CONTRATO DE SEGURO
POSSIBILIDADE DE O LESADO DEMANDAR DIRECTAMENTE O SEGURADOR
SEGURO DE NATUREZA FACULTATIVA
Sumário

I – À luz do vigente DL nº 72/2008, de 16 de Abril, que aprovou a actual Lei do Seguro, a possibilidade de o lesado demandar directamente o segurador, depende de se tratar de seguro de responsabilidade civil obrigatório ou facultativo. Enquanto ali, por via de regra, e com a finalidade de proteger o lesado, se admite que este possa demandar diretamente a seguradora, (art  146º), aqui, nos seguros voluntários, preserva-se o princípio da relatividade dos contratos e, por isso, apenas o pode nos casos especificamente previstos – a ter como excepcionais - dos nºs 2 e 3 do art 140º: quando o contrato de seguro preveja o direito do lesado a demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto; e quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre lesado e segurador.
2 – A solução legal não parece proteger os interesses nem dos lesados, nem dos segurados/tomadores de seguro, nem das seguradoras. 
3- Na situação dos autos, em que estava em causa um seguro de natureza facultativa, mas em que, não obstante, a seguradora foi demandada, não tendo arguido a sua ilegitimidade, nem tendo a mesma sido conhecida oficiosamente, acabou por ser condenada solidariamente com os segurados.
4 - Não tendo recorrido da sentença, dever-se-á manter a mesma, e manter-se, naturalmente, a condenação dos segurados.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I -  AA e cônjuge, BB, instauraram acção declarativa comum contra CC e cônjuge, DD e contra a A... – Companhia de Seguros, S.A., pedindo que os RR. fossem condenados a, solidariamente, ou nos termos constantes do contrato de seguro:

a) a pagarem-lhes o valor de 2.204,05€, a título de indemnização pelo ressarcimento dos danos causados sobre a fracção predial propriedade deles, valor esse correspondente ao montante necessário à reparação da fracção à data de 19/12/2018, bem como dos demais prejuízos causados, até essa data, quantia essa acrescida de juros desde a citação até integral e efectivo pagamento;

b) a  pagarem-lhes o valor de 3.000,00€ a título de danos não patrimoniais, por todos os incómodos, aborrecimentos e constrangimentos que o sinistro  lhes causou  até 11/02/2019, acrescida de juros desde a citação até integral e efectivo pagamento;

c) a  repararem de imediato as anomalias causadoras das infiltrações que estão a ocorrer desde 12/02/2019, de forma a porem cobro às mesmas, bem como a repararem a fracção dos AA. na parte em que a mesma continua a ser danificada pelas referidas infiltrações e, ainda, no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que se venham a verificar após 12/02/2019, cujo montante se relega para liquidação em execução de sentença, acrescido de juros à taxa legal desde a liquidação até integral pagamento;

 Alegraram para o efeito, e em suma, que são proprietários de uma fracção situada abaixo da fracção dos RR. CC e DD, e que, no dia 26 de Novembro de 2018, se aperceberam de umas manchas de humidade no tecto de uma das casas-de-banho do seu imóvel que, em poucas horas, se avolumaram, formando bolhas e, logo depois, a partir dessas bolhas, começou a escorrer água do referido tecto para o chão da dita casa de banho. Interpelaram os 1º RR., cuja casa de banho se situa acima da sua, para não utilizarem os seus equipamentos até que fosse solucionado o problema, mas  continuaram a fazê-lo, mantendo-se as infiltrações de água na fracção dos AA., só tendo deixado de o fazer depois da propositura do procedimento cautelar, a 4/12/2018. Destas infiltrações resultaram danos cuja reparação quantificam em €1.550,00, acrescido de IVA, de despesas judiciais, de despesas com relatório de ocorrência e do relatório do engenheiro civil, tendo recebido uma proposta, por parte da 2ª R., no valor de €1.434,88, que não aceitaram. Sofreram, além disso, danos morais, tanto pelo sinistro em si, como por causa da omissão dos 1ª RR. Para além disso, a 12 de Fevereiro de 2019, o sinistro voltou a repetir-se, existindo nova inundação no mesmo local, passando a água a inundar os tectos e paredes, deslocando os mosaicos/azulejos das partes da casa-de-banho, atingindo os rodapés do quarto, o chão do hall de acesso ao quarto e do hall de entrada, assim como as paredes, móveis, quadros e espelhos do hall.

Os 1º RR. contestaram, referindo que logo a 11 de Dezembro de 2018, foi reparada a sua casa de banho, tendo sido detectado que a borracha de ligação do autoclismo à sanita perdia água e que a ligação da sanita à tubagem do esgoto tinha o betume completamente desfeito, tendo deixado de utilizar a casa de banho desde dia 29 de Novembro de 2018. Foram surpreendidos com as novas infiltrações, suspenderam de imediato a utilização da casa de banho e chamaram o canalizador, tendo participado o sinistro no dia 13 de Fevereiro de 2019. As novas infiltrações nada tinham a ver com a iniciais, tendo sido necessário partir o chão da casa de banho e levantá-lo, a fim de observar o que estava a suceder, sendo que desde o início dos trabalhos estava garantido que não existiam mais fugas de água para a casa dos AA.  Refutam terem agido de má fé, defendendo que o prédio tem mais de 50 anos de idade e que a sua responsabilidade civil se encontra transferida para a 2ª R.

Esta, contestou, impugnando a maioria dos factos alegados na petição inicial, por desconhecimento, referindo ter proposto aos AA. o pagamento dos €1.434,88, impugnando os danos que não estejam compreendidos nessa proposta. Alerta que o limite de capital seguro é de € 30.812,76 e que não se encontram garantidos as perdas ou danos que derivem, directa ou indirectamente, de actos ou omissões do tomador do seguro, do segurado ou de pessoas com quem estes sejam civilmente responsáveis. Assim, caso venha a demonstrar-se que os 1ª RR. tiveram um comportamento omissivo, não poderá ser responsabilizada pelos alegados danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de tal actuação, nem lhe podem ser imputados encargos com o recurso à via judicial.

