1 - A prestação de caução que determina a suspensão da execução quando sejam deduzidos embargos de executado, suspende a tramitação da execução, mas não impede que a quantia exequenda continue a vencer juros de mora.
2 - O momento processual relevante para efeitos de paragem da contagem de juros de mora incidentes sobre a quantia exequenda é o do depósito da quantia afeta ao pagamento, à ordem do agente de execução, independentemente da necessidade de posterior liquidação das quantias ainda em dívida.
3 - Se a liquidação provisória revelar que o valor da caução prestada se mostra supervenientemente insuficiente para pagar o remanescente ainda em dívida, incluindo juros de mora vencidos e vincendos, despesas e honorários do agente de execução e custas devidas, compete ao agente de execução oficiosamente desencadear diligências prévias à penhora e proceder à penhora de bens, com observância do disposto no artigo 751.º do CPC.
(Sumário elaborado pela Relatora)
3. O Exequente, em 10 de Maio de 2021, liquidou a dívida global das Executadas em €98.803,04, sem oposição destas.
4. As Executadas prestaram caução no valor global de €116.919,41.
5. Esse valor foi transferido para a conta do Sr. Agente de Execução nos dias 03 e 04 de Março de 2022.
6. Em 06 de Julho de 2022, o Sr. Agente de Execução apresentou nota provisória no processo, dando conta que de ainda era devida pelas Executadas a quantia de €20.623,32.
7. Em 15 de Julho de 2022, foram penhoradas contas bancárias das Executadas, com o saldo global de €13.084,86.»
C- DO Conhecimento das questões suscitadas no recurso
Como supra referido a questão decidenda consiste em aferir se penhoras de saldos bancários no valor de €13.084,86 violam os princípios da proporcionalidade e da adequação considerando que já tinham sido prestadas cauções no valor de €116.919,41.
Começam as apelantes por alegar a ilegalidade das penhoras, invocando que a quantia exequenda foi reduzida para €98.803,04 após sentença proferida nos embargos de executado, transitada em julgado em 31-03-2021, e que prestaram caução no valor global de €116.919,41, em janeiro de 2018, tendo sido contabilizadas as despesas prováveis da execução no valor de 5% como decorre do artigo 753.º, n.º 3, do CPC.
O valor das cauções foi acolhido na sentença proferida, em 14-01-2019, no respetivo apenso, e teve como efeito a suspensão da execução, sem qualquer oposição da exequente, que só agora vem invocar que as despesas prováveis devem ser contabilizadas em 10% e não em 5%.
No que concerne a esta questão, que no fundo se traduz na reação das opoentes, ora apelantes, à invocação por parte do exequente que as despesas prováveis da execução aquando da prestação de caução deveriam ser contabilizadas em 10% e não em 5%, cumpre referir que a sentença validou a idoneidade da prestação da caução nos valores em que foi prestada pelas executadas, ou seja, «(…) nos valores de €106.969,44 e €4.382,38, para cada uma; acrescendo ainda a tal valor as despesas prováveis da execução, que liquidaram em 5% (…)».
Ora, esta decisão transitou em julgado e, como tal, faz caso julgado nos termos dos artigos 619.º a 621.º do CPC, pelo que não está em causa, neste recurso, sindicar o teor da mesma, mormente, se o valor das despesas prováveis deveria ter contabilizadas em 5% ou 10%.
O que se nos afigura ser relevante de sublinhar é que o artigo 735.º do CPC, ao reger sobre o objeto da execução, estipula no seu n.º 1, que os valores penhorados devem ser os necessários para pagamento da dívida exequenda e despesas prováveis da execução, sem prejuízo de ulterior liquidação, estabelecendo de seguida as percentagens que devem ser tidas em conta no juízo de prognose dessas despesas. Ou seja, a penhora poderá, posteriormente, vir a revelar-se de valor insuficiente para a liquidação total da responsabilidade dos executados, quando ocorrer o momento da elaboração da liquidação, sendo necessário proceder a novas penhoras, pois como decorre do artigo 849.º, n.º 1, alínea b), do CPC, a extinção da execução verifica-se «Depois de efetuada a liquidação e os pagamentos, pelo agente de execução, nos termos do Regulamento da Custas Processuais, (…) quando se mostre satisfeita pelo pagamento coercivo a obrigação exequenda.»
O que significa que o valor da caução fixado numa fase inicial da execução pode vir supervenientemente a revelar-se insuficiente, uma vez que o valor total da responsabilidade do executado só é apurado aquando da elaboração da liquidação.
A caução para que seja eficaz tem de ser idónea (prestada por meio adequado) e suficiente (apta a cobrir o crédito exequendo e demais acréscimos que resultem da suspensão do processo executivo), impendendo sobre quem pretende prestar a caução, o ónus de indicar o valor da mesma, podendo a contraparte impugnar a idoneidade da caução e, não o fazendo, sendo a revelia operante, como sucedeu no caso em apreço, a caução oferecida é logo julgada idónea (artigos 906.º, 909.º e 913.º, n.º 3, do CPC).
