permutou o imóvel descrito em 4 pelo prédio urbano sito em ..., lote ..., freguesia de Santarém (São Nicolau), concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º ...36 que, mais tarde, viria a tornar-se a casa de morada de família do autor e da ré (art. 11º da petição inicial).
6 - Para além da permuta dos referidos imóveis, o negócio envolveu ainda o pagamento da quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), a título de diferença de valores dos bens permutados (art. 12º da petição inicial).
7 - Tendo a ré celebrado, para este efeito, com o Banco Comercial Português, S.A., empréstimo bancário no montante de 115.000,00 (cento e quinze mil euros) (art. 13º da petição inicial).
8 - O valor total do negócio foi € 230.000,00 (duzentos e trinta mil euros), dividido da seguinte forma:
- Imóvel da ré, que integrou a permuta, avaliado em 80.000,00;
- Pagamento de 150.000,00 , a título de diferença de valor entre os bens permutados (art. 15º da petição inicial).
9 - Autor e ré divorciaram-se em 27 de Junho de 2019 (art. 22º da petição inicial).
10 - A ré suportou despesas do casal sozinha, designadamente referentes a obras realizadas no imóvel sito em ..., cujas faturas surgem em nome do ora autor, apesar do pagamento ter sido efectuado pela ré (arts. 56º e 57º da contestação).
11 - Despesas com o crédito, habitação, seguros obrigatórios, água, luz, gás e alimentação, relativas à casa de morada de família (art. 58º da contestação).
12 - E mensalidades da creche/centro infantil da filha do ex-casal, GG, suportadas pela ora ré na pendência do referido casamento (art. 59º da contestação).”
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Por outro lado, a sentença indicou os seguintes factos como não tendo sido provados:
- Não obstante o regime de casamento escolhido, todas as despesas realizadas por autor e ré na constância do matrimónio foram sempre pensadas e suportadas por ambos, em idêntica proporção (art. 5º da petição inicial).
- O imóvel referido em 4 foi comprado pelo preço de € 80.000,00 (oitenta mil euros) (art. 8º da petição inicial).
- Esses € 80.000,00 foram suportados pelo autor e pela ré, na seguinte proporção:
- € 75.000,00 pelo autor;
- € 5.000,00 pela ré (art. 9º da petição inicial).
- Foi possível ao autor despender tal soma por ter recebido, em 15 de Setembro de 2009, uma indemnização por acidente (art. 10º da petição inicial).
- Para o pagamento da quantia correspondente à diferença dos bens permutados, o autor despendeu, dos seus capitais próprios, o montante de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) (art. 14º da petição inicial).
- Autor e ré contribuíram, em semelhante proporção, para a aquisição do imóvel que viria a tornar-se casa de morada de família. (art. 17º da petição inicial).
- Uma vez que, para o valor total do negócio - € 230.000,00 - o autor despendeu o montante de € 110.000,00 e a ré a quantia de € 120.000 (art. 18º da petição inicial).
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5 – APRECIANDO E DECIDINDO
Tendo presente tudo o que ficou exposto, resta-nos apreciar e decidir do mérito do recurso, tendo presente as conclusões apresentadas, que delimitam as questões a conhecer nesta sede.
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A – DAS NULIDADES
O recorrente começa por invocar a existência na sentença recorrida de diversas nulidades, que implicariam a sua invalidade.
A primeira instância pronunciou-se no sentido da inexistência de quaisquer nulidades a inquinar a sentença posta em causa.
Vejamos então as razões do apelante.
Este alega em primeiro lugar o desrespeito do disposto no n.º 4 do art. 607º do Código de Processo Civil, por a seu ver não constar da sentença o exame crítico das provas a considerar.
Estabelece esta norma que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
A disposição legal citada, referente ao julgamento da matéria de facto, significa, em termos simples, que ao elaborar a sentença o julgador deve elencar a matéria de facto que considera provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da sua própria convicção, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.
Como decorre da análise do sistema de recursos, o cumprimento desta imposição legal visa antes do mais permitir aos sujeitos processuais a impugnação das decisões tomadas quanto à matéria de facto, de acordo com as regras estabelecidas no art. 640º do CPC.