Notificados para o efeito, vieram os AA. quantificar os danos provocados a 12/02/2019, em €1.100,00, relegando os danos não patrimoniais para liquidação em execução de sentença, uma vez que o seu imóvel ainda não foi reparado, não tendo conseguido restabelecer a normalidade dos seus dias, o que somente sucederá após a realização das obras.

Os AA. apresentaram articulado superveniente, onde peticionaram mais €1.000,00 a título de danos morais.

Foi proferido despacho saneador, em que se fixou o valor da causa em € 6.204,05, se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando:

- os RR – CC, DD e seguradora -  a pagarem aos AA:

 i) €2.414,00 (dois mil quatrocentos e catorze euros), por danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento;

ii) €1.200,00 (mil e duzentos euros), por danos não patrimoniais acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento;

- apenas os RR.  CC e DD a pagarem aos AA.:

i) €238,00 (duzentos e trinta e oito euros) por danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento;

 ii) €700,00 (setecentos euros) por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento;

-  absolvendo os RR. do demais peticionado.

II – Do assim decidido, apelaram os RR. CC e DD, vindo a concluir as respectivas alegações, nos seguintes termos:

 1. Os Réus discordam da condenação solidária com a Ré seguradora pois entendem que deve ser esta a condenada a pagar aos Autores todas as quantias a que por força da sentença condenatória têm direito.

2. Por força do contrato de seguro celebrado e em vigor entre os Réus e a seguradora encontrava-se transferida para esta a responsabilidade daqueles perante os Autores.

3. O contrato encontrava-se válido e era eficaz.

4. Os valores das quantias em que os Réus se encontram condenados contêm-se dentro dos limites do capital seguro.

5. Todos os danos em causa nesta ação estão incluídos na apólice de seguro e encontram-se a coberto dela.

6. Acresce que nenhuma causa de exclusão da responsabilidade ficou provada.

7. A ser admitida a responsabilidade solidária dos Réus é certo que se a Ré Seguradora pagar libera o segurado mas pode, ainda assim, exercer direito de regresso contra os Réus.

8. Caso a seguradora não cumpra sempre os autores podem exigir o cumprimento da obrigação dos Réus.

9. É a Ré seguradora a única responsável, por força do contrato de seguro e dos factos provados, e que deve ser condenada a pagar aos Autores todas as quantias que cabem dentro da apólice, absolvendo-se os Réus dos pedidos formulados.

 10. Resulta do disposto no artigo 513.º do Código Civil “A solidariedade de devedores e de credores só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes”. Ora, na douta sentença recorrida não se mostra qual a norma ou a estipulação contratual de que decorreria a solidariedade, pelo que não há qualquer fundamento para a solidariedade.

11. Quanto à taxa de justiça entende-se que deverá ser paga pela parte vencida mas após apresentação das custas de parte.

12. Por último, não resulta suficientemente fundamentada a condenação exclusiva dos Réus a pagar aos Autores a quantia de €700,00 a título de danos morais pois não se vislumbra ter ficado provada qualquer causa de exclusão de responsabilidade da seguradora quanto a este tipo de danos.

Os AA. ofereceram contra-alegações, que concluíram do seguinte modo:

 A) Notificados da douta sentença prolatada nos autos vieram os Réus CC, DD, interpor (quanto à matéria de direito) recurso sobre o qual, desde já se antecipa, aqui se concluiu pela não razão dos recorrentes e pela manutenção da douta sentença recorrida, por esta se mostrar  absolutamente conforme aos factos e ao Direito, quer quanto à lei quer quanto à doutrina e à jurisprudência.

 B) A douta sentença recorrida, quanto a este segmento andou bem ao considerar que: “Os primeiros Réus celebraram um contrato de seguro com a Ré “A... – Companhia de Seguros, S.A.”, tendo esta assumido a validade do mesmo, à data dos factos, com cobertura de responsabilidade civil extracontratual. Assim e ao abrigo deste contrato, será a segunda Ré condenada nos mesmos termos que os Réus – artigo 320º, do Código de Processo Civil – quanto à obrigação de reparação e indemnização por aqueles danos patrimoniais. (…) Por todo o exposto e conforme já referido, será a segunda Ré solidariamente responsável pelo pagamento da indemnização devida pela reparação da fracção dos Autores.”

C) Os RR. não foram condenados a pagar aos AA. a taxa de justiça, uma vez que a douta sentença recorrida é bem clara quando nela se refere que: “Ainda em sede de danos patrimoniais, pedem os Autores que os Réus sejam condenados a reembolsar a taxa de justiça paga, acrescida de €204,00 pelo relatório de vistoria junto aos autos e €34,00 pela certidão da PSP. Ora, quanto à taxa de justiça, será a mesma imputada em sede de custas de parte.”

 D) A sentença recorrida condena os Réus, CC e DD a pagar aos Autores o montante de €238,00 (duzentos e trinta e oito euros) por danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, a contar desde a data de citação e até efetivo e integral pagamento, montante esse que corresponde ao somatório do valor pago pelo relatório de vistoria junto aos autos (204,00€) com o valor da certidão da PSP (34,00€), não condenando os RR/recorrente a pagarem aos Autores o valor da taxa de justiça.

E) A douta sentença recorrida deve manter-se na parte em que condenou os Réus/recorrentes a pagarem aos Autores danos morais no valor de €700,00, porquanto considerou, de forma esclarecedora, que: “(…) Atendendo ao circunstancialismo descrito nos factos dados como provados, entende-se ser de dividir este pedido de indemnização por danos morais em duas partes – uma referente aos incómodos sofridos pelos próprios danos provocados pela fracção  dos primeiros Réus e outra relacionada com a conduta dos Réus, entre 26 de Novembro de 2018 e 10 de Dezembro de 2018. (…) Quanto à segunda parte da indemnização por danos morais que, salvo melhor opinião, só será imputável aos primeiros Réus e que se resume a um período de 14 dias, ficou demonstrado o seguinte: (…) Perante isto, entende-se que a inércia dos Réus e o uso dos equipamentos sanitários que aumentava as infiltrações e assim, necessariamente, o trabalho de limpeza dos Autores, provocaram danos morais nos Autores que justifiquem a atribuição de uma indemnização. No entanto, atendendo aos factos dados como provados de 70) a 74), conclui-se que o uso dos equipamentos sanitários, por parte dos Réus limitou-se à noite e fins-de-semana (e nem sempre todo o dia). Pelo exposto, julga-se justo e adequado fixar uma indemnização no valor de €50,00 (cinquenta euros) por dia, num total de €700,00 (setecentos euros).”