Ora, como é sabido, a prestação de caução é uma garantia especial das obrigações e quando prestada no âmbito da dedução de embargos de executado em ordem à suspensão da execução (artigos 733.º, n.º 1, alínea a), e n.º 6, do CPC), mantêm a sua função genérica de proteção do interesse do credor, mas também tem uma função específica que é a de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva, obviando a que, por via de tal demora, o embargante/executado empreenda manobras que delapidem o seu património durante o tempo da suspensão.[1]
Contudo, para que estas funções atinjam a sua finalidade é necessário que o valor da caução seja adequado e suficiente para assegurar a satisfação da obrigação exequenda, devendo por isso garantir o capital, bem como os juros vencidos e vincendos.[2]
A suspensão da execução por via da dedução de embargos de executado ocorre enquanto estiverem pendentes os embargos de executado e sendo os mesmos julgados improcedentes (ou parcialmente procedentes) deverá a execução prosseguir penhorando-se outros bens caso o valor da caução seja insuficiente para pagamento integral da quantia exequenda e legais acréscimos.
A mora do executado para efeitos de liquidação de juros só cessa na data em que a quantia depositada a título de caução passa a estar na disponibilidade do agente de execução, pois só a partir desse momento pode o agente de execução encetar os procedimentos tendentes à extinção da execução.
Sendo que a demora entre esta data do trânsito em julgado da decisão proferida nos embargos de executado e a transferência da quantia para o património do exequente é uma contingência do processo que, em princípio, não é imputável ao executado.[3]
Todavia, a execução só se extingue depois de efetuada a liquidação, paga a quantia exequenda, juros vencidos e vincendos, bem como os honorários e despesas do agente (artigo 849.º, n.º 1, alínea b), do CPC).
Se o valor da caução se vier a revelar insuficiente, a caução que era idónea quando foi prestada deixa de ter essa característica, impondo-se o seu reforço, frisando-se que este é apenas admissível se, após a prestação inicial de caução suficiente, a mesma veio a revelar-se insuficiente por circunstâncias supervenientes[4], mormente, em razão dos juros que venceram entretanto, a que acrescerão as custas devidas, incluindo as custas de parte, bem como as despesas e honorários do agente de execução.
Caso esse reforço não seja requerido e prestado pelo executado após ter sido julgada improcedente ou parcialmente procedente a oposição que tenha deduzido, podendo o executado pedir que a conta fosse atualizada a fim de serem liquidados os valores em dívida, se o agente de execução verificar que o valor da caução é insuficiente para cobrir o pagamento da quantia exequenda e demais acréscimos, oficiosamente deve prosseguir com as diligências prévias à penhora e proceder à penhora de bens suficientes para cobrir a diferença da quantia exequenda e valores ainda em dívida, com observância do disposto no artigo 751.º,n.º 1, do CPC (artigo 748.º, n.º 1, alínea d) e 4, do CPC).
Em suma, em face deste regime, quando as apelantes invocam a ilegalidade da penhora em novos bens em função da sua extensão, por terem aquando da dedução de embargos de executado prestado caução de valor superior ao do crédito exequendo, só por si, não indica que a penhora efetuada em 15-07-2022, tenha violado a regra da adequação e proporcionalidade subjacente à previsão do n.º 1, alínea a), do artigo 784.º do CPC.
Tudo depende do valor da liquidação que vier a ser apurado nos autos.
Ora, no caso, e como consta da factualidade dada como provada, sem reparo das ora apelantes, a liquidação provisória revela que, para além do valor das cauções, ainda era na data da elaboração da mesma, em 06-07-2022, devida a quantia de €20.623,32.
Donde a penhora de saldos bancários, em 15-07-2022, no valor de €13.084,86 não é manifestamente excessiva, desadequada ou desproporcional em relação ao valor ainda em dívida.
Esta mesma conclusão alcançou a sentença recorrida com base no seguinte raciocínio:
«Repare-se o valor devido consolidado após trânsito em julgado da sentença proferida no apenso de oposição à execução - € 98.803,04.
Sobre os valores de capital devidos por cada uma das Executadas/Opoentes continuaram a vencer-se juros de mora, pelo menos, até à data da entrega dos valores de caução ao Sr. Agente de Execução para pagamento.
De custas de parte, para já, a Exequente liquidou €1.397,00 – sem olvidar que em cada apenso e incidente a intentar em que as Opoentes fiquem vencidas, como o presente, incidirão mais custas de parte, a pagar por si a favor do Exequente/Oposto.
Os juros de mora vencidos foram calculados em €14.309,20.
E que dizer dos encargos com o processo, mormente honorários do Sr. Agente de Execução? Se atentarmos na nota provisória, verificamos, desde logo, que ascendem a €7.652,17.
Portanto, a dívida previsível das Executadas/Opoentes ultrapassa largamente os €98.803,04 liquidados – e continua a vencer despesas.
E isto sem olvidar que o Sr. Agente de Execução estima que as Executadas ainda tenham a pagar cerca de €20.000,00, numa conta provisória que não nos merece censura por se não vislumbrar qualquer erro grosseiro de cálculo.