Temos, portanto, como certo que para dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art. 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil a sentença deve mencionar quais os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, sob pena de poder incorrer em nulidade.
Não cuidaremos aqui da qualificação dessa nulidade, seja como nulidade processual ou nulidade da sentença, o que se poderia relevar caso se constatasse a sua efectiva existência (o apelante cita neste ponto o art. 195º do CPC, referente a nulidades secundárias, o que implicaria a consideração do seu regime de arguição).
E não entraremos nessa indagação por ela se apresentar inútil, uma vez que, vista a sentença, verifica-se que ela não padece do vício apontado.
Com efeito, o julgador enumerou os factos que considerou provados, organizando-os em 12 números, e referiu discriminadamente que os pontos 1, 2, 3, 6, 7, 8 e 9 foram dados como assentes com base no acordo das partes, e que os pontos 4, 5, 10, 11 e 12 resultaram provados por força de documentos diversos, que menciona, os quais não foram impugnados, e que suportariam a convicção afirmada. De seguida o mesmo julgador consignou qual a factualidade relevante que julgou não provada, transcrevendo-a a partir da petição do autor, que a tinha alegado, e explicando que sobre esses factos não tinha sido produzida prova que a confirmasse, designadamente documental ou testemunhal, acrescentando que as testemunhas arroladas pelo autor, a quem competia demonstrar essa factualidade, tinham mostrado desconhecimento a esse respeito.
Julgamos assim que a sentença, embora de forma concisa, cumpriu suficientemente as exigências do n.º 4 do art. 607º, não existindo a nulidade apontada pelo apelante.
E que assim é fica demonstrado até pela impugnação da matéria de facto deduzida no recurso, só possível por ter sido dada satisfação a essa imposição legal: o recorrente compreendeu perfeitamente quais os factos que foram dados por provados e não provados e quais os meios de prova usados pelo legislador para formar a sua convicção, e com base nessa boa compreensão veio impugnar o julgamento efectuado.
Resta analisar da hipotética existência de nulidades da sentença enquadráveis nas diversas alíneas do art. 615º n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC, aludidas expressamente pelo apelante.
Estatui o artigo citado, além do mais, que é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Como é unanimemente reconhecido, estas nulidades constituem vícios intrínsecos da formação da sentença, consagrados de forma taxativa, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito.
Em relação à alínea b), entende-se consensualmente que só a inexistência absoluta de fundamentação, e não a sua deficiência, constituem a nulidade referida. Ora, como é fácil constatar, a sentença revidenda especificou os fundamentos de facto e de direito que entendeu serem suficientes para a decisão, fazendo-o embora de forma sumária.
Não existe, claramente, a ausência de fundamentação exigível para integrar a nulidade prevista na al. b), supra citada.
E também não incorre a sentença no vício previsto na al. c), o qual só existe quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
O recorrente não explica como terá sido preenchida esta previsão legal, nomeadamente se detectou alguma ambiguidade ou obscuridade na decisão (são figuras diferentes) ou quais os fundamentos que estão em contradição com o decidido.
Cremos que só essa falta de especificação já compromete o êxito da alegação, mas ainda assim diremos que a sentença não enferma de tal vício – pelo contrário, a decisão é perfeitamente inteligível (absolveu a ré do pedido deduzido pelo autor) e foi facilmente compreendida, não se lhe podendo apontar obscuridade ou ambiguidade (ainda que se discorde dela, por eventual erro de julgamento); e os seus fundamentos (a falta de prova dos factos que constituem a causa de pedir em que o autor se baseou) apresentam-se em inteira harmonia com a decisão.
Por último, diremos que também não é possível vislumbrar violação do disposto na al. d) do mesmo preceito, referente à nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia.
Também aqui o recorrente não especifica qual o vício que concretamente pretende apontar, aludindo simplesmente ao preceito legal. Tal circunstância obsta à apreciação em concreto da sua pretensão neste ponto, mas também aqui é forçoso dizer que vista a sentença não se encontra nem omissão nem excesso de pronúncia - a sentença decidiu precisamente aquilo que tinha para decidir, que em resumo se traduzia na pretensão do autor em ver condenada a ré a pagar-lhe a título de enriquecimento sem causa a quantia peticionada.