F) Perante tudo quanto supra se deixa alegado deve improceder e ser negado provimento a tudo quanto os recorrentes alegam e concluem no seu recurso.

G) Consequentemente, deve a douta sentença recorrida manter-se inalterada, nos seus precisos termos.

III – O Tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1) Os Autores são os únicos donos e legítimos possuidores da fracção predial A do prédio urbano, sito na Rua ..., na freguesia ..., inscrito na respectiva matriz em nome dos aqui Requerentes, sob o artº ...05, e registado na Conservatória do Registo Predial ... com a descrição nº ...69 “A”.

2) Tal fracção corresponde ao R/ch Dtº do prédio urbano, sito na Rua ..., ... ....

3) Os 1ºs RR. são proprietários da fracção predial C do prédio urbano, sito na Rua ..., na freguesia ..., inscrito na respectiva matriz em seu nome, sob o artº ...05, e registado na Conservatória do Registo Predial ... com a descrição nº ...69 “C”.

4) Tal fracção, propriedade dos 1ºs RR., corresponde ao 1º andar Dtº do prédio urbano, sito na Rua ..., ... ....

5) AA. e 1ºs RR. são, pois, vizinhos no prédio sito na Rua ..., ... ..., situando-se a fracção dos AA. imediatamente por debaixo da fracção dos 1ºs RR..

 6) No dia 26 de Novembro de 2018 os AA. aperceberam-se do aparecimento de umas manchas de humidade no tecto de uma das casas-de-banho do seu imóvel.

7) Tal casa-de-banho que conjuntamente com o quarto formam uma suite, eram utilizadas diariamente pelos AA..

8) Tais manchas de humidade surgiram primeiramente na casa-de-banho do quarto dos AA. e, em poucas horas, avolumaram-se, formaram bolhas e, logo depois, a partir dessas bolhas, começou a escorrer água do tecto da casa-de-banho dos AA. para o chão da mesma.

9) Os AA., pela localização das manchas e pela quantidade de água que começou a cair, verificaram que, provavelmente, a água provinha dos equipamentos da casa-de-banho dos 1ºs RR., a qual se situa por cima da casa-de-banho dos AA..

10)Logo que se aperceberam de tais manchas e da água que, já com abundância e permanentemente escorria, “com pingas e “em fio contínuo”, desde o prédio dos 1ºs RR., os AA. tentaram, pessoalmente, contactar os 1ºs RR. no sentido de lhes comunicarem o que se estava a passar e de tentarem encontrar uma solução urgente para pôr imediatamente cobro ao já sucedido e que continuava a suceder.

11) No dia 26 de Novembro de 2018, a primeira Ré foi contactada pelo Autor, exibindo-lhe uma imagem num telemóvel e dizendo-lhe: “Olhe, temos manchas de humidade na casa de banho que provêm da vossa casa de banho”.

12)A Ré respondeu que nada tinha de anormal na sua casa de banho e que essa situação devia ser reportada ao condomínio.

13)Devido à quantidade de água que se introduzia na sua fracção e perante a omissão dos 1ºs RR. no sentido de encontrarem uma solução para o problema, os AA., desesperados e preocupados, participaram o sucedido à PSP.

14)No dia 27 de Novembro, feriado municipal da ..., deslocaram-se à residência dos Réus dois agentes da PSP alertando os para a existência de manchas de água no quarto e casa de banho dos Autores.

15)Os Réus responderam aos senhores agentes que nada tinham da anormal na sua casa de banho mas que iriam verificar o estado do silicone da banheira, o que fizeram tendo constatado estar tudo bem vedado.

16) No dia 28 de Novembro de 2022, a Autora interpelou, pessoalmente, a 1ª Ré pedindo-lhe que, até que o problema fosse solucionado, não procedessem à utilização dos equipamentos da casa-de-banho que se situa por cima da casa-de-banho dos AA., uma vez que a utilização dos mesmos fazia com que aumentasse a quantidade de água que se introduzia desde a fracção dos 1ºs RR., pelo tecto na fracção dos AA..

17) Nesse momento, a Autora questionou ainda a 1ª Ré se já tinha accionado o seguro multirriscos e se já haviam solucionado a situação, não tendo obtido qualquer resposta.

18)Nessa mesma interpelação a Autora alertou a 1ª Ré para o facto de o seu filho que, naquela data, tinha apenas 7 meses de vida, se encontrar doente e com manchas no rosto situação essa que os preocupava.

19) A 1ª Ré nada disse à Autora, tendo os RR. continuado a fazerem um uso continuo dos equipamentos da casa-de-banho ignorando o problema, utilização essa que é audível desde a fracção dos AA..

20) Confrontados com o agravamento da situação os AA. contactaram a Administração do Condomínio do prédio, a qual procedeu, no dia 29 de Novembro de 2018, ao envio de comunicação escrita aos 1ºs RR., reportando o problema supra descrito, alertando inclusive para a possibilidade de tal ocorrência poder danificar a estrutura do edifício de forma insanável.

21) Comunicação essa que veio devolvida.

22) Mais solicitaram, os AA., à Administração do Condomínio que os informasse se os 2ºs RR. eram detentores de seguro de imóvel e, em caso afirmativo, qual a companhia de seguros e qual a apólice.

23) A Administração do Condomínio comunicou aos AA. que desconhecia tais dados.

24) Atenta a situação, em 29/11/2018, os AA. tiveram de mudar o quarto do casal, para outro quarto da sua fracção predial (procederam à mudança de quarto) atendendo a que a mancha da infiltração quase chegava à zona do berço e do fraldário do filho de ambos e o menor apresentava cada vez mais manchas no rosto.