O que as Executadas/Opoentes olvidam é que ao protelamento do desfecho da acção e a permanente litigância, em detrimento duma resolução definitiva e conciliatória do litígio, originam, isso sim, o vencimento de mais encargos e despesas – e, consequente, novas penhoras.
Portanto, a penhora de saldos bancários no valor global de €13.084,86, quando se estima uma dívida de ainda €20.623,32 não é nem indevida, nem desproporcional.»
Contrapõem as apelantes que as penhoras foram efetuadas sem que o agente de execução tenha apresentado a conta final de honorários e despesas.
Contudo, tal argumento não procede, por o valor das cauções já ser insuficiente para pagar a dívida à data da liquidação provisória, o que implica o prosseguimento da execução.
Também invocam que a conta deveria ter sido elaborada após 31-03-2021, data do trânsito em julgado do Acórdão desta Relação proferido nos embargos de executado e não apenas em 29-06-2022, continuando a serem contados juros que não lhe são imputáveis.
Em relação a esta questão, o que se constata da análise da tramitação da execução é que feita a liquidação pelo exequente das quantia em dívida de acordo com o decidido naquele aresto, apenas em 03 e 04 e março de 2022 o valor das cauções foi transferido para o agente de execução (cfr. facto provado 5), pelo que antes dessa data não se pode ter como cessada a situação de mora.
Este entendimento é o único que se compatibiliza com outras situações previstas na lei em que a cessação da mora ocorre com o depósito, como sucede, por exemplo, quando a execução cessa pelo pagamento voluntário (artigo 846.º, n.º 4, do CPC), quando há consignação de rendimentos (artigo 805.º, n.º 1, do CPC) ou quando há venda com depósito do preço ou caução (artigo 824.º, n.º 2, do CPC).
Deste modo, o que se pode inferir da lei é que o legislador considerou o momento do depósito como o momento processual relevante para a paragem da contagem dos juros de mora, ou seja, o da disponibilização em termos processuais para pagamento ao exequente, independentemente da necessidade de posterior liquidação. Como se refere num Acórdão da Relação de Lisboa, «(…) a necessidade de liquidação não retira ao depósito efectuado o carácter de pagamento».[5]
É certo que existe uma dilação temporal significativa entre a data do trânsito em julgado do Acórdão da Relação proferido em sede de embargos de executado e o momento da entrega do valor das cauções ao agente de execução.
Porém, se as executadas se sentem lesadas com essa delonga processual terão de lançar mão das competentes vias judiciais para obter a reparação do alegado dano, pois não lhes assiste o direito de serem ressarcidas à conta do exequente, quando não há elementos nos autos que indiquem que a referida demora lhes seja imputável.
Finalmente, invocam as apelantes o artigo 721.º, n.º 1, do CPC e o artigo 45.º da Portaria n.º 282/2013, de 29-08, para defenderem que os honorários e as despesas devidas ao agente de execução têm de ser suportadas pelo exequente, podendo este posteriormente reclamar o seu reembolso junto das executadas.
Embora esta afirmação encontre apoio no artigo 721.º, n.º 1, do CPC, que prescreve que o pagamento de quantias devidas ao agente de execução é suportado pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado, esquecem-se as apelantes que o normativo acrescenta «(...) nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 451.º».
Estipulando este preceito que «As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidas ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados», é mister concluir que o n.º 1 do artigo 721.º do CPC só se aplica quando o valor apurado na execução não for suficiente para pagar as custas da execução, incluindo os honorários e despesas do agente de execução.
Regime que o artigo 45.º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013, de 29-09, vem reiterar ao estipular: «1 - Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado.»
Na situação dos autos, não estando demonstrado que não é possível aplicar o princípio da precipuidade previsto no artigo 541.º do CPC, não tem fundamento a alegação das apelantes ao pretenderem que seja a exequente a pagar os honorários e despesas do agente de execução mediante posterior reembolso das executadas.
Em face do exposto, a sentença recorrida não violou as normas mencionadas pelas Apelantes, nem outras, não merecendo qualquer censura, improcedendo a apelação.
Dado o decaimento, as custas do recurso ficam a cargo das apelantes (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.
III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 11-05-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Cfr,, entre outros, Ac. RC, de 05-11-2019, proc. n.º 3141/18.4T8PBL-B.C1 e Ac. RC, de 17-01-2017, proc. n.º 5211/13.1T8PBL-B.E1, em www.dgsi.pt
[2] Cfr, AC.STJ, de 04-03-2004, proc. 04B211, em www.dgsi.pt
[3] Cfr., neste sentido, Ac. RL, de 12-11-2020, proc. n.º 1388/07.8TBCSC-E.L1-8, em www.dgsi.pt
[4] Cfr. Ac. 29-01-2003, proc. n.º 1579/02-1, e Ac. RC, de 09-11-2021, proc. n.º 704/20.1T8SRE-B.C1, em www.dgsi.pt
[5] Ac. RL, de 21-04-2009, proc. n.º 648/1995.L1-1, em www.dgsi.pt