Concluindo, no respeito às nulidades invocadas improcede de todo a alegação do autor. A sentença em apreço não enferma das nulidades apontadas, nem de quaisquer outras que devam ser conhecidas oficiosamente.
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B – DA MATÉRIA DE FACTO
Continuando a apelação, declara o recorrente que a desatender-se a sua alegação sobre nulidades da sentença deve então reapreciar-se o julgamento da matéria de facto, de modo a modificar a decisão em relação a uma parte dos factos dados como provados e em relação aos factos não provados.
Como se sabe, o artigo 640º do CPC abre a possibilidade de impugnação da matéria de facto fixada na instância recorrida, impondo para o efeito ao recorrente a observância de determinados ónus.
Nomeadamente, deve o recorrente indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que se os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Em face das alegações de recurso apresentadas, julga-se que o recorrente cumpriu suficientemente os ónus recursivos a seu cargo, pelo que haverá agora que apreciar a impugnação por ele deduzida.
Começa o recorrente por se concentrar nos factos provados, declarando que “quanto aos factos considerados provados e elencados nos nºs 10, 11 e 12 da douta sentença recorrida, não podem os documentos juntos com a contestação, atentos os documentos juntos pelo Autor por requerimento datado de 12 de Fevereiro de 2021, ser suficientes para justificar que os valores neles refletidos sejam considerados pagos única e exclusivamente pela Ré.
E conclui o recorrente neste ponto que atento o conteúdo de alguns documentos que juntou em 12 de Fevereiro de 2021 bastariam estes documentos, conjugados com a prova testemunhal produzida e devidamente transcrita e as declarações de parte do próprio autor, para que fossem dados como não provados os factos em causa.
Os factos em questão são os seguintes:
“10 - A ré suportou despesas do casal sozinha, designadamente referentes a obras realizadas no imóvel sito em ..., cujas faturas surgem em nome do ora autor, apesar do pagamento ter sido efectuado pela ré (arts. 56º e 57º da contestação).
11 - Despesas com o crédito habitação, seguros obrigatórios, água, luz, gás e alimentação, relativas à casa de morada de família (art. 58º da contestação).
12 - E mensalidades da creche/centro infantil da filha do ex-casal, GG, suportadas pela ora ré na pendência do referido casamento (art. 59º da contestação).”
Perante o conteúdo dos três pontos da matéria de facto dada como provada acima transcritos, não pode deixar de estranhar-se a sua inclusão entre os factos provados, onde deveriam estar apenas aqueles factos que assumissem relevância para a decisão da causa, ainda que meramente complementares ou instrumentais em relação aos essenciais.
No caso presente, e uma vez que não existe qualquer defesa por excepção, nem reconvenção, nem outra qualquer pretensão da ré que não seja a sua própria absolvição, os factos a considerar com interesse para a decisão da causa são apenas aqueles em que assenta a pretensão do autor, a sua causa de pedir, aqueles de onde ele pretende derivar o seu pedido.
Ora estes concretos factos levados aos arts. 10, 11 e 12 dos factos provados foram alegados na contestação da ré, nos artigos em que esta procurava demonstrar que na vivência em comum do casal também ela suportava despesas que seriam responsabilidade de ambos os cônjuges, ao contrário do que o autor dizia na petição.
Todavia, é fácil de compreender que a ré inseriu estas afirmações no contexto da sua impugnação especificada do teor da petição inicial, não lhe cabendo o ónus de provar estes factos, nem em rigor de provar quaisquer outros, para obter ganho de causa,
Recorde-se que o autor veio peticionar em juízo a condenação da ré a pagar-lhe a título de enriquecimento sem causa a quantia de € 110.000 por segundo ele ter contribuído com esta importância para a compra por ela de um imóvel, que por força do regime de bens do casamento agora dissolvido apenas a ela pertence.
Assim, ao autor compete a prova dos factos em que assenta a sua pretensão, e dessa prova ou não prova depende de imediato a respectiva procedência (além do mais que houver a considerar, nomeadamente em sede de Direito).