25) Não obstante as insistências dos AA. os 1ºs RR. continuaram a utilizar as instalações sanitárias, o que fizeram designadamente no dia 29/11/2018, facto este que foi ouvido pelos AA., enquanto procediam à remoção dos móveis e seus haveres do quarto.

26) Os AA. participaram, em 26/11/2018, o sinistro à sua companhia de seguros.

27) No dia 03/12/2018 um perito da companhia de seguros dos AA. deslocou-se à sua fracção para verificar e reportar o sinistro e, tendo em conta a gravidade da situação, tentou, também, estabelecer contactos com os 1ºs RR.

28) Em resposta a tal participação, a companhia de seguros (B...) procedeu ao envio de comunicação, em 04/12/2018, aos AA. referente à Apólice n.º: ...83 e à Participação nº ....

29)Desesperados, impotentes e receosos com as consequências de toda a situação, os AA. contactaram a Câmara Municipal ....

 30)Elementos da CM... deslocaram-se ao local e procederam à análise técnica do local e elaboraram, com data de 03/12/2018, um ofício.

31) Posteriormente os AA. contactaram, também, a Unidade de Saúde Pública – Núcleo Local de Saúde Pública da ... solicitando a comparência do Senhor Delegado de Saúde ao Local.

32) Nessa sequência, no dia 4/12/2018 um técnico da Unidade de Saúde Pública – Núcleo Local de Saúde Pública da ... – deslocou-se ao local e constatou a existência de infiltrações de água no tecto de um dos quartos e na instalação sanitária, provenientes do andar imediatamente superior, mais tendo registado que “a situação é origem de humidades, as quais desenvolvem fungos e bolores prejudiciais à saúde dos habitantes e em especial do menor (bebé).”

 33) Atenta a devolução da comunicação enviada pela Administração do Condomínio em 29/11/2018, esta Administração procedeu ao envio, aos 1ºs RR., de nova comunicação, em 03-12-2018, a qual também foi devolvida.

34) Em 4/12/2018, a fracção dos AA., designadamente na casa-de-banho e no quarto, apresentava elevados níveis de humidade, infiltrações, corrimentos de águas no tecto e paredes, insalubridade e no chão era visível água em grandes quantidades, sendo visíveis humidades no hall.

 35) Tendo em conta todo este circunstancialismo os AA., numa tentativa de porem cobro à introdução de águas, intentaram procedimento cautelar, em 4/12/2018.

36) Somente com a douta oposição, apresentada pelos 1ºs RR., em sede do procedimento cautelar, é que os AA. tomaram conhecimento de que os 1ºs RR. haviam participado o sinistro à sua seguradora e de que havia sido realizada peritagem aos locais.

37) Mais tomaram conhecimento de qual a companhia de seguros e número de apólice referente à fracção predial dos 1ºs RR..

 38) A 10 de Janeiro de 2019, os AA. receberam comunicação da Ré A... – Companhia de Seguros S.A. na qual era referido o seguinte: “Vamos pagar-lhe a indemnização no valor de €1.434,88. Os danos ocorridos estão garantidos por esta apólice, pelo que procedemos ao pagamento dos prejuízos apurados. (…).”.

39) Os 1ºs RR. transferiram, por contrato de seguro titulado pela Apólice nº ...52, para a Ré A... – Companhia de Seguros S.A., a responsabilidade civil geral, (sinistros) nomeadamente a causada por sinistros ocorridos na habitação.

40) Esse contrato de seguro encontrava-se válido e eficaz à data do sinistro em questão (26/11/2018).

41) Por força das infiltrações, a fracção dos AA. sofreu danos cuja reparação exige: i) Remoção do pladur existente e re-execução de novo painel , incluindo todos os trabalhos de remates; ii) Preparação das superfícies para receberem pinturas; iii) Pintura de tectos com tinta de interior aplicada sob base alcalina; iv) Idem de pintura de paredes; v) Retoques em tratamento de madeiras no rodapé e pavimento do quarto.

42)As obras descritas em 42) determinam um custo de €1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros), acrescido de IVA, num total de €1.660,50 (mil seiscentos e sessenta euros e cinquenta cêntimos).

43)Como causa directa e necessária do sinistro e, também, por causa da omissão dos 1ºs RR. no sentido de impedirem a introdução de águas na fracção dos AA., depois mesmo da entidade policial os contactarem, os AA. viram-se confrontados com a única solução de recorrerem às vias judiciais para travarem a introdução das águas na sua fracção e o agravar dos danos.

44) Ora, com o recurso à via judicial, os AA. despenderam o valor de 306,00€ referente à taxa de justiça por eles inicialmente paga.

 45) Mais tiveram que proceder ao pagamento do valor de 34,00€, junto da PSP, para obtenção do relatório de ocorrência.

46) Para além dessas despesas os AA. tiveram que solicitar relatório ao Engº civil para averiguarem a extensão dos danos e o valor dos prejuízos, pelo qual pagaram a importância de 204,00€.

 47)Acresce que os AA. desde 26 de Novembro de 2018 vivem, por culpa única e exclusiva do sinistro ocorrido na fracção dos 1ºs RR. e, também, por causa do comportamento omissivo dos 1ºs RR., que ignoraram os alertas de todas as entidades para a gravidade do assunto, sujeitos a um ambiente de insalubridade, com elevados níveis de humidade e água.

48) Tal facto impede dos AA. de usarem o quarto do casal e respectiva casad e-banho, obrigando-os a cingirem a utilização da sua fracção predial às restantes divisões onde a água não se introduziu, com a consequente perda de conforto, vindo-se impossibilitados de utilizarem os seus bens pessoais, nomeadamente, o uso do fraldário, dado que passaram a utilizar divisão do imóvel de menor dimensão.

49) Até porque nos dias que se seguiram ao início das infiltrações o filho dos AA. apresentava sinais de doença, designadamente aparecimentos de manchas nos lábios e constipação.

50) Durante semanas os AA. inutilizaram quer o quarto, quer a casa-de banho da sua fracção predial porquanto tiverem que manter as janelas abertas no sentido de secar e arejar essas, perdendo calor na habitação, o que se fez sentir em pleno Inverno.

51)Por forma a tentar contornar tal situação os AA. recorreram a equipamentos de aquecimento suplementares o que levou, necessariamente, ao aumento do consumo de energia.

52)Devido à grande quantidade de água que escorria pelas paredes, e por forma a evitar maiores danos e prejuízos no pavimento de madeira do quarto os AA., diversas vezes ao dia, tinham que apanhar e torcer as toalhas e tapetes que colocavam no chão.

53)A 12.02.2019, os tectos e paredes do quarto e da casa-de-banho dos AA. começaram, de novo, a ser objecto de infiltrações e escorrimento de águas provindas da casa dos 1ºs RR. que não só inundam o tecto, mas também as paredes, deslocando e empolando, inclusivamente, os mosaicos/azulejos das paredes da casa-de-banho e atingido os rodapés do quarto.

54) No dia 13/02/2019, pela manhã, as infiltrações intensificaram-se, passando a inundar não só tectos, paredes, rodapés, mas também o chão do hall de acesso ao quarto dos AA. e o hall de entrada, danificando não só o chão, mas também paredes, móveis, quadros, espelhos e ameaçando alargar-se e estender-se a outros espaços e dependências da fracção dos AA., com desprendimento de tintas, gessos, reboco de paredes, madeiras de rodapés e chãos, com perigo eminente para a instalação eléctrica.

55)Toda esta situação alterou, e altera, a dinâmica dos AA. enquanto família e as exigências necessárias de forma a garantir o conforto, higiene e cuidados de saúde do seu filho em tão tenra idade, uma vez que impedem a normal habitabilidade de toda a fracção dos AA., sendo que a descrita repetição da ocorrência reverteu toda a situação factual ao seu início.

56) Para reparação dos danos descritos em 54), é necessário: i) proceder à retirada de azulejos da casa de banho, os quais ficaram soltos na sequência das infiltrações, e proceder à aplicação de novos azulejos, trabalhos esses que se quantificam em 900,00€, mais IVA; ii) reparar um espelho e um móvel aparador, com o custo de €200,00.

 57) Com o passar dos tempos e com as amenas temperaturas da Primavera e do Verão, as infiltrações e humidades existentes nas divisões afectadas foram secando, verificando-se que as paredes e tecto já não apresentavam escorrências, água e humidade e que estariam já secas, o que seria favorável à realização das obras, efectuadas em Setembro de 2019.

58) No final do mês de Novembro de 2018, os Réus contactaram, telefonicamente, um canalizador para se deslocar à sua casa e verificar o estado das canalizações e equipamentos sanitários da casa de banho.

59)Como o canalizador não tinha, naquele dia e nos próximos, disponibilidade para se deslocar ao local, agendou o dia 10 de Dezembro e advertiu os Réus de que não podiam usar os equipamentos por forma a fazer cessar as fugas de água para casa dos Autores.

60) No dia 10 de Dezembro de 2018, o canalizador dirigiu-se à casa dos Réus e ao vistoriar a sua casa de banho detectou fugas de água na sanita e na ligação autoclismo, tendo confirmado serem as causas das infiltrações na casa dos Autores.

 61)No dia 10 de Dezembro o canalizador verificou o material necessário à reparação e no dia 11 de Dezembro reparou a casa de banho.

 62)No dia 11 de Dezembro, o canalizador visitou a casa dos Autores a pedido dos Réus para ver o estado das divisões afectadas, para os informar das causas das infiltrações, das medidas tomadas e da reparação efectuada.

 63) Os Réus participaram à sua seguradora o sinistro a 10 de Dezembro de 2018, uma vez que era claro que não seria um problema nas partes comuns do edifício e por isso nada teria a ver com o seguro do condomínio como inicialmente pensaram.

64)A peritagem promovida pela terceira Ré ocorreu a 14 de Dezembro de 2018.             65) Os Réus receberam uma única carta do condomínio, datada de 28 de Novembro de 2018, mas recebida a 12 de Dezembro de 2018.

66)Foi só após a reparação das fugas de água que se deslocou a casa dos Réus um responsável do condomínio indagando qual a razão das infiltrações.

67) Quanto ao descrito em 53), ao receberem a comunicação, os Réus de imediato suspenderam a utilização da casa de banho, chamaram o canalizador para vistoriar a casa de banho e participaram ao seguro no dia 13 de Fevereiro de 2019.

68)O canalizador informou os Réus que as infiltrações agora ocorridas nada tinham a ver com as iniciais, tendo chegado à conclusão que havia uma ruptura na ligação dos canos, junto ao sifão.

69)Desde que os trabalhos de reparação começaram, ficou garantido que não existiriam fugas de água para a casa dos Autores.

70)Os Réus têm uma vida profissional e pessoal muito preenchida, saindo da casa de manhã e voltando à noite, com excepção da autora que almoça em casa num curto intervalo de tempo entre as aulas.

71)Os Réus são ambos professores do ensino secundário, ele em ... e ela na Escola Secundária ... e são directores de turma nas respectivas escolas.

72)O filho de ambos que com eles coabita trabalha na ..., sai de manhã e volta a casa à noite.

73)Para além disso os Réus têm outras actividades (montanhismo, no caso da Ré, pintura e exposições no caso do Réu), que lhes ocupam muito tempo fora de casa, o que significa que pouco tempo estão em casa durante a semana e mesmo ao fim-de-semana.

74)A utilização que fazem da casa não é permanente, concentra-se à noite, ao jantar e dormidas.

75)As fracções de Autores e Réus situam-se num prédio com mais de 50 anos, tendo as respectivas casas sido remodeladas.

76)Os primeiros Réus fizeram um uso normal dos equipamentos.

77) Consta de fls. 78 e ss dos autos, documento escrito, denominado «APÓLICE SEGURO MULTIRRISCOS HABITAÇÃO», datado de 17.11.2018 a 17.11.2019, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

O Tribunal da 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:

A) A seguir ao momento descrito em 11) e 12), a Ré, dirigiu-se à sua casa de banho e nada observou que a levasse a concluir que aí houvesse fugas de água ou outros problemas.