Sublinhado este aspecto, da inutilidade da factualidade em questão para a decisão a proferir, diremos no entanto que no tocante ao veredicto de provado assumido pelo tribunal recorrido nada há que justifique discordância.
Com efeito, e como decorre das próprias considerações do apelante, os documentos por ele mencionados, e os depoimentos por ele referidos, apenas podem demonstrar que também ele autor assumia diversas despesas do casal, no decurso da vivência conjugal. Não se colocando dúvidas a esse respeito (embora de novo e também aqui ressaltando a irrelevância de tal matéria para a sorte do pedido) tem de concluir-se no entanto que tal circunstância não prejudica nem afasta a realidade dos factos descritos nos pontos questionados.
Na verdade, o tribunal recorrido julgou provados esses factos alegados pela ré com base nos documentos juntos por ela, e que não foram impugnados pelo autor; a existência de outras despesas, que não estas, suportadas pelo autor, juntamente com o teor dos depoimentos testemunhais genericamente afirmando que o autor contribuía para as despesas familiares, bem como as suas próprias declarações de parte, não bastam para integrar a figura dos tais meios probatórios que impunham decisão diversa da tomada pela instância recorrida.
Em suma, formando nesta instância convicção própria, baseada no conjunto da prova disponível, acompanhamos a posição assumida pela instância recorrida, mantendo inalterado o julgamento da matéria de facto quanto a estes pontos.
Diga-se, porém, que o essencial da impugnação deduzida pelo apelante, como bem se compreende atendendo ao que está em causa nos autos, tem a ver com a matéria declarada não provada.
Com efeito, foi julgada não provada a factualidade que constituía o essencial da própria causa de pedir do autor, por traduzir a deslocação patrimonial que ele apresentou a juízo como significando enriquecimento sem causa.
Foram declarados não provados os seguintes factos, alegados pelo autor:
- Não obstante o regime de casamento escolhido, todas as despesas realizadas por autor e ré na constância do matrimónio foram sempre pensadas e suportadas por ambos, em idêntica proporção.
- O imóvel adquirido pela ré em 2002 foi comprado pelo preço de € 80.000,00 (oitenta mil euros).
- Esses € 80.000,00 foram suportados pelo autor e pela ré, na proporção de € 75.000,00 pelo autor e de € 5.000,00 pela ré.
- O autor despendeu tal soma por ter recebido, em 15 de Setembro de 2009, uma indemnização por acidente.
- Para o pagamento da quantia correspondente à diferença dos bens permutados (para aquisição do imóvel que veio a ser casa de morada da família) o autor despendeu, dos seus capitais próprios, o montante de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).
- Autor e ré contribuíram assim, em semelhante proporção, para a aquisição do imóvel que viria a tornar-se casa de morada de família, uma vez que, para o valor total do negócio - € 230.000,00 - o autor despendeu o montante de € 110.000,00 e a ré a quantia de € 120.000 .
Para julgar não provado este acervo factual, o julgador consignou que não foram carreados para os autos quaisquer elementos, designadamente de ordem documental e testemunhal que permitissem ao Tribunal concluir que a factualidade em apreço ocorreu, e nomeadamente que as testemunhas inquiridas em sede de audiência final, em particular as que foram arroladas pelo autor - HH, CC, DD, EE - desconhecem a factualidade em questão.
O autor recorrente baseia a sua impugnação em relação ao julgamento destes factos na consideração de que as declarações de parte do próprio autor, os depoimentos testemunhais que indica e transcreve, ainda conjugados com documentos bancários que juntou, são elementos de prova bastantes para impor que sejam dados como provados esses mesmos factos.
Examinada toda a prova aludida, julgamos francamente que não lhe assiste fundamento para a conclusão apresentada.
Efectivamente, os documentos bancários por si só não podem revelar mais do que aquilo que expressam, os movimentos não são reveladores da origem dos valores ali referidos, nem da sua utilização, nem a respectiva pertença, que é o ponto crucial na polémica.