B) Os 1ºs RR. não comunicaram nem colaboraram com a Administração do Condomínio.

C) Para além das descritas em 11) e 16), os AA. tentaram contactar, pessoalmente, os 1ºs RR. solicitando-lhes uma solução urgente para a situação.

 D) No momento descrito em 28), os Réus nem sequer a porta de casa abriram aos peritos da seguradora dos Autores.

E) O bebé dos Autores apresentou as manchas referidas em como consequência directa e necessária do sinistro.

 F) Como consequência directa e necessária, quer do sinistro, quer do comportamento omissivo dos 1ºs RR., os AA. recearam que as paredes e tecto da sua fracção, bem como a estrutura do prédio, ficassem de tal forma danificadas que colocassem em causa a segurança e bem-estar de todos aqueles que residem no prédio.

G) Os Autores deixaram de usar o seu vestuário.

H) Para além disso os AA. encontram-se preocupados porquanto sabem que durante a realização das obras de reparação não poderão viver na fracção (devido ao pó, lixo e cheiros tóxicos) e não têm qualquer alternativa de habitação.

 I) Facto este que, necessariamente terá custos acrescidos, com inerentes incómodos, constrangimentos e trabalhos acrescidos         

 J) As imagens referidas em 11) eram pouco perceptíveis.

K) Os Réus acataram de imediato a advertência do canalizador e cumpriram-na escrupulosamente, tendo cessado as infiltrações de água no dia 29 de Novembro de 2018.

 L) Os Réus fizeram novas canalizações.

IV – Do confronto das conclusões das alegações com a sentença recorrida, resultam para decidir as seguintes questões, que correspondem ao objecto do recurso: se apenas a seguradora deveria ter sido condenada em todas as quantias determinadas na sentença, incluindo no que se refere à de € 700,00, referente a danos não patrimoniais, devendo os apelantes ter sido absolvidos dos correspondentes pedidos; se a taxa de justiça só deve ser paga após a apresentação das custas de parte.

Entendem os 1º RR. que mantendo com a R. A..., à data dos sinistros, um contrato de seguro válido, com cobertura para os danos em causa na acção, resultando do mesmo não haver franquia e, contendo-se os montantes indemnizatórios nos limites da apólice de seguro, deveria ter sido a seguradora a única condenada a pagar aos AA. (todas) as quantias que aos mesmos foram atribuídas, estando excluída a responsabilidade solidária entre eles e a seguradora em que se baseou a sentença recorrida.

Mas assim não é, como decorrerá do que se vai expor.

Antes da entrada em vigor da LCS - DL nº 72/2008 de 16/4 – o contrato de seguro era regulado no C. Com - nos arts 425° a 431º - sendo corrente admitir a demanda directa pelo lesado da seguradora do lesante e a consequente responsabilização desta perante aquele, invocando-se, à falta de lei expressa sobre a matéria, a figura do contrato a favor de terceiro, em que se entendia qualificar o contrato de seguro [1], para justificar o direito do lesado, como beneficiário da prestação, a exigir o seu direito directamente da seguradora.

 Com efeito, diz-se no art 444º/1 do CC que «o terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação». [2]  e [3]

Já assim não pode ser entendido à luz do vigente do DL nº 72/2008, de 16 de Abril, que aprovou a actual Lei do Seguro.

 O legislador foi, aliás, especialmente claro na matéria, como resulta do preâmbulo desse diploma, onde refere:

«No seguro de responsabilidade civil voluntário, em determinadas situações, o lesado pode demandar directamente o segurador, sendo esse direito reconhecido ao lesado nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil. Por isso, a possibilidade de o lesado demandar directamente o segurador depende de se tratar de seguro de responsabilidade civil obrigatório ou facultativo. No primeiro caso, a regra é a de se atribuir esse direito ao lesado, pois a obrigatoriedade do seguro é estabelecida nas leis com a finalidade de proteger o lesado. No seguro facultativo, preserva-se o princípio da relatividade dos contratos, dispondo que o terceiro lesado não pode, por via de regra, exigir a indemnização ao segurador."

Deve, pois, distinguir-se o contrato de seguro obrigatório do facultativo - enquanto ali, por via de regra, o lesado pode demandar diretamente a seguradora, cfr art  146º («O lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador»), aqui, nos seguros voluntários, apenas o pode  nos casos especificamente previstos – a ter como excepcionais - dos nºs 2 e 3 do artº 140º: quando o contrato de seguro preveja o direito do lesado a demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto; e quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre lesado e segurador. [4]

Esta solução do actual legislador  não é isenta de criticas e dificuldades, como disso dá amplamente conta Abrantes Geraldes [5], quando refere:

«Acção directa contra o segurado: “Outra norma com manifesta implicação na actividade judiciária é a do art. 140º do RJCS relativo à acção directa do lesado contra a seguradora.

A acção directa contra a seguradora encontra-se expressamente prevista para o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel ou para o seguro de acidentes de trabalho. O novo regime veio adoptar essa mesma solução para todos os seguros obrigatórios (art. 146º, nº 1).

Porém, no que concerne aos demais contratos de seguro, entre duas soluções que, em abstracto, seriam possíveis, o legislador consagrou aquela que suscita maiores dificuldades aos interessados, sem que se percebam as verdadeiras vantagens que derivam do regime consagrado (Sobre a crítica ao novo regime cfr. Moitinho de Almeida, ob. cit., págs. 24 a 26).

Em face do regime anterior, não estava prevista, em geral, a acção directa contra as seguradoras. Apesar disso, eram frequentes as situações de demanda directa das seguradoras (ou em regime de litisconsórcio voluntário com o segurado), solução que a jurisprudência e parte da doutrina sustentava na figura do contrato a favor de terceiro (art. 444º, nº 2, do CC) (Cfr. José Vasques, Contrato de Seguro, págs. 258 a 260).

Posto que a solução não fosse inteiramente pacífica, eram pouco frequentes as questões que, na prática, se suscitavam a respeito da legitimidade passiva das seguradoras, pelo que seria de esperar que o novo regime acabasse por consagrar a solução que a prática já revelava ser a mais ajustada à realidade.

Com tal solução seriam acolhidos em simultâneo diversos interesses:
            - Dos lesados que confrontariam logo seguradoras cuja solvabilidade lhes permite responder pelos danos causados;

- Dos segurados ou dos tomadores dos seguros que seriam substituídos (em casos de demanda exclusiva da seguradora) ou acompanhados (em caso de demanda litisconsorcial) pela respectiva seguradora, ficando, assim, imediata e substancialmente aliviados da carga de responsabilidade decorrente do sinistro e do ónus que implica a defesa judicial;

- Também das próprias seguradoras que, desta forma, poderiam assumir logo a direcção do litígio, na medida em que muito frequentemente estão em melhor posição no que concerne ao exercício de uma efectiva defesa quanto a pretensões fraudulentas, injustificadas ou excessivas.

É claro que em qualquer dos casos ficaria sempre acautelada a possibilidade de, através dos instrumentos processuais adequados, como a intervenção principal (também prevista no seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), chamar ao processo o segurado ou o tomador do seguro, tendo em vista superar eventuais dificuldades no exercício do direito de defesa, designadamente em situações de falta de participação ou de dúvidas quanto ao sinistro.

A solução legal ficou a meio caminho e, além disso, é excessivamente complexa.

Embora se admita a intervenção da seguradora em qualquer processo judicial em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco assumiu (art. 140º, nº 1), a sua demanda directa fica, em princípio, dependente da existência de previsão contratual ou do início de negociações estabelecidas com o lesado, factor que é necessariamente posterior à ocorrência do sinistro que deveria servir para fixar o pressuposto processual da legitimidade passiva.(…)

Admite-se expressamente a responsabilidade directa da seguradora, quer individualmente, quer em regime de litisconsórcio com o segurado, nos casos em que o contrato o preveja ou em que se tenham iniciado negociações com o lesado, o que nos reconduz à figura da legitimidade a título de parte principal.
            Além disso, pode intervir em qualquer processo judicial em que se discuta a obrigação de indemnização, o que nos reconduz à figura do assistente em relação ao segurado ou ao tomador, tendo tal intervenção como objectivo auxiliá-lo na sua defesa, nos termos do art. 335º do CPC, acautelando, por esta via, os interesses decorrentes da transferência do risco.

Mas, considerando que o segurado poderá exercer o direito de regresso se vier a ser reconhecida a sua responsabilidade pelo sinistro, a intervenção da seguradora pode ser alcançada através do incidente de intervenção acessória provocada, nos termos dos arts. 330º e segs. do CPC, permitindo estender-lhe, desde logo, os efeitos do caso julgado que se formar com a eventual sentença condenatória (…)

Assim, para além das desvantagens da solução no que respeita ao direito substantivo, a opção pela excepcionalidade da acção directa conduz a um regime jurídico-processual escusadamente complexo, o que poderia ter sido facilmente ultrapassado se tivesse sido adoptada outra opção em que, como regra geral, se admitisse aquela acção directa contra a seguradora, com ou sem demanda do segurado, sem embargo da intervenção deste quando se revelasse necessário»


            Na situação dos autos, em que se está na presença de um contrato de seguro de natureza facultativa – Seguro Multiriscos Habitação, em que apenas o seguro de incêndio, que não está em causa nos autos, reveste natureza obrigatória - é muito óbvio dos factos provados que os 1º RR., aqui apelantes, não informaram os AA. da existência do contrato de seguro com a A..., e tão pouco existiu qualquer início de negociações entre esta e os AA., limitando-se a seguradora a fornecer àqueles uma proposta que foi rejeitada (v. nota 4).

Também o contrato de seguro que se mostra junto aos autos não parece contemplar  o direito do lesado a demandar directamente a seguradora, tao pouco os AA. o assinalaram, tendo-se limitado, aquando da formulação do pedido na petição inicial, a referir a condenação solidária dos RR., «ou nos termos constantes do contrato de seguro».   

Sendo de se entender, como se refere no Ac  RG 19/19/2017[6], que, «dos elementos histórico, actualista, sistemático, teleológico e, até literal, resulta que a melhor interpretação a dar, não se nos afigurando possível, até, outra, por entendermos ser contra legem, é a de que nos contratos de seguro de caráter facultativo só se verifica direito de demandar directamente o segurador nas concretas situações, excepcionais, consagradas no nº2 e 3, do art. 140º, do DL nº 72/2008, de 16/4 (LCS) - respectivamente, o contrato de seguro prever tal direito e o segurado ter informado o lesado da existência de contrato de seguro com o consequente início de negociações diretas entre o lesado e o segurador -, ocorrendo ilegitimidade passiva do segurador nas restantes situações em que este seja demandado, pois que não é parte na relação material controvertida (mas apenas numa conexa com aquela).

O direito de ação direta está consagrado no referido diploma apenas para os seguros de carácter obrigatório (cfr. art 146º, do referido diploma), que, sistematicamente, vem regulado na “Subsecção II - Disposições especiais de seguro obrigatório” -, da “Secção I - Seguros de responsabilidade Civil”- (tratando a Subsecção I o Regime Comum), tudo do Título II -“Seguros de danos”)».

Do que se vem de dizer decorre, para lá de uma inevitável improcedência da apelação no aspecto em apreciação, a circunstância de a acção ter decorrido sendo a R. seguradora parte ilegítima.[7]

Não obstante, porque esta excepção não foi arguida na pendência da acção, tão pouco conhecida oficiosamente até à sentença,  e a R. em questão não recorreu [8], nada há que alterar no decidido.

A propósito da ilegitimidade da seguradora em situações como a dos autos – contrato de seguro de carácter facultativo sem que se verifiquem as situações excepcionais a que se reportam os nº 2 e 3 do art 144º  da LCS – cabe referir ser admissível a intervenção da seguradora na acção de responsabilidade civil na qual o alegado lesante é réu, mas apenas por via do incidente de intervenção acessória.