Quanto às declarações de parte do autor, legalmente previstas no art. 466º do Código de Processo Civil agora vigente, em inovação ao direito processual anterior, é consensual que o valor probatório das mesmas está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, consagrado no n.º 5 do art. 607º CPC, segundo o qual “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Compreende-se a sujeição deste meio de prova ao princípio da livre apreciação do julgador, uma vez que se trata de um meio de prova requerido pela própria parte e destinada a fazer prova de factos do seu interesse, pelo que, desacompanhado de outros elementos, o seu valor probatório tem que ser avaliado com a maior prudência.
A prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes.
No caso em apreço, e por isso mesmo, a circunstância de nas suas declarações o autor ter confirmado em audiência as alegações que já tinha vertido na petição inicial não pode ter a virtualidade de demonstrar só por si a realidade desses factos.
Acresce que as inverosimilhanças latentes no relato em causa, v. g. que a indemnização que o autor terá recebido em Setembro de 2009 tenha servido para pagar € 75.000 da dívida da ré relativa à casa comprada por ela em 2002 juntamente com o seu companheiro de então – sendo certo que o autor só casou com a ré em 2008 – não ficaram de modo nenhum esclarecidas de modo convincente em tais declarações.
E por outro lado os depoimentos testemunhais citados, como consta até das transcrições feitas pelo recorrente nas alegações, sublinham sempre que no respeitante a esses factos controvertidos afirmam aquilo que lhes foi dito pelo próprio autor, embora salientando que isso lhes mereceu credibilidade atendendo à personalidade dele.
Ou seja, as testemunhas declaram reproduzir o que lhes foi dito, revelando o desconhecimento directo mencionado pelo julgador da primeira instância.
Entendemos que na reapreciação da matéria de facto a fazer na segunda instância, confrontados os julgadores com a fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida em primeira instância, em homenagem aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nessa parte.
Ou seja, nessa reapreciação da prova feita pela segunda instância, “não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido” (cfr. Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação da Decisão da Matéria de Facto”, disponível online, in http://www.cjlp.org/).
Todavia, no caso presente nem se torna necessário argumentar com esse argumento baseado no estado de dúvida: na realidade, examinada no seu conjunto toda a prova a considerar, a convicção deste tribunal de recurso acompanha a formada na primeira instância, julgando não provados os factos controvertidos que o recorrente pretende que sejam dados como provados.
Mantém-se, assim, sem modificação alguma, o julgamento da matéria de facto tal como feito na sentença recorrida.
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C – DO DIREITO
Como já foi referido, o autor deduziu em juízo um pedido de condenação da ré baseado na figura legal do enriquecimento sem causa.
A este respeito, rege o art. 473º do Código Civil, o qual dispõe:
“1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”
Constata-se, portanto, que são pressupostos do falado enriquecimento sem causa (pelo menos) a existência de um enriquecimento, a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem, e a ausência de causa justificativa para o enriquecimento (incluindo a situação em que a causa deixou de existir).
Além desses pressupostos, considera-se também a natureza subsidiária da figura: só existe direito a ser restituído por esta via se a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.
Tendo presentes estes princípios gerais, logo se compreende a decisão proferida na primeira instância.
Tal como ali se concluiu, surge como evidente, no que ao caso diz respeito, que não estão reunidos os pressupostos de que depende a aplicação dessa norma, concretamente a existência das transferências patrimoniais alegadas na petição inicial, cuja razão de ser teria deixado de subsistir, em função do divórcio que dissolveu o casamento que as partes mantiveram.
Em consequência, deverá a acção ser julgada improcedente.
Perfilhamos inteiramente a conclusão exposta, não se afigurando necessárias outras considerações, impertinentes para o caso em apreço.
Se nem sequer se provou a deslocação patrimonial alegada, o enriquecimento de um e o correspondente empobrecimento de outro, torna-se despiciendo indagar da presença de outros requisitos para a procedência do pedido.
Julga-se assim improcedente o recurso interposto, acordando-se em manter nos seus precisos termos a decisão recorrida.
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6 - DECISÃO
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo do autor, dado o decaimento (cfr. art. 527º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
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Évora, 11 de Maio de 2023
José Lúcio
Manuel Bargado
Francisco Xavier