Como se refere no Ac R P 27/2/2020[9], «aduz-se que, não sendo a seguradora contitular da relação material controvertida, mas apenas sujeito passivo de uma relação jurídica (contrato de seguro) conexa com aquela relação, inexiste interesse litisconsorcial necessário ou voluntário entre o réu/lesante e a sua seguradora, não podendo esta ser demandada como parte principal, nem podendo ser admitido o incidente de intervenção principal provocada previsto no art. 316.º do CPC, por forma a desencadear uma situação de litisconsórcio sucessivo, apenas se justificando a intervenção acessória da seguradora, ao abrigo do art. 321.º do CPC, como auxiliar do réu/lesante, com vista a uma futura acção de regresso contra a mesma, e por forma a ser indemnizada pelos prejuízos que venha a sofrer com a perda da demanda».

Para a situação dos autos, porém, e como se viu, é indiferente – a seguradora foi demandada como R., não obstante não ter legitimidade para o efeito, acabou condenada solidariamente com os 1ª RR. na parte primordial do pedido, e não tendo recorrido, transitou em julgado a sua condenação solidária com os 1º RR .

Evidentemente que neste contexto não podem estes pretender a sua absolvição do pedido.

E também não o podem, naturalmente, no que respeita à indemnização por danos não patrimoniais no valor de €700,00.

Como se vê da decisão recorrida, o Exmo Juiz a quo distinguiu nos danos morais, os que se mostraram decorrentes dos prejuízos provocados na fracção e os danos  relacionados com a conduta dos RR. entre 26 de Novembro de 2018 e 10 de Dezembro de 2018. Enquanto no que se reporta à indemnização daqueles fixou a indemnização em  €1.200,00 (mil e duzentos euros) e condenou no seu pagamento aos AA., os 1ª RR. e a seguradora, solidariamente, no tocante à indemnização destes outros, fixou-a em € 700,00  e condenou apenas os 1º RR.

Nesta indemnização esteve essencialmente em causa o comportamento pouco civilizado dos 1ª RR. no relacionamento com os AA. no tocante aos sinistros, numa passividade perante eles que facilmente se confundiu com indiferença pelos seus interesses, incluindo pelo seu bebé de pouca idade, tendo ainda negligenciado os danos que a continuação da utilização da casa de banho potenciou. São evidentemente danos que o seguro não comportaria, bem pelo contrário no que à referida negligência respeita, como, aliás, a seguradora o excepcionou na contestação.

Por isso, nenhuma razão haveria para a condenar nos mesmos, ainda que tivesse legitimidade para a acção, que já se viu que não tinha.

Por fim, no que respeita à taxa de justiça, ela será imputada em sede de custas de parte como decorre da lei e foi afirmado na sentença recorrida.

V - Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.  

Custas pelos RR. apelantes.

                                               Coimbra, 2 de Maio de 2023

(Maria Teresa Albuquerque)

(Falcão de Magalhães)

(Pires Robalo)

(…)




               1- Cfr por exemplo, Ac STJ  3/3/1989, BMJ 385º- 563:« O contrato de seguro de responsabilidade civil é um contrato a favor de terceiro e assim, o segurador ao celebrar este acto juridico, obriga-se também, para com o lesado a satisfazer a indemnização devida pelo segurado, ficando, assim, aquele, com o direito de demandar directamente a seguradora, ou o segurado, ou ambos, em litisconsórcio voluntário».

               No mesmo sentido, Acs. da RL de 07.11.2006 e da RP de 06.07.2009, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

               Na  doutrina, cfr. Vaz Serra, RLJ, ano 99º, pág. 56, nota 1; Diogo Leite de Campos, «Contrato a favor de terceiro», 1991, pág. 13 a 16, Antunes Varela, «Das Obrigações em geral», vol. I, 6ª ed., pág. 372 e segs.; José Vasques, «Contrato de Seguro», pág. 258 e 259).
               3 -Como  se refere em anotação à Lei do Contrato de Seguro Anotada, Pedro Rmano Martinez e outros , 2011, 2ª Ed, p 482, a admissibilidade da acção directa no âmbito do contrato de seguro «foi materalizada, primeiro, na acção subrogatória ou obliqua  - arts 606º e ss do CC- na qual, porém, além de não exercer um direito próprio, o lesado se encontrava a concorrer com outros credores do responsável – na acção pauliana – art 610º e ss do CC , ou por enriquecimento sem causa – arts 473º e ss do CC- só, finalmente, no contrato a favor de terceiro».
               [4] - Estes requisitos são cumulativos, dizendo-se na Lei do Contrato de Seguro Anotada, Pedro Romano Martinez e outros, p 483: «Admitir  que a mera existência do contrato de seguro conferiria ao lesado o direito de demandar directamente o segurador corresponderia a inutilizar o nº 2 do artigo, pelo que, além da referida informação, é necessário que se tenham iniciado negociações directas entre o lesado e o segurado , o que, em nenhum caso, poderá equivaler à mera apresentação de reclamação do  lesado perante o segurador com a consequente resposta deste».
 

               [5] - «O Novo Regime do Contrato de Seguro –antigas e novas questões», em www.dgsi.pt), no ponto 7.

               [6] - Relatora, Eugénia Marinho da Cunha

[7] - No sentido da ilegitimidade passiva da seguradora em situações como as dos autos, cfr, entre outros, Ac R P 14/11/2013 (Rodrigues Pires) Ac R P 22/10/2013 (Pedro Martins), Ac R G 1/10/2015 (Mª Amália Santos), Ac RP de 31/1/2012, p. 8728/09.3 TBVNG.P1, disponível in www.dgsi.pt.; Ac RP de 14/3/2013, p. 977/09.0TBMCN.P1, disponível in www.dgsi.pt.

               [8]-  È certo que pretendeu recorrer subordinadamente, o que não lhe foi admitido na 1ª instância o que nesta foi confirmado em reclamação. Mas nem sequer nesse recurso – inadmitido – arguiu a sua ilegitimidade
               [9] - Relator, Alcides Rodrigues